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MODULO II PROBLEMA 2: 1. ENTENDER FISIOLOGIA, FATORES DE RISCO, FISIOPATOLOGIA QUADRO CLÍNICO, TIPOS E DIAGNÓSTICO DA TALASSEMIA. Conceito · As talassemias são desordens hereditárias que têm como característica básica uma deficiência na síntese das cadeias de globina. · Constituem um grupo heterogêneo de doenças genéticas que resultam de diminuição da velocidade de síntese de cadeias α ou β. A β-talassemia é mais comum na região do Mediterrâneo, e a α-talassemia, no Extremo Oriente · Elas possuem um espectro clínico amplo de apresentação, variando desde indivíduos inteiramente assintomáticos até crianças com anemia grave, deformidades ósseas e destruição acelerada de células vermelhas. · É fundamental importância para o tratamento precoce das formas graves, para o aconselhamento genético de casais e para a identificação de indivíduos com as formas brandas, manifestadas somente por achados laboratoriais. · As talassemias são classificadas de acordo com o tipo de cadeia globínica deficiente. Os tipos mais conhecidos são as betatalassemias (deficiência na produção de cadeias beta) e as alfatalassemias (deficiência na produção de cadeias alfa). b-TALASSEMIAS · O indivíduo afetado pode ser heterozigoto (tem somente um gene b-talassêmico) ou homozigoto (tem dois genes b-talassêmicos). · As talassemias exibem grande heterogeneidade molecular: há diversos subtipos de genes b-talassêmicos, que diferem quanto à gravidade. · Assim, muitos homozigotos são na verdade heterozigotos compostos, porque possuem dois genes b-talassêmicos com defeitos moleculares diferentes, o que origina grande variedade clínica. · A doença apresenta-se sob três formas clínicas: „ · Talassemia maior: forma grave (que se denominava anemia de Cooley), dependente de transfusões, correspondente a homozigotos ou heterozigotos compostos. · Talassemia intermediária: forma sintomática menos grave, com níveis de hemoglobina 8-10 g/dL, em geral não dependente de transfusão. „ · Talassemia menor: heterozigotos clinicamente assintomáticos podem ser detectados por alterações laboratoriais Epidemiologia · A betatalassemia é a forma mais comum de talassemia no Brasil, sendo a terceira hemoglobinopatia registrada (menos prevalente que a anemia falciforme e a hemoglobinopatia SC). · A prevalência do gene betatalassêmico no Rio de Janeiro encontra-se em torno de 0,15%, sendo esse percentual bem mais elevado nas áreas de colonização italiana de nosso país (São Paulo e Região Sul). · A maioria dos pacientes é descendente de italianos ou gregos, mas a doença também é relatada em indivíduos negros. · No mundo, grande parte dos casos se concentra nos países do Mediterrâneo, como a Grécia e a ilha de Chipre, onde prevalência do gene betatalassêmico é de 5-15%. A doença também é identificada, com uma certa frequência, no norte da África, bem como nos países do Oriente Médio e nos negros dos EUA. · A distribuição geográfica das talassemias está relacionada a dois fatores: a) a origem e a vantagem seletiva das mutações talassêmicas nas regiões onde ocorre malária; b) os movimentos migratórios. · Quando associada ao gene da HbS produz uma variante de doença falciforme chamada HbS/β-talassemia. No nordeste predomina uma forma de talassemia de origem portuguesa, que na forma homozigótica produz um quadro de talassemia intermediária. A α-talassemia sintomática é rara no Brasil. Fisiopatologia · Todas as manifestações clínicas e hematológicas derivam do desequilíbrio da síntese das cadeias de globina. · Na b-talassemia homozigótica a síntese de cadeias b está ausente (denominada B-talassemia) ou muito diminuída (denominada B+-talassemia). · Nos casos de b+-talassemia, a quantidade de síntese residual pode variar de menos 5% a quase 90% em relação ao normal. · A reduzida disponibilidade de cadeias b limita o número de moléculas completas de Hb por célula, causando microcitose e hipocromia. · Talassemia leva a MICROCITOSE e HIPOCROMIA · Por outro lado, o excesso relativo de cadeias α precipita-se nos eritroblastos determinando sua destruição precoce na medula óssea; assim, apesar da hiperplasia eritroide da medula, a liberação de hemácias maduras é deficiente. · Além disso, as hemácias contendo cadeias precipitadas são destruídas prematuramente no baço, resultando um quadro hemolítico. · As cadeias precipitadas também alteram a membrana eritrocitária, contribuindo para a destruição precoce das hemácias e para a poiquilocitose. · Poiquilocitose são hemácias que possuem formato anormal. As hemácias possuem formato arrendondado, são achatadas e possuem uma região central mais clara no centro devido à distribuição de hemoglobina · Nos indivíduos normais e nos portadores de outras formas de anemias, a relação não α/α é próxima a 1,0, enquanto que nas talassemias o desequilíbrio é variável: na b-talassemia homozigótica a relação não α/α é cerca de 0,3, na b-talassemia heterozigótica é de 0,5 e nas α-talassemias a relação não α/α maior que 1,0, pois há menor produção de cadeias α. Patologia molecular Para facilidade, as lesões moleculares do complexo gênico b, responsáveis pelas formas clássicas de talassemia, variantes de b-talassemia (δb talassemia, εγδb talassemia) e a persistência hereditária da HbF serão analisadas em conjunto. Há mais de uma centena de alterações dos genes das globinas que determinam talassemia (Tabela 28.1). O efeito da mutação sobre a produção da cadeia de globina depende de seu efeito sobre a quantidade e a qualidade do mRNA: a) suprimem ou reduzem a transcrição do DNA em mRNA; b) a transcrição está normal, mas o processamento do RNA inicialmente produzido no núcleo para formar o mRNA maduro não ocorre ou está reduzido; c) o mRNA é produzido em quantidade normal, mas tem um defeito na região codificadora que impede a tradução de uma cadeia peptídica de globina normal. Os defeitos gênicos das talassemias podem agrupar-se de forma simples em três categorias: a) grandes deleções (de seiscentos a mais de 20 mil nucleotídeos); b) pequenas deleções ou inserções de uma, duas ou quatro bases; c) mutações de ponto. As lesões moleculares responsáveis das b-talassemias são em sua maioria mutações pontuais que afetam a qualidade ou a quantidade do mRNA produzido. „ Deleções. São raras, e incluem dois grupos de deleções parciais do gene b em que há completa ausência de síntese da cadeia b. RNA não funcional. São B° talassemias em que há produção de mRNA que não pode ser traduzido, porque: a) uma mutação pontual introduz no mRNA um