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Denise Lucena Cavalcante Coordenadora Ia Edição MUCURIPE t \ \l DIREITO TRIBUTÁRIO CONTEMPORÂNEO Estudos em memória do Prof. Francisco de. Araújo Macedo Filho Copyright © vários autores Direito Tributário Contemporâneo: estudos em memória do Prof. Francisco de Araújo Macêdo Ia edição Denise Lucena Cavalcante (coord.) Alaíde Linhares Carlos André Viana Garrido Isaac Rodrigues Cunha Paloma Costa Andrade Sabrina Souza Menezes (org.) Foto da capa: Ana Carolina Lessa Dantas Editora Mucuripe Conselho André Parmo Folloni Arno Dal Ri Junior Daniela M. Leutchuk de Cademartori Danielle Annoni Denise Lucena Cavalcante Germana de Oliveira Moraes Gisele Cittadino Hugo de Brito Machado Segundo João Luís Nogueira Matias Editorial João Ricardo Catarino Juarez Freitas Marcelo Cattoni Marciano Seabra de Godoi Marcos Wachowicz Maria Vital da Rocha Martonio MonfAlverne Barreto Lima Paulo Caliendo Roberto Alfonso Viciano Pastor Capa, Editoração e Revisão Álisson José Maia Melo _______ Dados internacionais de Catalogação na Publicação D597 Direito tributário contemporâneo : estudos em memória do Prof. Francisco de Araújo Macedo Filho / Coordenadora: Denise Lucena Cavalcante — 1. ed. — Fortaleza : Mucuripe, 2018. Vários autores. 389 p. : 21 cm. ISBN-13: 978-85-549-2600-7 1. Direito tributário - Brasil. 2. Tributos - Brasil. 3. Adminis tração tributária - Brasil. I. Cavalcante, Denise Lucena. CDD 341.39 SUMARIO PREFÁCIO............................................................................................................. 11 Denise Lucena Cavalcante APRESENTAÇÃO................................................................................................13 Schubert de Farias Machado NOTA DE HOMENAGEM AO PROFESSOR MACEDO..............................17 Sabrina Souza Menezes Parte I Teoria Geral do Direito Tributário Contemporâneo CAPÍTULO 1 A TRIBUTAÇÃO ESTRATÉGICA. INTRODUÇÃO À TEORIA DOS JOGOS NO DIREITO TRIBUTÁRIO............................................................................... 21 Cristiano Carvalho CAPÍTULO 2 RELAÇÃO JURÍDICO-TRIBUTÁRIA E A CAPACIDADE CONTRIBUTIVA COMO LIMITE DE CONFORMAÇÃO LEGISLATIVA NA DEFINIÇÃO DO ELEMENTO PESSOAL DO CONSEQUENTE DA NORMA TRIBUTÁRIA..... 39 Álisson José Maia Melo CAPÍTULO 3 RETROATIVIDADE BENIGNA DA LEI TRIBUTÁRIA: SENTIDO E ALCANCE DA EXPRESSÃO “ATO NÃO DEFINITIVAMENTE JULGADO” - ART. 106, INCISO II, DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL..............55 Carlos César Sousa Cintra José Eduardo Barroso Colácio Thiago Pierre Linhares Mattos CAPÍTULO 4 O CONCEITO DE DÚVIDA NA APLICAÇÃO DAS PENALIDADES TRIBUTÁRIAS.......................................................................................................69 Renan Cavalcante Araújo CAPÍTULO 5 O DUPLO GRAU DE FUNDAMENTALIDADE (FORMAL E MATERIALS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO CONTRIBUINTE: BREVES NOTAS....................................................................................................................79 Paloma Costa Andrade CAPÍTULO 6 UMA ESPÉCIE DE BILL OF R/GP/TS TRIBUTÁRIA BRASILEIRA? AINDA A NECESSIDADE DE UM CÓDIGO DE DEFESA DO CONTRIBUINTE DE ÂMBITO FEDERAL.............................................................................................. 91 Isaac Rodrigues Cunha 8 Denise Lucena Cavalcante (coord.) CAPÍTULO 7 O DEVIDO PROCESSO LEGAL TRIBUTÁRIO NA JURISPRUDÊNCIA DO < TRIBUNAL DE JUSTIÇA EUROPEU. ANÁLISE COMPARADA COM O < ENFRENTAMENTO DE QUESTÕES ANÁLOGAS PELOS TRIBUNAIS BRASILEIROS.................................................................................................115 Hugo de Brito Machado Segundo Raquel Cavalcanti Ramos Machado ( CAPÍTULO 8 i CONCEITO CONSTITUCIONAL DE RECEITA........................................... 131] Schubert de Farias Machado CAPÍTULO 9 OS 50 ANOS DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL E AS INOVAÇOES t FISCAIS EM ÉPOCAS DE CRISE: APONTAMENTOS SOBRE A LEI DE I REPATRIAÇÃO............................................................................................... 139 Sabrina Souza Menezes ; CAPÍTULO 10 INCENTIVO FISCAL: A INTERVENÇÃO ESTATAL VIA FOMENTO EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA E O REEQUILÍBRIO ECONÕMICO-SOCIAL DO ORÇAMENTO PÚBLICO................................................................................ 151 Betina Treiger Grupenmacher Matheus Schwertner Ziccarelli Rodrigues ] Parte II Normas gerais de Direito Tributário CAPÍTULO 11 ENSAIO SOBRE A OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA...........................................177 Andre Viana Garrido CAPÍTULO 12 1 A RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DO CÔNJUGE NO DIREITO F BRASILEIRO: UMA APLICAÇÃO DA TEORIA DO DIÁLOGO DAS FONTES.............................................................................................................187 Bruno de Sousa Saraiva C CAPÍTULO 13 TRANSAÇÃO TRIBUTÁRIA NO DIREITO TRIBUTÁRIO BRASILEIRO: UMA ANÁLISE TEÓRICA DESSE INSTITUTO...........................................201 José Ivan Ayres Viana Filho CAPÍTULO 14 OS EFEITOS DO PARCELAMENTO PARA A ARRECADAÇÃO ESTATAL............................................................................................................215 Victor Rocha da Costa Direito Tributário Contemporâneo 9 CAPÍTULO 15 CONTROLE POLÍTICO DOS CRIMES FISCAIS........................................ 