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OAB XXXII EXAME DE ORDEM CAPÍTULO 3 1 CAPÍTULOS Capítulo 1 – Noções Gerais de Direito Penal Capítulo 2 – Tipicidade Penal. Tipicidade Conglobante. Capítulo 3 (você está aqui) – Princípios aplicáveis ao Direito Penal. Capítulo 4 – Da aplicação da lei penal. Capítulo 5 – Tomo I - Teoria Geral do Crime. Tomo II - Fato típico. Tomo III - Ilicitude. Tomo IV - Culpabilidade. Capítulo 6 – Iter Criminis Capítulo 7 – Do Concurso de Pessoas Capítulo 8 – Das Medidas de Segurança Capítulo 9 – Ação Penal Capítulo 10 – Das Penas Capítulo 11 – Da Extinção da Punibilidade Capítulo 12 – Dos Crimes contra a vida Capítulo 13 – Lesões Corporais Capítulo 14 – Da periclitação da vida e da saúde Capítulo 15 – Da Rixa Capítulo 16 – Dos crimes contra a honra Capítulo 17 – Dos crimes contra a liberdade individual. Dos crimes contra a liberdade pessoal. Capítulo 18 – Dos crimes contra a inviolabilidade do domicílio. Capítulo 19 – Dos crimes contra a inviolabilidade de correspondência. Capítulo 20 – Dos crimes contra a inviolabilidade dos segredos Capítulo 21 – Dos crimes contra o patrimônio Capítulo 22 – Dos crimes contra a propriedade intelectual Capítulo 23 – Dos crimes contra a organização do trabalho 2 Capítulo 24 – Dos crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos Capítulo 25 – Dos crimes contra a dignidade sexual Capítulo 26 – Dos crimes contra a família Capítulo 27 – Dos crimes contra a incolumidade pública Capítulo 28 – Dos crimes contra a paz pública Capítulo 29 – Dos crimes contra a fé pública Capítulo 30 – Dos crimes contra a administração Pública 3 SOBRE ESTE CAPÍTULO Neste capítulo, iremos tratar sobre os Princípios aplicáveis ao Direito Penal. Trata-se de tema extenso, e que merece total atenção do aluno. Perceba que é assunto de média relevância em provas. Esse tema tem as suas peculiaridades e, assim como os demais, precisa que o seu estudo seja estrategicamente planejado e executado. Os conceitos e aplicabilidade ligados ao Princípio da insignificância são de extrema relevância. 4 SUMÁRIO DIREITO PENAL ........................................................................................................................................ 6 Capítulo 3 .................................................................................................................................................. 6 3. Princípios aplicáveis ao Direito Penal .......................................................................................... 6 3.1 Conceito .................................................................................................................................................................... 6 3.2 Princípio da reserva legal ou da estrita legalidade ................................................................................ 6 3.2.1 Princípio da reserva legal e mandado de criminalização. ................................................................... 8 3.3 Princípio da anterioridade .............................................................................................................................. 10 3.3.1 Princípio da anterioridade e vacatio legis ............................................................................................... 10 3.4 Princípio da insignificância ............................................................................................................................. 11 3.4.1 Natureza Jurídica ................................................................................................................................................ 11 3.4.2 Requisitos objetivos .......................................................................................................................................... 12 3.4.3 Requisitos subjetivos ........................................................................................................................................ 12 3.4.4 Aplicabilidade do princípio da insignificância ....................................................................................... 15 3.4.5 A questão do furto privilegiado .................................................................................................................. 22 3.4.6 Valoração pela autoridade policial ............................................................................................................. 22 3.4.7 Princípio da insignificância imprópria ou da criminalidade de bagatela imprópria ............. 23 3.4.8 Princípio da insignificância e acordo de não persecução penal ................................................... 24 3.5 Princípio da individualização da penal ..................................................................................................... 26 3.6 Princípio da alteridade ..................................................................................................................................... 26 3.7 Princípio da Confiança ..................................................................................................................................... 26 3.8 Princípio da adequação social ...................................................................................................................... 27 3.9 Princípio da intervenção mínima ................................................................................................................. 28 3.9.1 Princípio da fragmentariedade ou caráter fragmentário do Direito Penal ............................... 29 5 3.9.2 Princípio da subsidiariedade ......................................................................................................................... 30 3.10 Princípio da proporcionalidade .................................................................................................................... 31 3.10.1 Espécies de proporcionalidade .................................................................................................................... 32 3.11 Princípio da humanidade ................................................................................................................................ 33 3.12 Princípio da ofensividade ou da lesividade ............................................................................................ 33 3.13 Princípio da exclusiva proteção do bem jurídico ................................................................................. 35 3.13.1 Esperitualização de bens jurídicos no direito penal ........................................................................... 36 3.14 Princípio da imputação pessoal ................................................................................................................... 36 3.15 Princípio da responsabilidade pelo fato .................................................................................................. 37 3.16 Princípio da personalidade ou da intranscendência........................................................................... 37 3.17 Princípio do bis in idem .................................................................................................................................. 37 3.18 Princípio da continuidade normativa típica x Abolitio criminis ..................................................... 38 3.19 Princípio da exteriorização do fato ............................................................................................................ 39 QUADRO SINÓTICO .............................................................................................................................. 41 QUESTÕES COMENTADAS ...................................................................................................................48 GABARITO ............................................................................................................................................... 65 QUESTÃO DESAFIO ................................................................................................................................ 66 GABARITO QUESTÃO DESAFIO ........................................................................................................... 67 LEGISLAÇÃO COMPILADA .................................................................................................................... 70 JURISPRUDÊNCIA ................................................................................................................................... 72 MAPA MENTAL ...................................................................................................................................... 72 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................................................... 81 6 DIREITO PENAL Capítulo 3 Neste capítulo, iremos tratar do tema Princípios aplicáveis ao Direito Penal. Trata-se de assunto recorrente em provas de Carreiras Jurídicas, que merece grande atenção. 3. Princípios aplicáveis ao Direito Penal 3.1 Conceito Para Cleber Masson, princípios são os valores fundamentais que inspiram a criação e a manutenção do sistema jurídico. Têm a função de orientar o legislador ordinário, e também o aplicador do Direito Penal, no intuito de limitar o poder punitivo estatal mediante a imposição de garantias aos cidadãos.1 Alguns princípios estão previstos expressamente no nosso direito positivo, a exemplo do princípio da reserva legal, do princípio da individualização da pena, da anterioridade. Por outro lado, há princípios que estão implícitos no ordenamento jurídico, como, por exemplo, o princípio da insignificância, da ofensividade, da fragmentariedade. 