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As igrejas de Cachoeira HISTÓRIA, ARQUITETURA E ORNAMENTAÇÃO Camila Fernanda Guimarães Santiago Igor Roberto de Almeida Moreira Sabrina Mara Sant’Anna (Org.) As igrejas de Cachoeira HISTÓRIA, ARQUITETURA E ORNAMENTAÇÃO Camila Fernanda Guimarães Santiago Igor Roberto de Almeida Moreira Sabrina Mara Sant’Anna (Org.) 2020 Copyright © As Igrejas de Cachoeira: história, arquitetura e ornamentação Copyright © Clio Gestão Cultural e Editora EDITORA: CLIO GESTÃO CULTURAL E EDITORA EDITORA EXECUTIVA: Tânia Maria T. Melo Freitas CONCEPÇÃO DA CAPA: Ludmila Andrade Rennó PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO: Ludmila Andrade Rennó REVISÃO GRAMATICAL: Simone Mara de Jesus REVISÃO GERAL: Tânia Maria T. Melo Freitas REGISTRO E CATALOGAÇÃO: Gislene Rodrigues da Silva CONSELHO EDITORIAL DA CLIO GESTÃO CULTURAL E EDITORA: Profª. Drª. Adalgisa Arantes Campos - UFMG - Brasil Prof. Dr. Alfredo Morales - USE - Espanha Profª. Drª. Ângela Brandão – UNIFESP – Brasil Prof. Dr. Antônio Emílio Morga - UFAM - Brasil Pe. Mestre Carlos Fernando Russo - UP – Portugal Eng.º Mestre Fernando Roberto de Castro Veado – UFMG/IEPHA - Brasil Prof. Dr. Luiz Alberto Ribeiro Freire – UFBA - Brasil Prof. Dr. Luiz Carlos Villalta – UFMG - Brasil Prof. Dr. Magno Moraes Mello – UFMG - Brasil Profª. Drª. Mary del Priori - UNIVERSO - Brasil Prof. Dr. Saul António Gomes – UC - Portugal Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, armazenamento ou transmissão de partes deste livro, através de quaisquer meios, sem a prévia autorização por escrito da Editora. As ideias contidas neste livro são de responsabilidade de seus organizadores e autores; não expressam necessariamente a posição da editora. Clio Gestão Cultural e Editora Av. Álvares Cabral, 344 – s.1701/1702 Cep: 30170-911 – Belo Horizonte – MG Telefone | Whatsapp: (31) 99205-1448 E-mail: taniamfreitas.ph@gmail.com Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Elaborada pela bibliotecária Gislene Rodrigues da Silva, CRB-6/MG 3293. S235i Santiago, Camila Fernanda Guimarães. As igrejas de Cachoeira: história, arquitetura e ornamentação/ Camila Fernanda Guimarães Santiago; Igor Roberto de Almeida Moreira; Sabrina Mara Sant’Anna. – Belo Horizonte: Clio Gestão Cultural e Editora, 2020. 194f. : il. Ebook formato pdf. Requisitos do sistema: Adobe Acrobat Reader. E-ISBN: 978-65-89378-01-3 1. Bahia - história. 2. Patrimônio. 3. Arquitetura. 4. Igreja católica - história. 5. Arte e religião. I. Título. CDU – 930.85 As igrejas de Cachoeira HISTÓRIA, ARQUITETURA E ORNAMENTAÇÃO Camila Fernanda Guimarães Santiago Igor Roberto de Almeida Moreira Sabrina Mara Sant’Anna (Org.) Belo Horizonte 2020 AS IGREJAS DE CACHOEIRA HISTÓRIA, ARQUITETURA E ORNAMENTAÇÃO FICHA TÉCNICA Pesquisa Camila Fernanda Guimarães Santiago Igor Roberto de Almeida Moreira Sabrina Mara Sant’Anna Tradução latim-português Francisco Taborda, SJ Desenhos Antônio Wilson Silva de Souza Samantha Úrsula Sant’Anna Fotografia Chico Brito Edição de imagens Dionísio Silva Juninho Motta Magno Tavares CONTEÚDO Agradecimentos .................................................................................................. 7 Apresentação ..................................................................................................... 11 Capítulo 1: A formação do núcleo urbano de Cachoeira: dos primórdios da colonização ao século XIX ...........................................................................15 Capítulo 2: Barroco, Rococó e Neoclássico: origens, principais características e manifestações artísticas nas igrejas de cachoeira .....................35 Capítulo 3: A Capela de Nossa Senhora d’Ajuda ............................................ 49 Capítulo 4: A Capela da Ordem Primeira de Nossa Senhora do Carmo ....... 59 Capítulo 5: A Capela da Venerável Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte do Carmo .........................................................................................79 Capítulo 6: A Matriz de Nossa Senhora do Rosário ..................................... 105 Capítulo 7: A Capela do Hospital São João de Deus - Santa Casa da Misericórdia .............................................................................133 Capítulo 8: A Capela de Nossa Senhora da Conceição do Monte ............... 145 Capítulo 9: A Capela de Nossa Senhora do Rosário do Santíssimo Coração de Maria do Monte Formoso ...........................................................159 Capítulo 10: A Capela de Nossa Senhora da Conceição dos Pobres ............ 169 GLOSSÁRIO .................................................................................................. 175 AS IGREJAS DE CACHOEIRA6 HISTÓRIA, ARQUITETURA E ORNAMENTAÇÃO 7 AGRADECIMENTOS O livro As igrejas de Cachoeira: história, arquitetura e orna- mentação foi idealizado por três historiadores: professora doutora Camila Fernanda Guimarães Santiago (Universidade Federal do Re- côncavo da Bahia; Centro de Artes, Humanidades e Letras), professo- ra doutora Sabrina Mara Sant’Anna (Universidade Federal do Recôn- cavo da Bahia; Centro de Artes, Humanidades e Letras) e mestrando Igor Roberto de Almeida Moreira (Universidade do Estado da Bahia; Programa de Pós-Graduação em História Regional e Local). Integra- ram a equipe do projeto o professor doutor Antônio Wilson Silva de Souza (Universidade Estadual de Feira de Santana; Departamento de Letras e Artes), autor dos desenhos a nanquim que ilustram o livro, e o fotógrafo Chico Brito. A equipe contou com a gentil colaboração de estudiosos, de profissionais de áreas diversas e de membros da comu- nidade cachoeirana. O livro, portanto, é fruto de um esforço coletivo. Agradecemos imensamente a todos os envolvidos, cujas contribuições foram fundamentais e imprescindíveis. Agradecemos ao padre professor doutor Francisco Taborda, SJ (Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia) pelo criterioso trabalho de tradução das inscrições em latim presentes na ornamentação de algumas igrejas de Cachoeira e pela erudita orientação acerca dos aspectos teológicos que envolvem a arte sacra cristã. Ao professor doutor Luiz Alberto Ribeiro Freire (Universidade Federal da Bahia; Escola de Belas Artes) por compartilhar conosco seu profundo conhecimento sobre a talha barroca, rococó e neoclássica na Bahia. As plantas arquitetônicas das igrejas foram meticulosamente desenhadas pela arquiteta e urbanista Samantha Úrsula Sant’Anna, a quem muito agradecemos. Todas as AS IGREJAS DE CACHOEIRA8 imagens que ilustram o livro receberam tratamento adequado para publicação; agradecemos a colaboração, o empenho e a dedicação dos seguintes profissionais: Juninho Motta, Dionísio Silva e Magno Tavares. Nossa gratidão é também dirigida a todos que nos ajudaram na produção do recinto interno das igrejas para a realização do serviço fotográfico: Balbino dos Santos Ramos, Alexandre Inácio de Matos, Antônio Jorge Cerqueira Machado, Fábio dos Santos Sacramento, Germano Mendes Vilas Boas, Rodrigo de Oliveira da Silva e Sandro Araújo. Contamos com o atencioso acompanhamento dos responsáveis pelas igrejas de Cachoeira nas várias vezes em que estivemos nos edifícios para a realização de estudos, desenhos e fotografias. Nestas ocasiões, testemunhamoso zelo, a preocupação e o carinho que todos eles dedicam ao patrimônio. Muitíssimo obrigado por viabilizarem o nosso trabalho e contribuírem prestando-nos as informações solicitadas: - Capela de Nossa Senhora D’Ajuda: Aldo Santos Figueiredo (presidente da Irmandade de Nossa Senhora D’Ajuda), Maria Aparecida Vasconcellos Pelegrini (diretora de patrimônio da Irmandade de Nossa Senhora D’Ajuda); - Capela da Ordem Primeira de Nossa Senhora do Carmo: Frei Raimundo Brito de Carvalho, Sandro Araújo (zelador); - Capela da Venerável Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte do Carmo: Anderson Luis de Jesus Pinto (prior da Venerável Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte do Carmo), Fábio dos Santos Sacramento (zelador); - Matriz de Nossa Senhora do Rosário: Padre Hélio Cezar Leal Vilas Boas (pároco), Kátia Soares (secretária), Alexandre Inácio de Matos (zelador); - Capela do Hospital São João de Deus/Santa Casa da Misericórdia: Luís Antônio Costa Araújo (provedor da Santa Casa da Misericórdia), Raquel Rodrigues; - Capela de Nossa Senhora da Conceição do Monte: Isaac Tito dos Santos Filho (juiz presidente da Irmandade de Nossa Senhora da Conceição), Narciso Moniz; HISTÓRIA, ARQUITETURA E ORNAMENTAÇÃO 9 - Capela de Nossa Senhora do Rosário do Santíssimo Coração de Maria: Fausto Cruz; - Capela de Nossa Senhora da Conceição dos Pobres: Jocelina Lima da Conceição. AS IGREJAS DE CACHOEIRA10 HISTÓRIA, ARQUITETURA E ORNAMENTAÇÃO 11 APRESENTAÇÃO O livro As igrejas de Cachoeira: história, arquitetura e ornamentação é produto do projeto Guia das igrejas de Cachoeira – séculos XVI a XIX, que contou com o apoio do Conselho Municipal de Política Cultural de Cachoeira, e com o apoio financeiro do 1º Edital Setorial de Cultura de Cachoeira, através do Fundo Municipal de Cultura, da Secretaria de Cultura e Turismo e da Prefeitura de Cachoeira – Tesouro Cultural da Bahia. Localizada a aproximadamente 120 quilômetros da capital do estado, Cachoeira faz parte da região do Recôncavo Baiano e situa-se à margem esquerda do rio Paraguaçu. A história da colonização e ocupação do território que corresponde ao atual município remonta ao século XVI. A importância do patrimônio material da cidade foi reconhecida no final da década de 1930, quando o recém-criado Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN, atual Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, IPHAN) tombou várias edificações, dentre as quais destacamos: o Convento e a Capela de Nossa Senhora do Carmo (tombada em 1938), a Casa de Oração e a Capela da Venerável Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte do Carmo (1938), a Capela de Nossa Senhora D’Ajuda (1939), a Matriz de Nossa Senhora do Rosário (1939) e a Capela do Hospital São João de Deus (1943). Em 1971, o IPHAN tombou o conjunto arquitetônico e paisagístico de Cachoeira, ano em que o município ganhou o status de Cidade Monumento Nacional. O livro As igrejas de Cachoeira: história, arquitetura e ornamentação tem o objetivo de apresentar para o leitor os templos AS IGREJAS DE CACHOEIRA12 católicos edificados entre os séculos XVI e XIX no núcleo urbano da cidade. Nossa proposta é que a publicação auxilie aqueles que desejam conhecer e compreender a configuração arquitetônica e a decoração desses antigos edifícios. O primeiro capítulo, A formação do núcleo urbano de Cachoeira: dos primórdios da colonização ao século XIX, oferece um panorama histórico do desenvolvimento da área urbana do município, desde a chegada dos primeiros portugueses até o final do século XIX, período em que as igrejas apresentadas no livro foram edificadas e ornamentadas. O segundo capítulo, Barroco, Rococó e Neoclássico: origens, principais características e manifestações artísticas nas igrejas de Cachoeira, introduz conceitos da História da Arte, contextualizando os períodos de vigência e as características dos estilos que serão observados nos antigos templos cachoeiranos. Os capítulos seguintes, do 3 ao 10, apresentam informações sobre a invocação padroeira dos edifícios sagrados, as ordens religiosas e as associações de leigos devotos que patrocinaram essas construções, o processo de edificação e a decoração das igrejas. O livro convida o leitor a observar a estrutura arquitetônica e compreendê-la, posicionando-o de frente para o templo e descrevendo sua fachada principal. Para facilitar o entendimento e a identificação de cada elemento da fachada, os textos são acompanhados de desenhos didáticos. Tendo o leitor assimilado a história do edifício e analisado o seu exterior, é hora de adentrar e conhecer o interior. A planta baixa é apresentada e a ornamentação descrita. Cada recinto é devidamente explorado: capela-mor, nave, sacristia e outros mais, quando for o caso. Em cada um desses espaços, o olhar não fica à deriva, mas é conduzido mediante explicações sobre a talha, a pintura, a azulejaria, os personagens e os episódios representados. Fotos acompanham o texto e facilitam a identificação do que está sendo abordado. A publicação conta também com um glossário. Salientamos que o livro ora apresentado tem como delimitação espacial o núcleo urbano do município. Por isso, notáveis edifícios religiosos não foram aqui tratados, como, por exemplo, a Capela do Seminário Jesuíta de Belém e o Convento Franciscano de Santo Antônio do Paraguaçu. Esclarecemos que importantes associações HISTÓRIA, ARQUITETURA E ORNAMENTAÇÃO 13 religiosas de leigos estabelecidas em Cachoeira nos séculos passados não edificaram capela própria e, por isso, não foram destacadas. É o caso, por exemplo, da Irmandade do Santíssimo Sacramento, sediada na Matriz de Nossa Senhora do Rosário, da Irmandade do Bom Jesus da Paciência, que teve sede na Capela da Ordem Primeira de Nossa Senhora do Carmo, da Irmandade de São Benedito, que funcionava na Capela de Nossa Senhora D’Ajuda, e da Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte, originalmente sediada na Capela da Ordem Primeira do Carmo. Atualmente, a Irmandade da Boa Morte tem uma casa-sede e um memorial na rua 13 de maio. A celebração da festa que as irmãs tradicionalmente realizam no mês de agosto é acompanhada pelos moradores da cidade e também por muitos turistas. O livro As igrejas de Cachoeira: história, arquitetura e ornamentação foi elaborado com base em pesquisas e critérios metodológicos da História e da História da Arte. Foram consultados documentos manuscritos no Arquivo Histórico Ultramarino (Projeto Resgate), no Arquivo Público do Estado da Bahia, no Laboratório Reitor Eugênio Veiga (Universidade Católica do Salvador), no Arquivo Municipal de Cachoeira, no Arquivo da Venerável Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte do Carmo e no Arquivo da Santa Casa da Misericórdia de Cachoeira. As fontes documentais foram minuciosamente analisadas e interpretadas, possibilitando-nos conhecer alguns aspectos até então desconhecidos da história de Cachoeira e de seus templos. Fontes impressas também foram alvo de pormenorizado estudo. Muitas são antigas, contemporâneas de algumas edificações, como o tomo nono do Santuário Mariano, de frei Agostinho de Santa Maria, publicado em 1722. Outras, posteriores, nos legaram valiosíssimos testemunhos sobre o estado das fachadas e ornamentação dos templos, como é o caso do relato ilustrado de Epiphanio José de Meirelles, publicado em 1866 na obra Brasil Histórico, de Alexandre José de Mello Moraes. Importantes também foram os trabalhos pioneiros de Pedro Celestino da Silva e as Ephemerides Cachoeiranas de Aristides Milton. Outras fontes de informação foram o Inventário de Proteção do Acervo Cultural: monumentos e sítios do Recôncavo e os Inventários de Bens Móveis e Integrados do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Além disso, a pesquisa abarcou a produção acadêmica: livros, AS IGREJAS DE CACHOEIRA14 artigos, teses de doutorado, dissertações de mestrado e trabalhos de conclusão de curso. Desejamosa todos uma agradável e proveitosa leitura. Camila Fernanda Guimarães Santiago Igor Roberto de Almeida Moreira Sabrina Mara Sant’Anna HISTÓRIA, ARQUITETURA E ORNAMENTAÇÃO 15 CAPÍTULO 1 A FORMAÇÃO DO NÚCLEO URBANO DE CACHOEIRA: DOS PRIMÓRDIOS DA COLONIZAÇÃO AO SÉCULO XIX O início da ocupação do território e o papel da família Adorno A ocupação do território que corresponde à atual cidade de Cachoeira fez parte do processo mais amplo de conquista do Recôncavo da Baía de Todos os Santos pelos portugueses. Em 1549, após a chegada do primeiro governador geral do Brasil, Tomé de Souza, à Capitania da Bahia, o desbravamento da região intensificou-se. No início da segunda metade do século XVI, Álvaro da Costa, filho de Dom Duarte da Costa, segundo governador geral do Brasil, liderou uma ofensiva contra os índios que habitavam o Recôncavo Baiano. Em remuneração pelos seus serviços, ele foi agraciado com terras situadas entre os rios Paraguaçu e Jaguaripe e mais 10 léguas no sentido do continente. Ele loteou parte desse território entre lavradores que começavam a cultivar cana de açúcar, milho e mandioca. A situação de insegurança causada pelo confronto constante com os indígenas só foi amenizada a partir das violentas campanhas de ocupação das terras em torno do rio Paraguaçu empreendidas por Mem de Sá, terceiro governador geral do Brasil. 1 Na segunda metade do século XVI, a consolidação da presença portuguesa refletiu-se na criação das seguintes freguesias pelos bispos D. Pedro Leitão (1559-1575) e D. Antônio Barreiras (1576-1600): São Bartolomeu de Pirajá, Nossa Senhora do Ó de Paripe, Nossa Senhora da Piedade de Matoim, Nossa Senhora da Encarnação de Passé, AS IGREJAS DE CACHOEIRA16 Nossa Senhora do Monte do Recôncavo, Nossa Senhora do Socorro (Mataripe), São Miguel de Cotegipe, Santo Amaro do Ipitanga, São Tiago do Iguape, Bom Jesus da Vera Cruz de Itaparica, São Gonçalo da Patatiba e Madre de Deus do Boqueirão.2 Freguesia, também chamada paróquia, é uma povoação que tem igreja matriz e pároco (padre) fixo para prestar assistência espiritual aos devotos, celebrar missas e administrar os sacramentos (batismo, confissão, eucaristia, crisma, matrimônio e unção dos enfermos). No caso específico da área que corresponde à atual cidade de Cachoeira, segundo Gabriel Soares de Sousa, autor do Tratado Descritivo do Brasil em 1587, havia um “engenho de água muito bem acabado, o qual fez um Rodrigo Martins, mameluco, por sua conta, e de Luiz de Brito de Almeida, junto do qual vivem muitos mamelucos com suas fazendas”.3 A palavra mameluco foi amplamente utilizada no período colonial para identificar os indivíduos que possuíam ascendência europeia e indígena. No final do século XVI, o capitão Álvaro Rodrigues Adorno estabeleceu-se onde hoje é Cachoeira. Ele edificou um engenho e uma ermida (pequena capela sem jurisdição paroquial) dedicada a Nossa Senhora do Rosário.4 Essa ermida foi a primeira edificação católica do povoado. No século XVII, conforme veremos mais adiante, ela foi reconstruída e reformada para ser a sede paroquial e, desde o final do século XVIII, passou a ter Nossa Senhora D’Ajuda como padroeira. No início da segunda metade do século XVII, o capitão Gaspar Rodrigues Adorno, neto de Álvaro Rodrigues Adorno, avançou na conquista, submetendo os indígenas e integrando muitos deles em seu regimento. Assim, gradativamente, a presença colonizadora e a aglomeração populacional foram crescendo no território.5 A família Adorno acumulou muitas terras. Desde fins do século XVII, o capitão João Rodrigues Adorno, bisneto de Álvaro Rodrigues, era o grande proprietário da região. Algumas das edificações religiosas que se ergueram nos séculos XVII e XVIII assentaram-se sobre terrenos doados por esse importante personagem da história local. HISTÓRIA, ARQUITETURA E ORNAMENTAÇÃO 17 A criação da Freguesia de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira e seu desenvolvimento no final do século XVII Até meados do século XVII, a ermida dedicada a Nossa Senhora do Rosário era usada, principalmente, para a realização de cerimônias religiosas relacionadas aos próprios membros da família Adorno, como revela o registro de casamento abaixo: Em vinte e quatro de novembro de mil seiscentos e cinquenta e seis, recebeu o Pe. Pantaleão Alvares com minha licença na capela de Gaspar Rodrigues Adorno, a Afonso Rodrigues Adorno, com Maria Dias de Souza. Testemunhas: João de Aragão e Clara de Souza. Manoel Coelho Bernardes. 