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ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Prof. DR. TIAGO VALENCIANO PREVIATTO AMARAL 005 Aula 01: 013 Aula 02: 022 Aula 03: 032 Aula 04: 040 Aula 05: 054 Aula 06: 062 Aula 07: 071 Aula 08: 081 Aula 09: 089 Aula 10: 096 Aula 11: 105 Aula 12: 114 Aula 13: 120 Aula 14: 127 Aula 15: 134 Aula 16: O Estudo das Ciências Sociais Ambiente para a Formação da Sociologia: A Revolução Industrial e a Revolução Francesa Auguste Comte e os Primórdios da Sociologia Émile Durkheim e o Fato Social Max Weber e o Tipo Ideal Karl Marx e o Materialismo Histórico Os Clássicos Ainda Importam? Sociologia de Pierre Bourdieu A Sociologia no Século XX A Nova Fase da Sociologia O Processo de Socialização e o Multiculturalismo Transformações Sociais Mundiais A Globalização e Pós-modernidade Desigualdade Social no Brasil e no Mundo O Processo Doença-Saúde e os Fatores Sociais Temas Atuais e Relevantes para a Sociologia 2 Introdução Caro(a) aluno(a), este livro didático da disciplina “Sociologia” tem por objetivo geral fornecer subsídios para responder à seguinte questão: qual é o papel e a importância de estudarmos a Sociologia em um curso superior? Tal pergunta surge como uma espécie de guia que irá balizar os temas e conteúdos aqui apresentados. Mais do que fazer uma defesa da relevância desses conhecimentos, o livro pretende aguçar a sua consciência crítica, dialogando com questões fundamentais para a compreensão do convívio do homem em sociedade e na sociedade, além das interfaces assumidas pelo sujeito em relação à cultura e ao comportamento em nosso meio social. Imagine que em uma rua, ao ser visualizada pela televisão, existem várias pessoas caminhando. Ao observarmos atentamente, cada uma tem uma expressão facial diferente: algumas estão serenas, outras preocupadas, outras sorrindo. Os pensamentos também são os mais diversos: o retorno do trabalho para casa, a ida até a universidade, o cuidado com os �lhos quando chegar em casa e o encontro marcado com seu amor. Observe que os indivíduos possuem suas particularidades e peculiaridades. Quando essas características individuais são confrontadas com ideias distintas (que não são as nossas), normalmente há um embate de argumentos. É assim que começa a disputa pelas posições sociais existentes em nossa sociedade. Neste exercício de visualização das disputas em sociedade, é possível re�etir como cada indivíduo possui um papel diferente, uma importância distinta em nossa sociedade. Deve-se atentar também para o fato de que esse universo social exige que esses papéis sejam cumpridos. Dessa forma, na falta daquele que exerce determinada função social, essa �cará desprovida. Além das disputas individuais em sociedade, os embates pela aceitação da sociedade de cada indivíduo também são intensos. A partir dessa “disputa” entre a visão do homem e seu comportamento em sociedade é que surgiu uma das áreas de conhecimento que serão exploradas neste livro: a Sociologia. 3 As aulas a seguir contemplarão uma viagem pela Sociologia e sua história. Os chamados “autores clássicos” terão suas ideias apresentadas e analisadas, como Auguste Comte, Émile Durkheim, Max Weber e Karl Marx. O balanço dessa miscelânea de propostas é a viagem pela Sociologia, passando pela barreira da modernidade e atingindo a pós-modernidade. Adiante, vamos discutir se os clássicos da Sociologia ainda têm peso na atualidade, além de abordar um interessante autor, que é quase uma unanimidade na pauta dos assuntos da Sociologia e da Educação: Pierre Bourdieu. Um enfoque ainda será inserido em relação às questões da transição da Sociologia entre os séculos XIX e XX, vez que muitos alunos (as) imaginam que a disciplina terminou com os autores chamados “clássicos”. Por �m, as aulas �nais tratarãosobre a importância da crítica no universo do conhecimento, que perpassa, sob nosso olhar, a intervenção causada pela globalização e pela modernidade. Essa crítica é papel fundamental da Sociologia, que auxilia no conhecimento de nossa sociedade e das interações sociais estabelecidas, o que poderá determinar a presença do homem em/na sociedade da maneira que visualizamos na atualidade. Além disso, questões relacionadas à saúde e à Sociologia na atualidade determinam a �nalidade do livro. Nossa trajetória procura, neste sentido, demonstrar que a Sociologia é uma área que dialoga com diversos ambientes pro�ssionais e, principalmente, que a disciplina não é um espaço vago de conhecimento humano: a�nal, todos nós vivemos em uma sociedade, nos relacionando diariamente com seres humanos. Nada melhor do que esta disciplina para demonstrar como é complexa a manutenção das relações sociais. 4 01 O Estudo das Ciências Sociais Se utilizarmos a tática de separar o nome “Ciências Sociais”, teremos um paradoxo na construção desse conceito. A ciência é uma forma de organizar sistematicamente o conhecimento adquirido, ou seja, de dispor algo que aprendemos ordenadamente para que esse “novo” conhecimento possa ser facilmente entendido. É também uma forma de pensar e agir, isto é, algo que pensamos e fazemos de determinada maneira. Essa forma de analisar o que é a ciência também nos faz compreender o que ela aponta. Em geral, a palavra “ciência” tem relação com a pesquisa e com a descoberta de novos conhecimentos, que serão posteriormente utilizados em nosso cotidiano. Qual é, porém, a necessidade de haver uma Ciência Social, um conhecimento da sociedade e sobre ela? É justamente neste ponto que o paradoxo citado acontece. A sociedade é um grande corpo em movimento. Tal qual uma máquina em que cada peça é responsável por efetuar determinada função, ela possui seus vícios e virtudes, suas vantagens e desvantagens, que estão presentes invariavelmente em qualquer uma das áreas. Se, por um lado, uma área pode ser muito especializada em fabricar produtos de madeira, a outra pode ser primaz na elaboração de material em plástico. Observe que as especialidades fazem com que a sociedade seja formada e moldada de acordo com o interesse de cada ser que a integra. Nota-se, ainda, que a sociedade é dinâmica, que se inventa e reinventa a cada novo produto, nova moda, nova forma de aprendizado e de trabalho ou, ainda, a cada novo século. Por esse caráter — de permanente mudança social construída diariamente — é que o paradoxo se estabelece: ao passo que a ciência é �xa, com sua metodologia bem delimitada e que busca um “padrão” de comportamento e atitude para que se obtenha um resultado, a sociedade se move, sendo construída diariamente por todos nós. Portanto, �ca o questionamento: como se podem tirar leis gerais a partir do conhecimento cientí�co para a compreensão da sociedade? 6 Esse é o desa�o das Ciências Sociais desde sua gênese: explicar a partir de mecanismos cientí�cos o comportamento da sociedade, que se move constantemente em busca de uma realidade diferente daquela que nós vivenciamos. Talvez por esse estilo peculiar é que o conteúdo aprendido seja tão abstrato e tão difícil de ser medido e tocado. Nosso esforço está em demonstrar como as ciências sociais se tornaram um importante e necessário instrumento para a análise deste “mundo de maluco” em que vivemos, que clama a cada nova descoberta por uma análise apurada de nossa realidade social. Costumamos argumentar que as Ciências Sociais anseiam pelo con�ito e pelo debate. De fato: sem os problemas entre as relações humanas seria muito difícil imaginar como o cientista social teria seu objeto de estudo, isto é, a sociedade, caracterizada pelas disputas sociais existentes. Desta forma, rea�rmamos o ponto de largada da trajetória de formação dessa área: o con�ito entre os seres humanos. Não tratamos aqui das brigas entre vizinhos e familiares ou as que acontecem em um jogo de futebol, mas sim as disputas quase invisíveis na sociedade, que o cientista social tornará objeto de seu estudo. Ou seja, os espaços de disputa política em que um grupo debate contra outro(s); a a�rmação de práticas culturais e os con�itos ocasionadospor essas políticas a�rmativas com as demais culturas existentes; a dinâmica competitiva do mercado de trabalho e, por �m, as próprias relações sociais, palco de todos os primeiros con�itos. 7 Observe que “con�ito” é a palavra-chave para compreender as Ciências Sociais. Quais são, porém, as origens dessa área de conhecimento? Qual a relevância de estudarmos esse tipo de conteúdo no Ensino Superior? Além disso, será que as Ciências Sociais irão colaborar com a formação acadêmica? São estas as perguntas que pretendemos responder nesta aula. A história do conhecimento perpassa, necessariamente, pelo conhecimento proporcionado pelas universidades. Collins (2009) rati�ca a relevância do surgimento das universidades para as pesquisas sobre as humanidades: Com o surgimento das universidades e especialmente em virtude da criatividade da faculdade �losó�ca, os intelectuais ganharam seu próprio “lar” e conquistaram