3.2 Princípio da reserva legal ou da estrita legalidade Previsto na Constituição Federal, tratado como cláusula pétrea. Preceitua a exclusividade da lei para criação de delitos (crimes e contravenções penais) e cominação de penas. Encontra-se previsto no Art. 1º do Código Penal e art. 5º, XXXIX da CF: Art. 1º - Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal. 1 Vide questão 3 do material 7 Art. 5º, XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal; Também há previsão no art. 9º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto São José da Costa Rica); no art. 15 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e, ainda, no art. 1º do Código Penal Brasileiro. A infração penal só pode ser criada por lei em sentido estrito, ou seja, leis ordinárias. Assim, é vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria relativa à Direito Penal, seja ela prejudicial ou mesmo favorável ao réu. É a posição de Cleber Masson. Entretanto, o STF (2013) firmou o entendimento jurisprudencial que as medidas provisórias podem versar sobre direito penal NÃO incriminador, assim, a vedação não abrange as normas penais benéficas (aquelas que abolem o crime ou lhes restringem o alcance, extingam ou abrandem penas ou ampliam os casos de isenção de pena ou de extinção de punibilidade). Ou seja, Medida Provisória pode versar sobre DIREITO PENAL MAIS FAVORÁVEL AO RÉU. (Divergência na doutrina). Ademais, não se pode veicular matéria penal por lei delegada, em virtude do art. 68, §1º, II (direitos individuais), da Constituição Federal. O princípio da reserva legal possui dois fundamentos, um de natureza jurídica e outro de cunho político. Fundamento jurídico - é a taxatividade, certeza ou determinação, a lei deve prever com precisão o conteúdo mínimo da conduta criminosa. Implica, por parte do legislador, a determinação precisa, ainda que mínima, do conteúdo do tipo penal e da sanção penal a ser aplicada, bem como, da parte do juiz, na máxima vinculação ao mandamento legal. Como desdobramento lógico da taxatividade, o direito penal não tolera a analogia in malam partem. 8 O princípio da legalidade veda a analogia para criar tipos penais ou agravar infrações existentes mas não impedem: 1) analogia in bonam partem (a escusa absolutória do art. 181 do CP é extensível ao companheiro, apesar do dispositivo só mencionar o cônjuge); 2) interpretação analógica (quando a lei faz um elenco de casos específicos e encerra com uma regra de fórmula genérica, permitindo que os casos semelhantes sejam abarcados pela regra incriminadora); 3) interpretação extensiva (A interpretação extensiva se mantém dentro do âmbito da lei, não extravasando as possibilidades semânticas e é usada sempre que se identificar que a lei disse menos do que pretendia.2 Fundamento político – O princípio da reserva legal manifesta-se como um direito fundamental de primeira dimensão (geração), que busca limitar a atuação do Estado, visando à proteção do ser humano. Ainda, é preciso ter cautela em relação a denominação desse princípio nas provas de concursos públicos. Ora, a doutrina consagrou, corretamente, as expressões reserva legal e estrita legalidade, pois somente se admite lei em sentido material (matéria constitucionalmente reservada à lei) e formal (lei editada em consonância com o processo legislativo previsto na Constituição Federal).3 Há autores que tratam o princípio da legalidade e princípio da reserva legal como sinônimos. Todavia, Cleber Masson não as considera expressões sinônimas, e indica que, o melhor caminho a seguir é o da coerência. Assim, se as alternativas em provas objetivas apontarem somente o princípio da legalidade, adote essa nomenclatura, até mesmo por exclusão. Por outro lado, no confronto entre legalidade e reserva legal ou estrita legalidade, fique com os últimos. 3.2.1 Princípio da reserva legal e mandado de criminalização. Também conhecido como mandados constitucionais de criminalização. Os mandados de criminalização apresentam matérias sobre as quais o legislador ordinário não tem a faculdade 2 Vide questão 9 do material 3 Vide questão 7 do material 9 de legislar, mas a obrigatoriedade de tratar, protegendo determinados bens ou interesses de forma adequada e, dentro do possível, integral. São ordens emitidas pela CF ao legislador ordinário no sentido da criminalização de determinados comportamentos. É uma determinação, uma ordem, e não um pedido. A constituição determina, de forma expressa, os casos em que a lei deverá criminalizar referida conduta como forma de proteção a bem ou interesse. Estão contidos no Art. 5º, da CF (EXPRESSO/EXPLÍCITOS): XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais; XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei; XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem; XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático; No entanto, há também os mandados de criminalização implícitos, como exemplo o combate à corrupção no poder público. MANDADO DE CRIMINALIZAÇÃO EXPRESSO/EXPLÍCITOS MANDADO DE CRIMINALIZAÇÃO TÁCITO/IMPLÍCITOS A ordem está prevista expressamente no texto constitucional, que manda o legislador criar determinado crime ou impor determinada pena. A ordem de criminalização está implícita no textoconstitucional. É extraída da totalidade da CF, da sua interpretação sistemática. Exemplo: art. 225, §3º da CF: § 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, Exemplo: combate à corrupção no poder público. A CF não prevê expressamente a criação de crime de corrupção praticado por agentes públicos. Contudo, o art. 1º (República - coisa pública - Federativa do BR), art. 37 da CF http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/188546065/constituição-federal-constituição-da-republica-federativa-do-brasil-1988 10 independentemente da obrigação de reparar os danos causados. (princípios da legalidade, imparcialidade, da moralidade, publicidade e da eficiência da administração pública) podem ser utilizados para extrair este entendimento. Alguns dos mandados de criminalização já foram atendidos pelo legislador ordinário de modo satisfatório, a exemplo da Lei 13.260/2016, que regulamentou o art. 5.º, inc. XLIII, da Constituição Federal, para tipificar o terrorismo. Destaca-se que nem todos os mandados de criminalização foram cumpridos. 3.3 Princípio da anterioridade Decorre também do art. 5.º, XXXIX, da Constituição Federal, e do art. 1.º do Código Penal, quando estabelecem que o crime e a pena devem estar definidos em lei prévia ao fato cuja punição se pretende. Art. 1º - Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal. Art. 5º, XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal; A criação dos tipos penais e a cominação de sanções exigem lei anterior, proibindo-se a retroatividade maléfica. Assim, a formulação do princípio da legalidade compreende, necessariamente, a anterioridade da lei e sua irretroatividade. 3.3.1 Princípio da anterioridade e vacatio legis A lei penal produz efeitos a partir da data em que entra em vigor. Assim, é proibida a aplicação da lei penal inclusive aos fatos praticados durante o período de vacatio. Embora já publicada e formalmente válida, a lei ainda não estará em vigor. 11 Vacatio legis Publicação Fato Entrada em vigor Imagine que “A” pratique uma conduta, considerada criminosa, durante o período da vacatio legis. Nesta situação, haverá crime? Não! Pois a lei só será aplicada e, portanto, só haverá crime, quando entrar em vigor. Desse modo, pode-se afirmar que o princípio da anterioridade não se contenta com a vacatio da legis, é necessário que a lei tenha entrado em vigor. 3.4 Princípio da insignificância Conhecido também como criminalidade de bagatela sustenta ser vedada a atuação penal do Estado quando a conduta não é capaz de lesar ou no mínimo de colocar em perigo o bem jurídico tutelado pela norma penal.4 Destina-se a efetuar uma interpretação restritiva da lei penal, diminuindo o seu alcance, eis que a lei penal é muito abrangente. 3.4.1 Natureza Jurídica É pacífico o entendimento de que o princípio da insignificância funciona como uma cláusula supralegal (não prevista em lei) de exclusão da tipicidade, tornando o fato atípico. Exclui a tipicidade material do fato.5 A tipicidade penal é formada pela soma da: Tipicidade FORMAL – fato praticado se encaixa na norma típica. Tipicidade MATERIAL - efetiva lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico. Embora haja a atipicidade do fato, isso não impede a concessão de ofício de habeas data. Além disso, o trânsito em julgado da condenação não impede seu reconhecimento. 