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Seções de estudo
Habilidades
Capítulo 3
A criança como um sujeito de 
direitos: a proteção à infância
Carolina Hoeller da Silva Boeing
Compreender o surgimento da perspectiva de 
criança como sujeito de direitos.
Conhecer as políticas atuais de proteção à infância.
Seção 1: Criança: este sujeito tem direitos? 
Seção 2: O reconhecimento legal da infância
Seção 3: Os direitos da criança no contexto 
brasileiro
Seção 4: O Estatuto da Criança e do Adolescente 
(ECA): uma ferramenta essencial na garantia de 
direitos
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Capítulo 3 
Seção 1
Criança: este sujeito tem direitos?
Atualmente, já se tem consciência e argumentos consistentes que configuram a 
criança como um “sujeito de direitos”.
– Mas você sabe o que significa dizer que a criança é um sujeito de direitos?
Antes de chegar a esta definição, é preciso que a criança seja compreendida 
como um ser que nasce com necessidades peculiares, as quais demarcarão o 
período da vida denominado infância. E, para que esse período seja vivido com 
intensidade, “[...] é preciso que se fortaleça o compromisso moral e ético com 
essa pessoa que chegou para viver, para desfrutar da vida, para expressar e 
expandir a riqueza do mundo.” DIDONET, 2003, p. 97).
Você já estudou que a categoria infância nem sempre existiu da mesma maneira 
como a vemos hoje, pois trata-se de um conceito que se constituiu através de um 
processo histórico-social. É nesse sentido que Arroyo (1994) aborda a infância, ou 
seja, como algo que está em permanente construção. Arroyo reflete sobre o papel 
da infância e da educação, sublinhando a ideia de que a infância tem sua própria 
identidade e que deve ser vivida em sua totalidade.
Você certamente sabe que a dignidade é algo inerente ao ser humano. E, para 
que a criança vivencie uma infância com dignidade, há, atualmente, “movimentos 
que vêm revelando as crianças como um grupo social com papéis próprios”. 
(MARTINS, 2006, p. 41).
Observe que a luta pelo respeito à identidade da infância é um movimento 
histórico que passa pela necessidade do cumprimento de um plano o qual 
respeite os direitos fundamentais da criança, marcada por uma história de 
exclusão, desigualdade e violência. 
Atualmente, vêm destacando-se no Brasil, e mesmo internacionalmente, 
movimentos de lutas sociais, tanto para exigir, quanto para ter reconhecidos 
legalmente direitos considerados universais da criança, tais como educação, 
saúde, moradia etc. 
Juridicamente, sem dúvida, os direitos vêm avançando, e as manifestações de 
descontentamento passam a voltar-se mais para a precariedade da efetivação 
das políticas públicas. 
Infância e Criança: conceitos e pesquisa
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– Você percebe que estas intermináveis lutas pela efetivação dos direitos são 
respostas a um suposto mundo de necessidades e de carências?
No contexto da sociedade brasileira, há movimentos fortes como o Movimento 
Interfóruns de Educação Infantil do Brasil (MIEIB) os quais não abandonam a luta 
enquanto não conseguirem a efetivação de projetos que garantam os direitos das 
crianças.
Os integrantes destes movimentos desenvolvem, principalmente, atividades 
orientadas à denúncia, proteção e promoção dos Direitos Humanos dos 
diferentes sujeitos sociais. 
Outro aspecto relevante dos movimentos sociais vai se 
caminhando no sentido de definir, cada vez mais, grupos sociais 
com seus direitos, grupos de idade com seus direitos. (MARTINS, 
2006: p. 42). 
Nesse sentido, a infância avançou também como tempo de direito. 
A tarefa de atribuir direitos à criança tem tido um longo e, muitas vezes, tortuoso 
caminho. Esta dificuldade decorre da lenta conscientização da sociedade para 
esta necessidade e/ou para as dificuldades que se colocam à interpretação 
de direitos das crianças e sua aplicação em contextos culturais diversos e em 
épocas distintas. 
Enquanto esperam pela vontade das decisões adultas, as crianças têm 
inviabilizado seu direito de viver o momento da infância com dignidade. 
Na próxima seção, você conhece de que forma este processo de reconhecimento 
dos direitos da criança se consolidou ao longo da história.
Seção 2
O reconhecimento legal da infância
O desenvolvimento do processo de criação dos direitos da criança faz parte do 
próprio movimento de emancipação do homem e, posteriormente, da mulher.