maior clareza acerca de seus próprios propósitos. A história do pensamento humano a partir de então oscilou entre uma interação entre a comunidade intelectual e o mundo exterior e um isolamento das universidades em relação a questões práticas e ortodoxias ideológicas, bem como entre as formas como essas questões penetravam nesse ambiente, oferecendo aos intelectuais novas demandas e novos problemas (COLLINS, 2009, p. 19). Observamos que, apesar das universidades terem surgido como espaço para a transmissão do conhecimento, precisavam dialogar mais com a comunidade, uma crítica que permanece até os dias de hoje. O papel, portanto, das Ciências Sociais neste contexto é estabelecer a conexão entre o acadêmico e o popular, entre a erudição do conhecimento e a praticidade das pessoas, entre a teoria e a prática. Somente após o Renascimento é que as Ciências Sociais começaram a assumir seu espaço de atuação. Contudo, convém ressaltar que o período conhecido como Renascença (que ocorreu entre o �m do século XIV e início do XVII) teve grande relevância para compreender o campo de trabalho de um cientista social. Tal argumento se baseia nas transformações econômicas, políticas e sociais do período, com fenômenos que alteraram as estruturas da sociedade desde então. Além da valorização de elementos da Antiguidade Clássica (por isso o nome “Renascimento”), citamos a transição do modo de produção feudal para o capitalista como chave para o entendimento das cisões ocasionadas pelo turbilhão de transformações sociais. 8 A ruptura cultural ocasionada a partir do Renascimento e do �m da sociedade medieval na Europa oportunizou que o homem (pautado pelo antropocentrismo) passasse a �gurar como centro das preocupações de pesquisas acadêmicas, discussões �losó�cas e da sociedade em si. O foco direcionado para o homem enquanto “centro do universo” abriu espaço para o protagonismo das Ciências Sociais, que são basicamente um produto das transformações ocorridas no período entre e a Revolução Industrial e a Revolução Francesa (principalmente após esses períodos), conforme trataremos a seguir. É nesse cenário que as Ciências Sociais começaram a ganhar forma no campo de conhecimento das humanidades. A primeira a ganhar autonomia de atuação para a reprodução e produção do saber foi a Antropologia. A partir das descobertas de sociedades tribais na América, na África e no Pací�co com as grandes expedições marítimas, o homem europeu passou a conhecer realidades muito distintas das que já estava acostumado no velho continente. Com tais descobertas, a explicação medieval de que a sociedade europeia era uma “operação divina” deixou de imperar, surgindo assim diversas teorias para explicar a evolução da sociedade e do seu relacionamento com o outro. Um processo de estranhamento, isto é, de olhar o outro de forma diferente para conhecer melhor a si mesmo, obteve sucesso na relação da Antropologia com as demais ciências. Paralelo a isso, a Antropologia dialogou com a Medicina, buscando explicações biológicas para a existência de um outro não europeu. Outra vertente de atuação da Antropologia é a chamada Antropologia Cultural ou Histórica, que tem por objetivo estudar os padrões de cultura de determinados grupos sociais ou de sociedades especí�cas, a �m de compreender como essas comunidades estão organizadas, quais são seus costumes, sua organização interna, seu relacionamento com outras sociedades, entre outros aspectos. Após essa divisão de áreas de atuação entre o antropólogo de campo (que trabalhava em conjunto com pesquisas na seara da Biologia e da Medicina) e o antropólogo histórico-cultural, a Antropologia passou a ter de forma evidente seu objeto de pesquisa, consolidado na segunda metade do século XIX: o homem e seu duplo relacionamento, com seu eu interior e com o mundo exterior, ou seja, a sociedade propriamente dita. Em segundo lugar, destacamos a Sociologia como ciência que se estabeleceu no campo das Ciências Sociais. Por seu caráter mais generalista, as raízes para seu estabelecimento são as mais diversas: inspirou-se na História, na Filoso�a, na Política, 9 na Economia, na Antropologia, na Psicologia, entre outras. Abrangente em relação aos objetos de pesquisa, a Sociologia pode ser considerada como a mãe de todas as Ciências Sociais. A preocupação em estabelecer a Sociologia como ciência foi um dos objetivos de Auguste Comte, considerado por alguns como o “pai da Sociologia”. Ele foi responsável por popularizar a expressão “Física Social”, que posteriormente seria conhecida como a Sociologia propriamente dita. A Física Social de Comte re�ete, assim, dois conceitos distintos em união para um mesmo ambiente: a sociedade. Ao passo que a Física estuda o movimento dos corpos em sociedade, a Física Social nada mais é do que o estudo da dinâmica da ação das pessoas socialmente, as quais são in�uenciadas pela sociedade, ditando suas normas, as normas do trabalho e do seu campo próprio de atuação. Foi neste contexto que a Sociologia passou a intervir nas discussões políticas da sociedade. Daí nasce a terceira e mais recente das Ciências Sociais: a Ciência Política. Dialogando com a política permanentemente — e, por que não, praticando a política desde seu nascimento —, a Sociologia estabeleceu uma relação de proximidade com a política, até mesmo conversando com a Filoso�a, que em sua origem se destinou a estudar os comportamentos políticos. A Ciência Política teve origem no �nal do Século XIX nos Estados Unidos e buscava se estabelecer desde então como uma ciência “autônoma”, isto é, uma área de atuação própria, sem ser confundida com a Filoso�a, a Sociologia ou encarada como uma subárea do Direito, por exemplo. Por esse caráter recente e multifacetado, tem quebrado barreiras quanto ao pensamento político, na busca de estabelecer o seu principal objeto de pesquisa: as relações de poder. 10 Além de estudar as relações de poder, a Ciência Política tem o desa�o de explicar como o Estado é constituído, seja enquanto ente governamental ou como espaço em que os políticos irão expor suas ideias, conduzir os rumos de uma determinada população, en�m, fazer política. A última vertente de estudo da Ciência Política são os Sistemas Políticos, que têm por �nalidade estruturar um Estado especí�co, além de incorporar as regras de disputas eleitorais, por exemplo. Observamos, assim, que há um ingrediente especí�co para que haja um cientista político analisando algum fenômeno em geral: o poder e o local onde esse poder é aplicado, normalmente um Estado, um partido político ou um conjunto de forças políticas. As três áreas das Ciências Sociais (Antropologia, Sociologia e Ciência Política) tentam explicar, ora em conjunto, ora em separado, a complexa sociedade em que vivemos. Cultura, relações sociais e relações de poder são as palavras-chaves que estruturam o grande leque do aprendizado que essas áreas podem nos proporcionar, variando de acordo com o interesse de cada pesquisador. Você se lembra de que, no início desta aula, foi visto que a ciência busca um padrão de comportamento que a sociedade, às vezes,não pode oferecer por seu dinamismo próprio? Após nossos últimos apontamentos, esse paradoxo �cou mais fácil de ser enxergado. Isso porque as Ciências Sociais não são exatas, mas são múltiplas e dependem de diversos ingredientes para que haja um produto �nal, uma conclusão de determinado fenômeno social. 11 A trajetória percorrida até aqui procurou oportunizar a você, aluno(a), a possibilidade de conhecer e avaliar a importância das Ciências Sociais diante da sociedade como um todo, analisando como e porque a Antropologia, a Sociologia e a Ciência Política são sua base principal. Dessas três áreas, vamos nos concentrar neste livro somente em uma: a Sociologia. Nosso próximo objetivo é avaliar, de forma pontual, o panorama em que a Sociologia foi constituída e qual é a sua trajetória ao longo dos anos. A apresentação deste cenário é importante para veri�carmos como e porque essas duas áreas importam para fundamentar as bases. Vamos lá! A sociedade é o campo de trabalho do sociólogo. Neste sentido, é importante dizer que o sociólogo observa a sociedade conforme sua própria realidade, como a vê, como a enxerga. Por isso, na prática, o ofício do sociólogo se funda em duas �nalidades: ler, sobretudo os autores de diferentes opiniões e conceitos, sejam históricos, sejam atuais, acerca da sociedade; e observar as “ondas” do comportamento humano sob determinados aspectos. 