4 Vide questão 1 do material 5 Vide questão 10 do material 12 3.4.2 Requisitos objetivos São requisitos de ordem objetiva (quatro condições criadas pela jurisprudência do STF): 1. Mínima ofensividade da conduta; 2. Ausência de periculosidade social da ação; 3. Reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e 4. Inexpressividade da lesão jurídica. Estes vetores encontram-se consolidados na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: Para a incidência do princípio da insignificância, devem ser relevados o valor do objeto do crime e os aspectos objetivos do fato, tais como, a mínima ofensividade da conduta do agente, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica causada. Como se percebe, tais requisitos são semelhantes, nem mesmo o STF os diferencia, tendo em vista que o princípio da insignificância é um instrumento de política criminal (adaptar a letra da lei aos interesses da coletividade). Por isso, há casos em que o STF aplica e casos em que não aplica. O autor Cleber Masson cita dois exemplos importantes: 1) Dois agentes furtam uma ovelha (no valor de R$ 70,00), no interior nordestino, com a finalidade de fazer um churrasco. O STF não aplicou o princípio da insignificância. 2) Um empresário ingressa no Brasil com inúmeros produtos (no valor de quase 10 mil reais) sem declarar, cometendo o crime de descaminho. O STF aplicou o princípio da insignificância. 3.4.3 Requisitos subjetivos Os requisitos subjetivos não dizem respeito ao fato. Ao contrário, relacionam-se ao agente e à vítima do fato descrito em lei como crime ou contravenção penal. Vejamos. 1. Condições pessoais do agente Nessa seara, três situações merecem análise: reincidente, criminoso habitual e militar. 13 1.1. Reincidência: Existem duas posições acerca da possibilidade de aplicação do princípio da insignificância ao reincidente: 1ª posição: É vedada a incidência do princípio da insignificância ao reincidente (STF). Trata-se de instituto de política criminal e, nesse contexto, não há interesse da sociedade no deferimento do benefício àquele que já foi definitivamente condenado pela prática de uma infração penal. Vale ressaltar que, embora o entendimento acima seja a regra geral na Suprema Corte, o STF, muito recentemente, entendeu ser possível aplicar o princípio da insignificância para o furto de mercadorias avaliadas em R$ 29,15, mesmo que a subtração tenha ocorrido durante o período de repouso noturno e mesmo que o agente seja reincidente em crimes patrimoniais. Ainda no que tange ao instituto, segundo o STF, a reincidência não impede, por si só, que o juiz da causa reconheça a insignificância penal da conduta, à luz dos elementos do caso concreto.6 No entanto, com base no caso concreto, o juiz pode entender que a absolvição com base nesse princípio é penal ou socialmente indesejável. Nesta hipótese, o magistrado condena o réu, mas utiliza a circunstância de o bem furtado ser insignificante para fins de fixar o regime inicial aberto. Desse modo, o juiz não absolve o réu, mas utiliza a insignificância para criar uma exceção jurisprudencial à regra do art. 33, § 2º, “c”, do CP, com base no princípio da proporcionalidade. 2ª posição: Admite-se o princípio da insignificância em favor do reincidente (STJ). Este postulado exclui a tipicidade do fato, e a reincidência (agravante genérica) é utilizada somente na dosimetria da pena. Em outras palavras, não há relevância penal tanto para o primário como para o reincidente. A despeito da presença de qualificadora no crime de furto possa, à primeira vista, impedir o reconhecimento da atipicidade material da conduta, a análise conjunta das circunstâncias pode demonstrar a ausência de lesividade do fato imputado, recomendando a aplicação do princípio da insignificância. 6 Vide questão 8 do material https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/3501672ebc68a5524629080e3ef60aef?categoria=11&subcategoria=95 https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/3501672ebc68a5524629080e3ef60aef?categoria=11&subcategoria=95https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/3501672ebc68a5524629080e3ef60aef?categoria=11&subcategoria=95 14 Entretanto, na prova (TJ-CE/2018 - Juiz Substituto) o CESPE considerou a assertiva correta: a reincidência do acusado não é motivo suficiente para afastar a aplicação do princípio da insignificância. Fundamento: Jurisprudência do STF/2016 sobre o tema - Por maioria, foram também acolhidas as seguintes teses: (i) a reincidência não impede, por si só, que o juiz da causa reconheça a insignificância penal da conduta, à luz dos elementos do caso concreto; (HC 123108, Relator (a): Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 03/08/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe- 018 DIVULG 29-01-2016 PUBLIC 01-02-2016)". 1.2. Criminoso habitual É aquele que faz da prática de delitos o seu meio de vida. A ele não se permite a incidência do princípio da insignificância, pois a lei penal seria inócua se tolerada a reiteração do mesmo crime, seguidas vezes, em frações que, isoladamente, não superassem um determinado valor tido como irrelevante, mas o excedesse em sua totalidade. 1.3. Militares É vedada a incidência do princípio da insignificância. Para o STF, não se aplica o princípio da insignificância aos militares, pois são regidos pela hierarquia e pela disciplina, gozando de credibilidade perante as demais pessoas da sociedade. Assim, não podem se aproveitar deste poder para a prática de crimes. 2. Condições da vítima 15 Há de conjugar a importância do objeto material para a vítima, levando-se em consideração a sua condição econômica, o valor sentimental do bem, as circunstâncias e o resultado do crime = extensão do dano, valor sentimental do bem. Na extensão do dano, analisa-se o tamanho do dano causado à vítima. É o famoso caso da bicicleta, em que o agente furtou uma bicicleta de um auxiliar de pedreiro, que estava em péssimas condições, cujo valor era ínfimo. Contudo, era o único meio de transporte que a vítima possuía, utilizada para o seu sustento. Já o valor sentimental do bem, para a vítima impede a utilização da insignificância, ainda que o objeto material do crime não apresente relevante aspecto econômico. A propósito, o Supremo Tribunal Federal afastou este princípio na subtração de um “Disco de Ouro” de músico brasileiro, considerando também a infungibilidade da coisa. 3.4.4 Aplicabilidade do princípio da insignificância O princípio da insignificância é aplicável a qualquer delito que seja com ele compatível, não havendo um valor máximo (teto) a limitar a incidência do princípio. Pode ser reconhecido mesmo após o trânsito em julgado da sentença. Principais situações em que se discute a aplicabilidade do princípio da insignificância: Furto de mercadorias: o STF entendeu é possível aplicar o princípio da insignificância para o furto de mercadorias avaliadas em R$ 29,15, mesmo que a subtração tenha ocorrido durante o período de repouso noturno e mesmo que o agente seja reincidente. É possível aplicar o princípio da insignificância para o furto de mercadorias avaliadas em R$ 29,15, mesmo que a subtração tenha ocorrido durante o período de repouso noturno e mesmo que o agente seja reincidente. Vale ressaltar que os produtos haviam sido furtados de um estabelecimento comercial e que logo após o agente foi preso, ainda na porta do estabelecimento. Objetos furtados: R$ 4,15 em moedas, uma garrafa de Coca- Cola, duas garrafas de cerveja e uma garrafa de pinga marca 51, tudo avaliado em R$ 29,15. (STF. 2ª Turma. HC 181389 AgR/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 14/4/2020 (Info 973).). 16 Na mesma decisão, o STF entendeu que é possível aplicar o princípio da insignificância para furto de bem avaliado em R$ 20,00 mesmo que o agente tenha antecedentes criminais por crimes patrimoniais. É possível a aplicação do princípio da insignificância para o agente que praticou o furto de um carrinho de mão avaliado em R$ 20,00 (3% do salário-mínimo), mesmo ele possuindo antecedentes criminais por crimes patrimoniais. STF. 1ª Turma. RHC 174784/MS, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 11/2/2020 (Info 966). Em outro precedente mais recente: É possível a aplicação do princípio da insignificância em face de réu reincidente e realizado no período noturno. Na espécie, trata-se de furto de R$ 4,15 em moedas, uma garrafa pequena de refrigerante, duas garrafas de 600 ml de cerveja e uma de 1 litro de pinga, tudo avaliado em R$ 29,15. STF. 2ª Turma. HC 181389/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 14/04/2020 (Info 973). Roubo e demais crimes cometidos com grava ameaça ou violência à pessoa: não se admite o princípio da insignificância. Crimes contra a Administração Pública: Posição do STJ: não é admitido nos crimes contra a Administração Pública, pois, ainda que a lesão econômica seja irrisória, há ofensa à moralidade administrativa e à probidade dos agentes públicos. Posição do STF: admite o princípio da insignificância nos crimes contra a Administração Pública em situações extremas. ATENÇÃO: Súmula 599-STJ: O princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração pública.7 Descaminho e crimes tributários: incide o princípio da insignificância. Valor máximo que era considerado insignificante: STJ: 10 mil reais (Lei 10.522/2002, art. 20); STF: 20 mil reais (valor atualizado pelas Portarias 75 e 132/2012 do Ministério da Fazenda). No entanto, atualmente, tanto o STF, quanto o STJ, consideram o valor de 20.000 reais como insignificante. Incide o princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de descaminho quando o débito tributário verificado não ultrapassar o limite de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a teor do disposto no art. 20 da Lei n. 10.522/2002, com redação dada pela Lei nº. 13.974/2019, regulamentado pelo art. 2.