códon de término, interrompendo a síntese proteica; um exemplo comum desse tipo de mutação na região do Mediterrâneo é a troca C-T no códon 39 da cadeia b; b) uma deleção ou adição de uma, duas ou quatro bases, com deslizamento do quadro de leitura (frameshift mutation) do mRNA a partir do ponto da mutação, podendo surgir mais adiante um códon de término que interrompe a leitura. A causa mais comum de b-talassemia na China é a inserção de um nucleotídeo na posição 41-42, alterando a leitura do mRNA, e interrompendo a síntese de cadeias na posição 59, onde aparece uma trinca UGA. Anormalidades no processamento do RNA. · O RNA inicialmente transcrito contém os éxons e os íntrons. · A retirada dos íntrons é essencial para formar um mRNA funcional. · Mutações nas uniões éxon-íntron (ou próxima a elas) impedem ou dificultam a retirada do íntron, originando b-talassemia. · Algumas mutações internas no íntron ou na região codificadora podem trazer um efeito inverso, criando um novo sítio (anômalo) de ruptura-união, e cada molécula de RNA poderá então ser processada por via normal (RNA funcional) ou alternativamente pela via anômala (mRNA não funcional). · Essas mutações causam B+talassemia, e a quantidade de cadeias b produzidas dependerá da proporção de moléculas de mRNA processadas pela via normal. · Dois tipos de B+talassemia no Mediterrâneo são produzidas por esse tipo de mutação: a) substituição na posição 110 do íntron 1 (IVS-1 110); b) substituição T-C na posição 6 do íntron1 (IVS-1 6) que produz uma forma muito benigna de b+-talassemia . Outras anormalidades. · Mutações nas regiões reguladoras que antecedem os genes (CAT box e TATA box) diminuem a eficiência da transcrição do mRNA, originando b+-talassemia porque a quantidade de mRNA está reduzida. · Mutações do sinal de poliadenilação dificultam a adição da cauda poli-A ao mRNA, que se torna assim mais instável. „ Delta-b-talassemias. · São causadas por deleções que eliminam ou inativam os genes δ e b, de forma que nos heterozigotos não há aumento de HbA2, mas caracterizam-se pelo aumento dos níveis de HbF. „ Gama-delta-b-talassemias. · São deleções muito grandes, que se iniciam antes do gene e têm extensão variável: em alguns casos eliminam o gene b, mas em outros casos (tipo Holandês e tipo Inglês) conservam o gene b que, apesar de estar presente, está inativo. · Somente alguns heterozigotos foram observados até o presente: caracterizam-se por hemólise neonatal e, na vida adulta, microcitose e hipocromia sem aumento de HbA2 (talassemia silenciosa do tipo 2). · Nesses casos, a ausência da síntese de cadeias deve-se à deleção do LCR (Locus Control Region), uma região localizada a 5’ do gene ε que é essencial para a expressão dos genes do complexo γδb. � Persistência Hereditária de HbF (PHHF). · São situações assintomáticas em que persiste a síntese de quantidades apreciáveis de HbF durante a vida adulta. · A síntese de cadeias de globinas é equilibrada, e não há manifestações clínicas. Podem ser pancelulares (ou seja, a HbF está distribuída homogeneamente em todos os eritrócitos) ou heterocelulares (alguns eritrócitos têm HbF e outros não). · Podem ser causadas por: · a) deleção: representadas pela PHHF dos Negros tipo I, PHHF tipo II (Gana) e a PHHF do tipo indiano (δb-talassemia tipo indiano), e caracterizam-se pela ausência de expressão do gene b em cis e elevada produção de cadeias Gγ e Aγ; b) mutações de ponto em regiões reguladoras dos genes γ, conservam a atividade do gene b. Tipos B-TALASSEMIA Talassemia maior. · Corresponde à forma mais grave da enfermidade, dependente de transfusão. · A talassemia maior várias vezes resulta de herança de duas mutações diferentes que afetam a síntese de β-globina (heterozigotos compostos). · Em alguns casos, ocorre supressão dos genes β, δ e β ou até mesmo β, δ e γ. · Em outros, um cruzamento (crossing-over) desigual produz fusão dos genes δβ, a chamada síndrome Lepore, assim denominada devido ao sobrenome da primeira família na qual foi diagnosticada · As manifestações surgem durante o primeiro ano de vida: menor aumento de peso, episódios de febre, diarreia, apatia, irritabilidade e palidez. · O diagnóstico depende dos exames de laboratório da criança e dos pais. · Nessa fase precoce não há alterações ósseas e a esplenomegalia é discreta. · As manifestações desaparecem com o início do tratamento correto, e o crescimento se desenvolve normalmente. · Na ausência de tratamento o quadro clínico se agrava progressivamente, e a morte ocorre geralmente na primeira década de vida. · Há anemia intensa (hemoglobina abaixo de 7 g/dL), esplenomegalia volumosa, atraso no crescimento, redução da massa muscular e alterações características craniofaciais. Talassemia intermediária. · Denominação que se aplica aos casos sintomáticos que não dependem de transfusões regulares, mantendo níveis de Hb de 7-11 g/dL espontaneamente. · Resulta, em geral, da combinação de defeitos genéticos como homozigose para genes b+-talassêmicos de menor gravidade (como IVS-1 nt 6) ou de combinação do gene b-talassêmico grave com b+-talassemia particularmente benigna (como b -talassemia “silenciosa” de tipo 1) ou de associação de δb- com b+-talassemia. · As manifestações clínicas predominantes são grande esplenomegalia, redução da massa muscular, úlceras crônicas nas pernas, e alterações faciais. · O crescimento de grandes massas de tecido hematopoético extramedular pode causar sintomas compressivos, como massas paravertebrais intratorácicas. · A anemia crônica pode se acentuar quando ocorrem infecções ou pela carência associada de folatos. „ Talassemia menor (talassemia heterozigota). · Os heterozigotos b-talassêmicos são habitualmente assintomáticos, com níveis de Hb em média ligeiramente diminuídos. · Reduções mais acentuadas dos níveis de hemoglobina podem ocorrer: a) na infância; b) na presença de infecções u processos inflamatórios crônicos; c) durante a gravidez. · Particularmente nos primeiros anos de vida, é necessária cautela para não confundir uma simples talassemia heterozigótica com uma forma mais grave dependente de transfusão. α-TALASSEMIA · Os indivíduos normais têm quatro genes α ativos no cromossomo 16. · Causadas por deleções, mais raramente por mutações, de genes α-globínicos (Tabela 7.2). · Havendo quatro cópias do gene de α-globina, a gravidade clínica é dependente do número de genes que faltam ou estão inativos. · A perda de todos os quatro genes suprime por completo a síntese de cadeia α (Figura 7.5), e, como esta é essencial, pois faz parte