12 02 Ambiente para a Formação da Sociologia: A Revolução Industrial e a Revolução Francesa Em um curto período de tempo, a produção no modo de vida rural da Europa terminou, e as pessoas passaram a conviver na sociedade urbana. Nesse cenário, a tendência para o “caos” é grande, concorda? Se uma localidade tem capacidade de receber certo número de moradores, com a expansão sem planejamento ela tende a entrar em colapso. Foi isso que ocorreu com as transformações sociais derivadas do modo de produção capitalista na Europa. Com o desenvolvimento da indústria e a capacidade produtiva integrada a uma cadeia mundial de produção, há uma mudança nas condições de vida dos seres humanos. Essa mudança se fez sentir, primeiramente, na Europa, após a Revolução Industrial, e depois se propagou para diversas regiões do Planeta. A indústria sediada na Europa necessitou cada vez mais de matéria-prima vinda de diversas partes do mundo, assim como o mundo passou a consumir em uma escala crescente os produtos industriais. Nesta cadeia produtiva nas áreas industriais e nos centros econômicos, nesta fase do capitalismo, ocorre um crescimento da população urbana. Uma realidade que trará impasses e incertezas no decorrer dos séculos XIX e XX. Isso levará um número crescente de pensadores sociais a buscar entender qual será o futuro da sociedade diante de uma concentração populacional nunca vista na história humana. A cidade se tornou um ambiente de tensão, que exigiu preocupação por parte dos cientistas europeus. Se a ciência foi um instrumento de dominação para a conquista de novos territórios, para a expansão do capitalismo ocidental fundado na empresa mercantil e, posteriormente, industrial, agora deveria atender à ordem social instituída na própria Europa. Entender as relações sociais constituídas no Ocidente se tornou uma prioridade. Buscar uma ação para sua transformação será o objeto de preocupação das forças políticas e também dos cientistas. O crescimento urbano desse período pode ser medido pela vida em Londres, a primeira grande cidade industrial do mundo, no centro de uma economia que já foi por quatro séculos a maior do mundo, a inglesa. Londres praticamente triplicou a sua população entre os séculos XVIII e XIX. A massa populacional que passou a migrar para a cidade, com o chamado êxodo rural, fez crescer uma cidade desconexa e desordenada. 15 Os operários se concentraram em torno das fábricas ou em cortiços. Sem vias planejadas, as cidades estavam com problemas de ocupação. As moradias eram mal ventiladas, muitas delas tinham apenas um cômodo, onde �cava toda família, faltava saneamento e todos estavam expostos a um ambiente úmido e insalubre que provocava doenças, como tifo, cólera, varíola e escarlatina. Essas epidemias passaram a preocupar o Estado. A busca de um saneamento básico levará, entre outras atitudes, a promover o zoneamento urbano e as políticas de saúde pública. A desigualdade de condições �cou expressa também na vida das classes mais abastadas, que tinham acesso aos benefícios dos produtos que a economia mundial permitia. A elite londrina, por exemplo, consumia produtos de luxo vindos das mais diversas partes e, também, aqueles que eram produzidos na indústria do seu país. As classes populares, em sua grande maioria formada de operários, não tinham acesso a esses bens. Outros problemas também surgiram com a formação dos núcleos urbanos industriais, com a concentração populacional. O alcoolismo, o crescimento dos homicídios, os latrocínios e a prostituição são alguns deles. Até mesmo os manicômios começaram a se propagar como uma alternativa para o tratamento de pessoas que demonstravam desequilíbrio de comportamento. Essas situações se justi�cam diante da condição de vida do operariado, que trabalhava em torno de 15 horas por dia, sem descanso. Até mesmo crianças de 10 anos eram encontradas nas fábricas sujeitas às mesmas jornadas dos adultos. A massa humana que veio do campo, onde trabalhava subordinada ao regime feudal fundado na subsistência, agora se via em uma condição oposta. Inserido em um regime frenético de trabalho, que nada lembrava as relações no mundo rural, o operariado viu se desfazerem os vínculos sociais que foram a base de sua identi�cação. A economia capitalista fez emergir as relações centradas na racionalidade e na busca de orientar a convivência social pela produtividade. A vida passou a valer na proporção em que gerava a riqueza e na lógica de mercado. Dentro dessa lógica do mercado de trabalho, a quantidade de seres humanos disponíveis para trabalhar nas fábricas apresentava uma quali�cação básica. A empresa capitalista estava ainda dando os seus primeiros passos nos séculos 16 XVIII e XIX, estando longe de uma complexa rede de produção com setores especí�cos em um alto grau de quali�cação como temos hoje. A sobrevivência passa a custar a sujeição a uma condição desumana de trabalho. As condições de trabalho da classe operária durante a Revolução Industrial e sua propagação pela Europa foi tema de análise de Eric Hobsbawm em sua obra Era das Revoluções. O historiador inglês estabelece uma relação direta entre a quantidade de mão de obra ofertada para a produção, o nível de quali�cação e as condições de trabalho: Conseguir um número su�ciente de trabalhadores era uma coisa; outra coisa era conseguir um número su�ciente de trabalhadores com as necessárias quali�cações e habilidades. A experiência do século XX tem demonstrado que este problema é tão crucial e mais difícil de resolver do que o outro. Em primeiro lugar, todo operário tinha que aprender a trabalhar de uma maneira adequada à indústria, ou seja, num ritmo regular de trabalho diário ininterrupto, o que é inteiramente diferente dos altos e baixos provocados pelas diferentes estações no trabalho agrícola ou da intermitência autocontrolada do artesão independente. A mão de obra tinha que aprender a responder aos incentivos monetários. Os empregadores britânicos daquela época, como os sul- africanos de hoje em dia, constantemente reclamavam da “preguiça” do operário ou de sua tendência para trabalhar até que tivesse ganhado um salário tradicional de subsistência semanal, e então parar. A resposta foi encontrada numa draconiana disciplina da mão de obra (multas, um código de “senhor e escravo” que mobilizava as leis em favor do empregador etc.), mas acima de tudo, na prática, sempre que possível, de se pagar tão pouco ao operário que ele tivesse que trabalhar incansavelmente durante toda a semana para obter uma renda mínima [...]. Nas fábricas onde a disciplina do operário era mais urgente, descobriu-se que era maisconveniente empregar as dóceis (e mais baratas) mulheres e crianças: de todos os trabalhadores nos engenhos de algodão ingleses em 1834-47, cerca de um quarto eram homens adultos, mais da metade eram mulheres e meninas, e o restante de rapazes abaixo dos 18 anos. Outra maneira comum de assegurar a disciplina da mão de obra, que re�etia o processo fragmentário e em pequena escala da industrialização nesta fase inicial, era o subcontrato ou a prática de fazer dos trabalhadores quali�cados os verdadeiros 17 empregadores de auxiliares sem experiência (HOBSBAWM, 1982, p. 66- 67). Em certa maneira, até nossos dias, a quali�cação de mão de obra é um elemento determinante para a forma como se estabelece a relação de trabalho e sua remuneração. Como Hobsbawm aponta, nos primeiros momentos da Revolução Industrial essa condição já se apresentava. Ela se agravou com a massa de pessoas disponíveis para serem utilizadas pela produção capitalista, mas o grau de quali�cação se ampliou e se aprofundou. Com isso, a maioria dos seres humanos disponíveis hoje para o trabalho não utilizados. Nos primeiros tempos da Revolução Industrial, os trabalhadores eram recém-chegados da zona rural, tinham uma padronização de quali�cação, mas eram utilizados em funções que exigiam um grau baixo de especialidade. As operações de trabalho poderiam ser ensinadas sem di�culdade pelos empregadores partindo de capacidades que os trabalhadores já tinham adquirido em sua vida rural. Como a�rma Hobsbawm, os menos quali�cados eram, muitas vezes, entregues ao comando de um trabalhador mais quali�cado, por meio da terceirização das relações de produção. As relações de trabalho são marcadas pela violência sem nenhuma garantia. Não há, nos primeiros tempos da indústria, uma legislação favorável aos operários. A violência das relações no ambiente industrial se estende pela vida urbana e se expressa no cotidiano das cidades europeias durante o nascimento da indústria. Uma violência que terá formas distintas de ser compreendida e de gerar reação. 