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LEGISLAÇÃO PENAL APLICADA Mariana Gloria de Assis C01_Principios_constitucionais.indd 18 13/04/2018 15:19:43 Os princípios constitucionais do direito penal e interpretação e integração da lei penal Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Analisar os princípios constitucionais aplicáveis ao direito penal. Compreender a interpretação e a integração da lei penal. Explorar a jurisprudência dos tribunais superiores acerca dos princípios constitucionais do direito penal. Introdução Neste capítulo, você vai estudar os princípios constitucionais aplicáveis ao direito penal — em boa parcela oriundos da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 —, seus conceitos e a sua aplicabilidade nos tribunais superiores. Além disso, você vai analisar os princípios enquanto normas gerais do direito — especificamente na qualidade de pilares dos direitos fundamentais — e a influência deles na estruturação da esfera penal de forma objetiva. Princípios constitucionais aplicáveis ao direito penal Princípios são pilares, normas de caráter geral aplicáveis a todas as áreas do direito. Possuem grande relevância enquanto normas de elevado grau de U N I D A D E 1 C01_Principios_constitucionais.indd 1 13/04/2018 15:19:38 joliveira Rectangle joliveira Rectangle generalidade e indeterminação, constituindo valores essenciais à perpetuação do Estado de Direito (NEGREIROS, 1998). O fundamento legal da existência dos princípios — no âmbito do direito brasileiro — está na Constituição da República de 1988 (CF), que dispõe (BRASIL, 1988): Art. 5° – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabili- dade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...] § 2° – Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem ou- tros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotado, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. Observe, a seguir, que alguns dos princípios têm mais de uma denominação. Isso ocorre por conta de sua apresentação — e da evolução de seu reconhecimento — pelas correntes doutrinárias brasileiras. Os princípios não são apenas lei, mas o próprio direito em toda a sua extensão e abrangência. Da positividade dos textos constitucionais al- cançam a esfera decisória dos arestos, constituindo uma jurisprudência de valores que determina o constitucionalismo contemporâneo, a ponto de fundamentar uma nova hermenêutica dos tribunais (ROSENVALD, 2005, p. 45-46). Alguns dos princípios apresentados, expressa e intrinsecamente, na imensa gama de direitos fundamentais do art. 5º da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) têm aplicação preponderante no âmbito do direito penal, como você pode ver a seguir. Princípio do Estado Democrático de Direito O Estado Democrático de Direito, estruturado no art. 1º da CF (BRASIL, 1988), proporciona a existência dos demais princípios. Isso porque, para além de proclamar formalmente o direito entre os homens, baliza a construção de uma sociedade livre, justa e solidária em prol do bem comum. 3Os princípios constitucionais do direito penal e interpretação e integração da lei penalOs princípios constitucionais do direito penal e interpretação e integração da lei penal2 C01_Principios_constitucionais.indd 2 13/04/2018 15:19:38 Princípio da legalidade É a base do ordenamento penal brasileiro. Nelson Hungria (1958-1959) ensina: O princípio da legalidade no direito penal é a premissa da teoria dogmático- -jurídica da tipicidade, de Ernest Beling: antes de ser antijurídica e imputável a título de culpa “sensu lato”, uma ação reconhecível como punível deve ser típica, isto é, corresponder a um dos “esquemas” ou “delitos-tipos” objetiva- mente descritos pela lei penal. Esse princípio compreende duas espécies de subprincípios: o da reserva legal, que é a necessidade de existir norma penal incriminadora prévia ao ato; e o da anterioridade, que fixa a validade das normas no tempo e no espaço (a irretroatividade da norma penal). Subprincípio da reserva legal Derivado do princípio da legalidade, restringe a criação legislativa — em decor- rência da competência exclusiva — da matéria penal às leis ordinárias e comple- mentares; não é possível que estados e municípios defi nam tipos penais. Assim dispõe a Constituição Federal (BRASIL, 1988): “Art. 5º – [...] XXXIX – não há crime sem lei anterior que o defi na, nem pena sem prévia cominação legal”. Só leis em sentido estrito podem definir tipos penais, os quais deverão ser precisamente delimitados, sem margens para interpretações subjetivas. Não é possível criar tipo penal aberto que permita a extensão da punibilidade à conduta diversa (nullum crimes, nulla pena sine lege). Há divergência doutrinária quanto a qual seria o liame diferencial entre o princípio da reserva legal e o da legalidade. Isso repousa no entendimento de que a diferença reside no fato de que, quando se fala do princípio da legalidade, estaria se permitindo a adoção de todos os diplomas elencados pelo art. 59 da Constituição Federal (emendas à Constituição, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos, resoluções) (BRASIL, 1988), quando na verdade a reserva da lei prevê tão somente a criação de normas penais por atos do Poder Legislativo. 3Os princípios constitucionais do direito penal e interpretação e integração da lei penalOs princípios constitucionais do direito penal e interpretação e integração da lei penal2 C01_Principios_constitucionais.indd 3 13/04/2018 15:19:38 Subprincípio da anterioridade Para a lei ser aplicada, é indispensável que esteja em vigor na data do fato. Só há crime existindo lei anterior que a defi na e prévia cominação; não há como exigir que o cidadão tenha conhecimento do potencial direito de unir do Estado. Subprincípio da taxatividade A consequência necessária do princípio da legalidade é a exigência de que o tipo penal seja claro, preciso e determinado, vedada a descrição generalista e a analogia. Considerando, por exemplo, a exigência de aplicabilidade do princípio da ampla defesa, é preciso que o tipo penal seja enunciado com todos os atributos essenciais da conduta humana para sua ocorrência. Princípio da irretroatividade da lei penal Considerando o disposto pelo subprincípio da anterioridade, a lei penal não retroage no tempo para aplicação de seus efeitos. Versa a CF (BRASIL, 1988): “Art. 5º – [...] XL – a lei penal não retroagirá, salvo para benefi ciar o réu”. Entretanto, se um ato ilícito for cometido durante a vigência da lei e quando da apuração de responsabilidades (processo penal sem trânsito em julgado) a norma for extinta ou perder sua eficácia, os efeitos do diploma poderão retro- agir para beneficiar o agente, com a mutação da ilicitude do ato. O objetivo é que não haja punição por um fato que, ao tempo da ação ou da omissão, era considerado atípico, por inexistir o incriminando (nullum crimen nulla poena sine lege praevia). Princípio da igualdade É expressamente regulamentado pela CF na qualidade de direito fundamental, no caput do art. 5º, sendo autoexplicativo (BRASIL, 1988): Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabi- lidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes [...]. 5Os princípios constitucionais do direito penal e interpretação e integração da lei penalOs princípios constitucionais do direito penal e interpretação e integração da lei penal4 C01_Principios_constitucionais.indd 4 13/04/2018 15:19:38 Princípio da dignidade da pessoa humana Juntamente ao princípio do Estado de Direito, encontra-se no art. 1º da CF (BRASIL, 1988).Não pode ser suprimido, é inerente ao ser e dele são deri- vados todos os princípios ligados aos direitos do cidadão (princípio vetor). A tipifi cação de condutas que venham a afrontar a dignidade da pessoa humana choca-se diretamente com os fundamentos do Estado Democrático de Direito. Daí a percepção de que o direito penal não deve ser dissociado de um contexto social, devendo antes da edição identifi car a legitimidade da norma penal. A pena limita-se à restrição da liberdade de ir e vir — não se trata de retirar os demais direitos fundamentais, é inaceitável tratar desumanamente o indivíduo pela transgressão do