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1 UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO JOAZE BARBOSA DE LIMA A PRÁTICA SOCIAL DAS IGREJAS BATISTAS DE CAMPO GRANDE - MS. UMA ANÁLISE HISTÓRICA CONCEITUAL A PARTIR DA PRÁXIS TRANSFORMADORA SÃO BERNARDO DO CAMPO 2013 2 JOAZE BARBOSA DE LIMA A PRÁTICA SOCIAL DAS IGREJAS BATISTAS DE CAMPO GRANDE - MS. UMA ANÁLISE HISTÓRICA CONCEITUAL A PARTIR DA PRÁXIS TRANSFORMADORA Dissertação apresentada à banca examinadora na Universidade Metodista de São Paulo, em cumprimento parcial às exigências do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião, para obtenção do grau de Mestre. Orientador: Prof. Dr. Geoval Jacinto da Silva SÃO BERNARDO DO CAMPO 2013 3 A dissertação de mestrado sob o título: “A prática social das igrejas batistas de Campo Grande – MS. Uma análise histórica conceitual a partir da práxis transformadora”. Elaborada por Joaze Barbosa de Lima foi apresentada e aprovada em 19 de Março de 2013, perante banca examinadora composta por Prof. Dr. Geoval Jacinto da Silva (Orientador - Titular/UMESP), Prof. Dr. Leonildo Silveira Campos (Titular/UMESP), Prof. Dr. Paulo Romero (Titular/PUC-SP) e Prof. Dr. Luiz Carlos Ramos (Titular/UMESP). __________________________________________ Prof. Dr. Geoval Jacinto da Silva Orientador da Banca Examinadora __________________________________________ Prof. Dr. Leonildo Silveira Campos Presidente da Banca e Coordenador do Programa de Pós-Graduação Programa: Ciências da Religião Área de Concentração: Religião, Sociedade e Cultura Linha de Pesquisa: Religião e dinâmicas sócio-culturais 4 Somente através da ação experimenta-se a liberdade! Antes da ação não se tem a liberdade, assim como, antes da obediência não se tem Fé. Foi para liberdade que Cristo nos chamou! Com fé e ação podemos caminhar nos libertando conjuntamente! 5 AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus, pelo dom da vida e pela oportunidade de fazer este mestrado. Agradeço a minha esposa Tayana, pela paciência, parceria e apoio. Agradeço a meus familiares pela confiança e dedicação ao me ensinarem a vida, meu pai Jonas, minha mãe Júnia, meus sogros e demais parentes. Agradeço às igrejas que me acompanharam neste processo, Igreja Batista Sarom e Igreja Batista do Guanandi. Agradeço aos professores e colegas do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da UMESP. Em Especial, ao meu orientador Dr. Geoval J. da Silva, que com paciência e dedicação me encaminhou e me ensinou o processo da pesquisa seus „métodos e metodologias‟. A CAPES por fomentar a possibilidade desta pesquisa, através da bolsa flexibilizada a mim concedida. A UMESP, por abrir as portas e propiciar a mim acesso a informação, momentos agradáveis em sala e cafezinhos nos intervalos. 6 LISTA DE FIGURAS Figura 1. Favela no Bairro Cidade de Deus em Campo Grande – MS.....................36 Figura 2. Capa do Livro Ação Social Cristã...............................................................73 Figura 3. Mapa Migração no Brasil............................................................................83 Figura 4. Frente Atual da Igreja Batista de Corumbá – MS ......................................87 Figura 5. Foto do ditador Francisco Solano Lopes do Paraguai. ..............................91 Figura 6. Retrato de José Antônio Pereira, fundador de Campo Grande. Óleo sobre Tela de Fausto Furlan................................................................................................92 Figura 7. A primeira igreja: Igreja de Santo Antônio. Construída por José Antônio Pereira em 1877 ........................................................................................................93 Figura 8. Trem na região de Aquidauana – MS.........................................................94 Figura 9. Grupo de Membros da Primeira Igreja Batista em Campo Grande na Frente da Igreja.....................................................................................................................96 Figura 10. Frente Antiga da Segunda Igreja Batista. Pastor Jonathan de Oliveira.......................................................................................................................97 Figura 11. Antigo Templo da Terceira Igreja Batista de Campo Grande na Vila Carvalho.....................................................................................................................98 Figura 12. Lateral da Faculdade Teológica Sul-Mato-Grossense..............................99 Figura 13. Mapa de Campo Grande com divisão de Setores..................................101 Figura 14. Vista Aérea da Região Central de Campo Grande – MS........................102 Figura 15. Frente da Igreja Batista em Coronel Antonino........................................102 Figura 16. Frente da Igreja Batista Filadélfia...........................................................103 Figura 17. Frente da Igreja Batista do Serradinho...................................................104 Figura 18. Frente da Igreja Batista do Tarumã........................................................105 Figura 19. Frente da Igreja Batista do Guanandi.....................................................107 Figura 20. Frente da Igreja Batista Ágape ..............................................................108 Figura 21. Frente da Primeira Igreja Evangélica Batista de Campo Grande...........109 Figura 22. Sede do Instituto IDE. Curso em Andamento ........................................117 7 LISTA DE TABELAS Tabela 1. Grau de Urbanização: Brasil (1950 - 2010) ......................................29 Tabela 3. Grau de Urbanização - Mato Grosso do Sul (1950-2010).................29 Tabela 4. Grau de Urbanização - Campo Grande – MS (1970-2010)...............30 Tabela 1. Diagnóstico de Atendimentos realizados pelo IDE em 2010...........118 8 LISTA DE SIGLAS ACIBAMS – Associação Centro das Igrejas Batistas do Mato Grosso do Sul AEVB – Associação Evangélica Brasileira ASSIBAS – Associação das Igrejas Batistas da Associação Sul CAS – Comissão de Ação Social CBA – Casa Batista da Amizade CBB – Convenção Batista Brasileira CBSM – Convenção Batista Sul-Mato-Grossense CMDCA – Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente em Campo Grande/MS DE – Diretriz Evangélica FUNASPH – Fundação de Assistência a Pessoa Humana IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDE – Instituto de Desenvolvimento Evangélico JUNSSEMS – Junta de Serviço Social da Convenção Batista Sul-Mato-Grossense JUNASEMS – Junta de Ação Social da Convenção Batista Sul-Mato-Grossense PLANURB – Instituto Municipal de Planejamento Urbano RENAS – Rede Evangélica Nacional de Ação Social SAS – Secretaria Municipal de Assistência Social de Campo Grande - MS SETASS – Secretaria de Assistência Social do Governo do Estado de Mato Grosso do Sul OJB – O Jornal Batista UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura. 9 LIMA, B. Joaze. A prática social das Igrejas Batistas de Campo Grande - MS. Uma análise histórica e conceitual a partir da práxis transformadora. Dissertação. (Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião). Universidade Metodista de São Paulo, 2013. 160 f. São Bernardo do Campo – SP. RESUMO A pesquisa tem por finalidade estudar a prática social das Igrejas Batistas de Campo Grande – MS, à luz da relação histórica dos batistas com a ação social e a partir dos conceitos da práxis transformadora. Objetiva-se estudar as ações sociais dasigrejas batistas na cidade de Campo Grande, em análise e perspectiva da teologia prática, e perceber os critérios e ideologias que estão por trás destas ações. Para este fim, uma pesquisa bibliográfica sobre a história dos batistas desde sua origem, e a história dos batistas no Mato Grosso do Sul foi realizada, esperando assim ver raízes da prática social batista e suas ideologias teológicas. O início da pesquisa remete-se à origem dos batistas nos primórdios do protestantismo e suas (possíveis) relações com práticas sociais de transformação de realidades, suas ideologias e princípios teológicos. Em um segundo momento, buscou-se a história dos batistas em Mato Grosso do Sul e na cidade de Campo Grande. Por fim, procurou-se teorizar, à luz da teologia prática, uma ação social que fosse transformadora e libertadora mesmo em situações complexas como é a realidade urbana, apontando possíveis caminhos por meio de uma pastoral cidadã. As considerações finais a que chega esta pesquisa é que as igrejas não têm se envolvido com a realidade social das cidades, e quando o faz, realiza de maneira simplista, sem o devido cuidado e preparação, sem um engajamento na transformação de realidades com ações coesas. A partir do instituto conseguiu-se perceber a possibilidade de existência de uma prática social relevante, com apoios governamentais e privados, porém, não se percebe uma interação e um envolvimento por parte da igreja. Espera-se então um 10 despertamento das igrejas com relação a sua missão e possibilidades de realização de ações no campo social. Palavras-Chave: Igreja, Ação Social, História, Cidade, Práxis e Pastoral. 11 LIMA, B. Joaze. A prática social das Igrejas Batistas de Campo Grande - MS. Uma análise histórica e conceitual a partir da práxis transformadora. Dissertação. (Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião). Universidade Metodista de São Paulo, 2013. 