6 O crescimento populacional do povoado trouxe a necessidade de se fundar uma freguesia. Primeiramente, criou-se um curato da Paróquia de São Tiago do Iguape, com sede na capela dos Adorno.7 Isso quer dizer que o povoado passou a ter um sacerdote residente, subordinado à autoridade do pároco do Iguape, para prestar assistência espiritual aos moradores, e que a capela dedicada a Nossa Senhora do Rosário tornou-se, oficialmente, o centro da vivência religiosa local. Em 1674, o capitão João Rodrigues Adorno doou a capela para servir de igreja matriz, fornecendo a condição básica para a criação da Freguesia de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira. As autoridades portuguesas relataram ao rei de Portugal o que o sobrinho de João Rodrigues Adorno, chamado Cosme Rodrigues de Araujo, informou sobre essa doação: [...] dando o dito seu tio doador espontaneamente ao Padroado de V. Majestade assistindo uma igreja aparentada de todo o necessário para servir de freguesia nas suas terras da Vila de Cachoeira em grande benefício daquele povo pois a freguesia antiga [São AS IGREJAS DE CACHOEIRA18 Tiago do Iguape] ficava muito distante causando grande detrimento principalmente ao povo feminino sem que por este serviço, nem pelos mais tivesse de V. Majestade prêmio algum [...].8 Segundo frei Agostinho de Santa Maria – autor da obra Santuário Mariano, cujo tomo referente ao Arcebispado da Bahia e outros cinco bispados da América Portuguesa foi publicado em 1722 – a Freguesia de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira foi erigida em 18 de fevereiro de 1674 pelo chantre da Sé Francisco Pereira, então visitador geral do recôncavo.9 Desde o último quartel do século XVII, a freguesia recém-criada encontrava-se em franco crescimento populacional e econômico devido a sua privilegiada posição geográfica: no ponto final da área navegável do rio Paraguaçu. Essa localização tornava Cachoeira passagem obrigatória na ligação de Salvador com o sertão; gente e mercadorias transitavam do seu porto para a Cidade do Salvador e dele para o interior. Em 1686, os jesuítas instalaram um seminário em Belém da Cachoeira, que se tornaria uma importante instituição de ensino. No ano de 1688, a Ordem Carmelita fixou-se na freguesia, onde construiu um hospício (pequeno convento que abrigava religiosos em missionação na região) e uma capela em terreno doado pelo capitão João Rodrigues Adorno.10 O vigésimo nono governador da Bahia, Antônio Luís Coutinho da Câmara, em carta endereçada ao rei Pedro II, em 1693, mencionou a importância dos carmelitas na Paróquia de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira: Quanto ao hospício da Cachoeira, ali não há donde os Religiosos possam fazer missão: mas necessita aquela povoação dele: porque além de ser um porto donde se embarca tudo o que vem do Sertão para esta Cidade está hoje uma povoação muito grande, e necessita de ter confessores para poderem ajudar o Pároco. Eu advertirei ao Provincial, que tenha Religiosos de capacidade, e de bom exemplo. Este é o meu parecer. 11 HISTÓRIA, ARQUITETURA E ORNAMENTAÇÃO 19 Em 1691, foi criada a Venerável Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte do Carmo. As ordens terceiras são associações de leigos que se reúnem em torno de uma devoção comum e são submetidas a uma ordem religiosa, no caso, à Ordem Carmelita. A vinculação a uma ordem religiosa é o principal diferencial entre as ordens terceiras e as irmandadesde compromisso, que também são agremiações de leigos. Esses dois tipos de associações regem-se por documentos chamados estatutos, no caso das ordens terceiras, e compromissos, no caso das irmandades. Há também outra categoria, denominada irmandade de devoção. Esta se distingue por não ser oficialmente instituída, ou seja, não é regida por livro de compromisso chancelado pelas autoridades competentes; sua função é primordialmente devocional. Os estatutos e compromissos estabelecem os deveres dos agremiados, como o pagamento de taxas de entrada e anuidades, a participação nas celebrações em honra da invocação padroeira (missas e procissões) e o acompanhamento dos ritos fúnebres dos outros irmãos; estabelecem também os seus direitos, dentre os quais destacamos a celebração de missas em intenção de suas almas e a garantia de uma sepultura digna. As ordens terceiras e irmandades de compromisso, especialmente durante o período colonial, desempenharam, na América Portuguesa, importante papel social, religioso e cultural, posto que funcionaram como agentes da caridade cristã, prestando assistência material e espiritual aos seus agremiados, contribuíram para o desenvolvimento do culto santoral e atuaram como patrocinadoras das artes, edificando templos e contratando os serviços de entalhadores, pintores, santeiros, músicos, etc.12 A criação da Vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira e seu desenvolvimento no século XVIII O rei de Portugal, em carta régia de 27 de dezembro de 1693, apontou a necessidade de serem criadas vilas na Capitania da Bahia a fim de submeter os indivíduos de localidades remotas à tutela portuguesa.13 AS IGREJAS DE CACHOEIRA20 A elevação de uma povoação à condição de vila significava que, a partir de então, funcionários régios seriam ali estabelecidos, principalmen- te juízes e vereadores. A sede administrativa, onde esses funcionários exerciam suas funções, chamava-se Casa de Câmara e Cadeia. Como símbolo da administração da justiça, era fixada uma coluna, o pelou- rinho, em lugar público. No dia 07 de janeiro de 1698, um grupo de residentes no sí- tio do porto da Cachoeira reuniu-se para resolver questões relativas à construção da Casa de Câmara e Cadeia: E logo e no mesmo dia de 7 do mês de janeiro e ano atrás declarado depois dos moradores deste sítio e seu distrito que são todos aqueles que se acham assinados ao pé do termo atrás e outros mais que por inadvertência deixaram de assinar concordarem assentarem e convirem que era útil e conveniente pelas razões já alegadas, que em este sítio do porto da Cachoeira, Freguesia de Nossa Senhora do Rosário se fizesse erigir em ele Vila pela utilidade que com a fatura dela concebiam o direito desembargador Estevam Ferraz de Campos lhe propôs que era também útil e necessário que com a criação desta Nova Vila aonde havia um tão dilatado número de moradores extenso território aonde viviam pessoas muito ricas e abastadas de bens tivesse princípio uma casa convenientemente para que houvesse de servir de casa da câmara e a audiência para os despachos dela por baixo da qual ficasse uma cadeia forte e conveniente para recolhimento dos presos que a ela por crime ou cível houvessem de vir, para qual despesa parecia acertado e justo concorrerem os que se achassem com suficiência para o poderem fazer com aquele tanto ou quanto que cada um voluntariamente quisesse lhe parecesse pois era tudo em utilidade e bem comum de todos. Revistas e ponderados por eles todas estas razões que cada um deles abraçou se comprometeram todos uniformemente e suas livres vontades.14 O documento mencionado foi assinado por 50 moradores e apresenta a doação de cada um deles. Destacamos algumas, como HISTÓRIA, ARQUITETURA E ORNAMENTAÇÃO 21 a do português João Peres Ribeiro (quatro mil réis), a do capitão Sebastião Pereira (dez mil réis), a de Cristóvão da Rocha Pita (duas sacas de açúcar branco), a de Antônio Carvalho Pereira (uma dúzia de panos). Nota-se, assim, a presença de uma elite já assentada e com peso político e econômico. A Vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira foi definitivamente instalada no dia 29 de janeiro do referido ano de 1698.15 No século XVIII, a Vila da Cachoeira e seu termo possuíam significativa dimensão territorial. A palavra termo designava a região que fazia parte da jurisdição dos juízes da vila,16 como se fossem distritos submetidos à administração da câmara. Vejamos, abaixo, um fragmento do documento que descreve os limites da jurisdição da Câmara da Vila da Cachoeira: [...] deu termo a esta Vila desde o rio a que chamam Subauma por esta parte da freguesia de São Domingos com a freguesia de São Thiago, correspondente a uma e outra freguesia pelos Mulundús a buscar o Cae Quiabo, a buscar o engenho do coronel Pedro Garcia e daí cortando pela mata que divide os caminhos entre Sergipe do Conde e São Gonçalo dos Campos da Cachoeira, cortando sempre pela dita mata das Ouriçangas ao lugar onde mora Francisco de Barros Lobo e daí cortando pela estrada que chamam Subauma até chegar a passagem do Inhambupe e deste rio Inhambupe cortando direito à praia e daí cortando por costa até intestar com o Rio Real cujos moradores todos que houverem de ficar e forem moradores desta demarcação e divisão que se dá de termo o distrito desta Vila, viverão de hoje em diante a ela sujeitos, obrigados às suas posturas e jurisdição [...].17 A Vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira e seu termo passaram a abrigar, desde sua criação e ao longo do século XVIII, as povoações das seguintes freguesias: Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira (sede), São Tiago do Iguape, São Gonçalo dos Campos, São José das Itapororocas, Nossa Senhora do Desterro AS IGREJAS DE CACHOEIRA22 do Outeiro Redondo, São Pedro do Monte da Moritiba, Santana do Camisão e Santo Estevão do Jacuípe, sendo que as quatro últimas foram criadas após a ereção da vila. Por volta do ano de 1723, a Vila da Cachoeira possuía cerca de 1.000 habitantes e já era um importante núcleo urbano.18 Seu processo de urbanização esteve ligado à construção dos edifícios católicos. Como vimos, antes mesmo da criação da vila, o povoado já contava com o templo da família Adorno e com o primitivo convento e capela que os frades carmelitas edificaram. Em 1700, aproximadamente, a Capela da Venerável Ordem Terceira do Carmo começou a ser ereta; em data desconhecida, mas também por volta dessa mesma época, iniciou-se a edificação da nova Matriz de Nossa Senhora do Rosário. Em 1729, a Capela do Hospital de Nossa Senhora de Belém (a partir de 1756 chamado Hospital São João de Deus e, desde 1826, administrado pela Santa Casa da Misericórdia) começou a ser construída. Esses edifícios religiosos foram norteando a ocupação do espaço urbano de Cachoeira e motivando uma maior concentração populacional ao seu redor.19 De acordo com os registros da época, podemos afirmar que, nas primeiras décadas do século XVIII, a maioria das residências situava-se em torno do templo dos Adorno e na via que abriga a Matriz do Rosário, a Casa de Câmara e Cadeia e as Capelas das Ordens Primeira e Terceira do Carmo. Estimamos que a Rua da Matriz, como era então chamada a atual rua Ana Nery, concentrava boa parte das edificações.20 Outra via bem movimentada era a orla do rio Paraguaçu, na época conhecida como Rua da Praia, onde estavam instalados dois armazéns de fumo, importante produto cultivado na região. Um desses armazéns pertencia a Manoel da Costa Pinheiro e o outro a João Rodrigues Adorno. 