ordenamento penal. Princípio da presunção de inocência É um desdobramento do princípio da individualização da pena. Ele pretende evitar que uma mesma pena seja aplicada para todos os envolvidos no fato sem que seja analisada a efetiva participação de cada um. Conforme ensinamentos de Mirabete (1991): Existe apenas uma tendência à presunção de inocência, ou, mais precisamente, um estado de inocência, um estado jurídico no qual o acusado é inocente até que seja declarado culpado por uma sentença transitada em julgado. Por isso, a nossa Constituição Federal não “presume” a inocência, mas declara que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (art. 5º, LVII), ou seja, que o acusado é inocente durante o desenvolvimento do processo e seu estado só se modifica por uma sentença final que o declare culpado. O princípio da presunção de inocência remonta ao direito romano, foi consagrado pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, pelo Pacto Inter- nacional de Direitos Civis e Políticos, de 1966, e pela Convenção Americana de Direitos Humanos, de 1969. Portanto, trata-se de um princípio universal, alçado à natureza de direito fundamental. 5Os princípios constitucionais do direito penal e interpretação e integração da lei penalOs princípios constitucionais do direito penal e interpretação e integração da lei penal4 C01_Principios_constitucionais.indd 5 13/04/2018 15:19:39 Ferrajoli (2014) ensina: [...] se a jurisdição é a atividade necessária para obter a prova de que um sujeito cometeu um crime, dede que tal prova não tenha sido encontrada mediante um juízo regular, nenhum delito pode ser considerado cometido e nenhum sujeito pode ser reputado culpado nem submetido a pena [...] — postula a presunção de inocência do imputado até prova contrária decretada pela sen- tença definitiva de condenação. Trata-se, como afirmou Luigi Lucchini, de “um corolário lógico do fim racional consignado ao processo” e também “a primeira e fundamental garantia que o procedimento assegura ao cidadão: presunção juris, como sói dizer-se, isto é, até prova contrária”. A culpa, e não a inocência, deve ser demonstrada, e é a prova da culpa — ao invés da de inocência, presumida desde o início — que forma o objeto do juízo. Você deve notar que não se trata do princípio in dubio pro reo, aplicável somente durante a fase processual penal, ainda que derivado da presunção de inocência. Princípio da culpabilidade ou individualização da pena Esse princípio não consta de forma expressa na Constituição Federal, mas é derivado do princípio da dignidade da pessoa humana, tendo por objetivo a regulação da aplicabilidade da pena (BRASIL, 1988): Art. 5º [...] XLV – nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido. A aplicação da pena não deve ser padronizada, serão seguidas as disposi- ções legais comuns, observadas as circunstâncias individuais do agente e do fato em si. Mais do que isso, a pena não pode ser estendida a nenhum outro cidadão — seja por grau de parentesco, afinidade ou qualquer outra condição —, trata-se de instituto personalíssimo do autor do fato. Princípio da ampla defesa Tem relação direta com o princípio do contraditório e almeja o direito do acu- sado de dispor da melhor e mais completa defesa frente ao que lhe foi imputado. Abrange tanto a autodefesa quanto a defesa técnica — representação por meio 7Os princípios constitucionais do direito penal e interpretação e integração da lei penalOs princípios constitucionais do direito penal e interpretação e integração da lei penal6 C01_Principios_constitucionais.indd 6 13/04/2018 15:19:39 de defensor constituído com capacidade e conhecimento técnico. A ampla defesa compreende o conhecimento do inteiro teor da acusação, envolvendo defender-se, acompanhar a produção de provas, ser defendido por advogado e recorrer de decisão que lhe seja desfavorável. Nisso insere-se o dever do Estado de disponibilizar o acesso aos advogados (Defensoria Pública, defensor dativo ou ad hoc). Complementando, Nucci (2012) analisa que: A ampla possibilidade de se defender representa a mais copiosa, extensa e