tanto da hemoglobina fetal como da hemoglobina do adulto, esse defeito é incompatível com a vida e leva à morte in utero (hidropsia fetal; Figura 7.6). Hidropisia fetal por Hb Bart’s. No homozigoto de α0-talassemia, como não há síntese de cadeias α, não há HbA nem HbF; o hemolisado contém unicamente Hb Bart’s e pequenas quantidades de HbH e Hb Portland (ξ2γ2). Ocorre morte intrauterina ao final da gestação ou poucas horas depois do nascimento. A enfermidade é frequente no sudeste da Ásia, China e Filipinas, não tendo sido observada na América Latina. � �� · Três deleções do gene α provocam anemia microcítica e hipocrômica moderadamente grave (hemoglobina 7-11 g/dL) (Figura 7.7) com esplenomegalia, que é conhecida como doença da hemoglobina H, pois a hemoglobina H (β4) pode ser detectada nos eritrócitos desses pacientes por eletroforese ou em preparações de reticulócitos (Figura 7.7). Na vida fetal, ocorre a Hb Barts (γ4). · Doença por HbH. Nesses pacientes somente um dos quatro genes α está ativo (Figura 28.3). Na vida adulta predomina a HbA, acompanhada de 5-30% de HbH. No período neonatal predomina a HbF com 10-20% de Hb Bart’s e pouca quantidade de HbH. A HbH pode ser identificada por eletroforese ou pela coloração supravital de sangue com azul brilhante de cresil (Figuras 28.4 e 28.5). O quadro clínico é de uma talassemia maior ou intermediária: anemia hemolítica crônica de gravidade variada, esplenomegalia e alterações ósseas. O esfregaço sanguíneo mostra hipocromia e poiquilocitose. A enfermidade foi descrita esporadicamente na América Latina, em Portugal e na Espanha. · Os traços α-talassêmicos são causados por perda de um ou dois genes e, em geral, não se associam à anemia, embora o volume corpuscular médio (VCM) e a hemoglobina corpuscular média (HCM) sejam baixos e a contagem de eritrócitos esteja acima de 5,5 × 106/mL. · Traço α-talassêmico. Corresponde aos heterozigotos de α0-talassemia ou homozigotos α+-talassemia. São clinicamente normais, porém apresentam microcitose e hipocromia no sangue, e no período neonatal têm cerca de 5-10% de Hb Bart’s. Na vida adulta têm hipocromia, e ferro sérico normal; somente podem ser diagnosticados pela medida da relação sintética α/b de 0,7 ou por métodos de análise de DNA. · Portador silencioso. Os heterozigotos de α+talassemia podem ter 1-2% de Hb Bart’s no período neonatal e na vida adulta podem ter ligeira hipocromia de detecção difícil, ou o sangue periférico pode ser perfeitamente normal. O único meio seguro de detecção é por métodos de DNA. · Formas incomuns de α-talassemia não delecional são causadas por mutações pontuais que produzem disfunção dos genes ou, raramente, por mutações que afetam a terminação da tradução, resultando em cadeia alongada e instável (p. ex., Hb Constant Spring). · Duas formas raras de α-talassemia es- tão associadas à deficiência intelectual e são causadaspor mutação em um gene no cromossomo 16 (ATR-16) ou no cromossomo X (ATR-X), que controlam a transcrição do gene da α-globina e de outros genes. Quadro clínico · Os heterozigotos são habitualmente assintomáticos, embora o defeito possa ser detectado por exames laboratoriais. · Os portadores de dois genes anormais (os homozigotos e os heterozigotos compostos) têm manifestações clínicas que podem variar desde anemia grave incompatível com a vida até formas benignas praticamente assintomáticas. · As formas sintomáticas mais graves caracterizam-se por uma associação de graus variáveis de anemia hemolítica hipocrômica, hiperplasia eritroide da medula óssea, hepatomegalia, esplenomegalia, retardo do desenvolvimento somático e sexual, e deformidades do esqueleto evidentes nos ossos do rosto e do crânio. „ Anemia · Com suas manifestações habituais de astenia, palidez e fraqueza muscular, taquicardia, sopros no precórdio, insuficiência cardíaca, menor desenvolvimento físico e sexual, e maior suscetibilidade a infecções. · Nos homozigotos constitui a manifestação mais importante, sendo em geral detectada no primeiro ano de vida; níveis de hemoglobina abaixo de 7 g/dL são comuns, e na ausência de tratamento produzem quadros clínicos muito exuberantes. · Finalmente, os heterozigotos têm níveis discretamente diminuídos de hemoglobina, detectável em exame hematológico, mas habitualmente são assintomáticos. „ Hipodesenvolvimento somático e sexual. · Menor crescimento pôndero-estatura · Redução da massa muscular e ausência ou retardo da maturidade sexual nos pacientes que alcançam a adolescência. Hiperplasia da medula óssea · Existe uma impressionante hiperplasia eritroide da medula óssea, aumentada de sete a trinta vezes em relação ao normal. · As principais consequências dessa grande massa de tecido medular são: a) shunt de uma grande fração do débito cardíaco, produzindo uma expansão de 70- 100% do volume circulante e contribuindo para a anemia dilucional; b) um grande desvio de nutrientes e energia alimentar para a medula óssea; c) aumento da absorção gastrointestinal de ferro; d) alterações ósseas. · A hiperplasia da medula óssea é ineficaz porque não tem nenhum efeito benéfico, uma vez que a maioria das células proliferantes é destruída na medula óssea. · A destruição contínua dessa grande massa de precursores eritroides leva à liberação de enzimas intracelulares (desidrogenase láctica) e ao aumento da produção de derivados dos ácidos nucleicos e da hemoglobina (ácido úrico e bilirrubinas). Alterações ósseas, dentárias, faciais e articulares · A intensidade das anormalidades ósseas reflete, em geral, a gravidade da doença ou a eficiência do tratamento. São particularmente evidentes no crânio e no rosto: · Protuberância da região frontal e regiões malares, · Depressão na ponta do nariz · Horizontalização dos orifícios nasais, · Hipertrofia dos maxilares tendendo a expor dentes e gengiva superiores. · Aumenta a facilidade de ocorrer fraturas esqueléticas. Esplenomegalia e hiperesplenismo. · O aumento do baço nos pacientes que não são adequadamente transfundidos. · A esplenomegalia pode provocar trombocitopenia ou neutropenia, como também pode agravar a anemia devido à expansão do volume plasmático e à diminuição da sobrevida das hemácias próprias ou transfundidas. · O aumento moderado do baço nos primeiros anos de vida pode regredir com as transfusões, e muitos pacientes corretamente tratados não apresentam esplenomegalia · No entanto, as grandes esplenomegalias geralmente não regridem, e nesses casos pode ser necessária a esplenectomia para reduzir a exigência de transfusões ou a trombocitopenia. Sobrecarga