160 f. São Bernardo do Campo – SP. ABSTRACT The research aims to study the social practice of Baptist Churches of Campo Grande - MS, in the light of the historical relationship of Baptists to social action and the concepts of transformative praxis. This study focuses on the social actions of the Baptist churches in the city of Campo Grande, analysis and perspective of practical theology, and realize the criteria and ideologies behind these actions. To this end a literature on the history of Baptists from its origin and history of Baptists in Mato Grosso do Sul was held, hoping thereby to see the roots of social practice and their Baptist theological ideologies. The beginning of the research it refers the origin of the Baptists in the early days of Protestantism and its (possible) relationships with social transformation of realities, ideologies and theological principles. Secondly we sought to Baptist history in Mato Grosso do Sul and the city of Campo Grande. Finally, we sought to theorize the light of practical theology social action that is transformative and liberating even in complex situations such as urban reality, pointing out possible paths through a pastoral citizen. The final consideration that arrives this research is that the church has been involved with the social reality of the cities, and when it does, performs simplistically, without due care and preparation, without an engagement in transforming realities cohesive actions . From the Institute could perceive the possibility of having a social practice relevant to government and private support, however, is not perceived interaction, involvement by the church. It is expected then an awakening of the churches in relation to its mission, and possibilities of them in the social field. Keywords: Church, Social Action, History, City, and Pastoral Praxis. 12 SUMÁRIO INTRODUÇÃO...........................................................................................................14 1 FUNDAMENTOS PARA A AÇÃO SOCIAL CONTEMPORÂNEA.........................18 1.1 A “NÃO TÃO” NOVA REALIDADE.......................................................................23 1.2 DESAFIOS URBANOS........................................................................................27 1.3 AÇÃO SOCIAL.....................................................................................................34 1.4 AÇÃO SOCIAL A PARTIR DA PRÁXIS TRANSFORMADORA...........................38 1.5 AÇÃO SOCIAL NA PASTORAL URBANA...........................................................41 1.5.1 Pastoral Urbana: Uma pastoral cidadã.............................................................42 2 AS ORIGENS BATISTAS E SUAS LIGAÇÕES COM AS PRÁTICAS SOCIAIS.....................................................................................................................45 2.1 OS BATISTAS NA AMÉRICA..............................................................................56 2.2 OS BATISTAS NO BRASIL..................................................................................61 2.2.1 Filosofia de Ação Social Batista........................................................................75 3 PRESENÇA E DESENVOLVIMENTO DA IGREJA BATISTA NO BRASIL E NO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL...................................................................78 3.1 HISTÓRICO DA PRESENÇA BATISTA NO BRASIL..........................................78 3.2 HISTÓRICO DA PRESENÇA BATISTA NO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL............................................................................................................................84 3.3 HISTÓRICO DA CIDADE DE CAMPO GRANDE – MS.......................................89 3.3.1 Presença e Desenvolvimento Batista em Campo Grande – MS.......................95 3.3.2 Estudo de Caso das Práticas Sociais Batistas em Campo Grande..................98 3.3.2.1 Região Segredo...........................................................................................102 3.3.2.2 Região Prosa................................................................................................103 3.3.2.3 Região Imbirussu.........................................................................................104 3.3.2.4 Região Lagoa...............................................................................................105 3.3.2.5 Região Anhanduizinho.................................................................................106 13 3.3.2.6 Região Bandeira...........................................................................................107 3.3.2.7 Região Central.............................................................................................109 3.3.2.8 Convenção Batista Sul-mato-grossense (CBSM) .......................................111 3.4 INSTITUIÇÃO DE AÇÃO SOCIAL BATISTA.....................................................113 3.4.1 IDE (Instituto de Desenvolvimento Evangélico) .............................................113 3.4.1.1 Projeto Uns por Todos.................................................................................117 CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................119 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA............................................................................122 ANEXOS..................................................................................................................126 14 INTRODUÇÃO A motivação desta pesquisa surgiu quando eu era pastor de jovens e adolescentes na Igreja Batista Manancial, no bairro José Pereira em Campo Grande – MS. Na época estava fazendo a integralização do meu curso de Bacharel em Teologia e tive a oportunidade de estudar a disciplina de Teologia Urbana. Pormeio dela surgiram as inquietações com relação à missão da igreja e seu papel na sociedade. Em conjunto com as inquietações teóricas, vieram também as objeções práticas com relação à atuação da igreja na sociedade. Particularmente, em um bairro tão pequeno da periferia da cidade, não conseguia perceber os reflexos da ação missionária da igreja em um local cheio de carências, crianças envolvidas com drogas e pequenos delitos, adolescentes se prostituindo e um alto índice de violência, tanto por meio de roubos e furtos, como da violência doméstica. A partir daí o olhar começou a voltar-se não só para o bairro José Pereira, mas para a tradição batista e sua realidade nas igrejas em Campo Grande. Os questionamentos com relação às práticas sociais batistas na cidade começaram a ganhar forma, e a falta de posicionamentos ideológicos também foram ganhando notoriedade. A percepção de que as igrejas que faziam a chamada Ação Social realizavam atividades desconexas com as necessidades reais das localidades inseridas, e a sensação de um possível assistencialismo, deram norte ao desejo de realizar a pesquisa. Quais eram as ações sociais realizadas pelas igrejas batistas? Quais são as realidades citadinas em que as igrejas estão envolvidas no mundo hodierno e precisam refletir para agir? Existe alguma instituição em Campo Grande que está conseguindo caminhar com eficiência no serviço à comunidade? Tais questionamentos problematizaram a pesquisa e levaram a inquietações sobre a tradição batista, sua relação com as práticas sociais e quais seriam os fundamentos para uma ação social engajada e transformadora de realidades. Desde então como professor de teologia nas áreas de eclesiologia, teologia urbana e história da igreja, estas inquietações têm motivado a pesquisa e a busca por saídas e fundamentos para esta necessidade de entendimento e ação da igreja. 15 Vi no programa de Ciências da Religião a possibilidade de, no encontro com as discussões da religião, traçar caminhos de diálogo para a pesquisa. Esta pesquisa cabe dentro das Ciências da Religião, pois está preocupada com a experiência religiosa dos indivíduos nas cidades, e mais especificamente dentro da realidade religiosa contemporânea. Também por discutir o fenômeno religioso de uma grande presença numérica de igrejas e comunidades religiosas nas cidades e os impactos que estas têm ou deveriam ter. Esta pesquisa se deu no contexto de Campo Grande – Mato Grosso do Sul. Carinhosamente chamada de capital morena, esta cidade, desde a fundação do estado de Mato Grosso do Sul, em outubro de 1977, vem desfrutando de um franco desenvolvimento e crescimento. Sempre muito ligada ao agronegócio, a cidade, que está chegando aos seus 800 mil habitantes, vem abrindo novas fronteiras para a Tecnologia e principalmente para o ramo industrial juntamente com o estado. Na parte baixa do Centro-Oeste brasileiro, Campo Grande é caminho de fronteira para dois países, Paraguai e Bolívia, e é trevo por onde passam toda a soja e grãos que descem de Goiás e Mato Grosso para o porto Paranaguá no Paraná. Os batistas já completaram o centenário no estado, e na capital já chegam ao número de 82 igrejas organizadas. Estas igrejas estão espalhadas em toda cidade. O instituto escolhido está na Região da Lagoa, sudoeste da capital morena. Situado em uma área periférica da cidade, de classe baixa e fortes incidências de desemprego, violência, drogas etc. No período escolhido, de 2001 a 2011, o IDE (Instituto de Desenvolvimento Evangélico) teve seu maior crescimento, conquistando articulações governamentais e grandes parcerias privadas. Por esses motivos foi escolhido para esta pesquisa, além de ser o único na cidade que, vinculado à igreja batista, tem estas características. Suas atividades já são reconhecidas na cidade, ganhando bons reflexos. A pesquisa foi desenvolvida em dois eixos: bibliográfica e de