Buscar

ANA PAULA TAVARES

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 5 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

#59
Seja bem-vindo ao Literatura Oral, podcast de leitura comentada e de sugestões literárias.
Eu sou Sabrina Siqueira, jornalista com doutorado em literatura.
Como é que vocês estão? Tudo bem por aí, na medida do possível? Mais importante: tão conseguindo fazer o número 2 direitinho? Vocês veem a importância que tem a pessoa conseguir fazer o número 2, sério mesmo. Ás vezes uma pessoa tá cometendo atrocidades, mostrando o pior lado que um ser humano pode ter e vai ver, era coco mal resolvido. To falando do Naro, sim, o narrow. Aquele que desejou a morte de outros ex-presidentes, disse que a ditadura matou pouco, que o erro da ditadura militar foi torturar e não matar, disse que prefere filho morto a gay, colaborou pra muita morte sendo negligente com a compra de vacinas pra covid e estimulando a população a fazer tratamento precoce ineficaz. Esse mesmo. A gente já sabia que ele tinha merda até saindo pela boca, só não sabia que era doença. Bom, que tenha saúde pra se recuperar e pagar pelos seus crimes e maldades vivo. Que não se torce pela morte de ninguém. Diferente dele, este podcast é pró vida. 
Este é o episódio que fecha 1 ano do Literatura Oral. Próximo dia 21 de julho faz 1 ano que postei o primeiro episódio, com Machado de Assis. O meu podcast não virou o sucesso que eu acreditei que ele poderia ser, teve poucas reproduções e é bem desgastante ter trabalho, caprichar na pesquisa, se dedicar pra um trabalho que muitas vezes tem uma ou duas reproduções em cada episódio. Mas eu vou continuar fazendo, vou manter a qualidade de pesquisa que eu procuro entregar, continuar estimulando a leitura crítica a partir desse trabalho. Só vou desencanar agora de ter reproduções. E agradeço muito pelo apoio que tive até aqui, da minha mãe que divulga, dos amigos e ouvintes que já escutaram algum episódio e me retornaram palavras de incentivo. 
No último episódio, sugeri o romance Um dia, de David Nicholls. Da Inglaterra vamos dar um salto pra Angola, na África. Hoje eu recomendo uma autora angolana, que é contista, poeta, historiadora e professora: Ana Paula Tavares. Ela é doutora em História de Angola e mestre em Literatura Brasileira e Literaturas Africanas. 
vinheta
Primeiro é sempre bom a gente pensar na diversidade que é a África, porque diferentes colonizadores europeus exploraram o território de forma a dividir as culturas. Então de acordo com o país europeu que explorou o continente durante o século XVI é o idioma oficial das suas ex-colônias agora. Angola está no rol dos países que foram dominados por Portugal, então tem o português como idioma oficial. Assim como Moçambique e Cabo Verde. Mas assim como todos os países africanos, essas regiões eram povoadas por diferentes tribos antes da chegada dos exploradores, e falavam seus próprios dialetos, alguns deles com sistema de escrita e muitos ágrafos. Nessas culturas sem escrita a oralidade era muita desenvolvida, o contar histórias de uma geração a outra. Angola tem uma tradição oral forte e Ana Paula Tavares retoma em sua narrativa essas histórias que escutava quando menina. 
Ela nasceu em 1952, em Lubango, província da Huíla, que fica ao sul do país. Foi criada por padrinhos. Ela mora em Portugal desde a década de 1990 e leciona na Universidade Católica de Lisboa. 
Angola é um país no sudoeste da África, cuja capital é Luanda. É um país com uma rede hidrográfica rica e esses rios aparecem com frequência na literatura, tanto de Ana Paula Tavares como de outros autores, como Luandino Vieira e Pepetela. Inclusive a crônica de Ana Paula que vou ler está em livro que tem a palavra “rio” no título, porque essa palavra é muito significativa em Angola. O livro é Um rio preso nas mãos. 
Ana Paula faz referência em entrevistas às mulheres da sua terra. Mulheres que, não sabendo ler, contavam muitas coisas, coisas das memórias das famílias, das linhagens, das ligações familiares, das origens. Criavam eco, e quando a poeta começa a escrever ela vai à procura desse eco. É uma escritora que valoriza muito a oralidade da sua gente, da sua cultura. 
Ela fala também de uma época em que Portugal impunha a língua portuguesa na colônia e todas as outras eram consideradas não línguas. Então ela ouvia muitas dessas mulheres sem entender, porque foi educada na língua portuguesa, mas de certa forma ela intuía aquela oralidade. Aquelas narrativas diziam algo, que ficou impresso na alma da criança que foi Ana Paula. Ela considera que deve a mulheres não letradas, não alfabetizadas formalmente, sua vontade de continuar a contar histórias de sua terra. Recontar esse eco que ficou em seus ouvidos e ressignificar a oralidade como matéria-prima de sua poesia.
Um aspecto interessante da oralidade em Angola são os Griots. Griots são idosos que conservam a memória coletiva na sociedade de cultura oral. Daí dizer-se que “na África, quando morre um ancião é uma biblioteca que desaparece”. A figura do griot tem importância na conservação da palavra, da narração, do mito. Por meio da oralidade repetem para as gerações o que consideram que deve permanecer na memória e no coração dos familiares e conterrâneos, no sentido de manter gravada na memória deles a identidade do seu ser e de suas raízes, fundamentada em grande parte no passado e nos ancestrais. Os griots são os guardiões, interpretes e cantores da história oral de muitos povos africanos, sendo que de um lugar para outro do continente muda o nome com que são conhecidos. Eles possuem função social, que é a da manutenção da memória coletiva. 