21 O impulsionamento socioeconômico exigiu da câmara maior preocupação com a infraestrutura da vila. Segundo o historiador Luiz Cláudio Dias do Nascimento, no período correspondente aos anos de 1741-1745, ocorreram obras de aterramento, pavimentação de ruas e outras de maiores dimensões como a “construção de uma ponte sobre o riacho Pitanga, que ligavaa área urbana da vila ao rossio (espaço agrícola contíguo ao espaço urbano)”,22 e o cais de pedra da vila.23 HISTÓRIA, ARQUITETURA E ORNAMENTAÇÃO 23 Em meados do século XVIII, Cachoeira consolidava-se como a maior e mais próspera vila da Capitania da Bahia. Sua já mencionada localização privilegiada, no trecho final do percurso navegável do rio Paraguaçu, transformou-a na porta de entrada e saída de algumas das principais rotas comerciais. Tal posição geográfica conferiu ao porto da Cachoeira o status de um dos mais importantes entrepostos comerciais da América Portuguesa. Por ele, era escoada a produção de tabacos advinda das cercanias da vila, além de um grande volume de mercadorias provenientes do alto sertão e das minas, que seguiam com destino a Salvador, como testemunha o relato abaixo de 1752. Que por este rio, que é invadiavel, por ser muito largo e profundo, costumam atravessar de uma parte para outra parte, não só aqueles moradores circunvizinhos, mas todos os passageiros e comerciantes que vão, e vem das minas com seus comboios de escravos, fazendas, muitas boiadas, que transportam por negociação dos sertões, do norte para os do sul, donde ei dão consumo e não tem outro trajeto, e por isso se fundou ali aquela Villa, e se chama porto da Cachoeira desde então até agora. 24 No final do século XVIII, a vila continuava vivenciando significativo aumento populacional. Em 1775, foi realizado um censo que contabilizou 5.814 moradores na Freguesia de Nossa Senhora do Rosário, sede da vila. Passados cinco anos, foi feito um novo levantamento que apontou 6.524 moradores, perfazendo um aumento, em relação ao censo de 1775, que ultrapassa 12%.25 Segundo o testemunho do padre Manoel da Costa Carvalho, no ano de 1780, contava a vila com “seis ruas principais e alguns becos”. As edificações não seguiam um padrão regular, sendo cada residência arruada de forma individual, o que resultava, consequentemente, em vias públicas tortuosas e desalinhadas. Ainda segundo o relato do padre, em 1781, para “aformosear” a vila, iniciou-se a construção do chafariz, localizado na atual praça Aristides Milton, obra que só seria concluída no século seguinte. 26 AS IGREJAS DE CACHOEIRA24 Em 1784, mais um empreendimento religioso estava sendo finalizado: a antiga casa de oração do Monte fora reedificada em Capela de Nossa Senhora da Conceição do Monte.27 Assim, ao final do século XVIII, a Vila da Cachoeira contava com as seguintes edificações católicas: Capela dos Adorno, Capela da Ordem Primeira do Carmo, Capela da Ordem Terceira do Carmo, Capela do Hospital São João de Deus, Matriz de Nossa Senhora do Rosário e Capela da Irmandade de Nossa Senhora da Conceição do Monte. É possível reconhecer esses templos, bem como se ter uma ideia da configuração urbana da vila, suas principais vias e espaços mais densamente edificados no final do século XVIII a partir do “Mappa da Villa da Cachoeira”, desenho aquarelado que acompanhava o manuscrito de Joaquim de Amorim e Castro, intitulado Memória sobre as Espécies de Tabaco. Figura 1 – Mappa da Villa da Cachoeira, c. 1792, autor não identificado. Desenho aquarelado que acompanhava o manuscrito de Joaquim de Amorim e Castro: Memória sobre as Espécies de Tabaco. Coleção George Arents, Biblioteca Pública de Nova York. HISTÓRIA, ARQUITETURA E ORNAMENTAÇÃO 25 A elevação da Vila da Cachoeira à Heroica Cidade e seu desenvolvimento no século XIX No alvorecer do século XIX, a Vila da Cachoeira continuava apresentando aumento populacional e urbanístico. Comerciantes passaram a investir na construção de prédios para angariar recursos provenientes dos aluguéis. No ano de 1805, teve início a construção da Capela da Irmandade de Nossa Senhora do Amparo, composta por pardos (como eram denominados os mestiços na época). No local escolhido para a edificação existia, anteriormente, uma pequena casa de oração dedicada a São Francisco de Paula.28 Dez anos após o começo das obras, a imagem da Virgem do Amparo deixou a igreja matriz, transferindo-se para o novo templo. Na década de 40 do século XX, a capela, lamentavelmente, foi demolida. Nos primeiros anos do século XIX, a cultura do algodão, produzido no alto e baixo sertão, diversificaria a economia da vila. É o que podemos concluir a partir do parecer do décimo terceiro arcebispo da Bahia, frei José de Santa Escolástica Alvares Pereira, emitido no ano de 1806, aprovando a solicitação da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, que pretendia construir sua capela no Caquende. Como veremos no capítulo 9, referente à Capela de Nossa Senhora do Rosário do Santíssimo Coração de Maria do Monte Formoso, o mencionado templo só seria edificado bem mais tarde, na década de 1840, no Monte da rua Formosa, e não no Caquende. Acresce que a Vila da Cachoeira se vai estendendo, e povoando cada vez mais por causa do novo, e grande comércio dos algodões, que produzem felizmente as terras circunvizinhas donde vem, que uma nova ca- pela construída nos arrabaldes povoados da dita Vila, como pretendem os suplicantes, não é somente útil ao público, mais necessário por tornar mais cômodo mais prontos, e fáceis os santos exercícios da nossa religião. 29 AS IGREJAS DE CACHOEIRA26 O relato do arcebispo é relevante, pois, além de citar o incre- mento de mais um produto que seria escoado pelo porto da Cachoeira, o algodão, também revela a existência de um núcleo residencial no Caquende (que já estava em formação desde o final da primeira metade do século XVIII). Em 1816, a ideia, já presente entre os cachoeiranos desde 1754,30 de se construir uma ponte ligando a Vila da Cachoeira ao arraial de São Félix ganhou um projeto (fig. 2). Nele, é possível percebermos vários sobrados, bem como visualizarmos os seguintes edifícios reli- giosos, dispostos da direita para a esquerda: Matriz de Nossa Senhora do Rosário, Capela de Nossa Senhora do Amparo, Capela de Nossa Senhora D’Ajuda, Capela do Hospital São João de Deus e Capela de Nossa Senhora da Conceição do Monte, esta última ainda sem a torre. Figura 2 - Projeto da ponte entre a Vila da Cachoeira e o arraial de São Félix, 1816. Desenho aquarelado, 38 x 49 cm. Arquivo Nacional, Rio de Janeiro. HISTÓRIA, ARQUITETURA E ORNAMENTAÇÃO 27 Em 1817, passavam por Cachoeira os naturalistas alemães Carl Friedrich Philipp von Martius e Johann Baptist von Spix. Eles iniciaram sua longa jornada científica pelo Brasil no Rio de Janeiro e rumavam para o norte, onde alcançariam o rio Amazonas. Impressionados com a intensa atividade comercial da Vila da Cachoeira, eles escreveram o seguinte: A vista deste lugar, belamente edificado e animado de atividade europeia, foi um verdadeiro prazer para nós, que passamos tão grande temporada no sertão... É, sem dúvida, a mais rica, populosa e uma das mais agradáveis vilas de todo o Brasil. Numerosas vendas e armazéns, cheios de vários artigos europeus, revelam o alto grau de movimentação do seu comércio. A vila conta cerca de mil casas e mais de dez mil habi- tantes, entre os quais se acham, relativamente, muitos portugueses.31 Em 1822, a vila destacou-se no cenário político da Bahia por participar ativamente do processo de Independência do Brasil. No dia 25 de junho de 1822, reunidos em sessão do Senado da Câmara, os cachoeiranos aclamaram Dom Pedro I como regente perpétuo e defensor do Brasil. O ato desencadeou o primeiro confronto armado entre os cachoeiranos e as tropas portuguesas, que utilizaram a canho- neira situada no rio Paraguaçu para bombardear a vila. Com a Cidade do Salvador ocupada pelo brigadeiro português Inácio Luís Madeira de Melo, Cachoeira assumiu o comando da província, passando a ser sede do governo provisório e exercendo papel estratégico em todo o processo que culminaria na expulsão definitiva dos portugueses do solo baiano, no amanhecer do dia 02 de julho de 1823. A Vila da Cachoeira teria sua importância reconhecida no re- cém-criadoImpério do Brasil. No ano de 1826, Dom Pedro I realizou uma viagem à Província da Bahia. Cachoeira foi a única vila que recebeu o augusto imperador. Dessa visita resultou a fundação da Santa Casa da Misericórdia da Cachoeira, que passou a administrar o Hospital São João de Deus e sua capela.32 