º da Portaria PGFN 75/2012: "Art. 2º. O Procurador da Fazenda 7 Vide questão 2 e 5 do material 17 Nacional requererá o arquivamento, sem baixa na distribuição, das execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 (Vinte mil reais), desde que não conste dos autos garantia, integral ou parcial, útil à satisfação do crédito. Os Tribunais Superiores, consequentemente, firmaram jurisprudência no sentido de que não se admite seja uma conduta irrelevante no âmbito fiscal (não cobrança do tributo pela União) e simultaneamente típica no Direito Penal, pois este somente deve atuar quando extremamente necessário para a tutela dobem jurídico protegido, quando falharam os outros meios de proteção e não forem suficientes as tutelas estabelecidas nos demais ramos do Direito. Na visão do STF: A jurisprudência desta Suprema Corte é pacífica no sentido de que o princípio da insignificância poderá ser aplicado ao delito de descaminho quando o valor sonegado for inferior ao estabelecido no art. 20 da Lei 10.522/2002, com as atualizações instituídas pelas Portarias 75/2012 e 130/2012, ambas do Ministério da Fazenda, ressalvados os casos de reincidência ou comprovada habitualidade delitiva, que impedirão a aplicação desse princípio, em razão do elevado grau de reprovabilidade da conduta do agente. Todavia, é preciso consignar a existência de decisão do STF em sentido contrário, pela inaplicabilidade do princípio da insignificância ao descaminho, com o fundamento de que a legislação relativa à execução fiscal não produz reflexos no âmbito penal: É possível utilizar o parâmetro mínimo de 20 mil reais (criado para a execução fiscal) como critério para aplicação do princípio da insignificância nos crimes tributários? NÃO. Não é possível a aplicação do princípio da insignificância aos crimes tributários de acordo com o montante definido em parâmetro estabelecido paraa propositura judicial de execução fiscal. STF. 1ª Turma. HC-AgR 144.193-SP, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 15/04/2020. SIM. É possível a aplicação do princípio da insignificância aos crimes tributários e de descaminho quando o débito tributário verificado não ultrapassar o limite de R$ 20.000,00 (vinte 18 mil reais), a teor do disposto no art. 20 da Lei n. 10.522/2002, com as atualizações efetivadas pelas Portarias n. 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda. STF. 2ª Turma. HC-AgR 160.239-SP, Rel. Min. Gilmar Mendes; Julg. 22/05/2020. STF. 2ª Turma. HC-AgR 174.329-SC, Rel. Min. Ricardo Lewandowski; Julg. 05/11/2019; DJE 18/11/2019. STJ. 3ª Seção. HC 535.063-SP. Rel. Min. Sebastião Reis Júnior; Julg. 10/06/2020; DJE 25/08/2020 Por outro lado, o limite imposto pela Lei 10.522/2002 alcança somente tributos federais. Para os tributos estaduais e municipais deve existir previsão específica por cada ente federativo. Não pode ser aplicado para fins de incidência do princípio da insignificância nos crimes tributários estaduais o parâmetro de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), estabelecido no art. 20 da Lei 10.522/2002, devendo ser observada a lei estadual vigente em razão da autonomia do ente federativo. STJ. 5ª Turma. AgRg-HC 549.428-PA. Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 19/05/2020. O Superior Tribunal de Justiça entende que não pode ser aplicado, para fins de incidência do princípio da insignificância, nos crimes tributários estaduais, o parâmetro de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), estabelecido no art. 20 da Lei 10.522/2002, devendo ser observada a lei estadual vigente em razão da autonomia do ente federativo. Lei de Drogas: os crimes tipificados na Lei de Drogas são de perigo abstrato e tutelam saúde pública. No tráfico de drogas, é indiscutível a inadmissibilidade do princípio da insignificância. O mesmo raciocínio deve ser utilizado na posse de droga para consumo pessoal. OBS: o STF2 já decidiu em sentido diverso, aplicando o princípio da insignificância ao crime do art. 28 da Lei 11.343/2006. Não se aplica ao tráfico de drogas, visto se tratar de crime de perigo abstrato ou presumido, sendo, portanto, irrelevante a quantidade de droga apreendida. STJ. 5ª Turma. HC 318936/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 27/10/2015. Se a pessoa for encontrada com alguns poucos gramas de droga para consumo próprio, é possível aplicar o princípio da insignificância? STJ: não é possível aplicar o princípio da insignificância A jurisprudência de ambas as turmas do STJ firmou entendimento de que o crime 19 de posse de drogas para consumo pessoal (art. 28 da Lei nº 11.343/06) é de perigo presumido ou abstrato e a pequena quantidade de droga faz parte da própria essência do delito em questão, não lhe sendo aplicável o princípio da insignificância (STJ. 6ª Turma. RHC 35920 -DF, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 20/5/2014. Info 541). STF: possui um precedente isolado, da 1ª Turma, aplicando o princípio: HC 110475 , Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 14/02/2012. Contrabando: o princípio da insignificância não é aplicável ao delito de contrabando. A importação de arma de ar comprimido configura CONTRABANDO (e não descaminho) a conduta de importar, à margem da disciplina legal, arma de pressão por ação de gás comprimido ou por ação de mola, ainda que se trate de artefato de calibre inferior a 6 mm. A importação de arma de pressão está sujeita à autorização prévia da Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados do Exército Brasileiro, e só pode ser feita por colecionadores, atiradores e caçadores registrados no Exército. Além disso, deve se submeter às normas de desembaraço alfandegário previstas no Regulamento para a Fiscalização de Produtos Controlados. Logo, trata-se de mercadoria de proibição relativa, sendo a sua importação fiscalizada não apenas por questões de ordem tributária, mas outros interesses ligados à segurança pública. Não é possível aplicar o princípio da insignificância, já que este postulado é incabível para contrabando. STJ. 5ª Turma. REsp 1428628/RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 28/04/2015. STJ. 6ª Turma. REsp 1427796-RS, Rel. Min. Maria Thereza De Assis Moura, julgado em 14/10/2014 (Info 551). Crimes ambientais: vem sendo admitido, embora ainda haja certa polêmica e divergências na própria jurisprudência. É bom estar sempre ligado. Não se configura o crime previsto no art. 34 da Lei nº 9.605/98 na hipótese em que há a devolução do único peixe – ainda vivo – ao rio em que foi pescado. STJ. 6ª Turma. REsp 1.409.051-SC, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 20/4/2017 (Info 602). A Lei de Crimes Ambientais tipifica a pesca ilegal, nos seguintes termos: "Art. 34. Pescar em período no qual a pesca seja proibida ou em lugares interditados por órgão competente:" Se a pessoa é flagrada sem nenhum peixe, mas portando consigo equipamentos de pesca, em um local onde esta atividade é proibida, ela poderá ser absolvida do delito do art. 34 da Lei de 20 Crimes com base no princípio da insignificância? A 2ª Turma do STF possui decisões conflitantes sobre o tema: SIM. Inq 3788/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 1°/3/2016 (Info 816). O princípio da bagatela não se aplica ao crime previsto no art. 34, caput c/c parágrafo único, II, da Lei 9.605/98: Art. 34. Pescar em período no qual a pesca seja proibida ou em lugares interditados por órgão competente: Pena - detenção de um ano a três anos ou multa, ou ambas as penas cumulativamente. Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem: II - pesca quantidades superiores às permitidas, ou mediante a utilização de aparelhos, petrechos, técnicas e métodos não permitidos; Tráfico internacional de arma de fogo: não comporta o princípio da insignificância. Rádio pirata: duas posições acerca da aplicabilidade da insignificância. 1ª posição: para o STF, é possível a incidência do princípio, desde que o serviço de radiofusão apresente finalidade social e objeto lícito e não apresente capacidade para interferir nos demais meios de comunicação e na segurança do tráfego aéreo. 2ª posição (STJ): o crime tipificado no art. 183, da Lei 9.742/97 é incompatível com o princípio da insignificância. Crimes contra a fé pública: não incide o princípio da insignificância. Porte ilegal de munição: não se admite. Os delitos de posse e de porte de arma de fogo são crimes de perigo abstrato, de forma que, em regra, é irrelevante a quantidade de munição apreendida. O entendimento acima exposto configura a regra geral. No entanto, o STF e o STJ, a depender do caso concreto, reconhece a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância para o crime de posse ou porte ilegal de pouca quantidade de munição desacompanhada da arma. O atual entendimento do STJ é no sentido de que a apreensão de pequena quantidade de munição, desacompanhada da arma de fogo, permite a aplicação do princípio da insignificância ou bagatela. 21 O STJ, alinhando-se ao STF, tem entendido pela incidência do princípio da insignificância aos crimes previstos na Lei nº 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento), afastando a tipicidade material da conduta quando evidenciada flagrante desproporcionalidade da resposta penal. A aplicação do princípio da insignificância deve, contudo, ficar restrita a hipóteses excepcionais que demonstrem a inexpressividade da lesão, de forma que a incidência do mencionado princípio não pode levar ao esvaziamento do conteúdo jurídico do tipo penal em apreço - porte de arma, incorrendo em proteção deficiente ao bem jurídico tutelado. Atos infracionais: admite o princípio da insignificância. Evasão de divisas: no crime de evasão de divisas, praticada mediante operação da modalidade “dólar-cabo” (Lei 7.492/86, art. 22, parágrafo único, 1ª parte), não se aplica o teto de 10 mil reais, previsto naLei 10.522/02, como parâmetro para incidência da insignificância. Violência doméstica ou familiar: não se aplica o princípio da insignificância. Súmula n.