18 Para o poder público, buscando atender ao interesse da empresa nascente, será fundamental estabelecer mecanismos de controle social para garantir a ordem nos espaços urbanos. Policiamento ostensivo nas ruas e instituições para o aprisionamento e tratamento daqueles que não se adaptavam à vida urbana era um exemplo. As escolas voltadas às classes populares e mantidas pelo poder público teriam como característica retirar os ociosos do mundo urbano e preparar os cidadãos para o trabalho. A educação, que sempre existiu como forma de organização da vida social e preparação das futuras gerações para a necessidade coletiva, agora deveria exercer essa função visando ao mundo da empresa capitalista, que se generalizava. Entre os movimentos operários que surgiram na Europa, alfabetizar os �lhos era uma garantia de não reproduzir a relação que os pais estavam sujeitos para os �lhos. Para enfrentar a violência que o mundo urbano apresentava, a classe operária se organizou em associações e sindicatos. Assim, enfrentou o ambiente de trabalho imposto pelas empresas e os empresários capitalistas, dando início aos confrontos em forma de “quebra de máquinas” e paralisação de trabalhadores. Aconteceram greves ocasionadas pela luta por melhores condições de trabalho, como o Movimento Cartista na Inglaterra do século XIX. Os problemas sociais urbanos chegaram a um determinado grau em que até mesmo as forças sociais e políticas opostas de trabalhadores e patrões passaram a lutar contra problemas comuns e se associar em campanhas para romper comportamentos que se mostravam nocivos à sociedade. Um desses “inimigos comuns” foi o consumo de bebidas alcoólicas. Como a�rma Hobsbawm (1982, p. 223-224): Por outro lado, havia muito mais pobres que, diante da catástrofe social que não conseguiam compreender, empobrecidos, explorados, jogados em cortiços onde se misturavam o frio e a imundice, ou nos extensos complexos de aldeias industriais de pequena escola, mergulhavam em total desmoralização. Destituídos das tradicionais instituições e padrões de comportamento, como poderiam muitos deles deixar de cair no abismo dos recursos de sobrevivência, em que as famílias penhoravam a cada semana seus cobertores até o dia do pagamento, e em que o álcool era “a maneira mais rápida para se sair de Manchester” (ou de 19 Lille ou de Borinage). O alcoolismo em massa, companheiro quase invariável de uma industrialização e de uma urbanização brusca e incontroláveis, disseminou “uma peste de embriaguez” em toda a Europa. Talvez os inúmeros contemporâneos que deploravam o crescimento da embriaguez, como da prostituição e de outras formas de promiscuidade sexual, estivessem exagerando. Contudo, repentina aparição, até 1840, de sistemáticas campanhas de agitação em prol da moderação, entre as classes médias e trabalhadoras, na Inglaterra, Irlanda e Alemanha, mostra que a preocupação com a desmoralização não era nem acadêmica nem tampouco limitada a uma única classe. Seu sucesso imediato teve pouca duração, mas durante o restante do século a hostilidade à embriaguez permaneceu como algo que tanto patrões quanto movimentos trabalhistas tinham em comum. Podemos considerar que diante desse ambiente, que trazia condições de degradação para parte considerável dos trabalhadores (às vezes até para a classe média e para o patronato), a ação pública deveria ser pontual e estar dentro de uma política geral de governabilidade da vida social urbana. Ou seja, era preciso uma ação dos governos municipais das cidades industrializadas. Eles necessitavam ter a capacidade de colocar, diante dos con�itos que se intensi�cam e de práticas que denegriam as forças sociais, mecanismos e�cientes de ação. Se a necessidade de racionalizar a vida social era uma emergência para o poder público, ela estaria na pauta de discussão do mundo cientí�co. As correntes de pensadores que se debruçaram sobre os problemas da vida urbana e das condições humanas na sociedade industrial são sensíveis a partir do século XVIII. Contudo, foi no século seguinte que essa preocupação se intensi�cou. Das correntes liberais ao Socialismo, as teses políticas emergiram à procura de dar resposta ao contexto tenso que o mundo industrial urbano apresentava. Os valores que orientavam o homem europeu tinham se alterado e seriam um modelo para as demais formas de compreensão que surgiram em diversas partes do mundo. Se o movimento liberal e socialista surgiu na Europa, sua propagação pela América, Ásia e África foi corrente. A in�uência da intelectualidade europeia se demonstrou com o surgimento dos Estados nacionais em áreas antes colonizadas pelos europeus. 20 Paralelo a essas correntes, e muitas vezes sendo um contraponto a elas, os movimentos herdados das correntes naturais também emergiram. É o caso do Positivismo inaugurado por Comte na França. As teses do pensador francês viriam a inspirar aqueles que consideravam que a análise da vida social deveria estar fundada nos mesmos critérios dos fenômenos biológicos. É o que veremos adiante! Acesse o link: Disponível aqui No caso de 14 de julho de 1789, o episódio é daqueles de maior importância para a História e in�uencia até hoje a nossa maneira de pensar e viver. Não é por acaso que a queda da Bastilha Saint- Antoine, marco do início da Revolução Francesa, inaugura o início da Idade Contemporânea: se hoje vivemos em um regime democrático, em que (pelo menos em tese) todos são considerados iguais perante à lei, agradeça à multidão francesa que se rebelou contra o reinado de Luís 16 e tentou colocar na prática o lema de "Liberdade, Igualdade, Fraternidade". 21 https://educacao.uol.com.br/disciplinas/portugues/giria-e-jargao-a-lingua-mudaconforme-situacao.htm Para além da própria Revolução Industrial, precisamos citar alguns acontecimentos que, na prática, transformaram as relações de produção: Em 1733, John Kay inventa a lançadeira volante. Em 1767 James Hargreaves inventa a "spinning janny", que permitia a um só artesão �ar80 �os de uma única vez. Em 1768 James Watt inventa a máquina a vapor. Em 1769 Richard Arkwright inventa a "water frame". Em 1779 Samuel Crompton inventa a "mule", uma combinação da "water frame" com a "spinning jenny" com �os �nos e resistentes. Em 1785 Edmond Cartwright inventa o tear mecânico. 22 03 Auguste Comte e os Primórdios da Sociologia Nascido em 1798, na França, em Montpellier, Auguste Comte foi ainda muito jovem um especulador da vida social e da dinâmica das Ciências Naturais. Dois interesses que na maioria dos pensadores era uma contradição inconciliável, mas para aquele que veio a ser um dos fundadores da Sociologia era uma possibilidade que se mostraria inovadora, por meio da busca de trazer as leis naturais para a análise da vida social. Em 1814, já na decadência do Império Napoleônico, Comte ingressa na Escola Politécnica de Paris. Um centro de formação de cadetes voltado ao desenvolvimento do corpo intelectual do estado francês. Uma carreira que Comte pretendia manter. Contudo, foi levado a ingressar no Movimento Socialista Francês, liderado por Saint-Simon, na busca de desenvolver um modelo ideológico que in�uenciasse a administração francesa na busca de atender às melhorias da vida da população. Uma ilusão que Comte em pouco tempo rompeu. O rompimento entre Comte e Saint-Simon ocorreu por diversos fatores, o mais conhecido foi a mania do mestre do socialismo utópico de roubar as ideias de seus discípulos. Simon não costumava ser muito original em suas ideias, mas também por discordância teórica, já que os dois apresentavam análises opostas. Enquanto Comte acreditava em uma interferência neutra do Estado, Saint-Simon tendia a um acordo político de tendência pequeno burguesa. Comte chegou a acusá-lo de se aproximar de empresários franceses e favorecê-los, manipulando os movimentos sociais franceses. Outra crítica foi a de intelectualizar o movimento político e gerar uma casta intelectual bene�ciária da liderança social. Traçando um caminho próprio, Comte busca então uma análise mais objetiva dos fenômenos sociais e passa a considerar o método das Ciências Naturais como um instrumento fundamental na construção de princípios para entender o desenvolvimento da sociedade humana. Para ele, a sociedade ocidental era o cume de uma cadeia evolutiva do conhecimento desenvolvido pelas sociedades humanas. Nesta evolução, as sociedades passaram por estágios semelhantes, mas algumas ainda se encontram, segundo ele, em uma etapa mística do pensamento, a infância. 24 Para ele, a própria Física Social, nome dado à Sociologia em sua origem, estava ligada a esse processo de desenvolvimento e deveria ter como objeto de estudo a compreensão dos fenômenos sociais como resultado da evolução que as diferentes civilizações viveram até chegar à “Europa civilizada”: Entendo por Física Social a ciência que tem por objeto próprio o estudo dos fenômenos sociais, considerados com o mesmo espírito que os fenômenos astronômicos, físicos, químicos e �siológicos, isto é, como submetidos a leis naturais invariáveis, cuja descoberta é o objetivo especial de suas pesquisas. Propõe-se, assim, a explicar diretamente, com a maior precisão possível, o grande fenômeno do desenvolvimento da espécie humana, considerado em todas as suas partes essenciais; isto é, a descobrir o encadeamento necessário de transformações sucessivas pelo qual o gênero humano, partindo de um estado apenas superior ao das sociedades dos grandes macacos, foi conduzido gradualmente ao ponto em que se encontra hoje na Europa civilizada. O espírito desta ciência consiste, sobretudo, em ver, no estudo aprofundado do passado, a verdadeira explicação do presente e a manifestação geral do futuro (COMTE, 1989, p. 53). É possível perceber que a Ciência tem um papel fundamental na teoria de Comte, mas não a Ciência de uma forma geral. Para ele, as Ciências Naturais são as verdadeiras Ciências Positivas, que se somam para a construção da superioridade da civilização ocidental, para gerar a maturidade necessária para que o conhecimento possa intervir na análise da vida social. Por isso, para ele, a Ciência já teria atingido esse grau de maturidade no Ocidente, no que ele chama de “Europa civilizada”. 