de ferro. · O excesso de ferro nos talassêmicos tem duas origens: maior absorção intestinal e o ferro liberado das hemácias recebidas nas transfusões. · Talassêmicos adultos, tratados com transfusões, sem quelantes de ferro, tinham em média 1,5 g de ferro/kg de peso quando morreram de complicações cardíacas entre 15 e 28 anos (normal 30-45 mg/kg). · As crianças mantidas assintomáticas em regime de transfusões regulares acumulam uma média de 28 g de ferro ao chegar aos 11 anos de idade, época em que começam a surgir as primeiras complicações do excesso (uma criança normal, nesta idade, deveria ter cerca de 1g de ferro no organismo). · As principais manifestações da sobrecarga de ferro dos talassêmicos são: retardo no crescimento e na maturidade sexual, anormalidades endocrinológicas, especialmente diabetes melito, escurecimento da pele e alterações cardíacas. · As consequências do excesso de ferro são as causas de mortes mais frequentes nos talassêmicos a partir da segunda década de vida. Alterações endócrinas · Além do atraso no crescimento e da puberdade, estes pacientes podem apresentar diabetes e hipoparatireoidismo. Alterações cardíaca · Antes do uso generalizado de hipertransfusões e terapia quelante, as anormalidades cardíacas começavam na infância com sopros cardíacos e progrediam para cardiomegalia, hipertrofia do ventrículo esquerdo e alterações do ritmo e condução no ECG. · A partir da segunda década surgiam pericardites na metade dos pacientes e insuficiência cardíaca na maioria. · Este quadro refletia os efeitos combinados da anemia e o excesso de ferro sobre o coração, e a maioria dos pacientes morria alguns meses depois de começar a insuficiência cardíaca. · Atualmente, o uso regular de transfusões evita as alterações cardíacas que somente vão aparecer na adolescência ou na idade adulta, na dependência de quão rigoroso foi o uso de quelantes. · Os ecocardiogramas, ECG de 24 horas (“Holter”) e angiocardiografias isotópicas com 99mTc demonstram alterações morfológicas e funcionais muito antes do aparecimento das manifestações clínicas. · A Ressonância Magnética (MRI) é um excelente método não invasivo para avaliar a quantidade de ferro depositada no tecido cardíaco. · A cardiomegalia e a circulação hiperdinâmica dos primeiros anos de vida podem ser revertidas ou evitadas pelas transfusões. · As complicações da segunda década de vida e a probabilidade de morte cardíaca podem ser muito reduzidas com o uso regular de quelantes de ferro. „ Alterações hepáticas · O comprometimento hepático da enfermidade se deve ao excesso de ferro e à hepatite viral. · Nos adolescentes são comuns lesões grosseiras dos hepatócitos, grandes grânulos de hemossiderina, número excessivo de trabéculas de colágeno e lesões cirróticas avançadas. · O uso regular de quelantes de ferro impede ou retarda a evolução das lesões hepáticas. · Outra causa de lesão hepática nos pacientes dependentes de transfusões são as hepatites virais dos tipos B ou C. Diagnóstico Homozigoto „ · Achados clínicos · Heterozigose nos dois pais · Sangue: anemia (Hb inferior a 9,0 g/dL), hipocromia, anisopoiquilocitose intensa, esquizócitos, hemácias e eritroblastos com granulações basófilas, hemácias em alvo, eritroblastos, desvio à esquerda dos granulócitos. · HAPTOGLOBINA? · Quando há hiperesplenismo, pode ocorrer leucopenia ou mais comumente plaquetopenia. „ · Hemoglobinas: aumento da HbF, em geral de 20-100% do total (em alguns casos muito benignos, como homozigose para IVS-1 nt 6, a HbF pode ser tão baixa como 5%); Hb A2 do paciente muito variável, não tem valor diagnóstico (em contraposição, os pais, sendo heterozigotos, têm elevação da HbA2). Heterozigoto · Assintomáticos · Níveis de Hb ligeiramente diminuídos (10,5-13,0 g/ dL, mas podem ser mais baixos durante a gravidez ou nos primeiros anos de vida), microcitose e hipocromia com ferro sérico normal (ou às vezes ligeiramente elevado). · Hemoglobinas: aumento da Hb A2 (3,5 a 6,0%), HbF normal ou ligeiramente elevada (< 5%). Existe uma forma rara em que HbA2 e HbF estão elevadas no heterozigoto. · δb-talassemia: o heterozigoto não tem aumento da HbA2, porém aumento da HbF de 5-15%. Tratamento · São necessárias transfusões regulares de glóbulos para manter a hemoglobina sempre acima de 10 g/dL. Em geral, são necessárias 2 a 3unidades a cada 4 a 6 semanas. Sangue fresco, filtrado para remoção de leucócitos, resulta em maior sobrevida dos eritrócitos transfundidos e menos reações adversas. · A terapia quelante de ferro é essencial, e a disponibilidade de fármacos aumentou consideravelmente a expectativa de vida. (Deferiprone e Deferasirox ) · Ácido fólico (p. ex., 5 mg/dia) é administrado regularmente se a dieta for pobre. · Esplenectomia pode ser necessária para diminuir as necessidades de sangue. Deve ser adiada até que o paciente ultrapasse 6 anos de idade, devido ao alto risco de infecções graves após a esplenectomia. · Tratamento endocrinológico é feito como reposição, por falência dos órgãos periféricos, ou para estimular a hipófise, se a puberdade for retardada. Diabéticos necessitamde tratamento com insulina. Pacientes com osteoporose podem necessitar de tratamento adicional com aumento de cálcio e de vitamina D na dieta, administração de bi-fosfonato e terapia endócrina adequada. · Imunização contra a hepatite B deve ser feita em todos os pacientes não imunes. O tratamento da hepatite C transmitida por transfusão é indicado se forem detectados genomas virais no plasma. · Transplante de células-tronco alogênicas oferece uma pers- pectiva de cura permanente. 