campo. Para a pesquisa de campo, iniciou-se com o mapeamento da cidade de Campo Grande – MS, seguindo as diretrizes do Instituto Municipal de Planejamento Urbano (Planurb), o qual divide a cidade por regiões. A partir daí foi feita a escolha das maiores igrejas de cada região, pela maior probabilidade de desenvolverem ações sociais, e o 16 Instituto de Desenvolvimento Evangélico (IDE), por estar galgando notoriedade na sociedade, com parcerias com órgãos governamentais e privados de grande expressão, além, de estar repercutindo sua estada no bairro por meio do trabalho realizado. A pesquisa recebeu informações e documentos enviados pelas igrejas e pelo instituto, vindo a depender destas informações e de visitas pessoais para levantamento de dados. A partir disso, a pesquisa bibliográfica dedicou-se a conhecer as origens batistas e suas relações com as práticas sociais a partir dos seguintes referenciais teóricos: Mendonça. A. G. Celeste Porvir (2008). Com vistas a uma aproximação da história do protestantismo no Brasil. O texto indicado nos esclarece e nos dá aporte para um entendimento organizado e preciso da chegada, organização, mensagem e tendências dos protestantismos, como ele mesmo indica. A análise da inserção missionária protestante na sociedade brasileira, na segunda metade do século XIX, que ocorreu pelas zonas rurais da província de São Paulo e na região de divisa com Minas Gerais, resultado do trabalho das frentes agrícolas e pioneiras que apresentavam uma população móvel e em estado de crescimento. Para analisar a presença batista no Brasil foi utilizado: Reis Pereira, J. História dos Batistas no Brasil, 1982. Já com um recorte na história dos Batistas no Brasil o livro de José do Reis Pereira (1982), Reis Pereira, contempla com precisão o centenário dos Batistas no Brasil que é de 1882 a 1982. E também OLIVEIRA, A. Betty. Centelha em restolho seco: uma contribuição para a história dos primórdios do trabalho batista no Brasil, 2005. Referente ao relacionamento dos Batistas com as práticas sociais, os referências teóricos foram: AZEVEDO, B. Israel. A celebração do indivíduo: a formação do pensamento batista brasileiro, 1996, que discute a formação do pensamento batista, desde a sua raiz com relação à intolerância religiosa, liberdade do indivíduo e relata as reações dos batistas durante sua história. Também é utilizado: NIEBUHR, H. Richard. As origens sociais das denominações cristãs. 1992, que vai relatar as práticas sociais das denominações e o que elas tiveram por influência na época e também na gênese de cada uma delas. 17 Para analisar as ações sociais foram utilizados referenciais teóricos filosóficos sobre a ação como: Sobre o conceito de Ação e ação social o teórico WEBER, Max. Ensaios de Sociologia, 1982. ARENDT, Hannah. A Condição Humana, 2010. Que discute a vida ativa do indivíduo na cidade. Para as conceituações da práxis utiliza-se a VÁZQUEZ, S. Adolfo. Filosofia da Práxis e Casiano Floristán com o texto Teologia Práctica. Os resultados da pesquisa foram distribuídos em três capítulos. No primeiro capítulo, é desenvolvido um trabalho de conceituação de Ação Social, das categorias filosóficas às postulações práticas. Com essas posturas partiu-se para a aplicação teológica da práxis, primeiramente com a conceituação e posteriormente com a aplicação da mesma nas igrejas e nas realidades de práticas sociais. Por fim, com as argumentações da práxis transformadora, desenvolveu-se possibilidade de uma pastoral da ação social que possibilite a formação de indivíduos cidadãos e igrejas que por meio de sua prática social desenvolva cidadania e proporcione libertação e transformação. No segundo capítulo, procurou-se apresentar as origens batistas desde seus primórdios nos séculos passados. A raiz da denominação pode esclarecer suas ideologias, seus princípios e práticas. A partir daí procurou-se tratar do desenvolvimento da denominação, suaspráticas sociais e/ou envolvimentos com elas, além de todas as circunstâncias históricas que foram moldando a denominação batista até sua chegada ao Brasil. Por fim, analisaram-se as relações mais recentes da denominação batista com a ação social no país, desde os primeiros lampejos, no início do século XX, até a organização de sua Filosofia de Ação Social na década de 90. No terceiro capítulo que aborda as origens batistas no Brasil e no Mato Grosso do Sul, decidiu-se verificar a chegada dos batistas no Brasil, suas tendências, suas razões, suas ideologias e suas práticas. Na sequência, a pesquisa procurou os mesmos critérios na apresentação da chegada dos batistas ao então Mato Grosso. Para o leitor, a ideia é poder traçar um mapa coordenado do advento dos batistas ao Brasil, suas principais tendências e práticas. Sobre o recorte ao Mato Grosso do Sul, decidiu-se fazer uma apresentação mais detalhada do contexto 18 cultural e estrutural do estado, sua formação e desenvolvimento, assim como, a formação e desenvolvimento da sua capital: Campo Grande, cidade escolhida para a pesquisa. Com isso, procura-se dar a ambiência necessária para um entendimento real do leitor, da cidade, a presença e desenvolvimento batista. No final do primeiro capítulo há a apresentação do Instituto de Desenvolvimento Evangélico (IDE). Os desafios estão postos. A igreja está imersa em uma realidade confusa e fluida de conceitos, padrões e valores urbanos. Neste ínterim seus membros e as pessoas que convivem com ela na sociedade estão inseridos nessa poluição de valores, direções, princípios éticos e religiosos, além de graves problemas financeiros e situações de miséria, pobreza, entre outros que os cercam diariamente. As igrejas batistas precisam se manifestar no campo público da sociedade, talvez recuperando princípios deixados ou produzindo ideologias teológicas coerentes e transformadoras. Este trabalho não se encerra, apenas abre caminhos para novas discussões e pesquisas. 1 FUNDAMENTOS PARA A AÇÃO SOCIAL CONTEMPORÂNEA Assim como não posso usar minha liberdade de fazer coisas, de indagar, de caminhar, de agir, de criticar para esmagar a liberdade dos outros de fazer e de ser, assim também não poderia ser livre para usar os avanços científicos e tecnológicos que levam milhares de pessoas à desesperança. Não se trata, acrescentamos, de inibir a pesquisa e frear os avanços, mas pô-los a serviço dos seres humanos (FREIRE, 1998, p. 149). Neste capítulo pretende-se compreender as realidades citadinas às quais a maioria das igrejas têm se relacionado no mundo contemporâneo. A partir daí também se faz importante entender o conceito de Ação Social e sua relação com a igreja. Até o presente momento, as dinâmicas eclesiásticas e sociais estudadas parecem estar sempre em funções desconexas, ou seja, nos processos históricos há algumas tentativas de fazer das realidades socioeconômicas adentrarem nas 19 agendas eclesiásticas, fazendo delas seus campos de ação e missão. O autor Rui Josgrilberg (2006) afirma: [...] a vida de fé tem uma dimensão intrinsicamente pública como a profissão de fé, a proclamação da mensagem, a preocupação com o próximo, com a justiça, com a paz, com o pastoreio do povo que vai além dos limites de uma congregação de fé. 1 Entretanto, em alguns momentos esta ideologia teológica se lhes escapa perante os dedos e a igreja volta ao seu lugar de origem, necessariamente espiritual e privada. Sua esfera pública ameaçada pelas discussões entre Estado e Igreja, juntamente com a secularização empurraram a igreja para entre seus murros. É importante ressaltar que estas são colocações de fora para dentro, pressões e postulações de fora da igreja, mas também ocorreram várias situações, que de dentro das igrejas contribuíram para este recrudescimento da igreja a seu espaço privado. É na modernidade2 que a igreja vai sofrer com veemência o que o autor Rubem Alves chama de “exílio do sagrado”3. A priori, até aquele momento não havia as divisões claras entre público e privado para a religião, pois ela era exatamente o centro do mundo. Toda a política, ciência, economia e educação eram realidades no seio da cristandade. Não se sabia bem como distinguir ou aferir até onde ia a ação da igreja e sua presença na humanidade. Porém, com o advento da modernidade, surge a religião natural, com fundamento deísta, em que há um Deus criador que não intervém nas realidades humanas, tem princípios morais comuns a todo o gênero humano, e, por assim ser, independente a revelação. E é exatamente aqui que há o estranhamento geral com o cristianismo que se vê detentor da revelação 1 Citado em: CASTRO, P. Clóvis; NASCIMENTO, C. Magali; LOPES, Nicanor (Org´s). Pastoral Urbana, Presença pública da Igreja em Áreas Urbanas. São Bernardo do Campo: Editeo, 2006, p. 11. 2 Por modernidade assumo a postura de Urbano Zilles: “Por modernidade entendemos um processo histórico-cultural complexo de transformação de mentalidades no ocidente, um processo que se desenvolve, em sentido mais estrito e de maneira mais consciente no século XVII até meados do século XX, com consequências na atualidade em todos os campos.” Para ele na modernidade acontece: “a ruptura com a tradição medieval através da descoberta do Novo Mundo, através do Renascimento Cultural, com o giro do teocentrismo para o antropocentrismo, e através da Reforma Protestante que fomenta a afirmação do individualismo moderno” também as “expressões do iluminismo com o objetivo de universalizar a razão, proclamar o primado do indivíduo e de sua liberdade”. ZILLES, Urbano. A modernidade e a Igreja. Porto Alegre: Edipucrs, 1993 p.10-11. 