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Capítulo 3 
De acordo com Martins (2006, p. 43): 
A dinâmica do processo emancipatório fundamenta-se em 
princípios que surgem nos séculos XVII e XVIII, com a formulação 
dos Direitos Naturais do Homem e do Cidadão. No ano de 1948, 
com o objetivo de atingir o Homem todo e todos os homens, 
visando a sua felicidade e a seu bem-estar, buscando subordinar 
o universo privado ao universo público, bem como valorizar a 
família, a comunidade, os interesses, as necessidades e as 
aspirações sociais do povo, foi aprovada pela Assembléia Geral 
das Nações Unidas a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Em 1924, reunida em Genebra, a Liga das Nações incorporou os princípios 
dos Direitos da Criança elaborados por uma organização não governamental, a 
International Union for Child Welfare, e documentou a Declaração dos Direitos da 
Criança. Esta foi certamente a primeira declaração específica de princípios de 
salvaguarda de direitos para as crianças.
E, sem dúvida, este momento histórico foi, também, o mais marcante na 
construção e consolidação da ideia de criança como sujeito de direitos.
Porém, apenas em 1946, ocorreria o reconhecimento 
internacional, pela ONU, de que as crianças necessitavam 
de atenção especial. Nesse ano foi criado o fundo United 
Nations International Child Emergency (Unicef) com o 
objetivo de prestar assistência emergencial, principalmente 
com alimentos, às crianças de países devastados pela 
Segunda Guerra Mundial.
Apesar de ter sido documentada em 1924, a Declaração dos Direitos 
da Criança foi assinada somente no dia 20 de novembro de 1959, pela 
Assembleia das Nações Unidas (ONU).
Este momento pode ser destacado como um dos mais importantes para a 
concretização do reconhecimento do valor da infância. A criança passa a ser 
considerada plenamente, pela primeira vez na história, com prioridade absoluta e 
como sujeito de Direito.
Para Soares (2002), a Declaração representa um marco na compreensão dos 
direitos da criança, ou seja, por um lado em relação à sua natureza e, por outro, 
em relação à sua substância. De acordo com a autora, o texto da lei apresenta-se 
como um símbolo de uma nova percepção sobre a infância.
A Organização das 
Nações Unidas (ONU) 
é uma instituição 
internacional formada 
por 192 países, que 
foi fundada após a 
Segunda Guerra Mundial 
(1945), com o objetivo 
de manter a paz e a 
segurança no mundo..
Infância e Criança: conceitos e pesquisa
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A Declaração dos Direitos da Criança reúne dez princípios que têm por objetivo 
garantir a todas as crianças do mundo crescerem em condições humanas, 
protegidas, limentadas, tendo acesso à educação, à saúde etc.
A Conferência Mundial sobre os Direitos Humanos, fundamentada nestes 
princípios e na Declaração Universal dos Direitos Humanos assinada em 1948, 
promoveu, no ano de 1989, a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos 
da Criança. Neste evento ficou definido que crianças são todas as pessoas 
menores de dezoito anos de idade.
Esse documento foi oficializado como lei internacional e, até 1996, foi ratificado 
por 96% países. Esses países, obrigatoriamente, por lei, são responsáveis 
em tomar medidas adequadas, conforme determinadas pela Convenção, de 
assistência a pais e responsáveis no cumprimento com as responsabilidades para 
com as crianças. (MARTINS, 2006).
Seção 3
Os direitos da criança no contexto brasileiro
No contexto da sociedade brasileira, a inclusão desses direitos em documentos 
legais, em pesquisas e publicações, além de ser recente, é resultado de intensas 
lutas de movimentos sociais. 
Em 1927, o governo brasileiro criou o Código de Menores, que nada mais era 
do que a consolidação de todas as leis existentesa respeito da assistência e 
proteção à infância.
Essa legislação foi produto de anos de lutas, que procuravam combater o 
crescente problema da delinquência juvenil, além de proteger as crianças pobres 
de doenças e das precárias condições de sobrevivência. 
Em resposta a essas mesmas preocupações, foram criadas, inicialmente, 
instituições de caridade, tanto públicas quanto privadas, nas primeiras décadas 
do século XX. As discussões giravam em torno do julgamento relativo ao governo, 
afirmando que este deveria intervir na sociedade e na vida familiar para proteger 
os menores, sob o pretexto de assegurar a riqueza e o progresso da nação 
brasileira. Essa intervenção variava numa escala que ia desde a criação de 
programas de vacinação até concursos de robustez. 