rica chance de se preservar o estado de inocência, outro atributo natural do ser humano. Não se deve cercear a autoproteção, a oposição ou a justificação apresentada; ao contrário, exige-se a soltura das amarras formais, porventura existentes no processo, para que se cumpra, fielmente, a Constituição Federal. Princípio do contraditório Está disposto juntamente ao princípio da ampla defesa na Constituição Federal da seguinte forma (BRASIL, 1988): Art. 5º [...] LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; Com isso não são admitidos processos secretos, de forma que todos têm direito à informação do disposto nos autos. Foi instituído na CF para atender ao anseio de uma sociedade abalada com os efeitos processuais da Ditadura Militar. Princípio da proporcionalidade Não consta expressamente na Constituição Federal, mas deriva da limitação das penas consideradas desumanas. É a máxima de que a pena aplicada deverá ser proporcional ao bem lesado e à sua reprovabilidade perante a sociedade. Art. 5º [...] XLVII – não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis [...] (BRASIL, 1988). 7Os princípios constitucionais do direito penal e interpretação e integração da lei penalOs princípios constitucionais do direito penal e interpretação e integração da lei penal6 C01_Principios_constitucionais.indd 7 13/04/2018 15:19:39 Princípio da subsidiariedade ou princípio da intervenção mínima Diante do impacto de uma medida penal na sociedade, o direito penal só será utilizado se o litígio não puder ser solucionado por outros meios (leia-se, outras áreas jurídicas). Seu fundamento é o disposto na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, que afi rma que a lei só deve prever a aplicação de penas estritamente necessárias para a manutenção da vida em sociedade. Ou seja, a esfera penal é a ultima ratio. Encontra-se inserido no caput do art. 5º (BRASIL, 1988), oriundo dos pressupostos do Estado Democrático de Direito. Princípio da adequação social Auxilia na modulação das penalidades de acordo com a aceitabilidade do tipo penal (ou da forma de sua ocorrência) pela sociedade. É possível que determi- nada conduta tipifi cada criminalmente seja parcialmente aceita pela sociedade (ações de legítima defesa) e que traços do mesmo tipo penal não o sejam (ação por motivo torpe). Observe que esse princípio tem como função dirigir a ação do legislador. Não é possível criminalizar uma conduta livremente aceita pela sociedade — porque os costumes também são fontes do direito — e, caso esteja tipifi cada, com a mudança de posicionamento, deve ser retirada. Um exemplo de crime que tende a ser extinto em razão da ampla aceitaçãosocial é a comercialização de produtos pirateados. Ainda que seja ilegal, grande parte da sociedade não reprova o ato e, inclusive, pratica-o principalmente na aquisição de produtos de mídia (CD, DVD, players e periféricos). Princípio do devido processo legal Esse é um diploma de presença constante nas constituições dos países democráticos. Dinamarco (1999) discorre sobre o princípio do devido processo legal: [...] importa ainda reafirmação da garantia de igualdade entre as partes e necessidade de manter a imparcialidade do juiz, inclusive pela preservação do juiz natural. Ela tem também o significado de mandar que a igualdade em oportunidades processuais se projete na participação efetivamente franqueada aos litigantes e praticada pelo juiz (garantia do contraditório, art. 5, inc. LV) [...]. Absorve igualmente a regra de que as decisões judiciárias não motivadas ou insuficientemente imotivadas serão nulas e, portanto, incapazes de preva- 9Os princípios constitucionais do direito penal e interpretação e integração da lei penalOs princípios constitucionais do direito penal e interpretação e integração da lei penal8 C01_Principios_constitucionais.indd 8 13/04/2018 15:19:39 lecer (a exigência de motivação: Const., art. 93, inc. IX [...]) e a de que, com as naturais ressalvas destinadas à preservação da ordem pública e da intimidade pessoal, os atos processuais deverão ser dotados de publicidade […]. Ainda é