º 589, STJ. É inaplicável o princípio da insignificância nos crimes ou contravenções penais praticados contra a mulher no âmbito das relações domésticas. STJ. 3ª Seção. Aprovada em 13/09/2017, DJe 18/09/2017.8 Apropriação indébita previdenciária: Não é possível a aplicação do princípio da insignificância aos crimes de apropriação indébita previdenciária e de sonegação de contribuição previdenciária, independentemente do valor do ilícito, pois esses tipos penais protegem a própria subsistência da Previdência Social, de modo que é elevado o grau de reprovabilidade da conduta do agente que atenta contra este bem jurídico supraindividual. O bem jurídico tutelado pelo delito de apropriação indébita previdenciária é a subsistência financeira da Previdência Social. Logo, não há como afirmar-se que a reprovabilidade da conduta atribuída ao paciente é de grau reduzido, considerando que esta conduta causa prejuízo à 8 Vide questão 5 do material 22 arrecadação já deficitária da Previdência Social, configurando nítida lesão a bem jurídico supraindividual. O reconhecimento da atipicidade material nesses casos implicaria ignorar esse preocupante quadro. Furto qualificado Em regra, a aplicação do princípio da insignificância tem sido rechaçada nas hipóteses de furto qualificado, tendo em vista que tal circunstância denota, em tese, maior ofensividade e reprovabilidade da conduta. Deve-se, todavia, considerar as circunstâncias peculiares de cada caso concreto, de maneira a verificar se, diante do quadro completo do delito, a conduta do agente representa maior reprovabilidade a desautorizar a aplicação do princípio da insignificância. No caso concreto, a 5ª Turma do STJ aplicou o princípio da insignificância e absolveu as acusadas. Afirmou-se que “muito embora a presença da qualificadora possa, à primeira vista, impedir o reconhecimento da atipicidade material da conduta, a análise conjunta das circunstâncias demonstra a ausência de lesividade do fato imputado, recomendando a aplicação do princípio da insignificância.” A despeito da presença de qualificadora no crime de furto possa, à primeira vista, impedir o reconhecimento da atipicidade material da conduta, a análise conjunta das circunstâncias pode demonstrar a ausência de lesividade do fato imputado, recomendando a aplicação do princípio da insignificância. STJ. 5ª Turma. HC 553.872- SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 11/02/2020 (Info 665). 3.4.5 A questão do furto privilegiado No furto privilegiado, a coisa é de pequeno valor (inferior a um salário mínimo), enquanto que no princípio da insignificância, o valor é irrelevante para o Direito penal, por não colocar em risco o bem jurídico penalmente tutelado. 3.4.6 Valoração pela autoridade policial Segundo o entendimento do STJ, não é possível que a autoridade policial aplique o princípio da insignificância (Info. 441), tendo em vista que se trata de matéria reservada ao poder judiciário. Salienta-se que até o momento o STF não se manifestou sobre o tema. 23 STJ – Info 441: A Turma concedeu parcialmente a ordem de habeas corpus a paciente condenado pelos delitos de furto e resistência, reconhecendo a aplicabilidade do princípio da insignificância somente em relação à conduta enquadrada no art. 155, caput, do CP (subtração de dois sacos de cimento de 50 kg, avaliados em R$ 45). Asseverou-se, no entanto, ser impossível acolher o argumento de que a referida declaração de atipicidade teria o condão de descaracterizar a legalidade da ordem de prisão em flagrante, ato a cuja execução o apenado se opôs de forma violenta. Segundo o Min. Relator, no momento em que toma conhecimento de um delito, surge para a autoridade policial o dever legal de agir e efetuar o ato prisional. O juízo acerca da incidência do princípio da insignificância é realizado apenas em momento posterior pelo Poder Judiciário, de acordo com as circunstâncias atinentes ao caso concreto. Logo, configurada a conduta típica descrita no art. 329 do CP, não há de se falar em consequente absolvição nesse ponto, mormente pelo fato de que ambos os delitos imputados ao paciente são autônomos e tutelam bens jurídicos diversos” (STJ. HC 154.949/MG. Rel. Min. Felix Fischer. DJ 03/08/2010). Em oposição, a doutrina sustenta a possibilidade de aplicação pela autoridade policial, eis que o princípio da insignificância afasta a tipicidade do fato. Logo, se o fato é atípico para autoridade judiciária, também apresenta igual natureza para autoridade policial. 3.4.7 Princípio da insignificância imprópria ou da criminalidade de bagatela imprópria Não possui previsão legal, é uma criação de Claus Roxin. A infração bagatelar imprópria é a que inicialmente tem relevância para o Direito penal, pois existe desvalor de conduta e de resultado. É a infração que nasce com relevância para o ordenamento jurídico, mas sua punição se faz desnecessária. Há falta de interesse de punir. A aplicação da pena no caso concreto torna-se absolutamente desnecessária em razão das circunstâncias do fato. Trata-se de causa supralegal (não prevista em lei) de extinção da punibilidade, não afastando a tipicidade material. Para melhor compreensão, observe o quadro abaixo: INSIGNIFICÂNCIA PRÓPRIA INSIGNIFICÂNCIA IMPRÓPRIA Fato atípico Fato típico e ilícito, o agente é culpável. Exclui a tipicidade Exclui a punibilidade 24 Não se instauração de ação penal Há ação penal. 3.4.8 Princípio da insignificância e acordo de não persecução penal De acordo com o autor Renato Brasileiro, na sistemática adotada pelo art. 28-A do Código de Processo Penal, introduzido pela Lei n. 13.964/19 (Pacote Anticrime), cuida-se de negócio jurídico de natureza extrajudicial, necessariamente homologado pelo juízo competente – pelo menos em regra, pelo juiz das garantias (CPP, art. 3º-B, inciso XVII, incluído pela Lei n. 13.964/19) –, celebrado entre o Ministério Público e o autor do fato delituoso – devidamente assistido por seu defensor –, que confessa formal e circunstanciadamente a prática do delito, sujeitando-se ao cumprimento de certas condições não privativas de liberdade, em troca do compromisso do Parquet de não perseguir judicialmente o caso penal extraído da investigação penal, leia-se, não oferecer denúncia, declarando-se a extinção da punibilidade caso a avença seja integralmente cumprida. Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente: (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). I - reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). II - renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). III - prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução, na forma do art. 46 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). 25 IV - pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a entidade pública ou de interessesocial, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; ou (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). V - cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). Conforme o §2º, II, do art. 28-A do CPP, não será possível aplicar o acordo de persecução penal quando o acusado for criminoso habitual, salvo quando as infrações por ele praticadas tiverem sido insignificantes. Isso ocorre porque, quando uma infração é considerada insignificante, a conduta é atípica e, portanto, não há crime (tecnicamente, não será um criminoso habitual). Art. 28-A, § 2º O disposto no caput deste artigo não se aplica nas seguintes hipóteses: (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (...) II - se o investigado for reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019); De acordo com respectivo autor, há uma contradição na utilização da expressão “exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas”, tendo em vista que em uma primeira leitura leva ao entendimento que seria a aplicação do Princípio da insignificância. Entretanto, como se sabe, o princípio da insignificância exclui a tipicidade material, portanto, não haveria como existir uma infração penal pretérita. Por isso, a melhor leitura da expressão “insignificância”, de acordo com Renato Brasileiro, é no sentido de infração de menor potencial ofensivo. Enunciado 21 CNPG – Não caberá o acordo de não persecução penal se o investigado for reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas, entendidas estas como delitos de menor potencial ofensivo. 26 3.5 Princípio da individualização da penal Disposto no art. 5º, XLVI, da CF, determina que a pena não deve ser padronizada, cabendo a cada condenado a exata medida punitiva pelo que fez. O processo de aplicação da pena desenvolve-se em três estágios: 1) Fixação do quantum da pena; 2) Estabelecimento do regime de cumprimento da pena; 3) Opção pelos benefícios legais cabíveis (penas alternativas, sursis). 