20 de Deus. A busca é por um cristianismo desmitificado e sem mistérios, contrapondo o deísmo com a revelação cristã. Estas pretensões da Igreja Católica de deter a revelação e ser a encarnação de Jesus Cristo eram por demais arrogantes para aqueles iluministas. Agora sim, as definições de público e privado são mais definidas, assim como a noção política, outra grande área criticada do cristianismo principalmente pelo sociólogo Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Na modernidade surge a aplicação da ciência e da técnica. A instrumentalização massiva de processos induz a industrialização, o que acarreta na massiva migração da população para as cidades. Os feudos já não regiam mais a dinâmica econômica e principalmente produtiva da sociedade. Agora estas dinâmicas estão centradas nas cidades, que recebem avolumadas migrações de pessoas das áreas rurais para as áreas urbanas. Este processo de urbanização vai se iniciar aí e ainda hoje é possível perceber este processo juntamente com suas características e consequências. A modernidade produziu a industrialização e as grandes cidades. O homem urbano confia na ciência e na tecnologia; é influenciado pelos grandes meios de comunicação de massa; é dinâmico e voltado para o novo; consumista, audiovisual, anônimo na massa (ZILLES, 1993, p. 21). E resume-se então: [...] a modernidade designa um movimento revolucionário de idéias que se caracteriza pelo culto à razão, por sistemas filosóficos (empirismo, iluminismo e idealismo hegeliano), pelos sistemas políticos (marxismo- leninismo, nazismo e fascismo) pela irrupção da tecnologia e pela vigilância da Igreja Católica, preocupada com sua unidade, com a fé e a moral (ZILLES, 1993, p. 21). As fortalezas construídas pela religião durante séculos anteriores, como os critérios de vida e os valores para julgamentos morais, foram destruídas com o advento da modernidade. O homem agora é em si emancipado, podendo e devendo ser senhor de si mesmo e do seu futuro. A convivência humana foi transformada, alavancada pelas revoluções no campo da ciência e da técnica. A razão tornara-se palavra-chavepara o mundo, norteando todos os campos de ação. As máquinas 3 ALVES, Rubem. O que é religião. São Paulo: Ars Poética, 2006, p.35. 21 entram na vida do ser humano, regrando-o a viver delas, o relógio divide o tempo, e a chegada da luz faz com que o sol não regule mais o tempo de trabalho. [...] a modernidade pretende conduzir o povo à felicidade através da educação, libertando o homem do pecado original e da angústia e substituindo o reino de Deus pelo reino do homem. A religião, onde tolerada, passa a ser racionalizada e humanizada num deísmo moral (Kant), desemboca num ateísmo militante (Marx) ou no indiferentismo, sempre numa tendência dogmatista. A igreja, quando tolerada, passa a ser vista como zeladora da moral e educadora serva do Estado (ZILLES, 1993, p.29). E com estas conjecturas e características é que a igreja vai se desenvolver nos anos seguintes a esta tendência e afirmações. Como resposta, a igreja não se separou do estado. Ao contrário, a reforma protestante de Lutero não contemplou uma separação entre igreja e estado. O advento da modernidade apenas enquadrou a igreja no espaço que lhe caberia, e se armava racionalmente para mantê-la ali. Em reação a esta postura da igreja houve o movimento da Reforma Radical, no qual se desejava outra reforma interior na igreja, separando-a do estado e também insistindo no uso da consciência e da fé para o batismo. Também na Inglaterra, sob a influência da rainha Isabel I, houve um contingente de pessoas que eram favoráveis a outra reforma no interior da igreja, porém, as motivações não eram todas iguais. Este grupo foi chamado partido dos puritanos4 e defendiam uma posição severa com relação a clérigos e leigos cuja conduta moral não satisfizesse os padrões elevados do modelo genebrino, ou seja, do pano de fundo calvinista como a sobriedade e limpeza. [...] o puritanismo foi mais um modo de ser da vida religiosa que ajustou-se, nem sempre passivamente, às várias correntes de pensamento que desembocariam nos Estados Unidos e se prolongariam pela história do protestantismo naquele país e pelas suas áreas de influência missionária [...] o importante é a influência do puritanismo na vida civil e social, e isso parece ter sido uma feliz tradução do calvinismo no sentido de sua viabilidade eclesiástica e política (MENDONÇA, 2008, p. 66). Mais uma vez é possível perceber a postura que a igreja foi desenvolvendo conforme as dinâmicas modernas iam se estruturando. Em seu lugar de legitimadora 22 do campo moral, o puritanismo levou esta incidência como ideologia teológica. Sua teologia pode ser facilmente percebida em dois autores, como afirma Mendonça (2008): Milton (Paraíso Perdido, 1667) e João Bunyan (O peregrino, 1678). O texto de Bunyan mostra a vida de um cristão, como uma vida de caminhada áspera, cheia de dificuldades e tentações em direção à Cidade de Deus. A referência é nas simbólicas afirmações neotestamentárias de que o caminho para o cristão é estreito. O contrário nas afirmações de Bunyan é o caminho largo e tranquilo em que o caminhar não é penoso, e sim, alegre, cheio de prazer e alegrias e o seu final é o sofrimento eterno na Cidade da Destruição. O Cristianismo protestante que chega aos Estados Unidos e depois à América Latina é fortemente permeado por esta influência, como será tratado adiante. Paralelo a este movimento, houve grandes fomentações para sistematizar a teologia de maneira racionalizada por meio da filosofia, na época considerada serva da teologia, da qual nasce o racionalismo teológico e a teologia liberal. [...] os liberais são adogmáticos, posto que, para eles, nenhuma questão teológica está fechada ou decidida. Negam também a inerrância e a inspiração bíblica, com base na assertiva de que a Escritura é obra de autores limitados pelo seu tempo. A essência do cristianismo substitui a autoridade das Escrituras, dos credos e da igreja, não havendo contradição inerente entre a fé e a lei natural, entre a revelação e a ciência, entre o sagrado e o secular, e entre a religião e a cultura (COSTANZA, 2005, p.97). Em contestação a esta tendência da racionalização da teologia e da fé, o pietismo5 se levanta de maneira abrasiva e com muitos adeptos. É considerado como pai do pietismo alemão o teólogo Philipp Jacob Spener (1635-1705). Silva (2010) afirma que para Spener, a vida que pode ser considerada santificada é aquela que se expressa no exercício do amor ao próximo. O que gerou uma abertura de possibilidades que para nossa pesquisa é fundamental, pois de forma concreta e teologizada a igreja abre as portas para as práticas sociais na era da modernidade. Para Spener, a formação teológica era de suma importância, mas não 4 Sobre o partido dos puritanos ver MENDONÇA, G. Antônio. O Celeste Porvir. 3ª edição São Paulo: Edusp, 2008, p.64. 5 Sobre o Pietismo e suas influências na igreja e na educação teológica ver: SILVA, J. Geoval. Educação Teológica e Pietismo. A influência na formação pastoral no Brasil, 1930-1980. São Bernardo do Campo: EDITEO, 2010. 23 com os pilares do racionalismo teológico, e sim como uma disciplina prática e mais ligada à vida do que ao intelecto. Com seus seguidores e fomentadores teológicos, o pietismo consegue se estruturar na Alemanha e posteriormente na Inglaterra, também influenciando as igrejas e gerações a partir daí. Se a reforma protestante pode ser vista a partir de sua ênfase na justificação do ser humano perante Deus, o pietismo alemão caracterizou- se pela santificação pessoal, por intermédio de obras e da busca pela glorificação a Deus na caridade e na evangelização (SILVA, 2010, p. 79). O pietismo atravessa o atlântico e vai junto com os colonizadores para a Nova Inglaterra, levado por ingleses que foram influenciados pelo pietismo de John Wesley. O protestantismo implantado na Nova Inglaterra é tido por diversos autores como mais influenciado pelo puritanismo do que pelo pietismo, por seu sistema de governo eclesiástico, mas principalmente os traços do puritanismo voltados à vida moral dos cristãos. O pietismo não consegue galgar a mesma proporção e influência nas estruturas eclesiásticas que se formavam no novo continente. Logo, o diálogo com a sociedade estava deveras ameaçado, pela ideologia que mantinha os cristãos dentro do caminho estreito, onde não há condições de proximidade e asseio com qualquer tipo de questão social. Nos Estados Unidos, os puritanos cansados de tantas lutas pela igualdade e liberdade religiosa, puderam celebrar a possibilidade de uma nova sociedade com um Estado Puritano. Mendonça (2008) afirma que após 1865, o pietismo e o escolasticismo se tornaram os principais fundamentos do conservantismo protestante. Além destes, o apocalipsismo também galgou importantes espaços na ideologia eclesiástica e teologia na América, tendo influenciado o protestantismo da época principalmente com suas interpretações sobre a volta de Cristo: pós-milenarista e pré-milenarista. No caso da primeira, a volta de Cristo se daria após o milênio; milênio este que se seria atingido pela ação da igreja na história, que poderia antecipar a volta de Cristo. A segunda interpretação foi mais difundida e também a que ocasionou a separação mais densa entre a igreja e o mundo, em razão de sua postura radicalmente sobrenaturalista, deixando incompatível com a vida da igreja qualquer intervenção, ou atividade para melhoria social. A igreja se concentrou em ganhar vidas por meio 24 de grandes empreendimentos missionários,retirando as pessoas dos grilhões do inferno. Tanto o pietismo como o apocalipsismo, juntos ou separados, recusaram os termos das mudanças teológicas ou sociais; o pietismo, por ignorá-las e preocupar-se unicamente com a vida espiritual, e o apocalipsismo, por escapar para um tempo futuro de bem-aventurança. No último quartel do século XIX, o pré-milenarismo firmou-se em igrejas como a presbiteriana, a reformada, a episcopal e a congregacional (MENDONÇA, 2008, p. 104). Este é o pano de fundo do protestantismo americano, que também virá para a América Latina, e especialmente o Brasil, que é objeto desta pesquisa. Logo, as mesmas tendências e influências podem ser observadas nas igrejas brasileiras. Entre aberturas para diálogos e fechamentos para as afirmações eclesiásticas que não são de interesse e foco públicos, a igreja hoje se encontra, pelo menos aparentemente, sem um locus de prática e vivência social esclarecida e teologicamente afirmada. Também as realidades que estão inseridas hoje não facilitam o trabalho das igrejas, o que exige mais esclarecimentos. 