25 Na própria citação, é possível compreender a evolução do conhecimento cientí�co e os seus estágios. A Física Social é fruto de um desdobramento das Ciências Naturais, por meio de um processo de evolução que tem como princípio a Matemática, desdobrando-se em sua evolução na Astronomia, na Física, na Química e na Biologia (Fisiologia para ele). A Medicina seria para Comte a Ciência que se aproximaria no exercício da pro�ssão do per�l de interferência do físico- social. Cabe ao médico diagnosticar a doença diante dos dados levantados empiricamente, cabe ao sociólogo a análise dos fatos sociais diagnosticados pelos mesmos critérios da Medicina, ou seja, a Fisiologia. Vale ressaltar que para Comte o único conhecimento o qual, partindo da abstração, consegue se positivar por meio da experimentação é a Matemática. Ela é a Filoso�a das Ciências Naturais. A lógica matemática se constitui na raiz do pensamento positivo, das ciências que se positivaram. O avanço do conhecimento cientí�co partindo da Matemática gerou a capacidade de dimensionar de forma precisa a condição dos fenômenos físicos e compreender o seu movimento lógico. Ou seja, se observarmos os fundamentos da Física, Química e Biologia, vamos encontrar a Matemática servindo como base. O método defendido por Comte se sustenta nos mesmos critérios das Ciências Naturais. Para ele, o pesquisador dos fenômenos sociais deve se postar diante de seu objeto da mesma forma que o físico, o químico ou o biólogo. Deve-se ater, ainda, aos fatos observáveis, mensuráveis e que necessitam ser comparados e classi�cados. A objetividade é um critério fundamental para o cientista social positivista. Outro aspecto importante do método positivo, que costumeiramente gera polêmica, é a neutralidade cientí�ca. Ou seja, o pesquisador não pode se deixar envolver pelos valores subjetivos, teológicos ou abstratos, que deturpem a análise do fenômeno ou que lhe imponha um julgamento prévio. A objetividade está ligada diretamente à neutralidade. Quantos fatos não são uma constante? O comportamento social se mantém em algumas sociedades como uma necessidade da própria ordem. Um elemento que garante a e�ciência da vida social. Esses fenômenos merecem um destaque maior na análise das diferentes sociedades. Se levarmos em consideração que o trabalho desempenha um papel vital para a manutenção da vida coletiva, em 26 qualquer período histórico, ele é uma dessas constantes. O engraçado nos dias atuais é o quanto as pessoas desprezam a função do trabalho na construção de um projeto de estabilidade futura. Comte, quando analisou a ordem econômica, considerava que o trabalho em uma sociedade complexa como a capitalista industrial, fundada em uma divisão de trabalho, necessita preparar os seus membros para cumprirem as diferentes funções que a vida social exige. Dessa forma, para ele, cabe ao Estado orientar o desenvolvimento de uma sociedade, estimulando o trabalho especializado para que cada um dos seus membros se adéque às necessidades que a sociedade exige. Em uma sociedade como a nossa, na qual discutimos a necessidade do trabalho técnico pro�ssionalizante, as teses positivistas nos orientariam para o investimento na quali�cação. Ou seja, na promoção de um ensino voltado ao mercado de trabalho, nos mais diferentes níveis de conhecimento e grau de complexidade. Essa necessidade deve estar, para o positivismo, acima dos desejos particulares. Os cargos de comando social devem ser ocupados por quem tem uma quali�cação de maior custo e tempo para o Estado, por isso, seria relegada a poucos. A escolha dos que deveriam ascender às funções mais importantes deve privilegiar o grau de e�ciência com um critério de avaliação que priorize a competência para o cargo. Devem-se priorizar os benefícios da ordem social e não osinteresses particulares, de setores determinados. Se determinados grupos estão sendo marginalizados, deve-se entender os fatores desta marginalização. Eles não devem, porém, colocar em risco as prioridades da ordem. Não podemos estimular as diferenças em detrimento da ordem social e�ciente. A maturidade social não é algo fácil dentro de uma sociedade na qual as forças são diversas. Para Comte, a conquista de um desenvolvimento econômico em um grau mais elevado só pode ser alcançada após a sociedade atingir uma maturidade na capacidade de agir fundada na razão cientí�ca. Para ele, o crescimento do capitalismo está relacionado diretamente a isso. A economia só pode se desenvolver na condição da sociedade industrial após o aprimoramento 27 cientí�co e técnico dos meios de produção. Dessa forma, o capitalismo é um estágio superior do desenvolvimento econômico, em especial quando se deixa levar pelas leis de mercado e se orientar por uma racionalidade cientí�ca. A Lei dos Três Estágios Um dos princípios fundamentais defendidos por Comte é a Lei dos Três Estágios. Nela, o autor busca a compreensão do desenvolvimento social mediante a presença do conhecimento cientí�co na vida social. A Ciência está presente nas relações entre o homem e as instituições que servem de orientação para a ordem social. Também podemos considerar a própria explicação do homem sobre a natureza e os elementos que atingem diretamente sua relação com as leis naturais. Por isso, anteriormente, as leis naturais desvendadas nas teses de Galileu e Bacon são elogiadas por Comte como uma conquista importante na busca de compreender as leis universais e orientar o homem para o conhecimento cientí�co moderno, separando a Ciência da Filoso�a. Essa maturidade do pensamento, para ele, atingiu outros campos de conhecimento e hoje já estaria em seu grau satisfatório para ser usada na análise do desenvolvimento social humano. Quais seriam, porém, esses estágios de desenvolvimento? O primeiro é o estado teológico, em que os fenômenos naturais só podem ser compreendidos com a crença em um elemento divino, que oriente a vida dos homens e promova as condições nas quais ele está inserido. Logo, o conhecimento que temos da vida e das coisas que nos cercam é considerado, neste estágio de desenvolvimento, como super�cial. Esse estado permite ao homem uma verdade carregada de princípios sustentáveis apenas se admitirmos a existência de uma entidade acima da capacidade de compreensão humana, que seria o verdadeiro condutor da vida. O segundo é o estado da abstração, que, para Comte, desempenha o papel de passagem do estágio teológico para o físico, que veremos logo mais. Nele, o homem rompe com as explicações teológicas e estabelece uma relação racional com o mundo, tentando entendê-lo dentro de categorias lógicas. Esse estágio 28 permite a análise pela cadeia de fenômenos observáveis, mas apenas de forma super�cial, ainda sem uma comprovação empírica e que siga leis previamente estabelecidas pela observação. O pensamento abstrato é resultado das condições de desenvolvimento da racionalidade cientí�ca fundada em leis naturais. Os dados observáveis vêm daquilo que existe enquanto fenômeno, mas a compreensão de sua essência ainda não é entendida desta forma pelo pensamento abstrato. As regras do conhecimento não estão estabelecidas a partir das leis observáveis e nela se sustentam. Há leis naturais que regem os fenômenos para Comte, as quais devem ser os elementos que conduzem a observação. Contudo, resultam da pesquisa constante de comprovação de sua existência, como as leis da Física e da Química. Um avanço neste sentido só foi possível na sociedade atual. Nela, o pensador considera que a maturidade atingida pela Ciência já permite utilizar os métodos das ciências naturais para compreender os fenômenos sociais. Por isso, é necessária a compreensão sobre os fenômenos físicos, fundamentais para consolidar o desenvolvimento da Ciência. Eles já atingiram todos os níveis necessários nos demais campos dos conhecimentos, segundo Comte. Já se alcançou a maturidade do pensamento na Astronomia, Física, Química e Biologia (nas Ciências Naturais de uma forma geral). Agora, o próximo passo será o amadurecimento dos demais campos do conhecimento. Logo, para ele, não só a Sociologia seria o resultado do avanço das Ciências Naturais, mas também a Economia, a Política e, até mesmo, a Ética poderiam ser conduzidas pelos mesmos critérios das Ciências Naturais. 