227 Lino Edmar de Menezes Parte III Perspectiva atual das espécies tributárias CAPÍTULO 16 A RAZÃO DO DESINTERESSE PELA COBRANÇA DA CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA................................................................................................ 239 Hugo de Brito Machado CAPÍTULO 17 CPMF NO BRASIL: UMA SAÍDA PARA MELHORIA DAS RECEITAS PÚBLICAS OU ONERAÇÃO FISCAL?......................................................... 251 Fernanda Cláudia Araújo da Silva CAPÍTULO 18 A ATUAÇÃO DE MÚSICOS ESTRANGEIROS NO BRASIL: ANÁLISE DA NATUREZA JURÍDICA DO TRIBUTO INSTITUÍDO PELA LEI N° 3.857/ 60....................................................................................................................... 267 Breno Silveira Moura Alfeu CAPÍTULO 19 TRIBUTAÇÃO CAUSA MORTIS: UMA ANÁLISE COMPARATIVA DOS MODELOS ADOTADOS EM ALGUNS ESTADOS DA OCDE E NO BRASIL...............................................................................................................285 João Ricardo Catarino Denise Lucena Cavalcante Sara Filipa Diogo CAPÍTULO 20 TAXAS COBRADAS PELO ESTADO DO CEARÁ NO ÂMBITO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO E SUAS INCOMPATIBILIDADES COM A CONSTITUIÇÃO E COM O SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL..........311 Victor Valença Maia CAPÍTULO 21 A ISENÇÃO DE CUSTAS PROCESSUAIS CONCEDIDA PELO ARTIGO 90, § 3o, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015: ANÁLISE DE CONSTITUCIONALIDADE............................................................................ 325 Charles da Costa Bruxel CAPÍTULO 22 INFLUXOS DO PARADIGMA DA PROPRIEDADE FUNCIONALIZADA URBANA NA EXTRAFISCALIDADE TRIBUTÁRIA DO IPTU (IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE PREDIAL E TERRITORIAL URBANA).........339 William Paiva Marques Júnior 10 Denise Lucena Cavalcante (coord.) CAPÍTULO 23 TRIBUTAÇÃO DA COMPUTAÇÃO EM NUVEM: OS DESAFIOS DO LEGISLADOR EM DELIMITAR AS HIPÓTESES DE INCIDÊNCIA DOS SERVIÇOS EM NUVEM .................................................................................. 35^ Alaíde Linhares Carlos Sérgio Luiz Pereira CAPÍTULO 24 t BREVE ANÁLISE DA TRIBUTAÇÃO DA CLOUD COMPUTING NO i BRASIL: DO SURGIMENTO ÀS CONTROVÉRSIAS TRIBUTÁRIAS.....375: Alaíde Linhares Carlos Roberta Furtado de Arraes Alencar e Castro CAPÍTULO 21 A ISENÇÃO DE CUSTAS PROCESSUAIS CONCEDIDA PELO ARTIGO 90, § 3", DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015: ANÁLISE DE CONSTITUCIONALIDADE Charles da Costa Brnxel* Introdução Parte-se do seguinte problema: a isenção de custas processuais concedidas pelo artigo 90, § 3o, do Código de Processo Civil de 2015 é constitucional? A disposição normativa prevista no Código de Processo Civil visa estimular, por meio de uma vantagem econômica (isenção de custas), aconciliação entre os litigantes. Emais uma das normas, entre tan tas outras, contida na novel legislação adjetiva civil, que compõe a, pode-se denominar, “política de incentivo às soluções autocompositi- vas”. Diante do questionamento levantado, formula-se a seguinte hi pótese: o artigo é apenas parcialmente compatível com a Constituição Federal. Nessa trilha, pode-se especificar que o objetivo geral será analisar a possibilidade de, no corpo da legislação processual civil — que, como se sabe, é editada pela União —, serem estipuladas regras de isenção de taxas (custas processuais) aplicáveis a todos os entes da federação. Partindo do objetivo geral, os objetivos específicos da pes quisa serão os seguintes: a) Compreender e explicar o sentido e o alcance do artigo 90, § 3o, do Código de Processo Civil de 2015; b) Analisar teoricamente os possíveis resultados do controle de consti tucionalidade; c) Verificar se existe possibilidade de conformação do dispositivo com a Constituição Federal. A apreciação em torno da constitucionalidade do texto normativo referido é tema da mais alta relevância, pois impactará tanto na ro tina forense dos jurisdicionados quanto repercutirá na política de ar recadação e cobrança de custas processuais pelos entes federativos que administram os ramos do Poder Judiciário. Imperialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Gama Filho. Hacharel em Direito pela Universi- dade Federal do Ceará. Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Ceará. Cursando Especiali zo em Direito Processual Civil na Damásio Educacional. Técnico Judiciário do Tribunal Regional do Trabalho ü ^Região, atualmente exercendo as atribuições de Assistente de Gabinete de Desembargador. 326 ______ Denise Lucena Cavalcante (coord.)____________ Este trabalho tem natureza qualitativa, descritiva e explicativa. A pesquisa seguirá os métodos dedutivo, indutivo e sistêmico. A pes quisa será, ainda: a) bibliográfica: buscando compreender o problema e encontrar soluções a partir da análise da literatura já publicada em livros, artigos de revistas especializadas e publicações avulsas; b) do cumental: Constituição Federal do Brasil de 1988, Código de Pro cesso Civil de 2015, Código Tributário Nacional e outras leis; c) juris- prudencial: julgados do Supremo Tribunal Federal. 