Não tenho como não associar com os bardos da Irlanda e do Reino Unido. Os druidas e bardos condensavam as funções de compositor, instrumentistas, seres letrados e cultos que exerciam atividade cultural, comunicativa e de entretenimento, viajando pelos vilarejos e castelos do território das ilhas inglesas, durante o medievo. É interessante que muda o lugar, mas o trabalho desses narradores da oralidade é geralmente associado à música, porque uma forma de decorar e contar as histórias era por meio de canções. Essas personagens da narrativa oral muito provavelmente se repetem em diferentes culturas ágrafas ou com pequeno número de indivíduos letrados. Talvez os índios das Américas tenham tido também seus sábios contadores de histórias que deviam ser mantidas vivas no passar das gerações. 
Anotações
Hoje eu vou ler a crônica “A carta secreta de Ananapalavra ou A morte dos poetas”, de Ana Paula Tavares. Esse texto está em Um rio preso na mãos, livro de crônicas da autora, publicado pela editora Kapulana, em 2019. O “Ana na palavra” do título, é escrito junto, formando uma palavra, como que inscrevendo o primeiro nome da autora, Ana, inscrevendo sua identidade na palavra, literalmente. Ananapalavra também nomeia a primeira parte do livro e é um neologismo que aparece no título de outras crônicas da autora. 
Vamos à leitura:
Vinheta
Hoje eu li a crônica “A carta secreta de Ananapalavra ou A morte dos poetas”, de Ana Paula Tavares. Esses textos da autora foram publicados originalmente no jornal online Rede Angola, e em 2019 foram compilados no livro Um rio preso nas mãos, com 38 crônicas.
A crônica é uma carta a uma filha. Eu não encontrei muito sobre a vida pessoal da Ana Paula, não sei a crônica foi escrita para uma filha dela. Mas mesmo que tenha sido, acredito que podemos ler como uma carta da mãe terra a uma filha mulher, da terra que desconhece as fronteiras criadas pelo homem e dá conselhos às mulheres, suas filhas. Ou ainda, da África para suas filhas mulheres. Bem no início essa mãe que é a remetente da carta diz que deixou para a filha os instrumentos de escrita: água, carvão, cinzas, penas. E que ensaiou o corpo como suporte da escrita, que eu entendo como a possibilidade de escrever na terra. Eu escolhi ler num sussurro porque pra mim a terra não grita, quem grita é o homem com suas guerras, sua demarcação de fronteiras. Mas a terra sussurra, e pra escutar há que parar e querer ouvir. 
Mesmo nas crônicas, a escrita de Ana Paula Tavares é super poética. Em entrevista, a autora falaque pra ela a poesia era remédio para enfrentar situações da vida, dores da alma, era uma forma de encantamento. Os assuntos das crônicas vão de autobiografia e escrita ficcional a crítica sociopolítica, mitologias africanas, oralidade, cultura Angolana e sobretudo as mulheres de Angola. 
Ana Paula conta que quando começou a ter contato com literatura, em Angola, era com livros portugueses e brasileiros que a censura portuguesa permitia entrar no país. Mas que ela descobriu que nas bibliotecas de algumas casas havia uma segunda fila de livros, que eram os conseguidos clandestinamente, driblando a censura, e esses eram muito interessantes, e ali naquela segunda fila ela acabou conhecendo Jorge Amado e Graciliano Ramos. E ela cita como influências importantes para a sua escrita, que nem teria escrito nada se não tivesse lido as brasileiras Clarice Lispector e Ana Cristina Cesar. Cita também Paulo Freire, que usavam o método dele para alfabetizar, enquanto estavam atentos aos protestos de independência e liberdade pelo mundo. Enquanto dava aula ela ia escrevendo. Ela diz que o que predominava na literatura angolana era o engajamento, e a poesia dela não era muito alinhada a esse comprometimento político, era mais subjetiva, mas ela dava aula, ajudava a politizar as pessoas e estava atenta ao que se passava com as mulheres de sua terra. Acho tão bonito ela dizer que antes de ser uma nação, Angola foi uma invenção literária, porque durante os anos de revolução os escritores escreviam sobre a Angola que queriam. 
Na crônica que eu li, a autora apresenta o desejo de superação de uma cartografia comum da terra, feita com escalas e medidas estabelecendo linhas frias, e propõe um mapa afetivo, feito de silêncios e subjetividade. 
Uma característica da escrita dela é a referência ao corpo. Em entrevista, a autora fala que quando escrevemos o corpo inteiro participa. E essa presença do corpo está referenciada na crônica que li hoje. O corpo como testemunha de uma trajetória de vida, com marcas, cicatrizes, anúncios de uma individualidade. 
A independência de Angola contou com o engajamento de muitos escritores, e Ana Paula Tavares foi uma dessas vozes politizada. Acontece uma aproximação entre Angola e Brasil depois da nossa independência, em 1822. Angola importava nossas revistas, novelas, música nas rádios, enfim. Com a independência brasileira, Angola se torna a colônia portuguesa mais viável. A independência de Angola aconteceu somente em 1975, depois de anos de revolução. 
Na minha pesquisa para escrever o roteiro deste episódio, um dos textos que eu li foi a dissertação “Pela poesia de Ana Paula Tavares: vozes e ecos de Angola em África”, de Mara Regina Avila de Avila, defendida na Furg, em 2010. E também assisti a uma entrevista da escritora para o canal do youtube Bondelê. 
Hoje eu li a crônica “A carta secreta de Ananapalavra ou A morte dos poetas”, da escritora angolana Ana Paula Tavares. Deixo essa escritora como sugestão literária, para que tu conheça mais sobre a literatura africana de língua portuguesa. 
Fiquem bem e até o próximo episódio do Literatura Oral!

Continue navegando