29 Diante dessa maturidade do pensamento físico e da possibilidade de um estágio superior da organização da vida social, a sociedade poderia atingir um progresso nunca visto antes, que resultaria de uma harmonia estabelecida entre os diferentes órgãos (funções) sociais. Integrados e na busca de um mesmo sentido de ação, os organismos sociais resultariam, então, em uma submissão ao órgão maior, o corpo social. Quem seria o condutor no sentido de integrar e dar e�ciência à sociedade seria o Estado. Este, administrado por políticos que conduzissem a sociedade para a superação de seus problemas de forma racional e objetiva. Por isso, como comentamos anteriormente, a necessidade de positivar a política. O homem público deve ter uma ação fundada na objetividade do conhecimento e sua escolha deve se pautar na e�ciência. Este estágio superior de organização da vida social é o estágio positivo, isto é, aquele em que os fenômenos sociais podem ser compreendidos através da comprovação da própria ciência. O estágio positivo, para Comte, é o positivismo em si, desenvolvimento máximo de seu modo de pensar a sociedade e, da mesma forma, quanto à organização das ciências. A característica basilar deste estágio de desenvolvimento humano é, portanto, a de investigar a natureza e comprovar as descobertas realizadas de modo a garantir a aplicação prática destas, levando ao desenvolvimento tecnológico e a mais conforto material. 30 O estágio positivo é o último na escala do pensamento de Auguste Comte, direcionado para organizar as teorias acerca da sociedade via física social, ou seja, a partir da explicação de uma ciência que possa analisar os movimentos dos corpos em/na sociedade. O positivismo, que posteriormente se tornou uma �loso�a de vida e religião, em que a ciência era a máxima de seus dogmas, obteve muitos adeptos no Brasil do contexto da Proclamação da República em 1889. O lema da bandeira nacional (ordem e progresso) é uma derivação do lema do positivismo proposto por Comte: o amor por princípio, a ordem como base e o progresso por �m. Vale ressaltar que a religião positivista era vista como a “religião da humanidade”, uma espécie de profecia imanada por Comte, que imaginava angariar adeptos, crentes em seus ideais. O pensamento de Comte auxiliou no entendimento da vida social, oferecendo a possibilidade de formar um método de análise criterioso e com meios de mensurar os fenômenos sociais na mesma condição dos fenômenos naturais. Muitas dessas teses positivistas serão questionadas, mas também utilizadas ao longo do amadurecimento da Ciência fundada pelo pensador francês. Não se pode negar, porém, a importância que tiveram as primeiras bases de análise de Comte. Elas permitiram a busca por delimitar um campo de atuação para uma Ciência que tivesse como foco a vida social e seus fenômenos. Fonte: Disponível aqui As ideias positivistas tiveram repercussão mundial no contexto de crise social, política e espiritual que acompanhou o surgimento da sociedade industrial. No Brasil, esta in�uência foi determinante entre as décadas de 1880 e 1930, e teve seu principal momento na Proclamação da República, em 1889. Inclusive, houve a fundação da Igreja Positivista do Brasil, um dos desdobramentos religiosos do pensamento de Comte. 31 http://templodahumanidade.org.br/marco-na-historia-do-brasil/ Acesse o link: Disponível aqui O funcionamento da sociedade, para Comte, obedeceria a diretrizes predeterminadas para promover o bem-estar do maior número possível de indivíduos. Além de uma reformulação geral dasciências e da organização sociopolítica, o �lósofo planejou uma nova ordem espiritual, inspirada na hierarquia e na disciplina da Igreja Católica, que considerava muito e�cientes. A nova doutrina, porém, se dissociava totalmente da teologia cristã, que Comte rejeitava por se basear no sobrenatural, e não no materialismo cientí�co. No �m da vida, ele chegou a preconizar a construção de templos positivistas, onde a humanidade, e não a divindade, seria venerada. O �lósofo via a humanidade como uma entidade una, que chamou de Grande Ser. 32 https://novaescola.org.br/conteudo/186/auguste-comte-pensador-frances-pai-positivismo 04 Émile Durkheim e o Fato Social Também francês, o pensador Durkheim foi in�uenciado pelas teses comtinianas. Contudo, não foi apenas um desdobramento ou aprimoramento, foi a superação das teses positivas e a apresentação de novos ingredientes, que deram um salto qualitativo na análise da sociedade industrial. Durkheim foi acadêmico e preocupado em fazer seu método ser reconhecido pelos colegas de universidade. Para ele, era fundamental estabelecer um território reconhecido pelos demais cientistas e ingressar a Sociologia como disciplina dentro das instituições de ensino. Ele conseguiu. Esse reconhecimento não foi tarefa fácil para ele, que foi também fundador da escola francesa. Durkheim in�uenciou os pensadores que vieram depois dele a se aprofundarem na relação entre ciência e sociedade. O critério cientí�co ao conhecimento social foi a tônica de sua obra. Contudo, esse conhecimento deve traçar regras claras para a análise da vida social, sem deixar de levar em consideração as diferenças existentes em condições distintas de sociedade. Ou seja, não é possível uma generalização da ordem social estabelecida, mas é possível entender a dinâmica de cada sociedade com suas especi�cidades, por meio do conjunto de relações solidárias e do grau de coerção e coesão que ela promove. Durkheim parte de um pressuposto fundamental, o tratamento do fato social na mesma condição de “coisa material”. Dessa forma, o cientista social deve ter a mesma “estranheza” que o cientista natural diante de seu objeto. Sobre como se sentir diante do desconhecido, a�rma Durkheim (1960): Os fatos sociais devem ser tratados como coisas — eis a proposição fundamental de nosso método, e que mais tem provocado contradições. Esta assimilação que fazemos, das realidades do mundo social às realidades do mundo exterior, foi interpretada como paradoxal e escandalosa. Estabeleceu-se singular confusão a respeito do sentido e da extensão desta assimilação; seu objetivo não é rebaixar formas superiores às formas inferiores do ser, e sim, ao contrário, reivindicar para as primeiras um grau de realidade pelo menos igual ao que todos reconhecem como apanágio das segundas. Com efeito, não a�rmamos que os fatos sociais sejam coisas materiais, e sim que constituem coisas 34 ao mesmo título que as coisas materiais, embora de maneira diferente (DURKHEIM,1960, p. 52). Quando falamos da estranheza que o pesquisador social deve ter diante do objeto, ao tratá-lo na condição de “coisa material”, estamos levando em consideração aquilo que Durkheim expressa em sua citação acima: “com efeito, não a�rmamos que os fatos sociais sejam coisas materiais, e sim que constituem coisas ao mesmo título que as coisas materiais, embora de maneira diferente” (DURKHEIM,1960, p. 52). Isso signi�ca que os fenômenos sociais não podem ser considerados na mesma condição por não poderem ser analisados com a mesma condição dos fenômenos materiais. Estes podem ser extraídos da sociedade e levados a um laboratório para serem desmembrados, dissecados e estudados em suas partes decompostas, com a objetividade da observação descritiva e comparativa, o que seria impossível aos fenômenos sociais. Não podemos reproduzir os fenômenos sociais em laboratório. Seria impossível isolá-los da condição social onde se realizam, já que estão presos à sociedade e somente nela é possível observá-los. Contudo, nem por isso, devemos deixar de tratá-los na condição de coisa material. Para isso, devemos quanti�cá-los e proporcioná-los dentro da ordem em que se estabelecem. 35 Ainda em relação aos fatos sociais, é importante salientar que eles tem três características básicas: o poder de coerção, ou seja, de que as pessoas se comportem de determinada forma, através de certa pressão que a sociedade nos exerce; a exterioridade em relação aos indivíduos, isto é, antes mesmo de nascermos, já havia a atuação dos fatos sociais independentemente de minhas vontades (a educação, as leis e alguns costumes sociais, por exemplo); e a generalidade, vez que os fatos sociais acabam se manifestando na maioria dos indivíduos. Podemos citar, caro (a) aluno (a), dois exemplos que determinam o que são os fatos sociais. O primeiro deles é o casamento (ou, em um termo mais moderno, a união estável/moradia em conjunto). Nos associamos enquanto casais pelo motivo do ser humano não conseguir viver isolado e, em termos biológicos, para a procriação. O casamento é um fato social pois há o poder de coerção da sociedade para que possamos nos unirmos a alguém, além de existir antes da minha própria vontade (posso ser fruto de um casamento, por exemplo) e há a crença social geral de que os casamentos se manifestam por si só. A educação também é um exemplo de fato social. Ela tem o poder de coerção, pois há uma espécie de “pressão” para que possamos nos educar, algo que consequentemente irá trazer benefícios às nossas carreiras; é a educação objetiva, vez que mesmo que não queira me associar a uma educação formal, ela vai permanecer existindo antes ou mesmo sem minha vontade. E, por �m, ela é geral, pois a maioria das pessoas acreditam que a educação é uma base de formação para a vida em/na sociedade. Com uma observação objetiva dos fenômenos sociais, podemos compreender os elementos que in�uenciam a sua condição. Para Durkheim, os fenômenos sociais são uma condição coletiva, que leva em consideração a coação e coesão social dentro da condição solidária em que se realiza. É importante de�nir neste momento o termo “solidariedade”, que é a condição em que os fenômenos ocorrem, ou seja, a cumplicidade entre os agentes que proporcionam a existência dos fenômenos. Isso não indica a consciência por parte daqueles que praticam o ato. Se pensarmos na Educação e nos elementos que contribuem para que ela ocorra, nem todos têm a dimensão de que sua ação vai re�etir na condição de educar. 