1.1 A “NÃO TÃO” NOVA REALIDADE Acontece que faz tempo que a cidade não só venceu como absorveu o campo, o agrário, a sociedade rural. Acabou a contradição cidade e campo, na medida em que o mundo urbano de vida, a sociabilidade burguesa, a cultura do capitalismo e o capitalismo como processo civilizatório invadem, recobrem, absorvem ou recriam o campo com outros significados (IANNI, 1994, p. 31 apud CASTRO, 1996, p. 23). A realidade das cidades não é nova. Sabe-se que há muito tempo o ser humano se organiza em comunidades que se tornaram cidades. Este tipo de convivência só vem aumentando com o passar dos anos, chegando, no último censo, à porcentagem de 84%6 da população brasileira morando em cidades. 6 Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1766>. Acesso em: 05 fev. 2013. 25 O cristianismo desde sua raiz se relaciona com as cidades. Desde o Antigo Testamento as cidades estão presentes na vida dos personagens bíblicos. A pergunta que fica é o que mudou? Se as realidades que vivem hoje os seres humanos são de forma proporcional próximo do que acontecia nos tempos do Antigo Testamento. O conceito que se dá para esta mudança é advinda da modernidade: urbanização. Como afirma Harvey Cox (1968), a cidade não é simplesmente um espaço que se diferencia em estrutura e organização do campo, não é puramente um centro urbano, mas é um símbolo do mundo moderno. O processo urbanizador faz com que todas as conjecturas da modernidade virem a tona e conviverem dentro dos espaços urbanos. Cox (1968) afirma que a urbanização: [...] constitui uma mudança maciça na maneira de os homens viverem juntos e torna-se possível, na sua forma contemporânea, apenas com os avanços científicos e tecnológicos surgidos das ruínas das visões tradicionais do mundo [...] a urbanização significa a estrutura da vida comum, na qual a diversidade e a desintegração da tradição são proeminentes (COX, 1968, p. 11,15). É possível perceber o conjunto de intervenções que a urbanização trouxe para a vida do ser humano. A cidade é agora o lugar do controle humano, onde a racionalização toma o centro e todo o planejamento. Um grau de tolerância sobre as colocações morais e o anonimato dentro da convivência citadina substituíram estes edifícios morais de tradições antigas. A migração do campo para a cidade traz a sensação de liberdade daquele que outrora era um grupo fechado de pessoas e mesmices. O desligamento familiar/tribal do campo para a cidade ocorre quase como uma conquista para quem o faz. Afinal, nesta nova realidade a tradição não tem mesmo efeito e valor, o campo de possibilidades se abre. Na vida camponesa as condições com a natureza permitem uma relação direta com o sagrado, não sendo necessária a presença de um clérigo para intermediar a relação. Os sentimentos de resposta divina estão diretamente ligados à natureza e a satisfação é direta por meio de respostas claras do divino como sol e chuva, enquanto bênção e maldição, não necessariamente nesta mesma ordem. As condições de vida urbana quebram esta dinâmica, pois desligam as pessoas da 26 natureza e embaralham as noções de resposta divina, precisando necessariamente de intervenção do clérigo e também do discurso para esclarecimento das coisas. Aqui, a afirmação de Weber (2000) ganha efeito e valor, quando advoga que o especialista na religião, em sua linguagem o sacerdote, precisa interpretar e racionalizar o mito segundo as necessidades dos diversos grupos sociais dos centros urbanos. Segundo Mendonça (2002): Na passagem religiosa campo/cidade, e na medida em que cresce o corpo de especialistas urbanos de religião, ocorre o processo de espoliação simbólica em que os fiéis ficam cada vez mais pobres de seus bens de religião pelo distanciamento cada vez maior de seus deuses (MENDONÇA, 2002, p. 237). O autor ainda tece comentários sobre esta espoliação no meio católico que praticamente não acontece. Voltando ao protestantismo, este tem como característica própria, nascer dentro da cidade e tem dela sua gênese enquanto ambiente. Nos processos de industrialização, o protestantismo se desenvolve e se racionaliza na modernidade. O agir místico do protestantismo sempre acontece nas periferias do mesmo, como quacres e os pietistas, e tem dificuldades de galgar espaços significativos dentro do protestantismo histórico e tradicional. O que para a vida e estadia nas cidades será um fator agravante para a sobrevivência do protestantismo que vai basicamente se posicionar entre o mantimento de suas postulações enquanto igrejas espirituais, advindas do protestantismo norte- americano, ou vai gerar rupturas e desembocar no pentecostalismo, gerando simbolismos e místicas para conduzir o homem para a fuga da vida em uma imersão do sagrado, ou para interpretar realidades complexas da cidade que o leigo não consegue fazê-lo. Por ser o protestantismo propriamente lógico e racional, o pentecostalismo surge quase como uma resposta a este problema na urbanização das cidades. Com a modernidade e a urbanização, o exílio do sagrado enquanto prisão do sagrado realizada pela massiva racionalização do mundo é o novo detalhe na realidade antiga da cidade. Porém, como resposta a esta tendência, a igreja 27 protestante pentecostal conseguiu por meio de movimentos místicos coletivos fazer a libertação do sagrado selvagem7. [...] a euforia, o êxtase e o misticismo coletivo, observados nesses movimentos, mostram como a volta do sagrado de seu exílio reintroduz o religioso puro no discurso ideológico; ou melhor, descarta em maior ou menor grau o excesso da ideologização religiosa (MENDONÇA, 2002, p. 239). O detalhe que surge destas postulações é a percepção de que como reação das dificuldades iniciais apontadas pela urbanização e a modernidade, a igreja, por meio do misticismo, parece conduzir à fuga da vida pela imersão do sagrado. A reação tida pela igreja, neste primeiro momento, é de se afastar, criando não só uma postura alienante, como uma prática espiritual alienante, o que com certeza vai acarretar em um não envolvimento na sociedade como já foi apontado outrora, como influência do protestantismo norte-americano. A vida precisa ser (re)significada novamente, quando o indivíduo entra em contato com esta dinâmica eclesiástica mística. A vida verdadeira é na realidade o contrário de tudo no que se vive cotidianamente nas ruas, avenidas e casas da cidade, requerendo novas significações e leituras entre tempo-espaço, templo- espaço e sagrado-profano. É importante salientar que vai ser impossível o ser humano manter essas ambiguidades, o que fará com que ele tenha que escolher comque mundo conviver. A indiferença ao que é mundano, intelectualizado em relação ao sagrado e obviamente o crescimento assustador dos espaços urbanos periféricos, vão produzir formas místicas de religiosidade, visto que este tipo de religiosidade, segundo Mendonça (2002), é inicialmente vivido por leigos e pobres. Um pentecostal que afirma preferir este alimente a outro, que sua mulher use este vestido e não aquele, não está se referindo à utilidade das coisas, mas a um plano de oposição que julga ser profano; a explicação da oposição se dá pelo uso de coisas atingindo os mesmos objetivos utilitários, se opõem pela mera diferença. Uma outra forma no sistema de inclusão e 7 Mendonça vê nos movimentos de cura divina um pré-profetismo. A magia vem antes da mensagem profética, servindo como uma purificação institucional, legitimando ali a presença do divino. O que para ele no êxtase da magia coletiva apresentam a libertação do sagrado. Cf. MENDONÇA, G. Antônio; FILHO, V. Prócoro. Introdução Protestantismo no Brasil. 2. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2002. p. 239 28 exclusão produz um outro universo, negador daquele que se vive (MENDONÇA, 2002, p. 243). A referência acima se organiza em função de exemplificar o que o autor afirma ser expropriação. Enquanto as igrejas protestantes históricas, nestes processos de urbanização e modernidade se institucionalizam, legitimam suas crenças com dogmas racionalizados, também como reação as realidades citadinas, os que se emigram delas buscam o que para eles é uma forma de vida, ou pelo menos, ressignificação da vida, a fabulação e a mistificação para alcance do sagrado por aqueles que sem poder, nas conjeturas históricas não têm acesso. Na mistificação, o poder e a vida voltam e estão ao alcance de todos. É interessante perceber que, nas duas proposições de respostas às dificuldades encontradas, há uma separação evidente entre a igreja e o mundo, a igreja e a sociedade. A esfera pública da igreja se perde nas defesas privadas daqueles que precisam do acesso ao divino, e o alcançam por estarem ali. A igreja se vê a serviço daqueles que ali estão, seja pela institucionalização do sagrado, seja pela mistificação das realidades. 