1. Compreensão do art. 90, § 3o, do CPC/2015 O art. 90, § 3o, do Código de Processo Civil de 2015, assim pre- ceitua: Art. 90. Proferida sentença com fundamento em desistência, em re núncia ou em reconhecimento do pedido, as despesas e os honorários serão pagos pela parte que desistiu, renunciou ou reconheceu. [...] § 3o Se a transação ocorrer antes da sentença, as partes ficam dispen sadas do pagamento das custas processuais remanescentes, se hou ver. (BRASIL, 2015) No caso, as custas processuais, segundo a consolidada jurispru dência do Supremo Tribunal Federal, possuem natureza jurídica tn- butária de taxa: EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CUSTAS E EMOLUMEN TOS: NATUREZA JURÍDICA: TAXA. DESTINACÃO DE PARTE DO PRODUTO DE SUA ARRECADAÇÃO A ENTIDADE DE CLASSE: CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS ADVOGADOS: INCONSTITUCIONALIDADE. Lei 5.672, de 1992, do Estado da Paraíba. I. - As custas, a taxa judici ária e os emolumentos constituem espécie tributária, são taxas, se gundo a jurisprudência iterativa do Supremo Tribunal Federal. Prece dentes do STF. [...] Ação direta de inconstitucionalidade julgada pro cedente. (ADI 1145, Rei. Min. Carlos Velloso, Tribunal Pleno, Julgado em 03 out. 2002, DJ 08-11-2002 p. 20) (grifei) (BRASIL, 2002) EMENTA: I. Ação direta de inconstitucionalidade: [...) II. Custas e emo lumentos: serventias judiciais e extrajudiciais: natureza jurídica. È da jurisprudência do Tribunal que as custas e os emolumentos judiciais ou extrajudiciais tem caráter tributário de taxa. (...) (ADI 3694, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 20 set. 2006, DJ 06-11-2006 p. 30, 2007, p. 221) (grifei) (BRASIL, 2006) A Constituição Federal (BRASIL, 1988), em seu art. 145, II, esti pula que as “taxas” poderão ser instituídas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelo Municípios “em razão do exercício do po der de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços pú blicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição”. O Código Tributário Nacional (BRASIL, 1966), que nitidamente inspirou a própria redação da Lei Maior de 1988, apenas expõe o mesmo conceito: _____________ Direito Tributário Contemporâneo____________ 327 Art. 77. As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribui ções, têm como fato gerador o exercício regular do poder de policia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público especifico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto á sua disposição, (grifei) Machado (2010, p. 450-451) explica e detalha, a fim de possibili tar a correta compreensão da espécie tributária em epígrafe: Não é fácil definir o que seja um serviço público especifico e divisível. Diz o Código que os serviços são específicos quando possam ser des tacados em unidades autônomas de intervenção, de utilidade ou de necessidade públicas, e divisíveis quando suscetíveis de utilização, se paradamente, por parte de cada um de seus usuários (art. 79, ines. II e III). Não obstante estejam tais definições contidas em dispositivos separados, cuida-se de duas definições inseparáveis, no sentido de que um serviço não pode ser divisível se não for especifico. Não tem sentido prático, portanto, separar tais definições, como a indicar que a taxa pode ter como fato gerador a prestação de um serviço público especifico ou de um serviço público divisível. Aliás, isto decorre do pró prio dispositivo constitucional, que se refere a serviço específico e di visível. Seja como for, certo v que as definições legais em referência pratica mente cm nada contribuem para a solução dos problemas práticos relativos às taxas. Constituem porem, indicações úteis, a serem tra balhadas pela doutrina e pela jurisprudência. Quando se trate de atividade provocada pelo contribuinte, individual mente, como acontece. por exemplo, no caso do fornecimento de certi dões ou da prestação de atividade junsdicional, parece induvidoso o caráter específico e divisível do serviço. Por outro lado, serviço como o de iluminação pública, por exemplo, não nos parece ser especifico nem divisível, posto que e usufruivel por todos de forma indistinta, (grifei) Assim, o já transcrito excerto normativo do CPC/2015 estipula a “dispensa” — que, segundo Houaiss e Villar (2009), significa a “deso- brigaçào”, a “isenção” ou a “liberação” — do pagamento das custas processuais “remanescentes”, que, conforme Houaiss e Villar (2009), significa aquilo que “resta” ou “sobeja”. Ou seja, caso as partes tran sijam e cheguem a solução amistosa antes de proferida a sentença de julgamento do feito, tal conduta será premiada com a desobrigação de pagar as custas processuais devidas e ainda não pagas pelas par tes. Se o que é devido e ainda não foi pago restará abarcado pela norma exoneradora, por certo eventuais custas que venham a ser de vidas por diligências ou atos judiciais necessários e posteriores ao acordo também deverão ser dispensadas. Afinal, não se pode esque cer, o escopo do art. 90, § 3o, CPC, é manifestamente estimular a conciliação entre as litigantes. Cumpre esclarecer, ainda, que as custas que já foram adiantadas Para a realização das diligências/atos judiciais necessários até o mo mento da transação não serão devolvidas para as partes. A dispensa tocide sobre o pagamento das custas processuais remanescentes 328 ________ Denise Lucena Cavalcante (coord.)