36 As condições em que se realiza a Educação estão baseadas em fatos que interligados, de alguma forma, vão gerar os fatores que permitem que ela ocorra. Logo, o ambiente de educar e os condicionantes da educação não são apenas os seus agentes diretos (alunos, escola, professores, funcionários, currículo escolar etc.). Muito mais que isso, a Educação é resultado de uma complexidade social mais intensa e ampla. Uma relação que vai além dos muros da escola e que envolve a construção solidária de todos seus elementos. Os seres humanos que convivem dentro do ambiente escolar são resultado de outros fenômenos que os produzem, além do dia a dia de sala de aula. Um aluno é �lho ou pai, é jovem ou idoso, é casado ou solteiro, trabalha ou não, locomove-se mediante os meios de transportes dos mais variados. Todos esses fatores e muitos outros, os quais seria impossível relacionar, contribuem para o entendimento da educação como um fenômeno social. Podemos considerar pelos mesmos critérios a condição do professor, do diretor e de todos que estão envolvidos com a educação. Logo, se formos dimensionar a complexidade da construção da educação, ela só seria possível diante de um estudo profundo e demorado, por meio de uma observação minuciosa de todos seus elementos condicionantes. É sempre bom lembrar, porém, que os elementos condicionantes aqui considerados são fatos na condição de coisa material. 37 Outro elemento importante a ser considerado é a condição em que a sociedade organiza a sua vida material. Durkheim buscano entendimento da divisão do trabalho social a premissa para a compreensão dos fenômenos que a sociedade produz. As sociedades, ao longo da história, promoveram um crescimento da divisão do trabalho e se organizaram de forma cada vez mais complexa. Nas sociedades industriais, segundo o pensador francês, a divisão do trabalho social atingiu um grau intenso e extenso, o que promoveu uma tensão entre os elementos que a compõe. Contudo, e pela divisão social do trabalho, não podemos considerar a particularidade e a individualidade como critério para o entendimento da ordem social e dos fatos que ela produz. Quanto mais a sociedade divide suas funções, mais a particularidade perde sentido como referência para o entendimento do corpo social. Ou seja, não está no comportamento do indivíduo um padrão para o comportamento coletivo, quando falamos de sociedades com um alto grau de divisão do trabalho social. Na sociedade industrial, a condição de vida para atender às necessidades dos membros da sociedade é fruto de um número imenso de indivíduos e, por isso, não é no olhar sobre esse elemento particular que vamos entender a vida social. Se abrirmos a geladeira em nossa casa e olharmos os produtos que estão à nossa volta, dos mais elementares aos de uso fútil, iremos perceber que há uma quantidade imensa de trabalho coletivo para a existência deles. Seria impossível quanti�car o número de indivíduos que participam da produção diária de nossas vidas. Logo, nem nós nem cada um desses indivíduos tem em seu comportamento o padrão da vida social, ela é o encontro solidário de todos esses elementos enquanto um organismo que gera as condições de todos e de cada um. 38 Fonte: Disponível aqui O fato social, segundo Durkheim, consiste em maneiras de agir, de pensar e de sentir que exercem determinada força sobre os indivíduos, obrigando-os a se adaptar às regras da sociedade onde vivem. No entanto, nem tudo o que uma pessoa faz pode ser considerado um fato social, pois, para ser identi�cado como tal, tem de atender a três características: generalidade, exterioridade e coercitividade. Coercitividade – característica relacionada com o poder, ou a força, com a qual os padrões culturais de uma sociedade se impõem aos indivíduos que a integram, obrigando esses indivíduos a cumpri-los. Exterioridade – quando o indivíduo nasce, a sociedade já está organizada, com suas leis, seus padrões, seu sistema �nanceiro, etc.; cabe ao indivíduo aprender, por intermédio da educação, por exemplo. Generalidade – os fatos sociais são coletivos, ou seja, eles não existem para um único indivíduo, mas para todo um grupo, ou sociedade. 39 http://www.sociologia.seed.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=167 Conforme citamos ao longo desta aula, um exemplo prático de fato social são as normas jurídicas, o casamento, o idioma, as regras sociais. Faça um teste em relação aos fenômenos sociais existentes e analise, caso a caso, se há ou não um fato social, a partir do modelo pensado por Durkheim. 40 05 Max Weber e o Tipo Ideal De todos os sociólogos que vimos até agora, Max Weber é o que ocasiona um sentido importante de re�exão sobre as contradições humanas. Ele coloca uma questão vital em sua obra: “seria o homem um ser puramente racional e capaz de direcionar sua vida pela razão?”. Esse é um tema central no trabalho do pensador alemão e um dos precursores do existencialismo. Weber representa o resgate da individualidade não como conceito �losó�co, mas como condição de análise social. Não signi�ca que todos os indivíduos são objeto de estudo da Sociologia, mas em cada um há o sentido que uma coletividade apresenta sobre a vida social. Em cada um de nós há elementos que nos colocam na condição de civilização, os quais se expressam em nossas ações. Somos ocidentais, o que signi�ca que há elementos comuns na construção de modelos de ação, nos valores que cultuamos e nas ações que praticamos. São nas ações que denunciam nossos valores. O que quer dizer “a sociedade está em nós”? Se colocarmos em evidência os momentos em que a história denunciou as contradições entre a lógica racional, que deveria apontar a ação para uma determinada direção, e o que assistimos enquanto fato, entenderemos que o determinante ao comportamento não é a razão lógica e objetiva, já que outros fatores dão direcionamento ao comportamento social. Muitas vezes, o peso de um comportamento arraigado ao longo da história pode ser determinante para dar sentido a uma ação social. O argumento de Weber se destaca à Teoria dos Modelos de Ação, na qual busca uma compreensão dos sentidos das ações sociais pelos agentes que a praticam. Para isso, ele considera que os modelos e valores subjetivos dados ao comportamento social são carregados de uma escala de valor, uma cadeia de entendimentos e de interesses que se elabora subjetivamente e se expressa no comportamento. Por isso, para ele, nem todo o comportamento praticado pelos indivíduos é social. Só o é quando está direcionado ao outro, envolve o interesse de reação de outro ou busca uma resposta em outro. Essa pessoa com quem se relaciona pode ser um conhecido, um imediato, um ser construído e �ctício ou mesmo um princípio a que se obedece, uma regra moral religiosa que se traduz em um comportamento “ético” esperado. 