indispensável que você saiba que a aplicação desse princípio é garantida pelo respeito aos princípios da ampla defesa, da publicidade e do contraditório. Princípio da insignificância Estabelece que alguns fatos que estariam abrangidos pelo tipo penal, à pri- meira vista não possuindo qualquer (ou pouca) importância para a sociedade, devem ser relativizados pelo direito penal. É o caso dos chamados crimes de bagatela, que, diante do seu baixo grau de reprovabilidade social, têm inexpressiva lesão jurídica. Esse princípio é considerado uma causa supralegal de exclusão da tipicidade. Foi introduzido no sistema penal por Claus Roxin (1972), que afirmava que o direito penal não deve se preocupar com bagatelas ou condutas incapazes de lesar o bem jurídico tutelado. É vasta a jurisprudência que demonstra a atuação desse princípio nas diversas subáreas do direito penal (crimes ambientais, crimes da Lei de Tóxicos, crimes de fraude, crimes na esfera militar, etc.). O Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu vetores para aplicabilidade do princípio da insignificância para condutas tipificadas na Lei de Tóxicos (Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006), em um movimento de proteção e atendimento especializado aos usuários enquanto adictos, no HC 84.142/SP. A interpretação e a integração da lei penal Existem diversas correntes metodológicas para a interpretação da norma penal, mas é incontroverso que, ainda que o texto da lei seja claro, a neces- sidade de interpretá-lo é inerente à aplicabilidade do direito. A men legis (vontade da lei) é o objetivo pretendido pelo legislador com a instituição daquele tipo penal. 9Os princípios constitucionais do direito penal e interpretação e integração da lei penalOs princípios constitucionais do direito penal e interpretação e integração da lei penal8 C01_Principios_constitucionais.indd 9 13/04/2018 15:19:39 Segundo Rogério Greco (2016), “[...] interpretar é tentar buscar o efetivo alcance da norma. É procurar descobrir aquilo que ela tem a nos dizer com a maior precisão possível”. Ricardo Antônio Andreucci (2014) vê a interpreta- ção da lei penal como “[...] a atividade consistente em identificar o alcance e significado da norma penal”. Quanto à forma de interpretar É possível interpretar a lei de forma objetiva ou subjetiva, diferenciando-se de acordo com o sujeito que a interpreta e a forma de consolidar seu entendimento. Observe a Figura 1. Figura 1. Formas de interpretação. Espécies de interpretação Objetiva (voluntas legis) Subjetiva (voluntas legislatoris) Busca descobrir “a vontade da lei” Visa a alcançar a vontade do legislador A interpretação da lei quanto ao sujeito pode ser feita por três correntes, como você pode ver a seguir e na Figura 2. Autêntica: tem natureza obrigatória e realiza-se pela leitura fria da lei. Subdivide-se em contextual — focando no momento da edição do diploma legal — e posterior — com base em demais leis aprovadas após a norma interpretada. Doutrinária: elaborada por autores especialistas na área, mediante a emissão de opiniões e interpretações pessoais. Via judicial: é a forma com que os magistrados aplicam a lei diante de um caso concreto (consolida-se pela publicação de sentenças, acórdãos e súmulas pelo Poder Judiciário). 11Os princípios constitucionais do direito penal e interpretação e integração da lei penalOs princípios constitucionais do direito penal e interpretação e integração da lei penal10 C01_Principios_constitucionais.indd 10 13/04/2018 15:19:40 Figura 2. Interpretação da lei quanto ao sujeito. Quanto ao sujeito Autêntica Doutrinária Judicial Contextual Posterior Essa gama de métodos de interpretação existe em razão da impossibilidade de o legislador prever no texto legal todas as hipóteses de atos ligados ao tipo penal, o que exige uma verificação casuística. Nesse sentido, os resultados da interpretação podem ter viés declaratório (não há ampliação ou restrição da lei, é apenas a declaração de sua vontade); extensivo (alarga-se o objetivo legal para melhor compreensão de seu alcance); e restritivo (nos casos em que o texto