___________ que, conforme revelado pela expressão utilizada pela lei (“se houver”), podem sequer existir. Neves (2016, p. 145) interpreta o texto legal nesse mesmo rumo, indicando que se a transaçãovier a ocorrer antes da sentença, as partes ficarão dispensadas do pagamento das custas processuais re manescentes, se houver. O autor entende que, pela utilização do termo “remanescentes”, o não pagamento atingirá atos já praticados e que ainda não tiverem as custas adiantadas. Constata, assim, que o sacrificado pelo incentivo à transação será o Estado, que deixará de receber o pagamento das referidas custas. A respeito do tema, importante delinear o conceito de isenção tri butária. Amaro (2014, p. 192) assim pontua: Finalmente, a isenção. O que hà aqui é uma técnica peculiar utilizada no processo de definição do campo de incidência. Suponhamos que o legislador possa, num universo de cem espécies, tributar noventa (por que as outras dez são imunes e, portanto, ficaram fora do campo onde a competência tributária pode ser exercitada). Se o legislador ordinâno não tributar essas noventa espécies, total ou parcialmente, teremos a situação que referimos no parágrafo anterior (não incidência pura e simples). Mas pode ocorrer que o legislador, pretendendo tributar parte das noventa espécies, decida, em vez de relacionar as espécies que efetivamente queira gravar, optar pela técnica da isenção, que consiste em estabelecer, em regra, a tributação do universo, e, por exceção, as espécies que ficarão fora da incidência, ou seja, continua rão não tributáveis. Essas espécies excepcionadas dizem-se isentas. Em seguida, o mesmo autor traça a fundamental distinção entre isenção e imunidade tributárias: A imunidade e a isenção distinguem-se em função do plano em que atuam. A primeira opera no plano da definição da competência, e a segunda atua no plano da definição da incidência. Ou seja, a imuni dade é técnica utilizada pelo constituinte no momento em que define o campo sobre o qual outorga competência. Diz, por exemplo, o cons tituinte: ‘Compete à União tributar a renda, exceto a das instituições de assistência’. Logo, a renda dessas entidades não integra o conjunto de situações sobre que pode exercitar-se aquela competência. A imu nidade, que reveste a hipótese excepcionada, atua, pois, no plano da definição da competência tributária. Já a isenção se coloca no plano da definição da incidência do tributo, a ser implementada pela lei (geral mente ordinária) por meio da qual se exercite a competência tributária. Suponha-se que o legislador possa tributar todas as situações “y’, mas não queira tributar as espécies ‘y*’ e *y2’. Dirá, então, o legislador: ‘Fica instituído o tributo ‘x’ sobre o grupo de situações íy’> exceto ‘y1’ e *y- . As hipóteses excepcionadas não compõem, portanto, o rol de situações sobre o qual incide o tributo. Trata-se, como se vê, de técnica empre gada no plano da definição da incidência, para, via exceção, deixar fora dela as situações que o legislador não quer tributar. (AMARO, 2014, p. 192) _____________ Direito Tributário Contemporâneo____________ 329 Ainda sobre isenção tributária, Silva (2012, p. 1) apresenta rele vante classificação, essencial para que se tenha uma compreensão apurada da matéria: As isenções podem ser classificadas em condicionais e incondicionais, temporárias e por prazo indeterminado, gerais e individuais, regionais ou irrestritas. A isenção incondicional é aquela que independe da com provação do preenchimento de qualquer requisito pelo contribuinte, a ser avaliada pelo fisco. É o caso da isenção da primeira faixa de renda do imposto de renda da pessoa física. A isenção condicional é que de pende do preenchimento de algum requisito pelo contribuinte, seja a realização de uma conduta, seja uma situação jurídica, seja uma si tuação fàtica. Necessariamente, as isenções incondicionadas serão ge rais, alcançando todos os contribuintes ou fatos, conforme seja o be nefício subjetivo ou objetivo. As isenções condicionais serão individu ais e dependerão da análise de cada caso pela Administração Tributá ria. 0 art. 90, § 3o, CPC, portanto, conforme se nota, estipula verda deira isenção condicional de taxas (custas processuais) remanescen tes, pois tal dispensa somente será concedida caso venha a se efetivar determinado evento futuro ou incerto — no caso, a ocorrência de transação antes da sentença de julgamento do feito. No processo ju dicial, o magistrado faz as vezes de autoridade administrativa tribu tária, razão pela qual deverá, seguindo a exigência do art. 179, caput, do Código Tributário Nacional1, consolidar a referida isenção de cus tas por meio de pronunciamento, preferencialmente, na própria de cisão homologatória da transação (art. 487, III, “b”, CPC/20152). 