AS IGREJAS DE CACHOEIRA28 A opulência da Vila da Cachoeira e seu desenvolvimento urbano continuavam a impressionar os viajantes que transitavam por suas ruas. É o caso do cronista Domingos José Rebello, negociante, natural da Cidade do Salvador, que buscou elaborar uma obra que seria destinada aos órfãos do colégio São Joaquim a fim de incrementar seus estudos sobre a geografia local. Domingos Rebello esteve em Cachoeira em 1828. Segundo ele, a vila possuía “bom cais; ruas todas calçadas, suntuosos edifícios, muitas lojas de fazendas, armazéns de molhados, e outros gêneros mais de comércio”.33 A lei provincial nº 43, de 13 de março de 1837, atendeu a um antigo desejo dos cachoeiranos, elevando a vila à categoria de cidade com o honroso título de Heroica Cidade da Cachoeira. No segundo quartel do século XIX, começava o processo de ocupação da área co- nhecida como Recuada, que agrupava quatro núcleos residenciais de Cachoeira: Curral-Velho, Corta-jaca, Galinheiro e Bitedô.34 Segundo Luiz Cláudio Dias do Nascimento, o processo de urbanização levou a população menos favorecida socioeconomicamente a se agrupar em áreas afastadas do centro comercial e urbano.35 Nessa zona, em 1842, teve início a construção da Capela da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário do Santíssimo Coração de Maria do Monte Formoso.36 Em 1850, a Irmandade do Senhor Bom Jesus dos Martírios, agremiação de negros sediada na capela da Ordem Primeira do Carmo, iniciou a reedificação da casa de oração dedicada a Nossa Senhora dos Remédios, também situada na Recuada.37 Infelizmente, a capela de Nossa Senhora dos Remédios encontra-se em estado de ruína, não sendo possível visitar seu interior, onde quase nada resta de sua ornamentação. Em 1853, a Recuada foi tomada por um incêndio, que: [...] principiando em uma casa de palha, arremessou as labaredas sobre outras e, no fim de algumas horas, 70 casas ardiam, desmoronavam-se e caiam por terra. Dentro em poucas horas, a Recuada já não existia, e era apenas alumiada pelas chamas causadoras desse destroço.38 Esse registro expõe o isolamento da localidade do restante da malha urbana da cidade, além de revelar a fragilidade das habitações do local. HISTÓRIA, ARQUITETURA E ORNAMENTAÇÃO 29 No ano de 1855, Cachoeira foi acometida pela famigerada epidemia de colera morbus, que durante a sua vigência modificou por completo a dinâmica da cidade. As primeiras vítimas residiam nos bairros do Caquende e Pitanga, locais onde corriam dois pequenos rios que serviam de esgoto. Foram vitimados 3.000 cachoeiranos. Se contabilizarmos os óbitos ocorridos nos distritos da cidade, o total de mortos chegou a 8.500.39 Nesse mesmo ano, foi iniciada a construção da Capela de Nossa Senhora da Conceição dos Pobres, no Caquende.40 Em 1859, a cidade recebeu a visita do Imperador Dom Pedro II e da Imperatriz Tereza Cristina. Os ilustres hóspedes ficaram instalados no imponente sobrado pertencente a dona Maria de Santa Rosa de Lima (atual sede da Fundação Hansen-Bahia), localizado no número 13 da então Rua de Baixo (atual rua 13 de Maio).41 Durante a estadia na Heroica Cidade da Cachoeira, o imperador visitou todos os edifícios religiosos. As crônicas da viagem revelam que, naquele momento, dez templos já haviam sido erigidos: [...] além da igreja matriz, há na cidade as capelas do Convento do Carmo, Ordem Terceira do Carmo, Nossa Senhora D’Ajuda, Nossa Senhora do Amparo, Conceição do Monte, Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, São João de Deus, Conceição dos Pobres e Remédios”.42 Encerramos esta breve apresentação da história de Cachoeira entre os séculos XVI e XIX, período da edificação dos templos contem- plados neste livro, com a menção ao grande empreendimento realizado no século XIX: a construção, iniciada em 1882, da Imperial Ponte Dom Pedro II, a maior ponte de ferro da América do Sul na época.43 Esteve à frente do projeto o engenheiro civil Francisco Merey, subordinado à companhia Brazilian Imperial Central Bahia Railway, cujo empre- sário era o engenheiro inglês Hugh Wilson, também responsável pelas construções das imponentes estações ferroviárias de Cachoeira e São Félix. A ponte foi inaugurada na tarde do dia 07 de julho de 1885, con- tando com a presença do presidente da província, conselheiro Almeida Couto, que desembarcou em São Félix e foi conduzido até o trem que realizaria a travessia inaugural entre as duas localidades.44 AS IGREJAS DE CACHOEIRA30 Notas 1 MORAES, Alexandre José de Mello. Brasil Histórico. Rio de Janeiro: Typographia dos Editores. 1866. Tomo I. p. 30. 2 SILVA, Marcelo Pereira Leite da. O preço da salvação: rendimentos paroquiais na Bahia colonial. 2016, f. 51-54. Dissertação - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2016. É importante frisar que algumas datas de criação de paróquias não são precisas. Eventualmente, pode-se encontrar estimativas diferentes. 3 SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado Descritivo do Brasil em 1587. 2. ed. Rio de Janeiro: Tipografia de João Ignacio da Silva, 1879. p. 133. 4 Consulte o verbete ERMIDA em BLUTEAU, Raphael. Vocabulario Portugez e latino. Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de Jesus, 1712-1728, vol. 3. p. 189. 5 NEVES, Juliana Brainer Barroso. Colonização e resistência no Paraguaçu – Bahia 1530-1678. 2008, 140 f. Dissertação - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2008. Sobre a família Adorno em Cachoeira, consulte MILTON, Aristides. Ephemerides Cachoeiranas. Salvador: UFBA, 1979. p. 12-13 (Coleção Cachoeira, v. 1) 6 Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, Habilitações, Afonso, maço 3, doc. 49, fl.140. 7 Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, Habilitações, Afonso, maço 3, doc. 49, fl.143. 8 Petição de Cosme Rodrigues de Araujo ao Rei, 1736. Apud OTT, Carlos. História da Igreja de Nossa Senhora do Rosário de Cachoeira. Salvador: Centro de Estudos Baianos, 1978. p. 27. A grafia foi atualizada na transcrição. 9 SANTA MARIA, Fr. Agostinho de. Santuario Mariano, e Historias das Imagens milagrosas de Nossa Senhora, e milagrosamente manifestadas, e apparecidas em o Ar- cebispado da Bahia, e mais Bispados, de Pernambuco, Paraiba, Rio Grande, Maranhão, e Grão Pará. Lisboa: na Officina de Antonio Pedrozo Galram, 1722. Tomo 9. p. 213. 10 Consulte o verbete HOSPICIO em BLUTEAU, Raphael. Vocabulario Portugez e latino Coimbra: no Collegio das Artes da Companhia de Jesus, 1728. p. 64. v. 4 11 DOCUMENTOS HISTÓRICOS DA BIBLIOTECA NACIONAL. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1936, p. 174. v. XXXIV 12 BOSCHI, Caio César. Os leigos e o poder: irmandades leigas e política colonizado- ra em Minas Gerais. São Paulo: Ática, 1986. 254 p. SANT’ANNA, Sabrina Mara. A Boa Morte e o Bem Morrer: culto, doutrina, iconografia e irmandades mineiras (1721-1822). 2006. 128 f. Dissertação - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2006. CAMPOS, Adalgisa HISTÓRIA, ARQUITETURA E ORNAMENTAÇÃO 31 Arantes. As irmandades de São Miguel e as almas do Purgatório: culto e iconografia no setecentos mineiro. Belo Horizonte: C/Arte, 2013. 247 p. REIS, João José. A morte é uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1991. 357 p. 13 ANDRADE, Adriano Bittencourt. O Recôncavo colonial e a formação da rede urbana regional no século XVIII. In: REIS, Adriana Danta; ADAN, Caio Figueiredo Fernandes. (Org.). Estudos em história colonial: a Baía de Todos os Santos e outros espaços luso- americanos. Feira de Santana:UEFS Editora, 2018. p. 268. 14 Arquivo Histórico Ultramarino. Conselho Ultramarino Brasil-Bahia. Projeto Resgate - Bahia Avulsos (1604-1828). Requerimento do procurador da Câmara da vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira Mathias da Guerra ao rei [D. João V] solicitando mandar que o escrivão da mesma Câmara passe certidão do que constar nos livros sobre os rolos de tabaco transportados da dita vila para a cidade da Bahia. Anexo: 4 docs. Caixa 103, doc. 8104. 15 MEMÓRIA HISTÓRICA DA CACHOEIRA, 1698-1998: salve os 300 anos da instalação da Vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira. Salvador: Fundação Maria América da Cruz; Reconcentro; Fundação Cultural do Estado da Bahia, 1998. p. 5-10. 16 Consulte o verbete TERMO em BLUTEAU, Raphael. Vocabulario Portuguez e Latino. Coimbra: no Collegio das Artes da Companhia de Jesus, 1728. vol. 8. p. 114. 17 MEMÓRIA HISTÓRICA DA CACHOEIRA... op. cit., p. 5-10. A grafia foi atualizada na transcrição. 18 Arquivo Histórico Ultramarino. Conselho Ultramarino Brasil-Bahia. Projeto Resgate - Bahia Avulsos (1604-1828). Representação dos oficiais da câmara da vila da Cachoeira ao rei [D. João V] solicitando privilégios de nobreza. Caixa 24, doc. 2216. CARRARA, Angelo A. A população do Brasil, 1570-1700: uma revisão historiográfica. Revista Tempo, vol. 20, p. 1-21, 2014. 19 Arquivo Público do Estado da Bahia, Salvador. Seção Judiciário, Livros de Notas Cachoeira, n. 022, fls. 88-98. 20 Arquivo Público do Estado da Bahia, Salvador. Seção Judiciário, Livro de Notas Cachoeira, n. 022, fls. 88-98. 21 Arquivo Público do Estado da Bahia, Salvador. Seção Judiciário, Livro de Notas, n. 022, fls. 97v. 22 NASCIMENTO, Luiz Cláudio Dias do. Terra de Macumbeiros: Redes de Socia- bilidades Africanas na Formação do Candomblé Jeje - Nagô em Cachoeira e São Felix. 2007. 42 f. Dissertação - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2007. AS IGREJAS DE CACHOEIRA32 23 UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA; INSTITUTO DO PATRIMÔ- NIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL (UFBA; IPHAN). Introdução ao estudo da evolução urbana: plano urbanístico de Cachoeira. Salvador: Centro de Estudos da Arquitetura da Bahia, 1976. 