é amplo, restringe-se o alcance da lei na busca de seu verdadeiro sentido). Observe, no Quadro 1, os meios que podem ser empregados na interpre- tação das normas. Meios empregados Literal (gramatical) Área exclusiva do significado das palavras. Sistêmico Análise do dispositivo dentro do sistema legal inserido. Histórico Observação do contexto temporal de quando a norma foi editada, identificando a necessidade social do período. Teleológico Interpretação da finalidade da lei e de seu objetivo social. Quadro 1. Meios de interpretação. E, por fim, tem-se a interpretação da norma conforme o disposto na Constituição Federal, que é hierarquicamente superior aos demais diplomas 11Os princípios constitucionais do direito penal e interpretação e integração da lei penalOs princípios constitucionais do direito penal e interpretação e integração da lei penal10 C01_Principios_constitucionais.indd 11 13/04/2018 15:19:40 normativos. Atua-se com base na concepção penal garantista, aplicando-se os princípios como limitadores dessa interpretação. O garantismo é uma corrente doutrinária de interpretação da norma penal vinculada aos ideais do Estado Democrático de Direito, tendo sido criada por Ferrajoli (2014) na obra Direito e razão: teoria do garantismo penal. Recentemente, o STF trouxe novamente à tona a discussão sobre a extensão dos efeitos do princípio da presunção de inocência, cuja aplicabilidade frente à execução da pena já havia sido assim manifestada (BRASIL, 2016): CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PRINCÍ- PIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (CF, ART. 5º, LVII). ACÓRDÃO PENAL CONDENATÓRIO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. POSSIBILIDADE. REPERCUSSÃO GERAL RE- CONHECIDA. JURISPRUDÊNCIA REAFIRMADA. 1. Em regime de repercussão geral, fica reafirmada a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau recursal, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio cons- titucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal. 2. Recurso extraordinário a que se nega provimento, com o reconhecimento da repercussão geral do tema e a reafirmação da jurisprudência sobre a matéria. A jurisprudência dos tribunais superiores e a interpretação dos princípios constitucionais penais Quando você analisar a formacom que o direito penal é aplicado pelo Poder Judiciário brasileiro, perceberá uma série de lacunas legais. Assim, é impor- tante você notar que o Código Penal Brasileiro foi publicado 40 anos antes da Constituição Federal, tendo sido recepcionado por esta — em que pesem alterações pontuais feitas por instrumentos próprios —, o que consolidou traços da aplicabilidade da norma penal. 13Os princípios constitucionais do direito penal e interpretação e integração da lei penalOs princípios constitucionais do direito penal e interpretação e integração da lei penal12 C01_Principios_constitucionais.indd 12 13/04/2018 15:19:40 No link a seguir, você encontra jurisprudência em teses do Superior Tribunal de Justiça – direito penal. https://goo.gl/FE5XgL. Diversas são as súmulas e súmulas vinculantes existentes no STF sobre os princípios constitucionais penais. Veja (BRASIL, c2018): (Princípios da Ampla Defesa e do Contraditório) SÚMULA 704 — Não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal a atração por continência ou conexão do processo do corréu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados. Sessão Plenária de 24/09/2003 (Princípio da Proporcionalidade) SUMULA 718 — A opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada. Sessão Plenária de 24/09/2003 (Princípio da Proporcionalidade) SÚMULA 719 — A imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea. Sessão Plenária de 24/09/2003 (Princípio da Dignidade da Pessoa Humana) SÚMULA VINCULANTE 11 — Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado. O subprincípio da reserva legal, vinculado ao princípio da legalidade, assevera que só podem ser tipificadas condutas que efetivamente coloquem em risco a existência da coletividade. Isso é uma forma de interpretação da norma penal objetiva, estando ligada à vontade da lei. CONTRAVENÇÃO PENAL. “Jogo do bicho”. Reprovabilidade não inserida na consciência popular. Efeito repressivo que não atende à necessidade social. Absolvição decretada. Inteligência dos arts. 58 da Lei das Contravenções Penais e 386, VI, do CPP (TACrimSP, RT 606/334) (SÃO PAULO, c2018). 