2. Análise teórica do controle de constitucionalidade: possíveis resultados do cotejo entre um ato normativo e a Constituição Federal Masson (2015, p. 1051) tece considerações fundamentais para a compreensão cientifica do denominado controle de constitucionali dade: Controlar é sinônimo de cotejar, colocar em confronto, contraprovar. Representa um procedimento de análise. A locução ‘controle de cons titucionalidade’ deve ser entendida, pois, como uma verificação de compatibilidade, de adequação entre normas: as leis (e os demais aros normativos) e a Constituição. Em seguida, a autora (MASSON, 2015, p. 1052) complementa, destacando que a inequívoca hierarquia normativa entre as normas constitucionais e as demais é o que justifica a realização do controle Ari. 179. A isenção, quando não concedida em caráter geral, é efetivada, em cada caso, por despacho da autoridade «dministrativa, em requerimento com o qual o interessado faça prova do preenchimento das condições e do cumpri- iticnto dos requisitos previstos em lei ou contrato para sua concessão. Art. 487. Haverá resolução de mérito quando o juiz: III - homologar: [...] b) a transação; 330 Denise Lucena Cavalcante (coord.) de constitucionalidade. Afinal, se a Carta Magna se encontra em po sição superior no ordenamento, todas as demais normas lhe devem estrita observância e irrestrita obediência e precisam estar absoluta mente afinadas com os seus preceitos, de modo que qualquer disso nância deva ser detectada e solucionada em favor da Constituição. Esclarece, por fim, que a consolidação desse instrumental teórico de fiscalização da constitucionalidade dos diplomas é o que impede que o ideal da supremacia constitucional torne-se mera retórica. Realizado o controle, pode-se concluir que a norma infraconsti- tucional é plenamente compatível com a Constituição Federal, que a norma infraconstitucional é totalmente incompatível com a Consti tuição Federal ou que a norma infraconstitucional é apenas parcial mente compatível com a Constituição Federal. Este último caso, o mais comum, é o que se destaca, haja vista seus desdobramentos e sua interseção, em algumas situações, com a denominada interpre tação conforme a Constituição. Mendes e Branco (2015, p. 1309) traçam um panorama geral da declaração de inconstitucionalidade parcial (denominada pelos auto res de “declaração de nulidade parcial”): A doutrina e a jurisprudência brasileiras admitem plenamente a teoria da divisibilidade da lei, de modo que, tal como assente, o Tribunal somente deve proferir a inconstitucionalidade daquelas normas vicia das, não devendo estender o juízo de censura às outras partes da lei, salvo se elas não puderem subsistir de forma autônoma. Em seguida, o caso especial de declaração de inconstitucionali dade parcial sem redução de texto (“declaração de nulidade parcial sem redução de texto”) é tratado (MENDES; BRANCO, 2015, p. 1309- 1311): Já em 1949, identificara Lúcio Bittencourt os casos de inconstitucio- nalidade da aplicação da lei a determinado grupo de pessoas ou de situações como hipótese de inconstitucionalidade parcial. [...] Também aqui se limita o Tribunal a considerar inconstitucional ape nas determinada hipótese de aplicação da lei, sem proceder à alteração do seu programa normativo. [...] Uma redução do âmbito da aplicação da lei pode ser operada, igualmente, mediante simples interpretação conforme à Constituição. Diante da proximidade da inconstitucionalidade parcial sem re dução de texto e a interpretação conforme a Constituição, convém caracterizar-se, sucintamente, do que trata esta última. Mendes e Branco (2015, p. 1.312), em síntese, mencionam que o texto infra constitucional deve ser interpretado, tanto quanto possível, de modo a resultar em uma norma compatível com a Constituição Federal: Consoante postulado do direito americano incorporado à doutrina constitucional brasileira, deve o juiz, na dúvida, reconhecer a consti tucionalidade da lei. Também no caso de duas interpretações possíveis ______________ Direito Tributário Contemporâneo_____________ 331 de uma lei, hà de se preferir aquela que se revele compatível com a Constituição. (...] Consoante a prática vigente, limita-se o Tribunal a declarar a legitimi dade do ato questionado desde que interpretado em conformidade com a Constituição. Seguindo a linha de Bulos (2015, p. 471-472), releva destacar que a interpretação conforme a Constituição é, ao mesmo tempo, um critério de exegese constitucional e uma técnica de controle de cons- titucionalidade. Como critério, a interpretação conforme a Constitui ção orienta no sentido de se buscar sempre a máxima preservação da norma infraconstitucional, o que somente pode ser alcançado por meio da busca do sentido normativo mais compatível com a Consti tuição Federal. Como técnica, a interpretação conforme garante o re conhecimento da constitucionalidade de determinado texto norma tivo, desde que adotada determinada exegese. Em termos práticos, a inconstitucionalidade parcial sem redução de texto se aproxima, severamente, da chamada interpretação con forme a Constituição. Novamente, Mendes e Branco (2015, p. 1312) ajudam a compreender o tema e a tentar traçar uma distinção entre as duas modalidades: Ainda que se não possa negar a semelhança dessas categorias e a pro ximidade do resultado prático de sua utilização, é