1.2 DESAFIOS URBANOS Desde as revoluções francesas e americanas, juntamente com as revoluções científicas e industriais, as cidades de modo geral vêm crescendo rapidamente. A migração do campo para a cidade é alimentada por diversos favores que incluem a busca por empregos, melhorias de vida, entretenimento, liberdade e outros. Nesta dinâmica de crescimento, as cidades em todo o mundo não tiveram tempo hábil para se organizar e planejar o seu crescimento, o que ocasionou um crescimento desordenado e cidades mal planejadas e preparadas para receber este contingente de habitantes abruptamente. O viver no contexto urbano: 29 [...] promete aventura, poder, alegria, crescimento, autotransformação e transformação das coisas em redor. Mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos. Ser urbano, atualmente é fazer parte de um universo no qual tudo que é sólido desmancha no ar (BERMANN, 1986, p. 15). No espaço de vivência das pessoas nas cidades, as desigualdades sociais são avolumadas e se agigantam diante da simplicidade e precariedade da maioria dos habitantes citadinos. O êxodo rural fez com que houvesse um desenvolvimento rápido nas cidades, causando um inchaço de pessoas aglutinadas em casas cada vez mais afastadas do centro da cidade e mais verticais, com problemas de saneamento básico, acesso aos meios de transporte, segurança e saúde pública. No Brasil, esta migração é mais recente do que no restante do mundo. O êxodo rural do Brasil aconteceu no início do século XX e de forma mais lenta ainda acontece até os dias de hoje. Essa realidade é observável nos últimos censos que mostram que a maioria dos habitantes do Brasil mora em cidades, sendo 81,2% na área urbana e 18,8% em áreas rurais, de um total de quase 170 milhões de habitantes no ano 20008. Para percebermos esse crescimento9, basta observar que, em 1950, a população brasileira estava em sua maioria concentrada na zona rural sendo: 63,8% que viviam no campo e 36,2%10 nas cidades. Observando as tabelas é possível detectar esta evolução: 8 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Senso 2000. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/censo/>. Acesso em: 07/02/13 9 Para mais dados sobre a urbanização podemos recorrer a: MERRICK, Thomas. A População Brasileira a partir de 1945. In: BACHA, Edmar e Herbert Klein (Org.). A Transição Incompleta. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. vol. 1, pp. 31-72. 10 Disponível em: <http://seriesestatisticas.ibge.gov.br/series.aspx?vcodigo=CD91>. Acesso em: 07 fev. 2013. 30 Tabela 1 - Grau de Urbanização: Brasil (1950 - 2010) Brasil - 1950 – 2010 Anos População - Grau de Urbanização Urbana Rural 1950 36,16 63,84 1960 45,08 54,92 1970 55,98 44,02 1980 67,7 32,03 1991 75,47 24,53 2000 81,23 18,77 2010 84,36 15,64 Fonte: Disponível em: <http://seriesestatisticas.ibge.gov.br/series.aspx?vcodigo=CD91>. Acesso em: 07 fev. 2013. Na Região Centro-Oeste, mais especificamente no estado de Mato Grosso do Sul: Tabela 2 - Grau de Urbanização - Mato Grosso do Sul (1950-2010) Mato Grosso do Sul - 1950 – 2010 Anos População - Grau de Urbanização Urbana Rural 1950 36,7 63,3 1960 41,76 58,24 1970 45,53 54,47 1980 67,05 32,95 1991 79,44 20,56 2000 84,08 15,92 2010 85,64 14,36 Fonte: Disponível em: <http://seriesestatisticas.ibge.gov.br/series.aspx?vcodigo=CD91>. 31 Acesso em: 07 fev. 2013. É possível perceber em detalhes nesta tabela o grande salto de mais de 20% na população urbanizada no estado entre as décadas de 70 e 1980. Este número pode ser explicado em razão da organização do Estado de Mato Grosso do Sul, em 11 de Outubro de 1977. Com o desligamento do Estado de Mato Grosso, onde a capital ainda é Cuiabá, Campo Grande passa a ser a capital de Mato Grosso do Sul. Na cidade de Campo Grande, o processo de urbanização não é tão expressivo, a população rural nunca foi tão expressiva dentro de seu município, porém é possível perceber a quase nula presença de população rural no município de Campo Grande - MS. Tabela 1 - Grau de Urbanização - Campo Grande – MS (1970-2010) Campo Grande - MS (1970 - 2010) Anos População - Grau de Urbanização Urbana Rural 1970 93,51 6,49 1980 97,22 2,78 1991 98,59 1,41 2000 98,84 1,16 2010 98,66 1,34 Fonte: Disponível em: <http://seriesestatisticas.ibge.gov.br/series.aspx?vcodigo=CD91>. Acesso em: 07 fev. 2013. No caso de Campo Grande, as favelas não são verticais e as casas não são amontoadas uma em cima da outra, nas mesmas proporções de cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, até porque são cidades de populações bem maiores e uma extensão territorial menor. As populações mais carentes encontram sua moradia 32 também feita restos de madeiras, caibros e etc., e estão alocadas em locais distantes do centro, onde não há asfalto, saneamento básico, e em alguns casos, não há energia elétrica. O crescimento abrasivo das cidades trouxe sérias consequências para aqueles que vieram do campo e também para aqueles que nas cidades já estavam. Estes são desafios sintomáticos às igrejas inseridas nos centros urbanos. De início o desafio das cidades “é a construção de propostas concretas para superar dialeticamente os processos socioculturais desumanizantes construindo, igualmente, novas bases filosófico-científicas capazes de orientar um projeto emancipatório de sociedade” (ZITKOSKI, 2003, p. 1). Daqueles que vieram dos campos e das zonas ruraispara os grandes centros em busca de uma vida melhor, poucos estavam preparados e qualificados para trabalhar nos grandes centros. O índice de desemprego ainda é alto nas cidades, e um dos fatores é a falta de mão de obra qualificada. Com o desemprego formal, muitos partiram para os empregos informais; outros nem isso conseguiram e também não tiveram como voltar, seu destino é as calçadas e albergues das cidades e muitos desses rapidamente se encaminham para as drogas. Não é necessariamente verdade que estas sejam motivações para a entrada no mundo das drogas, mas o ambiente das ruas colabora significativamente, além do sentimento de fuga e falta de esperança, sentimento presente nestes que não conseguiram preencher suas expectativas nas cidades. 33 Figura 12 Favela no Bairro Cidade de Deus em Campo Grande – MS Fonte: Disponível em: <http://www.campograndenews.com.br/cidades/ms-e-o-2-estado-com- menos-favelas-sendo-3-na-capital-e-5-em-corumba>. Acesso em: 07 fev. 2013. Os agravantes problemas se avolumam na cidade. A saúde pública é precária e não dá conta de atender a toda população. De tempos em tempos, alguma epidemia castiga os habitantes das cidades, que correm para os postos de saúde, mas nem sempre conseguem ser atendidos, aqueles que são atendido não têm garantia de que terão à sua disposição remédios para o tratamento. Na cidade de Campo Grande, no mês de janeiro de 2013 houve a maior epidemia de dengue já registrada desde 2007. Só na cidade de Campo Grande, chegaram a 20 mil casos suspeitos11. Os fatores causadores, na maioria dos casos, são casas e terrenos abandonados na cidade, que juntam entulho e viram depósito para os insetos transmissores da dengue. O caso da moradia com as devidas condições de infraestrutura (saneamento ambiental, asfalto, iluminação, etc.) não atinge todas as camadas da população brasileira. Porém, nas cidades, as camadas com maior número de habitantes é que sofrem com este problema. É cada vez mais comum o surgimento e ampliação de favelas e bairros desprovidos de serviços públicos. Nestes casos, o acesso a 11 Disponível em: <http://g1.globo.com/mato-grosso-do-sul/noticia/2013/02/campo-grande-tem-quase- 20-mil-casos-suspeitos-de-dengue.html>. Acesso em: 07 fev. 2013. 34 transporte é difícil, as ocorrências de enchentes são frequentes etc. Outro agravante são as pessoas que não conseguem obter renda suficiente que possa ser destinada à habitação, e acabam utilizando as ruas da cidade como espaço de moradia. Outra grande dificuldade é com relação à segurança pública. Um dos problemas urbanos que mais preocupam a população atualmente são a violência, os roubos, assaltos e sequestros. Nesta característica, todos estão vulneráveis aos crimes que ocorrem, principalmente nas grandes cidades do Brasil. Diariamente, têm-se notícias de assassinatos, assaltos, sequestros, agressões e outros tipos de violência. Esse fato contribui bastante para que a população fique com medo, e o que é pior, muitos já não confiam na segurança pública. Os sentimentos de medo, insegurança e instabilidade estão presentes diariamente em todos que convivem nos meios urbanos. É importante salientar que urbanização e cidade são critérios e conceitos diferentes. O conceito de urbanização delimita o crescimento numérico que as cidades obtiveram com o êxodo rural. Mais do que isso, a urbanização faz jus ao modo de vida, ao jeito urbano de viver, aos significados e significantes que as pessoas que vivem nas cidades têm, ou seja, a cultura urbana. [...] há um modo de vida urbano que alcança, via meios de comunicação, os mais distantes rincões agrários. As pessoas e as mercadorias circulam desconsiderando os limites entre os espaços geográficos da cidade e do campo. A forma de produção e circulação de mercadorias se impõe ignorando fronteiras. A moda, por exemplo, alcança o mais distante interior através da televisão e da circulação da mercadoria, sendo aquela meio para esta (BOBSIN, 1995, p. 45). A cultura urbana então é a grande chave a ser percebida, estudada e analisada pela igreja, se quiser entender os grandes desafios urbanos no século XXI. As complicações iniciais já partem desta constatação de que estas conjecturas não estão presas geograficamente, mas adentram todos os espaços, sejam eles: urbanos, rurais, nacionais e a cada dia mais presente os espaços virtuais; o que se pode chamar por globalização12. A urbanização então vai englobar características de 12 Por globalização entendo ser o conceito de uma conversão do mundo em um macrossistema interligado de conceitos, valores, culturas, mercado etc. Cf. ORO, P. Ari e STEIL, A. Carlos. Globalização e Religião. 