13Os princípios constitucionais do direito penal e interpretação e integração da lei penalOs princípios constitucionais do direito penal e interpretação e integração da lei penal12 C01_Principios_constitucionais.indd 13 13/04/2018 15:19:40 https://goo.gl/FE5XgL. No mesmo sentido, o princípio da irretroatividade da lei penal exige vigência da lei na data do fato para que ele seja punível. Se um ato é cometido em 1º de março e a norma penal incriminadora só passa a ter vigência e aplicabilidade em 3 de março, o fato não estará revestido de ilicitude. Da mesma maneira, a norma penal descriminalizadora poderá retroagir seus efeitos para beneficiar o réu. Resta consolidado o entendimento de proibição da analogia para criar, fundamentar crime ou agravar penas (nullum crimen nulla poena sine lege stricta). Veja: RT 667/280 — TJSP — ENTORPECENTE — Semeadura, cultivo ou colheita de planta destinada à sua preparação — Reduzida quantidade da droga a ser obtida, suficiente apenas para uso próprio — Conduta não tipificada na Lei 6.368/76 — Ação de caráter distinto que não pode ser equiparada à descrita no art. 12, § 1.º, II, que a liga ao fim de tráfico, nem à prevista no art. 16, relativa à posse para uso próprio — Inaplicabilidade da analogia “in bonam partem” para criar figura delitiva não prevista expressamente ou sanção penal que o legislador não haja estatuído — Absolvição decretada — Aplicação do princípio da legalidade (art. 5.º, XXXIX, da CF) (SÃO PAULO, c2018). O princípio da proporcionalidade é amplamente aplicado em demandas que tratam do cumprimento da pena e de outras situações processuais penais: Descumprimento do princípio da dignidade da pessoa humana — possibilidade de prisão domiciliar na falta de albergue para cumprimento da sua pena no regime semiaberto (BRASIL, 2008). Por sua vez, o princípio da insignificância (bagatela) tem interpretação flutuante na jurisprudência, não havendo um percentual, número ou balizador de que resta enquadrado como “crime insignificante para a sociedade”. Há exemplos tanto de aplicação como de vedação ao uso do princípio, diretamente atrelados ao entendimento do princípio da adequação social (BRASIL, 1994): Mercadoria importada e apreendida no valor irrisório de US$ 398,00 dólares. A Instrução Normativa 30, do DPRF, de 13.05.91, estabeleceu ao regime de importação de mercadoria estrangeira limite de isenção fiscal no patamar de US$ 250,00 dólares dos EEUU, por pessoa. Evidencia-se que o total da mer- cadoria estrangeira ultrapassa de maneira insignificante o limite de isenção fiscal estabelecido pela legislação vigente. Aplicação, no Direito Penal, do princípio da insignificância. Delito de descaminho não configurado. 15Os princípios constitucionais do direito penal e interpretação e integração da lei penalOs princípios constitucionais do direito penal e interpretação e integração da lei penal14 C01_Principios_constitucionais.indd 14 13/04/2018 15:19:41 Considere também o seguinte (SÃO PAULO, c2018): “A insignificância das lesões corporais não pode ser utilizada como justificativa para se deixar de aplicar a Lei Penal, pois a integridade física é bem maior contra a qual nenhuma ofensa deve ser tolerada” (TACRIM-SP – Ap. – Rel. Almeida Braga – RJD 28/173). Veja o que afirma a Súmula nº 722 do STF (BRASIL, c2018): “São da competência legislativa da União a definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respec- tivas normas de processo e julgamento” (sessão plenária de 26 de novembro de 2003). 1. Quais subprincípios derivam do princípio da legalidade? a) Bagatela, garantismo e insignificância. b) Contraditório, ampla defesa e reserva legal. c) Contraditório, devido processo legal e anterioridade. d) Anterioridade, taxatividade e reserva legal. e) Reserva legal e irretroatividade da lei penal. 