certo que, enquanto na interpretação conforme à Constituição se tem, dogmaticamente, a declaração de que uma lei é constitucional com a interpretação que lhe é conferida pelo órgão judicial, constata-se, na declaração de nuli- dade sem redução de texto, a expressa exclusão, por inconstituciona lidade, de determinadas hipóteses de aplicação do programa norma tivo sem que se produza alteração expressa do texto legal. Assim, se se pretende realçar que determinada aplicação do texto nor mativo é inconstitucional, dispõe o Tribunal da declaração de incons titucionalidade sem redução de texto, que, além de mostrar-se tecni camente adequada para essas situações, tem a virtude de ser dotada de maior clareza e segurança jurídica, expressas na parte dispositiva da decisão (a lei X é inconstitucional se aplicável a tal hipótese; a lei Y é inconstitucional se autorizativa da cobrança do tributo em determi nado exercício financeiro). Tal distinção tem relevância pragmática principalmente pelo fato de apenas a declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto se submeter, no controle incidental de constitucionalidade, à cláusula de reserva de plenário prevista no art. 97 da Constituição Federal: “Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Pú blico” (BRASIL, 1988). E, não custa esclarecer, além de tal diferença conceituai estar consolidada na jurisprudência do STF, tal discernimento é feito pela própria Lei n° 9.868/ 1999 (BRASIL, 1999) em seu art. 28, parágrafo 332 Denise Lucena Cavalcante (coord.) único, ao prever separadamente as duas técnicas de controle de constitucionalidade: A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, in clusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto têm eficácia contra to dos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal, (sublinhei) Afinal, como saber se o caso é de “mera” interpretação conforme a Constituição ou de declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto? Se a interpretação do texto infraconstitucional, para resultar em uma norma conforme a Constituição Federal, tiver que contrariar ex cessivamente o sentido literal do texto, entende-se prudente que seja declarada a inconstitucionalidade parcial sem redução de texto. Se várias interpretações razoáveis do texto infraconstitucional se mos trarem possíveis, a escolha pela interpretação (mais) compatível com a Lei Maior é questão que se resolve apenas pelo regular manejo do critério de interpretação conforme a Constituição. Em resumo, tem-se o seguinte: se a exegese compatível com a Constituição contrariar moderadamente o sentido literal do texto in fraconstitucional, o caso se resolve pura e simplesmente pelo critério hermenêutico da interpretação conforme a Constituição, sem decre tação de inconstitucionalidade; se a exegese compatível com a Cons tituição contrariar excessivamente o sentido literal do texto infra constitucional, mas não for uma interpretação absurda, é o caso de declaração da inconstitucionalidade parcial sem redução de texto; se a exegese compatível com a Constituição contrariar frontalmente ou aberrantemente o texto infraconstitucional, é o caso de declaração parcial com redução de texto ou de decretação de inconstitucionali dade total do texto normativo. 3. Conformação do art. 90, § 3o, CPC/2015, com a Constituição Federal Consoante visto mais acima, o art. 90, § 3o, CPC/2015, é norma que veicula isenção condicional de taxas (custas processuais) rema nescentes. Não é preciso grande esforço para perceber que tal norma, por estar contida em diploma processual civil aplicável tanto no âm bito do Judiciário administrado pela União (Justiça Eleitoral, Justiça do Trabalho, Justiça Federal, Justiça Militar Federal, Justiça do Dis trito Federal e dos Territórios3, respectivos tribunais superiores e o Supremo Tribunal Federal) quanto na Justiça dos Estados, teve a pretensão de estipular generalizadamente tal isenção para todos os 1 Constituição Federal, com redação do inciso dada pela Emenda Constitucional n° 69, de 2012: Art. 21. Compete i União: [.,.] XIII - organizar e manter o Poder Judiciário, o Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios e a Defensoria Pública dos Territórios/ Direito Tributário Contemporâneo___________ 333 órgãos judiciários sujeitos ao Código de Processo Civil, sem levar em conta o ente federativo que administra cada respectivo ramo da Jus tiça. Ou seja, a União, por meio da referida norma, estaria concedendo isenção para custas processuais (taxas) nos ramos judiciários que administra, mas também estaria concedendo isenção a tributos (ta xas) de competência dos Estados (custas processuais nos processos que tramitam perante a Justiça Estadual). Esta última hipótese é caso de típica isenção heterônoma. Coélho (2012) explica o conceito: Coloquemos a questão: as isenções são autonômicas e heterõnomas quanto à fonte legislativa de onde promanam. Autonômica é a isenção concedida pelo Poder Legislativo de pessoa jurídica de Direito Público titulada pela Constituição para instituir o tributo. Assim, quem pode tributar pode dispensar o tributo. Esta é a regra geral. Isenção hete rônoma é a concedida pelo Poder Legislativo de uma pessoa jurídica de Direito Público que não tem competência para instituir o tributo objeto da isenção. A isenção heterônoma ê isenção de tributo de alheia competência. A União, entretanto, não pode adotar a isenção heterônoma, con forme preceitua o art. 151, 111, da Constituição Federal: “Art. 151. É vedado à União: (...) 