3.6 Princípio da alteridade Criado por Claus Roxin. Significa que não há crime na conduta que prejudica somente quem a praticou. O crime deve ultrapassar a conduta de quem o pratica. O direito penal se ocupa com condutas que excedam o âmbito do próprio sujeito. Punição de condutas que causem danos a terceiros. Ninguém pode ser punido por causar mal a si próprio, autolesão não é punível. Como exemplo, cita-se o art. 28 da Lei de Drogas, in verbais: Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: 3.7 Princípio da Confiança Surgiu na Espanha, voltado aos crimes de trânsito. Foi desenvolvido inicialmente pela jurisprudência para enfrentar os problemas resultantes dos crimes praticados na direção de veículo automotor. Atualmente, sua utilização é bastante ampla, notadamente nos setores em que exista atuação conjunta de indivíduos, entendendo-se por isso as atividades comunitárias ou em divisão de trabalho. Parte do pressuposto de que todos devem esperar por parte das demais pessoas comportamentos responsáveis e em consonância com o ordenamento jurídico, almejando evitar 27 danos a terceiros. Deve-se confiar que o comportamento dos outros se dará de acordo com as regras da experiência, levando-se em conta um juízo estatístico alicerçado naquilo que normalmente acontece (id quod plerumque accidit). 3.8 Princípio da adequação social O princípio da adequação social, desenvolvido por Hanz Welzel, afasta a tipicidade dos comportamentos que são aceitos e considerados adequados ao convívio social. De acordo com o referido princípio, os costumes aceitos por toda a sociedade afastam a tipicidade material de determinados fatos que, embora possam se subsumir a algum tipo penal, não caracterizam crime justamente por estarem de acordo com a ordem social em um determinado momento histórico.9 Não é adotado no Brasil pelo STF e STJ. Torna materialmente atípica a conduta formalmente típica, pois caiu no ceio da sociedade. Afasta o crime, é exclusão da tipicidade MATERIAL, assim como o princípio da insignificância. Ex: trotes acadêmicos, circuncisão realizada nos judeus. É um princípio dirigido tanto ao legislador quanto ao intérprete da norma. Quanto ao legislador, este princípio serve como norte para que as leis a serem editadas não punam como crime condutas que estão de acordo com os valores atuais da sociedade. Quanto ao intérprete, este princípio tem a função de restringir a interpretação do tipo penal para excluir condutas consideradas socialmente adequadas. Com isso, impede-se que a interpretação literal de determinados tipos penais conduza a punições de situações que a sociedade não mais recrimina. Vale ressaltar, no entanto, que o princípio da adequação social não pode ser utilizado pelo intérprete para “revogar” (ignorar) a existência de tipos penais incriminadores. Ex: a contravenção do jogo do bicho talvez seja tolerada pela maioria da população, mas nem por isso deixa de ser infração penal. Isso porque a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue (art. 2º da LINDB). Advirta-se, porém, que a autorização para o exercício de determinada profissão não implica, automaticamente, na adequação social dos crimes praticados no seu bojo. O STJ já decidiu que, 9 Vide questão 6 do material 28 em crime de descaminho praticado por camelô, a existência de lei regulamentando tal atividade não conduz ao reconhecimento de que o descaminho é socialmente aceitável. Súmula n.º 502, STJ. Presentes a materialidade e a autoria, afigura-se típica, em relação ao crime previsto no art. 184, § 2º, do CP, a conduta de expor à venda CDs e DVDs piratas. 3.9 Princípio da intervenção mínima Também chamado de princípio da necessidade do Direito Penal. Sua origem remonta ao ano de 1.789, na França, com a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, segundo a qual a lei só deve prever as penas estritamente necessárias. O direito penal só deve ser aplicado quando os demais ramos do direito se revelarem insuficientes à tutela. Apenas quando a criminalização de um fato se constitui meio indispensável para a proteção de determinado bem ou interesse. Possui como destinatários principais: o legislador e o aplicador do Direito. O primeiro destinatário é o legislador, que deve analisar a necessidade de criar determinado crime e cominar certa pena. Recomenda moderação no momento de eleger as condutas dignas de proteção penal, abstendo-se de incriminar qualquer comportamento. Perceba que é destinatário no plano abstrato. Já o aplicador do direito, deve ter o bom senso de analisar o caso concreto, não é porque existe crime que a pena deve ser aplicada. Exige não proceder à operação de tipicidade quando constatar que a pendência pode ser satisfatoriamente resolvida com a atuação de outros ramos do sistema jurídico, em que pese a criação, pelo legislador, do tipo penal incriminador. É com base nesse princípio que se fala em direito penal mínimo. Por fim, desse princípio decorrem outros dois: fragmentariedade e subsidiariedade. 29 3.9.1 Princípio da fragmentariedade ou caráter fragmentário do Direito Penal Não são todos os bens jurídicos que serão protegidos. Somente condutasmais graves e mais perigosas, intentadas contra bens jurídicos relevantes, fundamentais, necessitam da tutela do Direito Penal. Só uma pequena parcela é protegida pelo Direito Penal. Para Guilherme Souza Nucci, fragmentariedade significa que nem todas as lesões a bens jurídicos protegidos devem ser tuteladas e punidas pelo direito penal que, por sua vez, constitui somente parcela do ordenamento jurídico. Fragmento é apenas a parte de um todo, razão pela qual o direito penal deve ser visto, no campo dos atos ilícitos, como fragmentário, ou seja, deve ocupar-se das condutas mais graves, verdadeiramente lesivas à vida em sociedade, passíveis de causar distúrbios de monta à segurança pública e à liberdade individual. Para ele, outras questões devem ser resolvidas pelos demais ramos do direito, através de indenizações civis ou punições administrativas. Pode-se, ainda, falar em fragmentariedade de 1.º grau e de 2.º grau. A primeira refere-se à forma consumada do delito, ou seja, quando o bem jurídico precisa ser protegido na sua integralidade. A segunda cinge-se à tentativa, pois se protege o risco de perda ou de lesão, bem como a lesão parcial do bem jurídico. Ilícitos em geral Ilícito Penal Tudo que é ilícito penal também é ilícito perante os demais ramos do Direito. Nem tudo que é ilícito perante o Direito é ilícito penal. 30 Destarte, pode-se afirmar que, em razão de seu caráter fragmentário, o Direito Penal é a última etapa de proteção do bem jurídico. A fragmentariedade manifesta-se no plano abstrato, ou seja, possui como destinatário o legislador, que irá fazer a análise da necessidade ao criar o crime e/ou cominar a pena. Por fim, com a evolução da sociedade e a modificação dos seus valores, nada impede a fragmentariedade às avessas, nas situações em que um comportamento inicialmente típico deixa de interessar ao Direito Penal, sem prejuízo da sua tutela pelos demais ramos do Direito. Ex: o adultério deixou de ser crime, mas continuou como ilícito cível. 3.9.2 Princípio da subsidiariedade É comum afirmar que o Direito Penal funciona como um “executor de reserva”, como “última ratio” ou “extrema ratio”. O Direito Penal atua somente quando insuficientes às demais formas de controle social, como o Direito Civil e o Direito Administrativo. Assim, a tutela penal deixa de ser necessária quando existir, de forma eficaz, outros meios de controle social menos lesivos aos direitos individuais. A atuação do Direito Penal é cabível unicamente quando os outros ramos do Direito e os demais meios estatais de controle social tiverem se revelado impotentes para o controle da ordem pública. Este princípio, ao contrário do postulado da fragmentariedade, se projeta no plano concreto, isto é, em sua atuação prática o Direito Penal somente se legitima quando os demais meios disponíveis já tiverem sido empregados, sem sucesso, para proteção do bem jurídico. Guarda relação, portanto, com a tarefa de aplicação da lei penal. Sistematizando: FRAGMENTARIEDADE SUBSIDIARIEDADE Manifesta-se no plano abstrato Manifesta-se no plano concreto Possui como destinatário o legislador Possui como destinatário o aplicador do direito Criação da lei penal Aplicação da lei penal 31 ATENÇÃO! O que consta na tabela foi desenvolvido na Alemanha, adotado pela maioria da doutrina e pela jurisprudência do STJ. Contudo, há autores que invertem os conceitos, colocando a fragmentariedade no plano concreto e a subsidiariedade no plano abstrato (Rogério Sanches). 3.10 Princípio da proporcionalidade Também conhecido como princípio da razoabilidade ou da convivência das liberdades públicas, a criação de tipos penais incriminadores deve constituir-se em atividade vantajosa para os membros da sociedade. Tem dupla face: a) proibição ao excesso; b) impede a proteção insuficiente de bens jurídicos. De um lado, o princípio da proporcionalidade é a proibição do excesso (garantismo negativo), ou seja, não se pode punir de forma exagerada, além do necessário para a proteção do bem jurídico. Como exemplo, podemos citar a pena do art. 273 do CP, que trata de falsificação de medicamentos, é maior do que a pena mínima do crime de homicídio. O STJ decidiu que é inconstitucional a pena (preceito secundário) do art. 273, § 1º-B, V, do CP (“reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa”). Esta conclusão é compartilhada pelo Superior Tribunal de Justiça, que inclusive já aplicou, em substituição à sanção atribuída à modalidade contida no § 1.