24 Arquivo Histórico Ultramarino. Conselho Ultramarino Brasil-Bahia. Projeto Resgate - Bahia Avulsos (1604-1828). Consulta do Conselho Ultramarino ao rei D. José sobre a passagem do rio da Vila de Cachoeira. Anexo: docs. comprovativos (11 docs.) Caixa 111, doc. 8658. A grafia foi atualizada na transcrição. 25 Arquivo Histórico Ultramarino. Conselho Ultramarino Brasil-Bahia. Projeto Resgate - Bahia Eduardo de Castro Almeida (1613-1807). Ofício do Governador Manoel da Cunha Menezes para Martinho de Melo e Castro, no qual informa larga- mente sobre o recrutamento dos Marinheiros para as naus de guerra e os documentos estatísticos que tem anexos, muito bem elaborados interessantes. Caixa 47, doc. 8745; Ofício do governador Marquês de Valença para Martinho de Melo e Castro, sobre a estatística da população da capitania da Bahia, a respeito da qual dá diversas informações. Caixa 55, doc. 10.700. 26 Arquivo Histórico Ultramarino. Conselho Ultramarino Brasil-Bahia. Projeto Resgate - Bahia Eduardo de Castro Almeida (1613-1807). Representação do padre Manuel da Costa de Carvalho, na qual expõe os abusos e irregular procedimento de alguns juízes de Fora e os inconvenientes de estes exercerem cumulativamente o lugar de presidente da Câmara. Caixa 56, doc. 10823. 27 Arquivo Público do Estado da Bahia, Salvador. Seção de Arquivos Colonial e Provincial, nº 611. 28 MILTON, Aristides. Ephemerides Cachoeiranas... op. cit., p. 326. 29 Arquivo Histórico Ultramarino. Conselho Ultramarino Brasil-Bahia. Projeto Resgate - Bahia Avulsos (1604-1828). Carta do arcebispo da Bahia D. frei José de Santa Escolástica ao príncipe regente (D. João) sobre a representação do juiz e irmãos da Mesa da Confraria de Nossa Senhora do Rosário da vila de Cachoeira, na qual solicitavam licença para construir uma capela onde pudessem colocar a imagem da dita Santa. Anexo 10. docs, Caixa 242, doc. 1673. 30 UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA; INSTITUTO DO PATRIMÔ- NIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL (UFBA; IPHAN). Introdução ao estudo da evolução urbana: plano urbanístico de Cachoeira. Salvador: Centro de Estudos da Arquitetura da Bahia, 1976. 31 VON SPIX e VON MARTIUS. Através da Bahia: Excertos da obra Reise e Brasi- lien. Trasladados a português pelos Drs. Pirajá da Silva e Paulo Wolf. 3. ed. São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Porto Alegre: Companhia Editora Nacional, 1938. p. 76. 32 CERQUEIRA, João Batista de. Caridade, política e saúde: o Hospital São João HISTÓRIA, ARQUITETURA E ORNAMENTAÇÃO 33 de Deus e a Santa Casa de Misericórdia de Cachoeira, Bahia (1756 a 1872). 2015. 23 f. Tese - Programa de Pós-Graduação em Ensino, Filosofia e História das Ciên- cias, Universidade Federal da Bahia e Universidade Estadual de Feira de Santana, Salvador, 2015. 33 REBELLO, Domingos José Antônio. Corografia ou abreviada história geográfica do Império do Brasil. Salvador: Bahia na Tipografia Imperial e Nacional, 1829. p. 190. 34 NASCIMENTO, Luiz Cláudio Dias do. Terra de Macumbeiros: Redes de So- ciabilidades Africanas na Formação do Candomblé Jeje - Nagô em Cachoeira e São Felix... op. cit., p. 53. 35 NASCIMENTO, Luiz Cláudio Dias do. Terra de Macumbeiros: Redes de So- ciabilidades Africanas na Formação do Candomblé Jeje - Nagô em Cachoeira e São Felix... op. cit., p. 43-44. 36 MORAES, Alexandre José de Melo. Brasil Histórico... op. cit., p. 78. 37 NASCIMENTO, Luís Cláudio Dias do. “Igreja de Nossa Senhora dos Remédios vai desmoronar.” Disponível em: <http://cacaunascimento.blogspot.com.br/2013/07/ igrejade-nossa-senhora-dos-remedios.html>. Acesso em 20 de julho de 2020. 38 Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro. Periódico O Constitucional, edição 11, 1853, 01/03/1853, p. 3. 39 MILTON, Aristides. Ephemerides Cachoeiranas ... op. cit., p. 259-261. 40 MILTON, Aristides. Ephemerides Cachoeiranas ...op. cit., p. 323. 41 SOUSA, Bernardo Xavier Pinto de. Memórias da Viagem de S.S Magestades Imperiaes às Provincias da Bahia, Pernambuco, Parahiba, Alagoas, Sergipe, e Espi- rito-Santo, dividida em 6 partes e um additamento: com retratos de SS. Magestades, e das Serenissimas Princezas as Senhoras D. Isabel e D. Leopoldina. Rio de Janeiro: Pinto de Sousa, 1861. p. 145. 42 SOUSA, Bernardo Xavier Pinto de. Memórias da Viagem de S.S Magestades Imperiaes às Provincias da Bahia, Pernambuco, Parahiba, Alagoas, Sergipe, e Espiri- to-Santo, dividida em 6 partes e um aditamento... op. cit., p. 154. 43 Arquivo Municipal de Cachoeira. Requerimento enviado à Câmara Municipal. Documentos Avulsos. 44 Biblioteca Nacional, Periódico Diário de Notícias, edição do dia 14/07/1885, p. 2. http://cacaunascimento.blogspot.com.br/2013/07/igrejade-nossa-senhora-dos-remedios.html http://cacaunascimento.blogspot.com.br/2013/07/igrejade-nossa-senhora-dos-remedios.html AS IGREJAS DE CACHOEIRA34 HISTÓRIA, ARQUITETURA E ORNAMENTAÇÃO 35 CAPÍTULO 2 BARROCO, ROCOCÓ E NEOCLÁSSICO: ORIGENS, PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS E MANIFESTAÇÕES ARTÍSTICAS NAS IGREJAS DE CACHOEIRA Este capítulo objetiva apresentar para o leitor as origens, as principais características e os períodos de vigência do Barroco, do Rococó e do Neoclássico, destacando e contextualizando a presença desses estilos nas igrejas edificadas em Cachoeira. Cabe dizer que adotamos uma periodização abrangente. A duração e até mesmo as manifestações do Barroco, do Rococó e do Neoclássico no continente europeu, na América Portuguesa e na América Espanhola, por exemplo, assim como nos diferentes estados e localidades que formam o nosso atual e extenso território nacional, ocorreram em tempos distintos e de modo particular. A origem da palavra barroco é incerta. Alguns especialistas defendem que ela surgiu no século XVI, em Portugal, e que nessa época era usadapara denominar um tipo de pérola de formato irregular; menos valiosa do que as perfeitamente esféricas. Quando foi usada pela primeira vez em relação às manifestações artísticas, no século XVIII, ela continha teor pejorativo e nomeava obras consideradas bizarras, exageradamente ornamentadas e que não respeitavam as boas regras da arte.1 Atualmente, o termo barroco não carrega mais esse sentido depreciativo e é usado em História da Arte para designar a produção artística que se desenvolveu no século XVII e parte do XVIII. Na Europa católica, especialmente na Itália, onde o estilo surgiu, e na Península Ibérica (Portugal e Espanha), o Barroco caracterizou- se, resguardadas as devidas peculiaridades, pela integração das artes AS IGREJAS DE CACHOEIRA36 (arquitetura, talha, pintura, escultura e outras) com vistas à criação de ambientes inebriantes, capazes de maravilhar o espectador e arrebatá-lo emocionalmente. Tais efeitos eram efetivados no interior dos templos por meio dos forros pintados e do revestimento completo das superfícies das paredes com obras de talha, pintura e azulejaria – concepção decorativa caracterizada pelo “horror ao vazio” –, uso de cores quentes, aplicação de folhas de ouro ou prata sobre as estruturas de madeira entalhada, utilização de materiais nobres, como o mármore, e profusão de representações figuradas, frequentemente em atitudes dramáticas e com gesticulação expressiva. Nas criações barrocas, o observador é tomado por um conjunto de formas difíceis de serem apreendidas separadamente. A teatralidade se faz presente, auxiliada por artificiosos e intensos jogos de luz e sombra e pela representação marcante do movimento, características que acentuam a dramaticidade desse estilo2. Com o avançar do século XVIII, na França, assistiu-se a uma mudança de gosto protagonizada pela nobreza e pelos burgueses. Com o objetivo de decorarem seus ambientes privados, essas camadas sociais preferiram um estilo menos “carregado” e passaram a valorizar formas mais leves e graciosas, cores mais claras, fundos brancos e douramento restrito aos ornatos em relevo. Surgia, então, o Rococó, termo usado em História da Arte, desde fins do século XIX, para denominar o estilo artístico que se desenvolveu na Europa entre as décadas de 1730 e 1770. A origem do termo rococó é a palavra rocalha, que originalmente referia-se a um tipo de decoração de jardins comum na França do século XVIII, formada por fontes e grutas enfeitadas com conchas. A palavra passou a ser usada para nomear motivos ornamentais derivados da estilização de conchas. A rocalha é o ornato predominante no Rococó.3 Nos séculos XVIII e XIX, a Europa estava vivenciando grandes transformações históricas – Revolução Francesa, Iluminismo, Revolução Industrial – que dinamizaram a superação do chamado Antigo Regime, marcado pelas monarquias e pelo grande poder da nobreza e da Igreja Católica. Neste contexto de transformações, o Barroco e o Rococó passaram a ser vistos como ultrapassados, posto que estavam associados ao Antigo Regime. Buscava-se uma arte menos rebuscada, despojada de excessos ornamentais, menos dramática e mais racional, orientada HISTÓRIA, ARQUITETURA E ORNAMENTAÇÃO 37 por linhas retas e desenhos precisos. A arquitetura e a arte clássicas – obras realizadas pelos gregos e romanos na Antiguidade – eram consideradas modelos de rigor e perfeição formal. As escavações e importantes descobertas arqueológicas da cidade de Herculano, em 1738, e de Pompéia, em 1748, bem como a publicação e a circulação de livros sobre a antiga arte greco-romana favoreceram o entusiasmo pela retomada do padrão estético clássico. O novo estilo, denominado Neoclássico, predominou na Europa entre as últimas décadas do século XVIII e a primeira metade do século XIX.4 Sabemos que durante os períodos de vigência do Barroco, do Rococó e do Neoclássico na Europa, a presença do colonizador na América Portuguesa já era uma realidade bem consolidada. Entre o final do século XVII até por volta da sexta década do século XVIII, as ordens religiosas e as associações