2. Selecione a alternativa correta sobre princípios e subprincípios. a) Reserva legal: restringe ao juiz a possibilidade de julgar crimes. b) Insignificância: não é princípio, é construção jurídica. c) Subsidiariedade ou intervenção mínima: o direito penal só deve ser usado como última hipótese para solução de um litígio. d) Contraditório: direito de escolher por quem será julgado. e) Culpabilidade: até serem declarados culpados, todos são inocentes. 3. O que é interpretar a lei? a) É buscar saber o efetivo alcance da norma. b) É a leitura fria da lei por autores especialistas da área. c) É analisar a lei dentro do sistema inserido com apuração do significado das palavras. d) É realizar análise exclusiva do significado das palavras. e) É buscar alargar o conteúdo constitucional, enquanto hierarquicamente inferior. 4. O princípio da irretroatividade da lei penal admite exceção? a) Não. b) Sim, quando o agente do fato é menor de idade. c) Sim, quando o agente do fato é maior de 60 anos. 15Os princípios constitucionais do direito penal e interpretação e integração da lei penalOs princípios constitucionais do direito penal e interpretação e integração da lei penal14 C01_Principios_constitucionais.indd 15 13/04/2018 15:19:42 d) Sim, quando a lei modificada após o ocorrido pode beneficiar o réu. e) Somente nos casos in bonam partem. 5. No art. 5º, LVII, a CF (BRASIL, 1988) dispõe: “[...] ninguém será consideradoculpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Sobre esse princípio, qual das alternativas é a correta? a) Recentemente o STF mudou de posição, dizendo que o réu só será preso depois do trânsito em julgado do processo. b) Ao réu incumbe o ônus da prova. c) É um princípio previsto na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão. d) É chamado de princípio da não culpabilidade. e) É conhecido como princípio da ampla defesa. ANDREUCCI, R. A. Manual de direito penal. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 14 dez. 2016. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmulas. Brasília, DF: STJ, c2018. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Jurisprud%C3%AAncia/ S%C3%BAmulas>. Acesso em: 25 mar. 2018. BRASIL. Superior Tribunal Federal. Informativo STF, Brasília, DF, n. 512, 23-27 jun. 2008. Disponível em: <www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo512. htm>. Acesso em: 12 abr. 2018. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Repercussão geral no recurso extraordiná- rio com agravo 964.246 São Paulo. Relator: Ministro Teori Zavascki. DJe, 251, 25 nov. 2016. Disponível em: <http://stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor. asp?numero=964246&classe=ARE-RG>. Acesso em: 11 abr. 2018. BRASIL. Tribunal Regional Federal. TRF 5ª Reg., Ap. 94.05.24574-0. Relator: Dória Fur- quim. DJU, 02 dez. 1994. DINAMARCO, C. R. A instrumentalidade do processo. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. FERRAJOLI, L. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. GRECO, R. Código penal comentado. Niterói: Impetus, 2016. HUNGRIA, N. Comentários ao código penal: decreto-lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958-1959. 17Os princípios constitucionais do direito penal e interpretação e integração da lei penalOs princípios constitucionais do direito penal e interpretação e integração da lei penal16 C01_Principios_constitucionais.indd 16 13/04/2018 15:19:43 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Jurisprud%C3%AAncia/ http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo512. http://stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor. MIRABETE, J. F. Processo penal. São Paulo: Atlas, 1991. NEGREIROS, T. P. A. T. Fundamentos para uma interpretação constitucional do princípio da boa-fé. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. NUCCI, G. S. Princípios constitucionais penais e processuais penais. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. ROSENVALD, N. Dignidade humana e boa-fé no código civil. São Paulo: Saraiva, 2005. ROXIN, C. 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