111 - instituir isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios” (BRASIL, 1988). Alexandre(2016), acerca da citada vedação constitucional, pon tua que o poder de isentar é natural decorrência do poder de tributar. Assim, em outras palavras, a regra é que as isenções sejam autôno mas (ou autonômicas), porque podem ser concedidas pelo ente fede rado a quem a Constituição atribuiu a competência para a criação do tributo. Tal vedação consiste em uma importante garantia protetora do pacto federativo, pois impede que os entes maiores, por ato pró prio, interfiram na arrecadação dos entes menores, pondo-lhes em risco a autonomia. Destaca, por fim, que a proibição é novidade da Constituição Federal de 1988, contrapondo-se à Constituição de 1967, que garantia o poder da União de, mediante lei complementar e atendendo a relevante interesse social ou econômico nacional, con ceder isenções até mesmo de impostos estaduais e municipais. Sabbag (2016) ajuda a compreender definitivamente o comando constitucional sob exame, ao estipular que a referida garantia guar nece o pacto federativo quando obsta a interferência de entes maiores no plano arrecadatório dos menores, colocando em xeque sua auto nomia. Entende o doutrinador que tal interferência é registrada no dispositivo constitucional na exclusiva situação de isenção, porém nada obsta que estendamos a proibição a outros benefícios por exemplo, anistia, remissão, concessão de crédito presumido etc. Tal intima conexão com a proteção do pacto federativo rechaçaria, inclu 334 Denise Lucena Cavalcante (coord.) sive, a possibilidade de alteração da matéria por emenda constituci onal, por força do art. 60, § 4o, I, da Constituição Federal. Por sime tria, a lógica do dispositivo deve ser estendida aos Estados-membros com relação aos tributos municipais, pois a despeito da literalidade do texto, a lógica jurídica deve prevalecer. Não há dúvidas, assim, que a norma extraivel do art. 90, § 3o, CPC/2015, que confere isenção às custas processuais remanescen tes nos processos que tramitam perante a Justiça Estadual é incons titucional. O dispositivo do Código de Processo Civil de 2015 deve ser lido em conformidade com a Constituição Federal, qual seja: a) É concedida a isenção condicional de taxas (custas processuais) remanescentes no âmbito do Judiciário administrado pela União (Justiça Eleitoral, Justiça do Trabalho4, Justiça Federal, Justiça Militar Federal, Justiça do Distrito Federal e cíos Territórios, res pectivos tribunais superiores e o Supremo Tribunal Federal), haja vista que tais tributos são de competência da própria União; b) É meramente incentivada a isenção condicional de taxas (custas processuais) remanescentes no âmbito do Judiciário administrado pelos Estados, devendo cada ente avaliar politicamente a conveni ência de estipular tal isenção por meio de sua própria legislação. A Comissão de Estudos do NCPC do Tribunal de Justiça do Es tado do Espírito Santo (ESPÍRITO SANTO, 2015, p. 15) apresenta ponderação no mesmo sentido, a despeito de, ao final, apresentar recomendação a qual se considera incompatível com a Constituição Federal: A despeito da clara e elogiável intenção de promover a realização de transações (pondo fim, com isso, a litígios ainda pendentes de apreci ação judicial), é questionável a constitucionalidade da norma no âm bito das Justiças Estaduais. Oriunda de lei federal, sua aplicação aos Estados consistiría nova mente em isenção heterõnoma, tendo como objeto, desta feita, as cus tas processuais remanescentes (taxas derivadas da prestação da ati vidade jurisdicional, serviço público específico e divisível, custeado pelo erário de cada Estado). Por tal razão, no âmbito das Justiças Estaduais compete com exclusi vidade ao respectivo Estado — no exercício de sua autonomia — optar por conceder referida isenção. Caso deseje fazê-lo, deverá promulgar lei específica para esse fim. J Nesse sentido, inclusive, o Enunciado 112 do Encontro do Fórum Permanente de Processualistas Civis (201-1): “(art. 90, $ 3o; art. 15) No processo do trabalho, se a transação ocorrer antes da sentença, as partes ficam dispensadas do pagamento das custas processuais, se houver. (Grupo: Impacto do CPC no Processo do Trabalho)". Observe-se que nu Justiça do Trabalho não há que se falarem adiantamento de custas processuais, sendo estas devidas pela parte vencida somente após o trânsito em julgado, vide art. 789, $ Io, CLT (HliASIL, 1943), com redação dada pela Lei 10.537/ 2002. Assim, quando da ocorrência de transação prê-sentença, as custas a serem dispensáveis corresponderão à inte- gralidade das custas devidas no processo. Constata-se, desse modo, que o instituto previsto no art. 90. J 3", CPC/2015, se encaixa com perfeição à sistemática processualista laborai, garantindo forte incentivo à conciliação das partes. ____________ Direito Tributário Contemporâneo____________335 Até