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Capítulo 3 
Esses esforços intensificaram-se já nas primeiras décadas do século XX, época 
em que o Brasil enfrentava sérios problemas sociais, como a urbanização 
crescente, aumento populacional, presença de doenças endêmicas, elevada taxa 
de mortalidade infantil e de delinquência juvenil. (WADSWORTH, 1999).
No final do século XX, no Brasil, a concepção de criança 
como cidadã e sujeito de direitos fez surgir um novo ator 
o qual imprimiu ao processo Constituinte (1987/1988) 
avanços que permitiram ao texto da Carta Magna (BRASIL, 
1998) definir a criança como prioridade absoluta. (BAZILIO 
e KRAMER, 2003).
Logo em seguida, no ano de 1990, foi aprovado o 
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (BRASIL, 
1990). A sua formulação sofreu forte influência de 
documentos internacionais como: 
 • a Declaração dos Direitos da Criança, aprovada pela Assembleia da 
ONU em 1959; 
 • as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da 
Justiça da Infância e da Juventude - Regras de Beijing (1985); 
 • Diretrizes das Nações Unidas para a Prevenção da Delinqüência 
Juvenil - Diretrizes de Riad (1988); 
 • a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças 
em 1989.
O tema infância é alvo de grandes reflexões no Brasil, há duas décadas, tanto 
por discussões teóricas que vêm alimentando ou orientando as pesquisas 
acadêmicas, mas, principalmente, também nas políticas públicas e nas lutas dos 
movimentos sociais. (BAZÍLIO e KRAMER, 2003)
Estes autores ainda comentam que, sem dúvida, há avanços no campo legal, e o 
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a Lei Orgânica da Assistência Social, 
a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional são exemplos desses avanços.
Porém, quanto à efetivação dos direitos, Bobbio é claro ao dizer que (1992, p. 
10) “[...] uma coisa é proclamar os direitos, outra é desfrutá-los.” Para o autor, a 
questão dos direitos já não é mais filosófica, e sim, política. 
O ECA é um conjunto de 
normas gerais, válidas 
para todo o país e para 
todas as crianças e os 
adolescentes. Estas 
normas definem os 
direitos e deveres das 
crianças e adolescentes, 
bem como os direitos, 
deveres e obrigações do 
Estado, da família e da 
sociedade em relação 
a eles.
Infância e Criança: conceitos e pesquisa
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Bazilio e Kramer (2003, p. 13) comentam, ainda, que tais avanços legais 
[...] nem sempre são acompanhados pela alocação dos 
recursos que são imprescindíveis e pelas ações concretas 
necessárias para tornar fato o preceito constitucional: crianças e 
adolescentes são cidadãos de direitos.
Seção 4
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA): 
uma ferramenta essencial na garantia de direitos
A Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), pela primeira vez na história 
brasileira, aborda a questão da criança como prioridade absoluta, apontando que 
sua proteção é dever da família, da sociedade e do Estado.O Estatuto é uma lei, 
fruto do esforço conjunto de milhares de pessoas e comunidades empenhadas na 
defesa e promoção dos direitos das crianças e adolescentes do Brasil.
Figura 3.1 – O ECA é considerado uma ferramenta essencial na defesa dos direitos da criança e do 
adolescente
Fonte: Fochi (2009).
Sabia mais sobre o papel do Brasil no reconhecimento dos direitos 
da criança! 
No que diz respeito à promoção e defesa dos Direitos da Criança, o Brasil 
foi o primeiro país da América Latina e, também, um dos primeiros do 
mundo a inserir na legislação interna as normas internacionais defendidas 
na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança.
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Capítulo 3 
De acordo com Lahalle (2002, p. 31):
A nova dimensão dada à proteção do menor na lei brasileira é um 
passo importante e coloca o Estatuto da Criança e do 
Adolescente entre as primeiras legislações mundiais que 
adotaram o disposto nas normas internacionais. Esperamos que 
dela se inspirem os outros países do Continente no ensejo de 
diminuir as desigualdades sociais e de garantir os direitos de 
todas as crianças à vida, à saúde, à educação e ao bem-estar e à 
proteção de seus direitos de cidadão.
Após a aprovação do ECA, mudou a identidade, a missão 
e o papel de dois atores sociais, ou seja, a sociedade 
civil e o Estado. Atualmente, tem-se na criança e no 
adolescente, sujeitos de direitos, cujas necessidades não 
atendidas constituem violação destes direitos, sendo 
que esta mudança não foi colocada nesse instrumento 
legal apenas como discurso. Tal é a sua relevância, que a 
própria legislação prevê um sistema de atendimento e de 
garantia de direitos. 