º-B, inc. V, do citado dispositivo legal, a pena prevista ao tráfico de drogas (Lei 11.343/2006, art. 33, caput). Observe os argumentos utilizados (retirado do informativo 559 – fonte: Dizer o Direito) pelos quais a pena do art. 273, § 1º, B, inciso V, viola os princípios constitucionais da proporcionalidade e razoabilidade: Se for comparado com o crime de tráfico de drogas (notoriamente mais grave e cujo bem jurídico também é a saúde pública), percebe-se a total falta de razoabilidade do preceito secundário do art. 273, § 1º-B, do CP. O delito de tráfico de drogas (art. 33 da Lei n. 11.343/2006) possui pena de 5 a 15 anos de reclusão, sendo importante lembrar que existe a possibilidade de aplicação do § 4º do mesmo artigo, que trata da figura do traficante privilegiado, com a redução da pena em 1/6 a 2/3. Com isso, em inúmeros casos, o pequeno traficante pode receber a pena de 1 ano e 8 meses, que pode ser 32 convertida em pena restritiva de direitos. O condenado pelo art. 273, § 1º-B, por sua vez, ainda que receba a pena mínima, seria condenado a 10 anos de reclusão em regime fechado. Comparado com o homicídio, a pena mínima do art. 273, § 1º-B é maior que três vezes a pena máxima do homicídio culposo e corresponde a quase o dobro da pena mínima do homicídio doloso simples. Além disso, a pena do art. 273, § 1º-B é cinco vezes maior que a pena mínima da lesão corporal de natureza grave, sendo também maior que a reprimenda do estupro, do estupro de vulnerável, da extorsão mediante sequestro. Tais comparações revelam gritante desproporcionalidade no sistema penal. O delito do art. 273, § 1º-B é crime de perigo abstrato, ou seja, para a sua consumação não é necessário provar a ocorrência de efetivo risco. É dispensável que tenha ocorrido dano concreto à saúde do pretenso usuário do produto. Logo, trata-se de uma reprimenda muito alta para um crime de perigo abstrato. Uma outra demonstração de que o legislador penal exagerou no momento da fixação da pena está no fato de que a conduta de importar medicamento não registrado na ANVISA, considerada criminosa e hedionda pelo art. 273, § 1º-B, do CP acarreta, no âmbito administrativo, uma mera punição de advertência (arts. 2º, 4º, 8º, IV e 10, IV, Lei n. 6.437/77). Em outras palavras, no âmbito administrativo a pena recebida é mínima e no âmbito penal (que deveria ser a última ratio), a reprimenda é altíssima. De outra banda, pode-se afirmar que o princípio da proporcionalidade é a proibição proteção ineficiente (garantismo positivo) ou insuficiente ou deficiente de bens jurídicos. Ou seja, não se pode punir menos do que necessário para a proteção do bem jurídico. 3.10.1 Espécies de proporcionalidade A doutrina divide a proporcionalidade em três espécies: o legislador (proporcionalidade abstrata), o juiz da ação penal (proporcionalidade concreta), e os órgãos da execução penal (proporcionalidade executória). Legislador (proporcionalidade abstrata) – eleitas as penas mais apropriadas para cada infração penal. É dirigida ao legislador, quando cria um crime ou comina uma pena, ainda 33 que de forma precária, já observa a proporcionalidade. Por exemplo, um crime sem violência ou grave ameaça possui uma pena menor do que um cometido nessas condições. Judiciária (proporcionalidade em concreto) –orienta o juiz no julgamento da ação penal. Por exemplo, réu primário terá uma pena menor do que um réu reincidente. Administrativa (proporcionalidade executória) – regras inerentes ao cumprimento da pena. É aquela que se manifesta durante o cumprimento da pena, ou seja, na fase da execução penal. Por exemplo, condenado com bom comportamento, que trabalha terá direito aos benefícios da execução penal. 3.11 Princípio da humanidade Nenhuma pena pode atentar contra a dignidade da pessoa humana. Desta forma, há vedação de aplicação de pena cruel e infante. A pena deverá ser cumprida de forma a ressocializar o condenado. Assim, o direito penal deve pautar-se pela benevolência, garantindo o bem-estar da coletividade, incluindo-se o dos condenados. Por isso, estipula a Constituição que não haverá penas: a) de morte (exceção feita à época de guerra declarada, conforme previsão dos casos feita no Código Penal Militar); b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis (art. 5.º, XLVII), bem como que deverá ser assegurado o respeito à integridade física e moral do preso (art. 5.º, XLIX). Decorre da dignidade da pessoa humana, consagrada no art. 1.º, III, da Constituição Federal como fundamento da República Federativa do Brasil. Foi com base nesse princípio, entre outros, que o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o regime integralmente fechado para cumprimento da pena privativa de liberdade nos crimes hediondos e equiparados, problema superado com a edição da Lei 11.464/2007. 3.12 Princípio da ofensividade ou da lesividade O direito penal só deve se ocupar com condutas que causem efetiva lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico. Não há infração penal quando a conduta não tiver oferecido ao menos perigo de lesão ao bem jurídico. 34 Em seu livro Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro, o Professor Nilo Batista explica que o princípio da lesividade apresenta quatro funções:10 1. Proibir a incriminação de atitudes internas: o mero projeto mental do cometimento de um crime não é punível; 2. Proibir a incriminação de condutas que não excedam o âmbito do próprio autor: não podem ser punidas condutas que somente prejudique o próprio agente. Ex: autolesão e tentativa de suicídio. É o denominado princípio da alteridade; 3. Proibir a incriminação de simples estados ou condições existenciais: somente é possível punir alguém pelo que fez (direito penal do fato), e não pelo que é (direito penal de autor); 4. Proibir a incriminação de condutas desviadas que não afetem qualquer bem jurídico: práticas e hábitos de grupos minoritários, mesmo considerados imorais, não podem ser criminalizados apenas por essa condição. Ex: Incesto. É importante ficar atento aos autores indicados nos editais de Promotor de Justiça. Costumam cobrar temas e posicionamentos específicos de doutrinadores. Observe como a prova do MPE-GO, exigiu do candidato o conhecimento específico das funções do princípio da lesividade apontadas pelo professor Nilo Batista. (Banca: MPE-GO - 2019 - MPE-GO - Promotor de Justiça Substituto - Prova Anulada) Segundo Nilo Batista, pode-se admitir como principais funções do princípio da lesividade, exceto: A) Proibir a incriminação de uma atitude interna. B) Proibir a incriminação de uma conduta que não exceda o âmbito do próprio autor. C) Proibir a incriminação de simples estados ou condições existenciais. 10 Vide questão 4 do material 35 D) Proibir a incriminação de condutas que possam ser tuteladas de forma eficaz por outros ramos do Direito. Luís Flavio Gomes, em sua obra intitulada Princípio da Ofensividade no Direito Penal, define como dupla a função do princípio da ofensividade. Uma função político-criminal e outra interpretativa ou dogmática. A primeira dirige-se ao Legislador, mais precisamente ao momento em que este decide pela criminalização de uma conduta. Portanto, atua como limite ao Direito de Punir do Estado. A segunda é destinada a interpretação e aplicação do Direito Penal ao caso concreto. Destina-se, assim, ao intérprete e ao juiz. Atua como um limite ao próprio Direito Penal. A sua atuação como limitador do ius puniendi, portanto, começa logo no momento de elaboração da normal penal, trabalhando no sentido de impedir a criminalização de condutas tidas como inofensivas ou que não tragam perigo real aos bens jurídicos mais importantes. Porém, tal filtro não está imune a falhas, e é aí que a segunda função do princípio da ofensividade aparece. 3.13 Princípio da exclusiva proteção do bem jurídico A função do Direito Penal é proteger bem jurídico, ou seja, os valores ou interesses relevantes para a manutenção e o desenvolvimento do indivíduo e da sociedade. Ressalta-se que nem todo bem jurídico será um bem jurídico penal, apenas os mais relevantes, os indispensáveis serão tutelados pelo DP. Desta forma, o Direito Penal não deve se ocupar de questões éticas, morais, religiosas, políticas, filosóficas. Não se confunde com o princípio da alteridade. Neste, há um bem jurídico a ser penalmente tutelado, mas pertencente exclusivamente ao responsável pela conduta legalmente prevista, razão pela qual o Direito Penal não está autorizado a intervir; naquele, por sua vez, não há interesse legítimo a ser protegido pelo Direito Penal. A eleição dos bens jurídicos dignos de proteção penal deriva dos mandamentos constitucionais. Exemplificativamente, o fundamento de validade do delito de homicídio é o 36 direito à vida (CF, art. 5.º, caput), assim como o arrimo dos crimes de calúnia, difamação e injúria encontra-se no art. 5.º, X, da Lei Suprema, relativo à inviolabilidade da honra. 3.13.1 Esperitualização de bens jurídicos no direito penal Igualmente conhecida como liquefação de bens jurídicos ou de desmaterialização de bens jurídicos, foi criada por Claus Roxin. O Direito Penal sempre preocupa-se somente com os crimes de danos contra bens jurídicos individuais, a exemplo do roubo, do estupro, do homicídio. Esses bens jurídicos normalmente são relativos à pessoa concreta, tais como a vida, a liberdade, o patrimônio, entre outros. Entretanto, vêm surgindo tipos penais cujo sujeito passivo é indeterminado, com bem jurídico difuso, não se concretizando perfeitamente. Um exemplo de bem jurídico difuso ou coletivo são os crimes ambientais. A proteção aqui é do meio ambiente. Um meio ambiente desequilibrado é prejudicial à vida e à saúde dos seres humanos, ainda que de forma reflexa. Por isso merece proteção antecipada para que não se perca. Em suma, quando o Direito Penal ampliou a sua tutela e passou a proteger os bens difusos e coletivos houve uma desmaterialização de bens jurídicos, pois não se espera mais um dano contra o bem individual. 