2. ENTENDER FISIOLOGIA, FATORES DE RISCO, FISIOPATOLOGIA QUADRO CLÍNICO, TIPOS E DIAGNÓSTICO DA ESFEROCITOSE HEREDITÁRIA. O Citoesqueleto da Membrana · A membrana do eritrócito é sustentada por uma rede de proteínas que formam um citoesqueleto, como mostra a Figura 1. · A espectrina, uma proteína fibrilar em forma de hélice (cadeias alfa e beta), é o principal constituinte do sistema. · A interação espectrina-actina é fundamental para a manutenção da rede (“forças horizontais”), sendo reforçada pela proteína 4.1. · O ancoramento das fibras de espectrina na membrana eritrocítica (“forças verticais”) é feito pela anquirina, que serve como ponte entre a espectrina e a proteína banda 3 (glicoforina). · A interação anquirina-espectrina é reforçada pela proteína 4.2 (palidina). · De uma forma geral, defeitos genéticos das “forças verticais” (espectrina, anquirina, banda 3, proteína 4.2) · Levam à esferocitose hereditária, enquanto que defeitos genéticos das “forças horizontais” (espectrina, actina, proteína 4.1) levam à eliptocitose hereditária e suas variantes. · O citoesqueleto da membrana eritrocitária, além de dar sustentação à membrana e garantir a forma bicôncava, confere a propriedade de maleabilidade ou deformabilidade característica dos eritrócitos, tão necessária para a passagem dessas células através das fendas sinusoidais do leito esplênico. Conceito · A esferocitose hereditária é uma desordem autossômica dominante, em 80% dos casos, e autossômica recessiva nos 20% restantes. É caracterizada por deficiências em graus variados de uma das seguintes proteínas do citoesqueleto: espectrina, anquirina, banda 3, proteína 4.2. · A deficiência de anquirina acarreta uma deficiência secundária de espectrina, pois a primeira é necessária para a incorporação da última à membrana do eritrócito. · Recentemente, observou-se que, de todos os casos de esferocitose hereditária, a deficiência mais comum é a da anquirina (40-50% dos casos), seguida pela deficiência da banda 3 (20% dos casos) e das cadeias alfa ou beta da espectrina (10% dos casos). Epidemiologia Fisiopatologia · A deficiência do ancoramento da espectrina no citoesqueleto eritrocitário (“forças verticais”) leva à perda de fragmentos da camada lipídica da membrana. · A célula, portanto, perde superfície em relação ao volume, acabando com seu formato bicôncavo e transformando-se em um esferócito. · Os esferócitos, ao passarem pelos cordões esplênicos, não conseguem se deformar o suficiente para penetrar nas fendas sinusoidais, ficando mais tempo em contato com os macrófagos. · A primeira consequência é a perda de pequenos “pedaços” de membrana, transformando-os em microesferócitos (Figura 2). · São essas células que se encontram presentes no sangue periférico do paciente. · Na passagem pelo baço, alguns esferócitos e microesferócitos são fagocitados e destruídos, gerando hemólise crônica. · A forma inversa ao esferócito ou microesferócito é a hemácia em alvo (leptócito), presente nas talassemias, anemia ferropriva e doença hepática (pelo aumento de certos lipídios na membrana eritrocítica). · O esferócito e o microesferócito são células com pouca superfície de membrana em relação ao volume, enquanto a hemácia em alvo é uma célula com muita superfície de membrana em relação ao volume. Quadro clínico · O grau de anemia geralmente é moderado, mas pode ser leve, grave ou mesmo não haver anemia (apenas hemólise compensada). · A presença de anemia leve a moderada, icterícia discreta e esplenomegalia, numa criança ou adulto jovem, sugere o diagnóstico. · Eventualmente, a manifestação clínica predominante é a litíase biliar por cálculo de bilirrubinato de cálcio (crise biliar). · Talvez o quadro mais preocupante seja o da crise aplásica (anemia aguda grave sintomática, com reticulocitopenia, após infecção pelo parvovírus B19). · Outras crises anêmicas da hemólise crônica podem ocorrer, como a crise hemolítica (hiperfunção esplênica durante infecções) e a crise megaloblástica (deficiência relativa de folato). · Uma manifestação eventualmente encontrada é a icterícia neonatal (nos primeiros dois dias do nascimento), que às vezes é grave o suficiente para causar kernicterus. · O diagnóstico costuma ser difícil neste momento, pois a esferocitose periférica é um achado inespecífico desta faixa etária. Diagnóstico · O diagnóstico de esferocitose hereditária é dado pelo encontro de anemia hemolítica crônica (laboratorialmente confirmada), na presença de reticulócitos e microesferócitos no sangue periférico e na ausência de um teste de Coombs direto positivo (afastando anemia imuno-hemolítica, outra causa de microesferocitose). · Às vezes, cumpre ressaltar, os esferócitos e microesferócitos não são bem visualizados na hematoscopia. · Na dúvida quanto à presença de microesferócitos, o Teste de Fragilidade Osmótica é classicamente indicado, sua positividade indica microesferocitose em grande número de hemácias. · Os microesferócitos, por terem uma área de superfície pequena em relação ao volume eritrocítico, são exageradamente sensíveis à hipoosmolaridade (isto é, ao reduzirmos artificialmente a osmolaridade do meio de suspensão, as hemácias não toleram a entrada de água no citoplasma e se rompem). · Embora muito útil para o diagnóstico presuntivo, o teste da fragilidade osmótica possui acurácia subótima para a doença. · Além de resultados falso-positivos em outras anemias (ex.: imuno-hemolítica), apresenta resultado falso-negativo em 10- 20% dos pacientes com esferocitose hereditária. · Condições responsáveis pelos falso-negativos: anemia ferropriva, icterícia colestática, reticulocitose presente na recuperação de uma crise aplásica (o reticulócito tem maior resistência osmótica) e desidratação dos microesferócitos ou esferócitos. · Atualmente existem também testes genéticos que pesquisam a existência de mutações associadas à esferocitose hereditária. Laboratório · Anemia leve a moderada (raramente grave), micro ou normocítica, com hemácias tipicamente HIPERCRÔMICAS (aumento do CHCM), além de reticulócitos e microesferócitos no esfregaço de sangue periférico. · Perceba que a esferocitose hereditária é a causa clássica de anemia hipercrômica. · Outras etiologias de microesferocitose são: anemia imuno-hemolítica e algumas variantes da eliptocitose hereditária. Tratamento · O tratamento recomendado é a esplenectomia, exceto para os pacientes com anemia leve ou com hemólise compensada. · A esplenectomia (ao remover o principal sítio de hemólise) previne a anemia e as demais complicações da doença, embora não elimine os esferócitos do sangue periférico. · Em crianças, ela deve ser evitada antes dos quatro anos de idade, período de maior risco de sepse fulminantepor germes encapsulados (ex.: pneumococo e hemófilo). · A vacina antipneumocócica deve ser administrada a todos os indivíduos antes do procedimento, e o uso de penicilina profilática após a cirurgia é controverso. · De qualquer forma, é necessária uma suplementação constante com ácido fólico (1 mg/dia), a fim de evitar a crise megaloblástica. · A crise aplásica deve ser prontamente tratada com hemotransfusão. 