2. ed. São Paulo: Vozes, 1997. 35 desenvolvimento a partir da modernidade que abrange as vastas áreas do conhecimento, da economia, da política, da religião e da cultura. Os efeitos da globalização são vastos e numerosos, sendo possível somente a aproximação de alguns que se apresentam como mais complexos e densos. Pode- se começar pela perda de identidade gerada pela proximidade e mobilidade que a globalização tem proporcionado às pessoas no século XXI. Tanto em questões de transporte, quanto em questões virtuais, é possível chegar mais rápido e mais barato a lugares distantes do planeta. [...] o advento da modernidade arranca crescentemente o espaço do tempo fomentando relações entre outros „ausentes‟, localmente distantes de qualquer situação dada ou interação face a face. [...] o que estrutura o lugar não é simplesmente o que está presente na cena; a forma visível do local oculta relações distantes que determinam sua natureza (GIDDENS, 1991, p. 27 apud MOCELLIN, 2008, p. 12). O acesso à informação e a comunicação aproximam virtualmente as pessoas de lugares e logicamente de outras pessoas. Neste processo, a perda da identidade cultural vai-se intensificando e os símbolos culturais, assim como as características culturais que dão à pessoa o sentimento de pertença, se perdem. “Ao mesmo tempo a proximidade produz mimetismo nos consumos, principalmente nas sociedades que se esforçam por modernizar-se adotando o modelo ocidental” (PACE, 1997, p. 28 apud ORO, 1997, p. 32). Este mimetismo não se evidencia somente no consumo, na moda, mas também na moral, na ética e na religiosidade. Como fruto do que pode ser chamado de hipermodernidade13, como massificação dos primórdios da modernidade, as verdades absolutas guardadas pela tradição seja ela da igreja, da família e da sociedade vão ser colocadas em posição de questionamento. Visto que a pessoalidade e a individualidade são bandeiras levantadas nesta época para fortalecer a possibilidade do indivíduo de se encaixar em qualquer doutrinação que ele quiser ou criar a dele. Neste sentido, cada um pode ter a sua verdade, seus conceitos de moral e ética, é o que o autor Zygmunt 13 Para os conceitos de hiper e pós-modernidade ver os textos: A pós-modernidade e a sociologia. Disponível em: <http://www.usp.br/revistausp/42/01-gisela.pdf>. Acesso em: 07fev. 2013. 36 Bauman atribui o nome de Comunidade Cabide14. Aqui as identidades tornam-se volúveis e híbridas, mas em algum ponto precisam estar ligadas em alguma comunidade para se sentir pertencentes. Estas comunidades são estéticas e não devem oferecer vínculos duradouros para seus adeptos, muito menos qualquer tipo de responsabilidade ética ou religiosa. Devem ser como produtos que os consumidores veem, utilizam, consomem, mas podem se desfazer rapidamente. A grande movimentação dos adeptos religiosos dentro das comunidades, o trânsito religioso, pode ser facilmente detectado aqui. Não que seja a exata análise e definição, porém,pode ser um caminho de explicação. 1.3 AÇÃO SOCIAL O objetivo deste tópico é fazer aproximações conceituais ao termo Ação Social. É possível notar no próximo texto da pesquisa que ora utilizamos Ação Social, outras vezes Prática Social, tema também conhecido comumente como Assistência Social. Em busca de melhores definições, este tópico procura abranger os conceitos e aplicações destes para melhor utilização e entendimento do que se entende por ação social, e do que esta pesquisa entende por ação social. Sobre Assistência Social Hélcio Lessa (1963): Várias atitudes poderiam ser tomadas, pelos cristãos, ao tempo, para com as vítimas daquela hedionda instituição. A primeira seria estimular os indivíduos, e até mesmo organizá-los numa sociedade de benemerência, para levar água e pão aos negros açoitados que pendiam no pelourinho, tratando-lhes as feridas deixadas pela chibata. Seria um gesto nobre, e meritório, sem dúvida; oportuno, mas não satisfatório. Esta atitude tipifica o que poderíamos chamar de assistência social (LESSA, 1963, p. 11). Neste sentido, a assistência social fundamenta-se em uma ação simplista, o que poderia ser emergencial. Porém, deixa de ser emergencial quando as ações se remetem posteriores ao problema que o causou. A partir daí as ações não 14 Para o conceito de comunidade cabide ver: BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: a busca por 37 proporcionam nenhuma mudança no indivíduo, ou não é pensada a partir das reais necessidades do indivíduo, quando por vezes é chamada de assistencialista. Com relação à prática social, utiliza-se aqui o sentido das ações práticas da igreja na sociedade. As atividades eclesiásticas voltadas para a comunidade, para a sociedade, ou mesmo para a área pública da igreja. Sejam elas de caráter litúrgico, diaconal ou de comunhão, para os membros da igreja e aqueles que estão em volta da mesma. O princípio weberiano de que ações puramente repetitivas, sem sentido e de pura imitação não são ações sociais, é muito importante no contexto da pesquisa. Weber (1982) trabalha a estrutura do entendimento de ação social em quatro divisões: Ação social racional com relação a fins, Ação social racional com relação a valores, Ação social afetiva, Ação social tradicional. Na ação social racional com relação a fins, suas postulações são de que a ação social seja tida a partir dos valores do indivíduo sem pensar em consequências. Na ação social com relação a valores, há ações tomadas sob princípios éticos, não necessariamente relacionados ao fim. A ação social afetiva é motivada por sentimentos como raiva, rancor, paixão etc. Por último, o autor vai organizar a ideia da ação social tradicional, que está embasada nos costumes e tradições das culturas. Pode-se resumir que para Weber a ação social é aquela direcionada a outros. A partir desta explanação é possível uma aproximação do entendimento de ação social. A Ação Social é uma prática que se realiza de uma parte (agente) para outra. Ou seja, é uma atitude sobre a qual recai um desejo de relacionamento entre os agentes envolvidos. Como toda relação social, é determinada não só pelos resultados para o agente, mas também pelas consequências que podem ou não causar ao outro. Neste sentido, a ação social implica um planejamento, um estudo prévio das realidades do sujeito passivo da ação e uma análise dos resultados que esta ação pode gerar no indivíduo, lembrando que mesmo sendo em hipóteses, os resultados são planejados e esperados. segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: J. Zahar Editor, 2003. 38 Outra conceituação importante vem da autora Hanna Arendt em seu livro “A condição Humana” (1983), quando trata da ação, que em sua conceituação é vita activa (ARENDT, 2010 p.15). Na conceituação da autora, a vita activa corresponde a três atividades humanas fundamentais: labor, trabalho e ação. Assim ela define: [...] a ação, única atividade que se exerce diretamente entre os homens sem a mediação das coisas ou da matéria, corresponde à condição humana da pluralidade, ao fato de que os homens, e não o Homem, vivem na Terra e habitam o mundo (ARENDT, 2010, p. 15). Arendt (2010) faz uma colocação importante da centralidade da ação na vida humana. Sendo a ação a única forma de relacionamento entre os homens. Neste princípio, a Ação Social ganha uma conotação importante para ter espaço dentro das relações humanas, e também nas relações eclesiásticas. Ação aqui é trazer para existência o que antes não existia e não teria como existir se não fosse por meio desta ação, seja em palavra, seja em atos. A ação então só pode ser contemplada quando há possiblidade do mundo público, quando há possibilidade de singularidades, e neste sentido, utilizando as definições weberianas, a verdadeira ação também não está condicionada à tradição e aos costumes, pois neste sentido a ação é contemplada pela pluralidade dos indivíduos. A pluralidade humana é a condição básica da ação e do discurso, tem o duplo aspecto de igualdade e diferença. Se não fossem iguais, os homens seriam incapazes de compreender-se entre si e aos seus ancestrais, ou de fazer planos para o futuro e prever as necessidades das gerações vindouras. Se não fossem diferentes [...] os homens não precisariam do discurso ou da ação para se fazerem entender (ARENDT, 2010, p. 188). Ao trabalhar com esses dois conceitos, é possível ter não só uma noção como também um encaminhamento do que é a Ação Social e possivelmente sincronizar as conceituações afirmando que a Ação Social é uma atividade que relaciona os seres humanos, está embasada no outro e tem como fundamento os resultados que por meio desta relação possam ser alcançados. As particularidades são mantidas e observadas para que haja dignidade e eficácia na ação, providenciando interação e resultados agradáveis no outro indivíduo ou coletividade. 