de leigos, principais patrocinadoras da arte sacra no território americano português, não pouparam esforços para ornamentar o interior de seus templos conforme a tendência estilística do Barroco.5 É importante considerar que a colonização intencionava disseminar o universo cultural europeu, suas crenças e formas de compreensão do mundo. Os exuberantes interiores barrocos, capazes de extasiar os sentidos dos que neles adentravam, serviram muito bem para esse fim. Em Cachoeira, podemos conhecer a concepção decorativa desse estilo no interior da Capela da Venerável Ordem Terceira do Carmo, como teremos oportunidade de demonstrar no capítulo 5. Nesse templo, há dois tipos de retábulo barroco: o nacional português e o joanino.6 O primeiro foi assim denominado pelos especialistas porque é uma criação portuguesa, sem precedentes em outros países da Europa; o segundo, derivado do barroco italiano, foi chamado joanino porque vigorou na época de Dom João V, monarca português que durante o seu longo reinado (1706-1750) muito incentivou e patrocinou a arte no vasto território sob o seu domínio. Os retábulos do tipo nacional português e do tipo joanino apresentam características peculiares e muito distintas, perceptíveis nos modelos executados no templo da Venerável Ordem Terceira do Carmo de Cachoeira (fig. 3 e 4). No primeiro caso, destacam-se os arcos concêntricos, no coroamento, com tarja ao centro; no segundo caso, AS IGREJAS DE CACHOEIRA38 destaca-se o dossel, no arremate, ladeado por figuras antropomorfas (que apresentam forma humana). Figura 3 – Retábulo barroco do tipo nacional português. Capela da Ordem Terceira do Carmo, Cachoeira. Desenho de Antônio Wilson Silva de Souza, 2020. HISTÓRIA, ARQUITETURA E ORNAMENTAÇÃO 39 Figura 4 – Retábulo barroco do tipo joanino. Capela-mor do templo da Ordem Terceira do Carmo, Cachoeira. Desenho de Antônio Wilson Silva de Souza, 2020. Durante a segunda metade do século XVIII, as ordens religiosas e as associações de leigos foram assimilando o padrão estético do Rococó nos seus edifícios sagrados.7 Em Cachoeira, podemos identificar manifestações isoladas desse estilo nos conjuntos azulejares existentes nas capelas da Ordem Primeira e Terceira do Carmo e na Matriz de Nossa Senhora do Rosário; na pintura ornamental sob o coro dos dois últimos templos citados; nos retábulos que ladeiam o arco cruzeiro da Capela do Hospital São João de Deus (Santa Casa da Misericórdia) e em outras obras apontadas ao longo dos capítulos que se seguem. AS IGREJAS DE CACHOEIRA40 A ornamentação da sacristia da Matriz de Nossa Senhora do Rosário destaca-se por ser predominantemente Rococó. Ali, podemos verificar a concepção decorativa desse estilo que, ao contrário de ambientes onde o Barroco predomina, apresenta ornamentação mais leve e delicada. Rocalhas e arranjos florais estão por toda parte: no forro pintado, no lavabo, nas molduras dos quadros dependurados nas paredes e também nas sanefas das janelas. O retábulo, em especial, além de apresentar rocalhas e flores na mesa de altar, no corpo e no arremate, está com a policromia característica do Rococó: superfície da estrutura pintada de branco e douramento restrito aos ornamentos em relevo. Figura 5 – Retábulo rococó. Sacristia da Matriz de Nossa Senhora do Rosário, Cachoeira. Desenho de Antônio Wilson Silva de Souza, 2020. HISTÓRIA, ARQUITETURA E ORNAMENTAÇÃO 41 Decoração importantíssima nos interiores barrocos e rococós das igrejas edificadas na América Portuguesa são as pinturas dos forros. Inicialmente, destacavam-se as pinturas realizadas em painéis de madeira circundados por molduras salientes, os chamados caixotões. Em Cachoeira, podemos observar esse tipo de ornamentação no forro da nave da Capela da Venerável Ordem Terceira do Carmo. Figura 6 – Pinturas em caixotões. Forro da nave da Capela da VenerávelOrdem Terceira do Carmo, Cachoeira. Foto: Chico Brito, 2020. AS IGREJAS DE CACHOEIRA42 Na primeira metade do século XVIII, Salvador começou a embelezar os forros de suas igrejas com pinturas de perspectiva, que se tornaram mais numerosas na segunda metade do século. Elas passaram a conviver com as já realizadas pinturas em caixotões. Sobressaíram- se, entre os mestres da pintura de perspectiva, os pintores Antônio Simões Ribeiro, Domingos da Costa Filgueiras e José Joaquim da Rocha. É de José Joaquim da Rocha, por exemplo, a magnífica pintura de perspectiva do forro da nave da Matriz de Nossa Senhora da Conceição da Praia, realizada por volta de 1774.8 As pinturas de perspectiva também são chamadas de pinturas de falsa arquitetura, pinturas de arquiteturas fingidas ou quadraturas. Elas caracterizam-se por simularem a continuidade ascendente do edifício para além das paredes, retratando elementos arquitetônicos como mísulas, colunas, entablamentos, arcos, balaustradas, balcões, cúpulas e outros. Esse tipo de pintura apresenta um medalhão figurado no seu centro, chamado pelos historiadores da arte de quadro recolocado. Na tradição portuguesa, da qual fazemos parte, esse medalhão central apresenta-se de frente para o observador, ou seja, não acompanha a perspectiva de baixo para cima da arquitetura fingida.9 Cria-se, assim, a ilusão de que, do interior da igreja, o fiel vislumbra anjos, santos, Maria, Jesus, Deus Pai e o Espírito Santo no Paraíso Celeste; como se o teto do edifício tivesse sido arrombado. As pinturas de falsa arquitetura na Bahia foram influenciadas por um importante livro, cuja história é a seguinte. Entre 1685 e 1694, o jesuíta italiano Andrea Pozzo (1642-1709) realizou uma grande pintura de perspectiva no forro da Igreja de Santo Ignácio, em Roma. O processo de realização de desenhos de perspectivas para essa pintura foi por ele didaticamente explicado em um tratado publicado em dois volumes, o primeiro em 1693 e o segundo em 1700, intitulado Perspectiva Pictorum et Architectorum. Esse livro foi várias vezes reimpresso e editado, tendo, assim, circulado muito durante o período moderno, inclusive na América Portuguesa.10 Em Cachoeira, podemos admirar pinturas de perspectiva nos forros da capela-mor, nave e sacristia da Capela da Ordem Primeira do Carmo e no forro da nave da Matriz de Nossa Senhora do Rosário. HISTÓRIA, ARQUITETURA E ORNAMENTAÇÃO 43 Figura 7 – Detalhe da pintura de falsa arquitetura. Forro da nave da Matriz de Nossa Senhora do Rosário, Cachoeira. Foto: Chico Brito, 2020. Entre o final do século XVIII e o início do XIX, o Neoclássico foi assimilado na América Portuguesa. As novidades, de maneira geral, chegavam primeiro nas regiões litorâneas e depois se espalhavam para o interior. No que diz respeito ao nosso assunto, ou seja, a decoração interna das igrejas, podemos dizer que, no começo do XIX, Salvador já vivenciava a atualização estilística. Em alguns casos, as manifestações artísticas do Barroco e do Rococó foram completamente substituídas. Em outros, somente parte da ornamentação foi renovada, razão pela qual coexistem em um mesmo edifício sacro obras do Barroco, do Rococó e do Neoclássico. Entre 1804 e 1813, o retábulo da capela-mor da Matriz de Nossa Senhora da Vitória, em Salvador, foi refeito. Em 1813, iniciou- se a reforma ornamental da Capela de Nosso Senhor do Bom Jesus do Bonfim, começando pelo retábulo principal. A atualização estilística da decoração interna desse último templo desencadeou uma onda de reformas.11 O modelo do retábulo principal da capela do Bonfim AS IGREJAS DE CACHOEIRA44 – classificado pelo professor Luiz Freire como tipo 1: baldaquino arrematado por cúpula vazada sobre volutas – muito repercutiu na Bahia, sendo reinterpretado em outros templos localizados na Cidade do Salvador, no Recôncavo e no Sertão.12 Em Cachoeira, esse modelo é encontrado na Matriz de Nossa Senhora do Rosário e na Capela de Nossa Senhora da Conceição do Monte. Figura 8 – Retábulo neoclássico. Capela-mor da Matriz de Nossa Senhora do Rosário, Cachoeira. Desenho de Antônio Wilson Silva de Souza, 2020. Antes de passarmos para a leitura dos capítulos que tratarão da história, arquitetura e ornamentação de oito templos edificados em Cachoeira, é importante lançarmos algumas luzes sobre os sujeitos envolvidos na construção e decoração desses sagrados edifícios nos séculos XVI, XVII, XVIII e XIX. HISTÓRIA, ARQUITETURA E ORNAMENTAÇÃO 45 Conforme explicamos no capítulo anterior, Cachoeira desenvolveu-se e tornou-se próspera graças a sua privilegiada localização geográfica – no último trecho navegável do rio Paraguaçu – e, também, devido ao cultivo do açúcar, especialmente na região do Iguape, e do tabaco. Açúcar, tabaco e atividades portuárias assentaram-se, principalmente, sobre a mão de obra africana e crioula (negros nascidos na América Portuguesa) escravizada. Embora ainda careçamos de estudos acadêmicos sobre esse assunto em relação a Cachoeira, é lógico e plausível pressupor, baseando-se em pesquisas realizadas para outras localidades, que o trabalho de construção e ornamentação dos templos que iremos analisar neste livro também contou com a mão de obra dos escravizados.13 Não devemos pensar nesses sujeitos históricos apenas como executores de trabalhos braçais que desempenhavam tarefas gerais, como desbastar e carregar pedras ou transportar madeiras. É preciso considerar e destacar que muitos dominavam ofícios, como o de pintor ou entalhador, e passaram a desempenhá-los com maestria. É verdade que o aprendizado de um ofício os tornava mais valorizados no mercado de escravizados, mas também possibilitava a alguns a conquista da liberdade (alforria).14 Afrodescendentes alforriados ou nascidos livres, a maioria pardos, como eram chamados os mestiços na época, ascenderam à condição de mestres, sendo requisitados pelas ordens religiosas e associações leigas para executarem obras artísticas nos templos. Seus trabalhos foram aclamados e muitos alcançaram destaque. Eles adaptaram os modelos europeus, criaram obras ímpares, aclimatadas ao gosto e cultura locais e dirigiram suas oficinas e equipes de trabalho, normalmente integradas por aprendizes e ajudantes livres, alforriados e escravizados. Como exemplo, citamos José Teófilo de Jesus, pintor pardo que se destacou no cenário artístico de Salvador no final do século XVIII e início do XIX, responsável por importantes pinturas, como a do forro da nave da Capela da Ordem Terceira do Carmo de Salvador,15 e Joaquim Francisco de Mattos (Roseira), mestre entalhador pardo, nascido em Cachoeira por volta de 1792, atuante em Salvador entre 1818 e 1851, onde executou várias obras, dentre elas o retábulo- mor e toda a talha da Matriz do Santíssimo Sacramento e da Matriz de Nossa Senhora do Pilar.16 AS IGREJAS DE CACHOEIRA46 Lamentavelmente, grande parte da antiga documentação das igrejas de Cachoeira não chegou aos nossos dias. Um dos fatores que muito contribuiu para isto foi a ocorrência sucessiva de enchentes do rio Paraguaçu até a década de 1980. Os documentos que rastreamos até o presente momento não nos permitiram registrar os nomes dos arquitetos e artistas que trabalharam nos templos cachoeiranos, mas continuaremos empreendendo esforços para alcançar esse objetivo. HISTÓRIA, ARQUITETURA E ORNAMENTAÇÃO 47 Notas 1 BAETA, Rodrigo Espinha. Teoria do Barroco. Salvador: EdUFBA, 2012. p. 19-22. 