3. ELUCIDAR OS TIPOS DE ANEMIA HEMOLITICA AUTOIMUNE. A hemólise intravascular é devida a traumas diretos sobre as hemácias, fixação de complemento à membrana eritrocitária ou toxinas exógenas, ocorrendo liberação de hemoglobina no plasma. A hemoglobina pode ser excretada na urina, dando origem à hemoglobinúria, que é pois um sinal específico de hemólise intravascular. � Na hemólise extravascular, as células são captadas pelos macrófagos no baço, no fígado e na medula óssea (sistema mononuclear-fagocitário), destruídas intracelularmente e digeridas. A hemólise imune, caracterizada pela destruição precoce das hemácias devido à ação da resposta imunológica humoral, pode causar anemia caso o setor eritroblástico da medula óssea não apresente hiperplasia compensatória suficiente. Quando a hiperplasia compensatória é adequada o paciente pode exibir sinais clínicos e laboratoriais de hemólise (icterícia, esplenomegalia, aumento de reticulócitos, esferócitos, policromasia) sem anemia. As anemias hemolíticas imunes podem ser classificadas de acordo com o descrito na Tabela 29.1 ANEMIA HEMOLÍTICA AUTOIMUNE · A Anemia Hemolítica Autoimune (AHAI) é caracterizada pela destruição precoce das hemácias devido à fixação de imunoglobulinas ou complemento na superfície da membrana das hemácias. · A AHAI é a citopenia imunológica mais frequente após a púrpura trombocitopênica imunológica, e acomete cerca de um a três em cada 100 mil indivíduos que, em geral, são mulheres com idade superior a quarenta anos. · Os sintomas iniciais são decorrentes da anemia causada pela hemólise, dos efeitos secundários do quadro hemolítico, ou da doença primária que está causando a AHAI, tais como as doenças linfoproliferativas. · Por outro lado, um número crescente de pacientes apresenta-se assintomático ao diagnóstico porque a doença é identificada em exames laboratoriais rotineiros, especialmente em testes pré-transfusionais realizados antes de um procedimento cirúrgico. Classificação · A classificação de maior utilidade clínica para separar os grupos de pacientes com AHAI é a baseada nos resultados dos testes laboratoriais imuno-hematológicos. · Pacientes com AHAI mediada por IgM possuem autoanticorpos que reagem, à temperatura ambiente, com hemácias de qualquer grupo sanguíneo. · Desse modo, o serviço de hemoterapia pode suspeitar de AHAI mediada por IgM quando, devido à fixação dos autoanticorpos, a tipagem ABO das hemácias do paciente apresenta resultados duvidosos, e o soro do paciente reage com hemácias A, B, AB e O. · Nesses casos, a tipagem sanguínea e as provas pré-transfusionais devem ser realizadas a 37 ºC, e as hemácias do paciente devem ser lavadas com salina aquecida antes dos testes. · A maioria dos autoanticorpos eritrocitários da classe IgM reage melhor em temperaturas mais baixas que a temperatura corpórea, e como aglutinam as hemácias são denominados de autoanticorpos a frio ou crioaglutininas. · Entretanto, a maioria dos casos de AHAI é causada por anticorpos da classe IgG, que reagem melhor à temperatura corpórea, e são designados de autoanticorpos a quente. · Em geral, esses anticorpos não causam problema para a tipagem ABO, porém mostram reatividade contra todas as células do painel de hemácias-teste durante a fase de antiglobulina humana. · Hemácias Rh-negativas podem ser classificadas com Rh-positivas devido à presença desse tipo de autoanticorpo. A Tabela 29.2 resume a classificação e a frequência da AHAI de acordo com o tipo de anticorpo envolvido na doença. AHAI causada por anticorpos a quente · Inicialmente, é necessário definir se o paciente possui AHAI quente primária ou secundária. · Em geral, o Teste de Antiglobulina Direto (TAD) revela sensibilização eritrocitária in vivo por IgG, e o Teste de Antiglobulina Indireto (TAI) é positivo nas duas condições, não sendo possível, portanto, definir se a AHAI é idiopática ou faz parte das manifestações clínicas de outra doença. · Clinicamente, a história, os sintomas e os sinais do exame físico podem auxiliar a diferenciação da AHAI primária da secundária. Cerca de 50% dos pacientes apresentam AHAI primária, 20% dos indivíduos têm AHAI secundária à doença linfoproliferativa (leucemia linfocítica crônica ou linfoma não Hodgkin), e em 20% dos pacientes a AHAI é associada a colagenoses, principalmente lúpus eritematoso sistêmico ou artrite reumatoide (Tabela 29.3). · A AHAI quente é causada por anticorpos eritrocitários da classe IgG que, em cerca de 98% dos casos, são da subclasse IgG1, de natureza policlonal, reagem contra antígenos do sistema Rh, e algumas vezes simulam o comportamento de aloanticorpos. · Embora frações do sistema complemento sejam frequentemente detectadas na superfície das hemácias, a hemólise mediada por complemento é incomum. · A etiologia do autoanticorpo na AHAI ainda é conhecida. · A associação com outras desordens de origem imune reflete um distúrbio generalizado na homeostasia do Sistema Imune (SI). · Para manter a tolerância aos próprios antígenos e uma resposta adequada aos antígenos estranhos, o SI possui vários pontos de controle, central e periférico. · Uma quebra em algum ponto desse processo pode levar ao aparecimento de doenças autoimunes, como AHAI. · Os mecanismos que têm sido propostos para explicar o aparecimento espontâneo de AHAI incluem o papel dos próprios antígenos eritrocitários, o papel do sistema complemento, a perda da efetividade da apresentação de antígenos e anormalidades funcionais de células B e T e estão sumarizados na Tabela. · Em geral, a destruição eritrocitária é mediada por células do Sistema Macrófagos-Monócitos (SMM), particularmente pelos monócitos e macrófagos esplênicos que possuem receptores para o receptor Fc (FcγRII) das imunoglobulinas. · A maioria das hemácias sensibilizadas sofre fagocitose parcial e volta à circulação após perder a forma discoide e tornar-se esferócito (pois no processo de fagocitose parcial perde mais superfície do que volume). A destruição extravascular das hemácias favorece o desenvolvimento de palidez, icterícia, esplenomegalia e hepatomegalia. · Cerca de 80% dos pacientes com AHAI primária apresentam esplenomegalia, enquanto que a detecção de hepatomegalia isolada ou linfoadenomegalia sugere a possibilidade de doença linfoproliferativa. · Além da diminuição do nível de hemoglobina observada no hemograma, a análise morfológica do sangue periférico dos pacientes com AHAI revela hemácias policromáticas, pontilhado basófilo, e esferocitose associados ao aumento do número absoluto de reticulócitos e hiperplasia do setor eritroblástico da medula óssea. · Ocorre também elevação da bilirrubina não conjugada, da Desidrogenase Láctica (DHL), e diminuição da haptoglobina que participa da catabolização da hemoglobina livre no plasma. · O Teste de Coombs Direto (TCD) é útil para demonstrar a sensibilização de hemácias in vivo, e auxilia o diagnóstico de AHAI, da doença hemolítica