39 O autor Aguiar (2004) ainda ressalta uma importante colocação sobre a ação nas esferas do público e do privado, quando comenta as afirmações de vita activa de Hanna Arendt: Na esteira da visão grega antiga, Arendt entende vita activa relacionando-a às esferas nas quais estão localizadas as atividades humanas: a esfera privada e a pública. Aqui é preciso cuidado para não confundirmos essa conceituação com a abordagem liberal nem como possuindo características predicativas. A retomada da concepção antiga indica que esses conceitos possuem apenas valor heurístico, tentam apenas apresentar outra possibilidade de se pensar nos atuais modos de vida. Na abordagem liberal, o público não é o importante, vem pensado apenas como a serviço dos interesses privados. Na perspectiva antiga, a esfera pública é o espaço em que entram somente ações (praxis) e palavras (lexis) que dignificam o homem, que o tornam distinto do animal humano (AGUIAR, 2004, p. 9). Nesta abordagem, dois importantes fatores passam a necessariamente serem importantes para um entendimento esclarecido da Ação Social. Aqui ganham notoriedade a esfera pública, como lugar da ação e também o critério de uma ação embasada na práxis, conceito que será analisado abaixo. Nas colocações do capítulo anterior sobre a igreja e sua relação na sociedade moderna, chegou-se a percepção de que a igreja tem-se fechado em seus muros e guetos eclesiásticos, reservando suas ações para o privado. Tendência que não colabora para a realização da Ação Social, nos princípios que têm sido discutidos até o presente momento. A ação social expressa o desejo de Deus para a convivência humana e está no coração do homem como um dos valores em referência à semelhança com Deus. Seu objetivoé ajudar ou contribuir para que as outras pessoas possam viver com mais qualidade e com a mente liberada para se aproximar de Deus em incomodá-lo mais que o suficiente com a fonte que a ajudou (LUZ, 2006, p. 13). 40 1.4 AÇÃO SOCIAL A PARTIR DA PRÁXIS TRANSFORMADORA Tratar a ação social a partir da práxis transformadora é dar à Ação Social mais fomento para suas atividades transformadoras de indivíduos e de realidades. Há no ser humano uma capacidade de transformar realidades, de criar ambientes, de gerar possibilidades em todas as áreas da existência. Neste princípio é preciso fazer com que estas características do ser humano, tenham condições de expandir e ganhar materialidade em suas ações. A ação social a partir da práxis transformadora visa estes objetivos. A princípio é preciso fazer a distinção entre teoria e prática. A partir da construção de Arendt (2010), a ideia da teoria inicia-se com as construções filosóficas platônicas que contemplavam a vida contemplativa como o único modo de vida realmente livre. Neste estado, o ser humano com engajamentos políticos e fortes ligações com a vida terrena e as questões da polis grega começou a ser (re)significada para a vida contemplativa com o ideal na contemplação, ou seja, na teoria. [...] o primado da contemplação sobre a atividade baseia-se na convicção de que nenhum trabalho de mãos humanas pode igualar em beleza e verdade o cosmos físico, que revolve em torno de si mesmo, em imutável eternidade, sem qualquer interferência ou assistência externa, seja humana ou divina. Esta eternidade só se revela a olhos mortais quando todos os movimentos e atividades humanas estão em completo repouso. Comparadas a este aspecto da quietude, todas as diferenças e manifestações no âmbito da vida activa desaparecem (ARENDT, 2010, p.24). Este discurso filosófico da contemplação e sua superioridade à vida ativa encontrou um grande berço no cristianismo que se inicia. Com suas afirmações da primazia do outro mundo, com as alegrias plenas e suas infinitas „bênçãos‟, legitimou o discurso filosófico dando agora legitimidade religiosa à primazia da contemplação sobre a atividade e ação. Segundo Arendt (2010) a descoberta da contemplação (teoria) como faculdade humana coincidiu com as determinações hierárquicas do cristianismo entre a contemplação (teoria) e a vida activa (ação). 41 Como afirma Vázquez (1968) “o ser humano, na antiguidade, se faz a si mesmo se isentando de toda atividade prática material, separando a teoria, a contemplação, da prática” (VÁZQUEZ, 1968, p.17). É importante deixar claro que não há uma negativação da teoria, ela é importante, e tem seu lugar fundamental como será tratado logo adiante. Porém, da maneira como foi implementada no modo de vida dos indivíduos ela tem primazia e, às vezes, somente a teoria é contemplada. Neste sentido Vázquez (1968, p. 17) ainda afirma que “com platão a vida teórica, como contemplação das essências, isto é, a vida contemplativa (bios theoretikós) adquire uma primazia e um estatuto metafísico que até então não tivera. Viver, propriamente é contemplar.” Este embate histórico, como já foi afirmado, foi legitimado pelo discurso cristão e seu ideário teológico. Ainda hoje, esta ideologia continua permeando os ambientes religiosos cristãos, dando grande ênfase e notoriedade espiritual à contemplação, em detrimento da prática. Sobre a prática é importante fazer as devidas explanações. A prática enquanto ação transformadora vem do termo grego: praxis. Diferentemente da linguagem em português que traduz tudo enquanto prática, a práxis, se difere por não ser uma mera repetição, uma ação imitadora ou repetidora sem reflexão. Pela práxis, é possível a construção de realidades, ou a transformação de realidades. A práxis aponta novos caminhos, faz leituras hermenêuticas da realidade, apontando saídas e novas perspectivas. Neste sentido nem toda atividade é práxis (FLORISTÁN, 2002). A partir de Casiano Floristán, e seu texto Teología Práctica, é possível formular, com categorias teológicas, as afirmações filosóficas feitas até o momento. Para determinação de uma atividade da práxis, Floristán (2002, p. 180) organizou traços característicos da mesma: a. Ação criadora – a práxis criadora é inovadora frente às novas realidades, sendo necessário um grau de consciência crítica15. 15 Floristán faz análise dos termos consciência crítica e consciência comum, separando-os e conceituando-os. Para ele, a consciência comum é a consciência do senso comum, do grupo, da tradição, é a consciência que vem dos costumes pelos quais uma atividade sempre foi realidade. Em 42 b. Ação reflexiva – a superação da espontaneidade exige um alto grau de reflexão. Toda ação exige a reflexão permanente e crítica para traçar objetivos claros. c. Ação libertadora – a transformação das estruturas sociais é o fim de toda práxis, bem como a ação para promover a liberdade humana. d. Ação radical e não reformista – a práxis tem como objetivo transformar a organização em direção à sociedade, mudando as relações econômicas, políticas e sociais. Em Floristán, a práxis neste sentido é uma atividade que: cria, reflete, liberta e transforma realidades. Sua atividade não é imitativa ou mera repetidora da cultura, da tradição ou de costumes, mas com sua relação com a teoria, elaborando sempre uma consciência crítica, é capaz de transformar e libertar. Ainda assim, o autor afirma que “nem todas as práxis são legítimas” (FLORISTÁN, 2002, p. 182) no sentido que é necessário avaliar e criticá-las a partir de perspectivas diferentes como política, ideológica, religiosa e econômica. Logo, a teoria não é descartada. A teoria tem sua função e razão de ser, como afirma Floristán, ao pontuar que a tensão teoria/prática se estabelece mediante a reflexão e a ação. Entre a teoria e a prática existe uma tensão que ao trabalho de sustentação deve chegar a uma confluência, a uma síntese que sustente tanto a teoria quanto a prática. Silva (2009, p.61) afirma que “a práxis é, sim, uma ação transformadora [...] trata-se de uma ação objetiva que supera a crítica social teórica, apontando caminhos na história da humanidade para as questões da sociedade”. Sendo assim: [...] a práxis é, na verdade, atividade teórico-prática; isto é, tem um lado ideal, teórico, e um lado material, propriamente prático, com a particularidade de que só artificialmente, por um processo de abstração, podemos separar, isolar um do outro. Daí ser tão unilateral reduzir a práxis ao elemento teórico, e falar inclusive de uma práxis teórica, como reduzi-la a seu lado material, vendo nela uma atividade exclusivamente material. Por conseguinte, da mesma maneira que a atividade teórica, subjetiva, por si contrapartida a consciência crítica vem do estudo crítico, teórico, filosófico e científico buscando novos conhecimentos e entendimentos das realidades culturais, locais etc. para melhor atuação, e possibilidade de transformação de realidades (FLORISTÁN, 2002). 43 só, não é práxis, também o é uma atividade material do indivíduo, ainda que possa desembocar na produção de um objeto – como é o caso do ninho construído pelo pássaro – quando falta nela o movimento subjetivo, teórico, representado pelo consciente dessa atividade (VÁZQUEZ, 2007, p. 262). A partir destas colocações conceituais sobre a práxis, é possível ao horizonte ver o que seria uma Ação Social transformadora. Ela teria estes caracteres de relação teórico/prática, de reflexão das realidades envolvidas, dos instrumentos e ferramentas utilizadas na ação e os resultados previstos por meio
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