que sobrevenha tal lei, no entanto, não nos parece adequado afas tar o disposto no art. 90, § 3o, do NCPC, sendo recomendável que os magistrados capixabas não exijam as custas e as despesas processu ais, porventura pendentes de recolhimento, diante de acordos celebra dos. A propugnada leitura do art. 90, § 3o, CPC/2015, não contraria excessivamente a literalidade do texto normativo. O dispositivo não diz categoricamente que as partes sempre ficarão “dispensadas do pagamento das custas processuais remanescentes”. Além disso, o texto ainda utiliza a expressão “se houver”, deixando claro que, inde pendentemente da interpretação constitucional que se confira ao pa rágrafo, a depender do modo como as custas processuais são regula das pelo estado-membro no que diz respeito ao momento de adianta mento das referidas taxas, sequer existirão custas a serem dispensa das. Ou seja, o texto normativo possui plasticidade suficiente para que o caso se resolva pelo simples critério hermenêutico da interpre tação conforme a Constituição, sem haver necessidade da decretação de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto. Considerações finais 0 art. 90, § 3o, do CPC, estipula verdadeira isenção condicional de taxas (custas processuais) remanescentes, pois tal dispensa so mente será concedida caso venha a se efetivar determinado evento futuro ou incerto — no caso, a ocorrência de transação antes da sen tença de julgamento do feito. No processo judicial, o magistrado faz as vezes de autoridade administrativa tributária, razão pela qual de verá, seguindo a exigência do art. 179, caput, do Código Tributário Nacional, consolidar a referida isenção de custas por meio de pro nunciamento, preferencialmente, na própria decisão homologatória da transação (art. 487, III, “b”, CPC/2015). 0 controle de constitucionalidade das normas infraconstitucio- nais atrai uma das seguintes soluções: a norma infraconstitucional é plenamente compatível com a Constituição Federal, que a norma in fraconstitucional é totalmente incompatível com a Constituição Fe deral ou que a norma infraconstitucional é apenas parcialmente com patível com a Constituição Federal. Este último caso, o mais comum, coque se destaca, haja vista seus desdobramentos e sua costumeira mterseção com a interpretação conforme a Constituição. Tentando delinear o espaço de aplicabilidade da declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto e da interpretação conforme a Constituição, chega-se à seguinte conclusão: se a exegese compatível com a Constituição contrariar moderadamente o sentido literal do texto infraconstitucional, o caso se resolve pura e simples mente pelo critério hermenêutico da interpretação conforme a Cons tituição, sem decretação de inconstitucionalidade; se a exegese com patível com a Constituição contrariar excessivamente o sentido literal 336 Denise Lucena Cavalcante (coord.) do texto infraconstitucional, mas não for uma interpretação absurda, é o caso de declaração da inconstitucionalidade parcial sem redução de texto; se a exegese compatível com a Constituição contrariar fron talmente ou aberrantementeo texto infraconstitucional, é o caso de declaração parcial com redução de texto ou de decretação de incons titucionalidade total do texto normativo. A fim de compatibilizar o art. 90, § 3°, CPC/2015, com a vedação, prevista na Constituição Federal, à isenção heterónoma de tributos (art. 151, III), chega-se, por consequência, à interpretação de que: o dispositivo do CPC concede a isenção condicional de taxas (custas processuais) remanescentes no âmbito do Judiciário administrado pela União (Justiça Eleitoral, Justiça do Trabalho, Justiça Federal, Justiça Militar Federal, Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, respectivos tribunais superiores e o Supremo Tribunal Federal), haja vista que tais tributos são de competência da própria União; o texto normativo meramente incentiva a isenção condicional de taxas (cus tas processuais) remanescentes no âmbito do Judiciário adminis trado pelos Estados, devendo cada ente avaliar politicamente a con veniência de estipular tal isenção por meio de sua própria legislação. Diante da plasticidade do art. 90, § 3o, CPC/2015, constata-se que a propugnada leitura do artigo não contraria excessivamente a literalidade do texto normativo, razão pela qual se percebe que o pro blema de harmonização com o Texto Maior se resolve simplesmente pela aplicação do critério hermenêutico da interpretação conforme a Constituição, sem haver necessidade da decretação de inconstitucio nalidade parcial sem redução de texto. Portanto, após testar a hipótese formulada e atingir todos os ob jetivos pretendidos, pode-se concluir que o artigo 90, § 3o, CPC/2015, é plenamente compatível com a Constituição Federal, desde que con cedida a interpretação ora defendida neste estudo. Por uma questão puramente técnica, portanto, não se pode dizer, ao contrário da hi pótese formulada, que o artigo é apenas parcialmente conciliável com a Constituição Federal. Referências ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário esquematizado. 10. ed. São Paulo: MÉ TODO, 2016. Versão eletrônica. 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