perinatal, e de reações transfusionais (Figura 29.1). · O soro de antiglobulina humana poliespecífico contém, obrigatoriamente, anticorpos com atividade anti-IgG e anti-C3d, podendo conter, também, atividade anti-C4, anti-IgM e anti-IgA. · Todas as hemácias possuem certa quantidade de IgG ligada à sua superfície. · Indivíduos normais possuem menos de cinquenta moléculas de IgG por hemácia, enquanto que, em geral, as hemácias de pacientes com AHAI estão recobertas com grande quantidade de IgG. · Durante muitos anos, acreditou-se que caso o TAD fosse negativo não haveria IgG na superfície das hemácias; entretanto, aproximadamente 5 a 10% dos pacientes com diagnósticoclínico de AHAI apresentam TAD negativo, evidenciando que o TAD possui sensibilidade limitada e que é positivo apenas quando a quantidade de IgG é superior a duzentas moléculas por hemácia. · Desse modo, a detecção de autoanticorpos eritrocitários pode ser realizada por técnicas mais sensíveis que o TAD, tais como o teste de consumo de anticorpos que fixam complemento, teste de formação de rosetas, teste por radioimunoensaio, teste imunoenzimático (ELAT), e citometria de fluxo. · Entretanto, é importante enfatizar que o reconhecimento de hemácias pelos macrófagos não está relacionado apenas ao número de moléculas de IgG na membrana das hemácias, mas também ao arranjo das moléculas ligadas aos polipeptídeos da membrana, à subclasse da IgG que está sensibilizando as células, à quantidade de IgG livre no soro, e à capacidade fagocitária do SMM do indivíduo. · Transfusão de concentrado de hemácias não é contraindicada para os pacientes com AHAI, embora deva ser limitada a situações em que há risco de vida ou risco de eventos cardíacos ou cerebrais devidos à anemia. · Nas outras situações a transfusão deve ser evitada, pois o manejamento transfusional desses pacientes é difícil e com riscos, uma vez que na maioria dos casos o autoanticorpo é encontrado no plasma, como uma panaglutinina que, além destruir as hemácias transfundidas, pode mascarar a existência de aloanticorpos. · Relatos indicam que 12 a 40% dos pacientes com AHAI apresentam aloanticorpo associado, que podem levar a reação hemolítica aguda ou tardia. · Devido à dificuldade de achar unidades de concentrado de hemácias compatíveis e à possibilidade de aloanticorpo, devem ser realizados testes mais complexos que os de compatibilidade usuais, como técnicas de diluição e procedimentos de adsorção. · Posteriormente, devem ser selecionadas as unidades “menos incompatíveis”, e a transfusão deve ser realizada lentamente, em pequenas quantidades (aproximadamente 100 mL), e eventualmente lavadas para a remoção de complemento. · O paciente deve ser acompanhado atentamente durante todo ato transfusional, devido ao risco de agravamento da hemólise. · O tratamento inicial com corticosteroides (prednisona na dose de 1-2 mg/kg/dia) reduz a hemólise em cerca de 60 a 70% dos pacientes e aumenta o nível de hemoglobina em uma a duas semanas na maioria dos pacientes com AHAI a quente, quando então a dose deve ser progressivamente reduzida durante os trinta a 120 dias seguintes, sendo que em alguns casos sua retirada completa pode levar um ano. · Pacientes com hemólise fulminante podem se beneficiar da pulsoterapia com metilpredinisola por via endovenosa. · Apenas 20% dos doentes mantém remissão após a retirada dos glicocorticoides. · É recomendada reposição de acido fólico e profilaxia para osteoporose, com suplementação de cálcio e vitamina D aos pacientes considerados de alto risco; para osteoporose considerar o tratamento com bifosfonados. · Os pacientes que não apresentam resposta satisfatória, ou que permanecem dependentes de corticosteroides com efeitos colaterais, devem ser submetidos à esplenectomia, embora ainda não seja possível precisar antecipadamente quais são os pacientes que têm melhor resposta à remoção do baço. · Os resultados da esplenectomia são variáveis. · A morbimortalidade do procedimento é baixa; o maior efeito adverso é o risco aumentado de infecções, principalmente em crianças e em AHAI secundária. · É recomendada vacinação para Haemophilus influezae tipo B, pneumococo e meningococo. · Os indivíduos que não respondem à prednisona, pulsoterapia com metilprednisolona ou esplenectomia podem ser tratados alternativamente com: · a) danazol (200 a 800 mg/dia). · b) anticorpo monoclonal anti-CD20 (375 mg/ m2/semana durante 4 semanas) tem sido utilizado em pacientes com AHAI refratária (primária ou secundária), com resultados promissores, devendo ser considerado em pacientes que são refratários ou que não podem ser submetidos à esplenectomia. · c) com drogas imunossupressoras tais como ciclofosfamida, azatioprina ou ciclosporina. Um algoritmo para o tratamento de AHAI por anticorpos a quente é sugerido na Figura 29.2. AHAI causada por anticorpos a frio · Os anticorpos da classe IgM reagem melhor a frio, porque em temperaturas mais baixas os sítios antigênicos das hemácias sofrem mudanças de conformação estrutural que os torna reativos com anticorpos IgM. · A maior ação dos auto-anticorpos com o frio faz com que as áreas mais extremas e frias do organismo sejam mais acometidas. · Os sintomas são causados pela aglutinação das hemácias nas extremidades, que leva à redução do fluxo sanguíneo e à diminuição da oferta de oxigênio aos tecidos nas extremidades, ocasionando a aparência cianótica característica nos dedos, no nariz e nas orelha dos pacientes com AHAI a frio. · O diagnóstico de fenômeno de Raynaud pode ser erroneamente estabelecido e, raramente, a isquemia pode causar gangrena. · A hemólise que é primariamente intravascular pode causar palidez, fadiga, e insuficiência cardíaca, sendo que a esplenomegalia ocorre em número muito menor de pacientes que nos casos de AHAI causada por anticorpos a quente. · Pacientes com AHAI causada por anticorpos a frio devem ser investigados quanto à presença de infecção recente (Mycoplasma pneumoniae, mononucleose infecciosa, HIV ou hepatite), doença linfoproliferativa, e paraproteinemia monoclonal. · Os testes laboratoriais revelam anemia com autoaglutinação espontânea, pequeno número de esferócitos, policromasia e reticulocitose. · Os autoanticorpos IgM ligam-se às hemácias nas regiões corpóreas mais frias e fixam complemento. · Quando retornam às áreas centrais mais aquecidas do organismo, os anticorpos se desligam deixando frações do complemento na superfície das hemácias, mas raramente a via do complemento é ativada até o final, levando à hemólise intravascular. · Ao