O Estatuto é uma lei a qual garante direitos, e para que eles se tornem 
eficazes e efetivos, é necessário desenhar um sistema de intervenção que, 
por sua vez, garanta e detenha conhecimentos técnicos, políticos, jurídicos 
e sociais, ligados à promoção, à defesa e ao controle social. Sendo assim, 
esta é uma atribuição de todos os órgãos que estão inseridos na luta pelos 
direitos da criança e do adolescente. O ECA tem por objetivo a proteção 
integral da criança e do adolescente, de tal forma que cada brasileiro possa 
ter assegurado seu pleno desenvolvimento, desde as exigências físicas até 
o aprimoramento moral e religioso.
De acordo com 
Simionatto (1995, p. 
66), sociedade civil é 
“[...] enquanto o lugar, o 
espaço de articulação 
e organização de 
interesses e confronto, 
teia de relações onde se 
organizam e reorganizam 
instituições e se 
constroem consensos 
e ideologias”. Continua 
a autora, “[...] é o 
lugar onde se tornam 
conscientes os conflitos e 
contradições.”
Infância e Criança: conceitos e pesquisa
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No entanto, de acordo com d`Afonseca (2006, p. 19), de uma forma geral
[...] esta lei não provoca interesse para além daqueles temas 
aos quais aparece imediatamente relacionada: exclusão 
social da infância e da juventude, educação infantil, violência, 
trabalho infantil, criminalidade juvenil, ou seja, aos campos a 
partir dos quais emergiu a mobilização para a conquista dos 
direitos ali consagrados.
O ECA brasileiro é considerado internacionalmente avançado em termos de 
direitos humanos, porque acolhe os princípios de organizações mundiais de 
proteção à infância e adolescência. 
O ECA não só veio ratificar a Declaração Universal dos Direitos da Criança, 
mas também reconhecer e consagrar a criança e o adolescente como 
indivíduos e, portanto, cidadãos. No entanto, nota-se uma imensa lacuna 
entre a sua proposta e a realidade concreta, vivenciada pelas crianças e 
adolescentes do país.
Maquiavel afirmou que não se devem fazer mudanças políticas radicais, ou 
seja, coisas novas, pois pode ser muito perigoso, afinal provocaria resistência 
e agressividade. E esta é uma verdade incontestável. O Estatuto é visto ainda 
hoje, de modo distinto, por muitos atores sociais. Observe alguns exemplos de 
D’Afonseca (2006, p.40).
Ao submeter pais e responsáveis a respostas pelo desrespeito, por 
exemplo, ao direito que têm as crianças, como seres humanos, à liberdade 
de opinião e de expressão; de crença etc. É claro que as novas disposições 
não poderiam ser bem recebidas por muitos adultos, acostumados às 
diretrizes e ordens dos bons pais de família.
Educadores, também habituados ao autoritarismo das cátedras, nãoveem 
com bons olhos muitos dos novos direitos dos educandos, principalmente 
o de controlar critérios avaliativos e a possibilidade de recurso às instâncias 
escolares superiores, ou o direito de se organizarem e participar de 
entidades estudantis, bem como o direito dos pais de terem ciência e 
participação no processo pedagógico.
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Capítulo 3 
Antigos “Juízes de Menores”, que possuem, inclusive, poderes legislativos; 
diversos Promotores de Justiça, tidos como defensores; Curadores de 
Menores e muitos Delegados de Polícia, que sempre procuraram o bem-estar 
e o melhor para o menor, podendo agir sem limites, também se opuseram. 
A razão é que, de uma hora para outra, são obrigados a se submeterem à 
estrita legalidade, com formalidades processuais e outros incômodos.
Entidades Públicas e Privadas de Proteção ao Menor, agora sujeitas à 
orientação, acompanhamento e fiscalização das comunidades através dos 
Conselhos e do Ministério Público, acostumadas ao autoritarismo, tendo de 
se adaptar, também criticam as novas normas e, em muitos casos, 
resistem com práticas da antiga doutrina da situação irregular.
Porém é inegável a afirmação de que o Estatuto da 
Criança e do Adolescente constitui uma lei avançada 
para a realidade nacional e aponta o rumo que o Estado 
Brasileiro quer dar com a política de garantias de direitos. 
Em 2007 o Estatuto 
da Criança e do 
Adolescente comemora 
17 anos.

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