2 Sobre o barroco consulte ARGAN, Giulio Carlo. Imagem e Persuasão: ensaios sobre o barroco. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. WOLFFLIN, Heinrich. Conceitos Fundamentais da História da Arte. São Paulo: Martins Fontes, 2000. 3 OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. O Rococó Religioso no Brasil e seus antecedentes europeus. São Paulo: Cosac & Naify, 2003. p. 23-25. 4 SOUZA, Antônio Gilberto Abreu de. Arquitetura neoclássica e cotidiano social do centro histórico de Fotaleza – da Belle Époque ao ocasodo início do século XXI. 2012. f. 81-86. Tese - Escola de Belas Artes, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2012. MIRABENT, Isabel Coll. Saber ver a arte neoclássica. São Paulo: Martins Fontes, 1991. 78 p. ANACLETO, Regina. História da Arte em Portugal: neoclassicismo e romantismo. Lisboa: Alfa, 1986. 184 p. v. 10 5 OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. Maneirismo, barroco e rococó na arte religiosa e seus antecedentes europeus. In: BARCINSKI, Fabiana Werneck (Org.). Sobre a arte brasileira: da Pré-história aos anos 1960. São Paulo: Edições SESC/WMF, Martins Fontes, 2014. p. 104-117. 6 OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. A talha no período colonial. In: SANT’ANNA, Sabrina Mara; FREIRE, Luiz Alberto Ribeiro; CAMPOS, Adalgisa Arantes. Cultura Artística e Conservação de acervos Coloniais. Belo Horizonte: Clio Gestão Cultural, 2015. p. 51-60. FREIRE, Luiz Alberto Ribeiro. A talha na Bahia do século XVIII. Cultura Visual, Salvador, n. 13, p. 137-151, maio, 2010. BOHRER, Alex Fernandes. A Talha do Estilo Nacional Português em Minas Gerais: contexto sociocultural e produção artística. 2015. 427 f. 2 v. Tese - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2015. PEDROSA, Aziz José de Oliveira. A produção da talha joanina na capitania de Minas Gerais: retábulos, entalhadores e oficinas. 2016. 591 f. Tese - Escola de Arquitetura, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2016. SANT’ANNA, Sabrina Mara. Sobre o meio do altar: os sacrários produzidos na região centro-sul das Minas Gerais setecentistas. 2015. 208 f. - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2015. 7 OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. O Rococó Religioso no Brasil e seus antecedentes europeus... op. cit., p. 183. 8 GUIMARÃES, Francisco de Assis Portugal. Pintura Religiosa na Cidade de Salvador, Bahia: séculos XVII, XVIII e XIX, In: _____ (Coord.) Museu de Arte Sacra: Universidade Federal da Bahia. Salvador: Impressão Bigraf, 2008. p. 159-160. Sobre o assunto, consulte VICENTE, Mônica Farias Menezes. Tesouros no alto: o patrimônio artístico, científico e iconográfico nas pinturas de teto da Bahia. In: SANT’ANNA, Sabrina Mara; FREIRE, Luiz Alberto Ribeiro; CAMPOS, Adalgisa AS IGREJAS DE CACHOEIRA48 Arantes. Cultura Artística e Conservação de acervos Coloniais. Belo Horizonte: Clio Gestão Cultural, 2015. p. 163-181. 9 MELLO, Magno Moraes. A pintura de tectos em perspectiva no Portugal de D. João V. Lisboa: Estampa, 1998. 10 SILVA, Mateus Alves. O Tratado de Andrea Pozzo e a pintura de Perspectiva em Minas Gerais. 2012. f. 21-23. Dissertação - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2012. Sobre a circulação de tratados, livros e gravuras europeias que influenciaram os pintores atuantes na América Portuguesa, consulte SANTIAGO, Camila Fernanda Guimarães. Usos e impactos de impressos europeus na configuração do universo pictórico mineiro (1777-1830). 2009. 379 f. Tese - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2009. 11 FREIRE, Luiz Alberto Ribeiro. A talha neoclássica na Bahia. Rio de Janeiro: Versal, 2006. p. 20-63. 12 FREIRE, Luiz Alberto Ribeiro. As relações centro-periferia nos retábulos baianos do Recôncavo. In: SANT’ANNA, Sabrina Mara; FREIRE, Luiz Alberto Ribeiro; CAMPOS, Adalgisa Arantes (Org.). Cultura artística e conservação de acervos coloniais. Belo Horizonte: Clio Gestão Cultural, 2015. p. 71-72. 13 Sobre o assunto, consulte ARAUJO, Emanuel. A mão afro-brasileira: significado da contribuição artística e histórica. São Paulo: Tenenge, 1988. 14 SANTIAGO, Camila Fernanda Guimarães. Cativos da Arte, artífices da liberdade: a participação de escravos especializados no Barroco Mineiro. In: PAIVA, Eduardo França; IVO, Isnara Pereira (Orgs). Escravidão, Mestiçagem e Histórias Comparadas. São Paulo: Annablume, 2008. p. 77-88. 15 ALVES, Marieta. Dicionário de Artistas e Artífices na Bahia. Salvador: Universidade Federal da Bahia, Centro Editorial e Didático, Núcleo de Publicações, 1976. p. 89. Uma relação de pintores afrodescendentes atuantes na América Portuguesa pode ser consultada em CAMPOS, Maria de Fátima Hanaque. A Pintura Religiosa na Bahia, 1790-1850. 2003. f. 249-527. Tese - Departamento de Ciências e Técnicas do Patrimônio, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Porto, 2003. 16 FREIRE, Luiz Alberto Ribeiro. A talha neoclássica na Bahia... op. cit., p. 492-494. HISTÓRIA, ARQUITETURA E ORNAMENTAÇÃO 49 CAPÍTULO 3 A CAPELA DE NOSSA SENHORA D’AJUDA No final do século XVI, o capitão Álvaro Rodrigues Adorno estabeleceu-se no sítio que posteriormente seria a Vila da Cachoeira.1 Ele instalou um engenho de açúcar e construiu, em um outeiro, um sobrado e uma pequena capela dedicada a Nossa Senhora do Rosário. Essa foi a primeira edificação católica de Cachoeira e, como veremos mais adiante, somente séculos depois o templo ganhou a configuração arquitetônica e a padroeira que tem hoje: Nossa Senhora D´Ajuda. Na falta de documentos conclusivos, supõe-se que a pequena capela foi construída entre os anos de 1595-1606, pois acredita-se que ela já estava pronta antes da morte de Álvaro Rodrigues Adorno, que ocorreu em 1607.2 Esse templo foi reconstruído pelo seu bisneto, João Rodrigues Adorno, e elevado à condição de igreja matriz em 1674, ano em que foi fundada a Freguesia de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira. Estima-se que as obras prosseguiram até 1687, pois há notícias de que na sua fachada havia o registro dessa data em alto- relevo.3 No começo do século seguinte, conforme o testemunho de frei Agostinho de Santa Maria, publicado em 1722, a igreja permanecia em bom estado: “Tem esta Igreja, que hoje está com grande reformação, e muito adorno, a sua situação com as portas para o Ocidente, e as costas para o Oriente”.4 Com o passar dos anos, o templo já não comportava o número crescente de fiéis e foi necessário construir outra igreja matriz (confira o capítulo 6). Por volta de 1722, quando a função paroquial foi transferida para a nova sede, a capela voltou para o domínio privado da família AS IGREJAS DE CACHOEIRA50 Adorno. No último quartel do século XVIII, os herdeiros cederam o sagrado edifício para a Confraria de São Pedro dos Clérigos.5 Com a extinção dessa confraria de sacerdotes, um grupo de músicos da vila, organizado pelo padre José Henriques da Silva, instituiu uma corporação musical na referida capela em 1795, sendo o próprio padre Henriques seu primeiro diretor.6 Essa corporação deu início aos festejos de Nossa Senhora D’Ajuda, que passou a ser a padroeira do templo.7 Após o falecimento do padre José Henriques, o cargo de diretor da corporação musical foi ocupado por seu sobrinho, o padre Manuel do Nascimento de Jesus. Na sua gestão, o padre Manuel “fez grandes melhoramentos na capela” e autorizou a instituição no edifício, em 1819, da Irmandade de São Benedito, que agremiava homens forros e escravizados.8 Em 1835, essa irmandade recebeu autorização para construir um salão em terreno adjacente à capela, onde foi erigido um altar para São Benedito. Até a conclusão dessa obra, em 1839, a irmandade utilizou a sacristia e o arcaz da corporação musical.9 Em 1852, a Irmandade de São Benedito pretendeu contratar outra corporação musical para tocar na festa que celebraria em honra de seu padroeiro na Capela de Nossa Senhora D’Ajuda, o que acabou não acontecendo. Por volta de 1870, com o intuito de garantir sua exclusividade como executora das músicas nas solenidades promovidas na capela, a corporação musical D’Ajuda redigiu seu livro de compromisso e nele assegurou essa prerrogativa. O compromisso foi aprovado pelo arcebispo de Salvador e pelo presidente da província.10 Foi nessa ocasião que a Irmandade de Nossa Senhora D’Ajuda oficializou-se. Sobre
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