contrário, as hemácias são removidas predominantemente por células fagocitárias no fígado e, raramente, no baço. · Na grande maioria dos casos, os autoanticorpos são dirigidos contra o antígeno I presente nas hemácias e, frequentemente, esses pacientes necessitam de transfusões sanguíneas. · A tipagem ABO e as provas pré-transfusionais são alteradas pela panreatividade dos autoanticorpos, e os hemocomponentes devem ser aquecidos antes do início das transfusões. · O aquecimento das extremidades dos pacientes pode também reduzir o risco de hemólise durante as transfusões (Figura 29.3). · Uma vez que os autoanticorpos da classe IgM se distribuem predominamente no espaço intravascular, os pacientes com AHAI a frio são candidatos potenciais ao tratamento com plasmaférese, embora exista risco de que os autoanticorpos possam aglutinar dentro do sistema de bolsas plásticas durante o procedimento. · Entretanto, o benefício clínico da plasmaférese é transitório e não proporciona respostas duradouras. · O tratamento inicial da doença também pode ser realizado com corticosteroides, porém, em geral, a evolução clínica da doença é pouco modificada com o uso desses medicamentos. · O tratamento através da esplenectomia ou com o uso de agentes alquilantes também não costuma oferecer bons resultados, embora possa prevenir a diminuição do nível da hemoglobina a valores clinicamente perigosos. Doença da aglutinina a frio · Essa doença, relativamente rara, acomete pacientes com idade superior a sessenta anos que apresentam quadro acentuado de acrocianose. · A presença de hepatoesplenomegalia e adenopatia sugere a concomitância de doença linfoproliferativa associada à gamopatia monoclonal IgM com aglutininas a frio, formadas por cadeias leves tipo kappa, que reagem contra o antígeno I das hemácias. · Muitas vezes, a proteína monoclonal pode lembrar macroglobulinemia de Waldenström. · O tratamento consiste na proteção ao frio e uso de agentes alquilantes (clorambucil ou ciclofosfamida). · Nos casos secundários a linfomas não Hodgkin, o tratamento deve enfocar o controle da doença linfoproliferativa. AHAI por anticorposa frio pós-infecção · A AHAI causada por anticorpos a frio pode ocorrer em adultos e crianças após infecção, particularmente mononucleose infecciosa (IgM, anti-i) ou Mycoplasma pneumoniae (IgM, anti-I). · Essa condição é diferenciada da AHAI causada por anticorpos a frio clássica, porque ocorre em crianças e adolescentes, devido à natureza policlonal do autoanticorpo IgM, e devido ao quadro clínico habitualmente transitório e benigno. · O tratamento é de suporte. · Caso a hemólise seja intensa e persistente, o tratamento com corticosteroides ou plasmaférese pode ser indicado. Hemoglobinúria paroxística aguda a frio · Essa AHAI a frio mediada por IgG acomete frequentemente crianças com idade inferior a cinco anos, após infecção das vias aéreas superiores. · A doença é caracterizada por hemólise intravascular explosiva, com palidez, icterícia e hemoglobinúria, acompanhadas de dor abdominal, febre e sintomas gerais de gripe. · A análise do sangue periférico revela policromasia, esferocitose e eritrofagocitose. · O autoanticorpo policlonal da classe IgG é específico para o antígeno P e pode ser reconhecido pelo teste de Donath Landsteiner, no qual o sangue é resfriado para permitir a ligação do anticorpo e, então, aquecido para pesquisa da hemólise. · A sensibilidade do teste pode ser aumentada acrescentando-se complemento ao sistema. · O tratamento é de suporte e, quando indicada pelo risco de choque circulatório, a transfusão deve ser realizada com sangue aquecido, mantendo-se o paciente também aquecido. · Em geral, a doença é autolimitada e raramente há necessidade do uso de corticosteroide ou transfusão de hemácias. ANEMIA HEMOLÍTICA INDUZIDA POR DROGAS · Drogas podem induzir a formação de anticorpos dirigidos contra a própria droga ou contra antígenos intrínsecos às hemácias. · A maioria das drogas possui peso molecular abaixo de 5.000 dalton, que é considerado o peso limite para a droga apresentar imunogenicidade. · Diversas drogas podem causar TAD positivo, com ou sem hemólise imune clínica, conforme os quatro mecanismos descritos abaixo (Tabelas 29.5 e 29.6). Adsorção da droga (hapteno) · Cerca de 3% dos pacientes que recebem altas doses de penicilina endovenosa desenvolvem TCD positivo, porém menos que 5% desses pacientes apresentam anemia hemolítica. · A droga, que funciona como hapteno, liga-se fortemente às proteínas da membrana eritrocitária, e o paciente forma anticorpos dirigidos contra a penicilina ligada às hemácias, porém sem ativação do complemento. · Quando ocorre, a hemólise é extravascular. Adsorção de imunocomplexos · Nesses casos, os anticorpos reagem com a droga (quinidina, fenacetina, cefalosporinas de terceira geração) para formar imunocomplexos que são adsorvidos por receptores específicos das hemácias. · Os imunocomplexos podem ativar o sistema do complemento e desencadear hemólise intravascular. · As hemácias recobertas apenas com frações do sistema do complemento são destruídas por fagócitos no espaço extravascular. Indução de autoimunidade · O uso de α-metildopa ou procainamida induz a formação de autoanticorpos que reagem com antígenos eritrocitários, em geral relacionados ao grupo sanguíneo Rh. · Tem sido postulado que a droga interfere na função de linfócitos T supressores, permitindo que linfócitos B formem autoanticorpos eritrocitários. · O desenvolvimento de TCD positivo é dose-dependente, estimando-se que cerca de 35% dos pacientes que tomam 3 gramas de α-metildopa ao dia apresentam TCD+, comparados a 11% de positividade do TCD em indivíduos que usam 1 grama ao dia. · Entretanto, somente 0,5% a 1% dos pacientes que utilizam a droga rotineiramente desenvolvem anemia hemolítica. · Com a retirada da droga a anemia hemolítica desaparece, porém alguns pacientes permanecem com TCD positivo durante alguns dias após a interrupção do medicamento. Adsorção não imunológica de proteínas · A cefalotina pode ligar-se à superfície das hemácias, em pH neutro ou alcalino, através de um mecanismo independente do grupo β-lactamato que então permanece livre para atrair várias proteínas plasmáticas (albumina, IgA, IgG, IgM, e frações do complemento) que são adsorvidas à superfície das hemácias. · Aproximadamente 4% dos pacientes que recebem cefalosporinas de primeira ou segunda geração desenvolvem TCD positivo, embora os casos que evoluem para hemólise sejam raros.
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