3.14 Princípio da imputação pessoal O Direito Penal não pode castigar um fato cometido por agente que atue sem culpabilidade. Em outras palavras, não se admite a punição quando se tratar de agente inimputável, sem potencial consciência da ilicitude ou de quem não se possa exigir conduta diversa. 37 3.15 Princípio da responsabilidade pelo fato Ninguém pode ser punido exclusivamente por questões pessoais. Os tipos penais devem definir fatos, associando-lhes as penas respectivas, e não estereotipar autores em razão de alguma condição específica. Não se admite um Direito Penal do autor, mas somente um Direito Penal do fato. 3.16 Princípio da personalidade ou da intranscendência Nenhuma pena passará da pessoa do acusado, podendo a obrigação de reparar, passar para os sucessores no limite da herança. A família do condenado, por exemplo, não deve ser afetada pelo crime cometido. Por isso, prevê a Constituição, no art. 5.º, XLV, que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado”. Isso não significa a impossibilidade de garantirà vítima do delito a indenização civil ou que o Estado não possa confiscar o produto do crime – aliás, o que o próprio art. 5.º, XLV, prevê. OBS: a pena não passa da pessoa do acusado, mas, a obrigação de repara (obrigação civil) passa para os sucessores. 3.17 Princípio do bis in idem Não se admite, em hipótese alguma, dupla punição pelo mesmo fato. Pode ser extraído do art. 8º, 4 do Pacto de São José da Costa Rica, incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro pelo Dec. 678/1992. Ademais, a Súmula 241 do STJ proíbe o uso de uma única reincidência como circunstancia judicial desfavorável e como agravante, pois haveria violação a este princípio. Súmula nº. 241, STJ. A reincidência penal não pode ser considerada como circunstância agravante e, simultaneamente, como circunstância judicial. Vale ressaltar, porém, que a existência de duas ou mais ações penais, em searas judiciais diversas, pela suposta prática de fatos distintos, não acarreta violação a esse princípio. 38 3.18 Princípio da continuidade normativa típica x Abolitio criminis As regras e princípios que buscam solucionar o conflito de leis penais no tempo constituem o direito penal intertemporal. Em regra, há prevalência da lei que se encontrava em vigor quando da prática do fato, vale dizer, aplica-se a lei vigente quando da prática da conduta (tempus regit actum). As exceções se verificam, por outro lado, na hipótese de sucessão de leis penais que disciplinem, total ou parcialmente, a mesma matéria. E, se o fato tiver sido praticado durante a vigência da lei anterior, cinco situações podem ocorrer: A lei cria uma nova figura penal (novatio legis incriminadora); A lei posterior se mostra mais rígida em comparação com a lei anterior (lex gravior); A lei posterior extingue o crime (abolitio criminis); A lei posterior é benigna em relação à sanção penal ou à forma de seu cumprimento (lex mitior); ou A lei posterior contém alguns preceitos mais rígidos e outros mais brandos. Entretanto, neste capítulo iremos tratar apenas do Princípio da continuidade normativa típica x Abolitio criminis. Abolitio criminis é a nova lei que exclui do âmbito do Direito Penal um fato até então considerado criminoso. Encontra previsão legal no art. 2.º, caput, do Código Penal e tem natureza jurídica de causa de extinção da punibilidade (art. 107, III). Reclama revogação total do preceito penal, e não somente de uma norma singular referente a um fato que, sem ela, se contém numa incriminação penal. Com efeito, são necessários dois requisitos para a caracterização da abolitio criminis: (a) revogação formal do tipo penal; e (b) supressão material do fato criminoso. Importante esclarecer que, não há falar em abolitio criminis nas hipóteses em que, nada obstante a revogação formal do tipo penal, o fato criminoso passa a ser disciplinado perante 39 dispositivo legal diverso. Nesses casos, verifica-se a incidência do princípio da continuidade normativa (ou da continuidade típico-normativa), operando-se simplesmente a alteração geográfica (ou topográfica) da conduta ilícita. Esse fenômeno foi constatado no campo do atentado violento ao pudor, pois o art. 214 do Código Penal foi revogado pela Lei 12.015/2009, mas o fato passou a ser alcançado pelo art. 213 do Estatuto Repressivo, agora sob o rótulo “estupro”. 3.19 Princípio da exteriorização do fato Significa que o Estado só pode incriminar condutas humanas voluntárias, isto é, fatos praticados (Ninguém pode ser punido por seus pensamentos, desejos, por meras cogitações ou estilo de vida). Consagra-se, com isso, o Direito Penal do fato, característica que levou o STF a declarar a inconstitucionalidade do art. 25 da Lei de Contravenções Penais, que punia a conduta de “Ter alguém em seu poder, depois de condenado, por crime de furto ou roubo, ou enquanto sujeito à liberdade vigiada ou quando conhecido como vadio ou mendigo, gazuas, chaves falsas ou alteradas ou instrumentos empregados usualmente na prática de crime de furto, desde que não prove destinação legítima” (RE 583.523/RS). Observe como tema foi alvo de questionamento na prova de Promotor de Justiça do MPE- BA, em 2018. (Banca: Fundação CEFETBAHIA - 2018 - MPE-BA - Promotor de Justiça Substituto - Prova Anulada) Assinale a alternativa correta. A) A assertiva de que ninguém pode ser punido pelo que pensa ou pelo modo de viver reflete o princípio da exteriorização do fato em direito penal. 40 B) Na hipótese de estupro de pessoa maior de idade e que não seja vulnerável, mas com violência de que resulte lesão corporal grave, haverá litisconsórcio facultativo entre o Ministério Público e o ofendido. C) A derrogação é a revogação total da lei por enunciação expressa ou tácita da nova lei ao regular o mesmo fato. D) A caracterização do delito de falsidade ideológica se contenta com a potencialidade de dano e imitação da verdade. E) O crime progressivo e a progressão criminosa se identificam uma vez que se dão ao mesmo tempo e no mesmo momento, ou seja, se desdobram em dois atos. 41 QUADRO SINÓPTICO PRINCÍPIOS APLICÁVEIS AO DIREITO PENAL CONCEITO Princípios são os valores fundamentais que inspiram a criação e a manutenção do sistema jurídico. Têm a função de orientar o legislador ordinário, e também o aplicador do Direito Penal, no intuito de limitar o poder punitivo estatal mediante a imposição de garantias aos cidadãos. PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL OU DA ESTRITA LEGALIDADE Previsto na Constituição Federal, tratado como cláusula pétrea. Preceitua a exclusividade da lei para criação de delitos (crimes e contravenções penais) e cominação de penas. Princípio da reserva legal e mandado de criminalização: Os mandados de criminalização apresentam matérias sobre as quais o legislador ordinário não tem a faculdade de legislar, mas a obrigatoriedade de tratar, protegendo determinados bens ou interesses de forma adequada e, dentro do possível, integral. São ordens emitidas pela CF ao legislador ordinário no sentido da criminalização de determinados comportamentos. É uma determinação, uma ordem, e não um pedido. PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE Decorre também do art. 5.º, XXXIX, da Constituição Federal, e do art. 1.º do Código Penal, quando estabelecem que o crime e a pena devem estar definidos em lei prévia ao fato cuja punição se pretende. Princípio da anterioridade e vacatio legis: A lei penal produz efeitos a partir da data em que entra em vigor. Assim, é proibida a aplicação da lei penal inclusive aos fatos praticados durante o período de vacation. Embora já publicada e formalmente válida, a lei ainda não estará em vigor. 42 PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA Conhecido também como criminalidade de bagatela sustenta ser vedada a atuação penal do Estado quando a conduta não é capaz de lesar ou no mínimo de colocar em perigo o bem jurídico tutelado pela norma penal. Natureza Jurídica: É pacífico o entendimento de que o princípio da insignificância funciona como uma cláusula supralegal (não prevista em lei) de exclusão da tipicidade, tornando o fato atípico. Exclui a tipicidade material do fato. Requisitos Objetivos: 1. Mínima ofensividade da conduta; 2. Ausência de periculosidade social da ação; 3. Reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e 4. Inexpressividade da lesão jurídica. Requisitos Subjetivos: Os requisitos subjetivos não dizem respeito ao fato. Ao contrário, relacionam-se ao agente e à vítima do fato descrito em lei como crime ou contravenção penal. Aplicabilidade do princípio da insignificância: As principais situações em que se discute a aplicabilidade do princípio da insignificância, são: Furto de mercadorias: em 2020, o STF entendeu é possível aplicar o princípio da insignificância para o furto de mercadorias
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