42 Se não quero pecar não pratico tal ato, porque as consequências virão no juízo �nal. Esse comportamento pode não ser ilegal, não ter qualquer tipo de restrição jurídica nem provocar uma reação social que o condene, mas muitas pessoas não o praticam, temendo uma suposta punição em uma existência pós-morte. Esse é um exemplo de um fato social inspirado em modelo. Nela, a ética religiosa determina uma ação. Os modelos, para Weber, são construídos nas relações sociais. Nelas somos orientados pelas tradições das relações sociais que nos antecederam, nas heranças passadas, nas quais os comportamentos e valores que nos identi�cam foram construídos ao longo do tempo e passados pelas gerações. Essa herança se dá nos ensinamentos religiosos, nas práticas do folclore, na educação de história e nos valores passados no ambiente doméstico onde nossos pais reforçam valores morais. Também temos modelos construídos nas condições presentes, na vida que levamos e nas relações que estabelecemos. Aprendemos, na busca de resolver problemas atuais, a construção de sentidos a valores que herdamos, mas também valores novos que incorporamos nas práticas diárias. Ao passar por uma di�culdade econômica, há uma herança de valores que me fará lidar com essa condição de uma determinada forma ou de outra. Dependendo das condições que passe e como tenho que agir para superá-la, pode reforçar os valores que tenho ou modi�cá-los, até mesmo rompê-los. Há também a construção futura dos modelos de ação, em que se estabelece o sentido por meio do interesse de um resultado que virá depois da ação praticada. Uma ação preventiva é, também, uma ação fundada no modelo futuro. Um pai preocupado com seu �lho pode abrir uma caderneta de 43 poupança, esse é um exemplo de uma ação futura. Em algumas civilizações, já que falamos do ato de poupar, a preocupação em prevenir uma possibilidade de crise pode ter consequência direta em uma política econômica. Os japoneses têm, por tradição, poupar. Logo, em alguns casos, aquecer a economia nipônica dá relativo trabalho, já que fazer os japoneses irem às compras não é uma tarefa fácil. No Brasil, pelo resultado do endividamento das famílias brasileiras pelo crédito fácil, o modelo econômico é oposto. Esses modelos se interagem dentro dos indivíduos ao longo do tempo e podem ganhar interpretações novas com as mudanças das condições presentes. O que é uma tradição ligada a um ritual moral de responsabilidade pode se associar apenas à comercialização de uma festa, um momento de êxtase sem compromisso futuro. Se usarmos o casamento como um fenômeno social, sua permanência como ritual de associação à união conjugal está perdendo importância. Hoje, mais de 50% dos casais, segundodados do Instituto Brasileiro de Geogra�a e Estatística, do Censo de 2010 (IBGE, 2010), não se casaram no civil ou no religioso. Ou seja, a maioria dos casais não adota o ritual do casamento, a cerimônia. Porém, as festas de casamento são cada vez mais um espetáculo. Sua idolatria está na aparência requintada da cerimônia e não na permanência da união. Se casar é uma festa, o casamento, para alguns, é uma prisão. Logo, muitos dos comportamentos que temos em nossa sociedade têm um sentido diferente do que há décadas. O que antes poderia ser associado a um ritual de importância para a coletividade, hoje pode estar associado apenas a uma super�cialidade momentânea. A família está em constante transformação, contudo ainda se preserva o modelo tradicional — patriarcal monogâmica e consanguínea — na busca de constituir uma união estável. Porém, estatisticamente, segundo o Censo de 2010, novos modelos familiares estão surgindo. A família tradicional está em decadência. Se os modelos de ação são construídos nas relações sociais mediante as heranças das gerações passadas, das condições presentes e do sentido futuro, os modelos foram classi�cados por Weber em quatro características ideais: racionais com relação a �ns; racionais com relação a valores; tradicionais e afetivos. 44 Esses modelos serão explicados aqui separadamente, mas apenas como uma forma didática para facilitar a compreensão, pois na vida social se dão em conjunto. Jamais encontraremos um modelo agindo de forma pura. Por muitas vezes, a existência de um determinado modelo está associada a existência de outro. Um exemplo, que veremos a seguir, é a tradição e a emoção, modelos que tendem a se complementar. Racional com Relação a Fins Weber considera que a civilização ocidental tem sua organização fundada na racionalidade lógica. Nossa forma de compreender as instituições, suas funções e nossas relações com elas é toda orientada pela razão. A legislação que o Ocidente criou para orientar sua conduta em sociedade é racional lógica. Há uma intenção racional na forma como nos organizamos e buscamos manter nossas instituições. Consideramos que a racionalidade é a condutora para o progresso humano, e que a vida em sociedade deve ser pautada na compreensão dos fenômenos sociais pela racionalidade cientí�ca. É por meio dela que orientamos nossa ação para a superação de problemas, que podem ser de ordem coletiva ou particular. Se estivermos doentes, devemos procurar um médico, se uma sociedade tem uma epidemia, o Estado deve tomar atitudes racionais para tentar sanar o problema, buscando a prevenção e a cura. A racionalidade lógica está sustentada na busca de atender interesses utilizando uma ação fundada na razão objetiva. Uma busca determinada sempre necessita de ações lógicas para que seja executada. Um dos exemplos utilizados por Weber é do engenheiro que constrói uma ponte porque tem que estabelecer uma ligação nas duas margens do rio. Outro exemplo é o aluno que, se quer fazer um determinado curso, matricula-se em uma universidade. Se uma mulher deseja evitar ter �lhos, toma anticoncepcional. Se alguém deseja chegar a um determinado lugar, vê o caminho mais e�ciente e seguro. Quando observamos o comportamento social, podemos concluir que pela ação poderíamos deduzir a intenção de quem a pratica. Em uma sociedade capitalista, na qual a economia exerce um papel fundamental em nossas vidas, nosso 45 comportamento com o dinheiro deveria ser racional e lógico, já que ele é apenas um meio de atender às nossas necessidades. Se tenho necessidades vitais para me manter e garantir a minha sobrevivência, devo fazer com que o dinheiro cumpra essa função. Logo, deveria investir em atividades de quali�cação ou aplicar em bens que me permitam obter mais dinheiro para minha segurança futura e melhora da minha qualidade de vida. Se não tenho quali�cação e necessito melhorar minha condição de vida, posso investir em um curso técnico ou superior e jamais utilizar de meu dinheiro para comprar um automóvel diante dessa necessidade racional e lógica. A economia, por exemplo, é em sua essência racional com relação a �ns. A aquisição de um determinado bem implica a obtenção de um determinado valor em dinheiro para poder adquiri-lo. Em uma sociedade como a nossa, na qual tudo se estabelece por uma relação econômica, o valor monetário do que está a nossa volta não deveria ser desprezado em momento algum. Marx acreditava que isso seria uma forma de dar ao homem uma consciência das suas relações sociais, percebendo a dinâmica da sociedade capitalista. Para Weber, essa concepção puramente racional e lógica não existe de forma pura e não é única determinante das atividades econômicas. Quando falamos de economia, da vida cotidiana permeada pelas condições econômicas, temos que entender outro modelo de ação, o lógico em relação a valores. Vamos tratar dele a partir de agora. Racional com Relação a Valores Uma crença, um valor moral e um sentido emocional que exija um ritual associado a um comportamento esperado. A racionalidade é uma exigência aparente da forma como avaliamos o comportamento do outro, mas o valor a ela associado pode ser um determinante para o comportamento que nossa busca de racionalizar não consegue compreender de imediato, a não ser quando analisamos com mais cuidado. Por isso, há uma associação de um determinado valor a um comportamento que se pratica. Uma necessidade de cumprir um ritual para atingir um benefício que nem sempre está denunciado diretamente ao comportamento. 46 Pelo senso comum, a�rmamos que os alemães são orgulhos, assim como os japoneses. Comentamos do nacionalismo norte-americano, do bom humor italiano e da hospitalidade brasileira como características desses povos. Essas características são esperadas quando nos relacionamos com alguém que tenha como identidade uma dessas nacionalidades e sua característica especí�ca. Não espero de um italiano a mesma passividade de um nipônico diante de uma mesma situação. Esses valores podem ser apenas fantasiosos, não se comprovando em sua maioria, mas podem ter uma expressão de verdade diante de determinadas condições em que se exija um comportamento mais adequado para um do que para outro. Podemos considerar, por exemplo, a destruição de um país, como aconteceu com os japoneses depois do tsunami em 2011. Assolado, o país precisou agir rápido e teve que se organizar para superar problemas ocasionados pela catástrofe. Foi preciso procurar sobreviventes, restaurar a rede de energia, recuperar as estradas, tratar os doentes, realizar o abastecimento de água e alimento para a população, entre outras tantas necessidades. O mundo assistiu à organização da sociedade no dia a dia, sua capacidade de cooperar em momentos críticos, esperar na �la para obter água e alimento, para pegar um transporte coletivo, para abastecer um veículo e para usar um telefone. Essa prática coletiva está além da racionalidade, está ligada ao valor moral que atinge o conjunto social. Essa condição que se estende por um número de indivíduos e que os identi�ca por um comportamento comum é que chamamos de valor associado. Os japoneses foram racionais ao se comportarem de forma organizada, mas também havia um sentido comum de valor ao considerarem que essa prática levaria ao restabelecimento de seu país e de sua nacionalidade que é tão cara para a população. 47 A honra é para algumas comunidades algo caro, que deve ser preservada e estar presente diante de situações em que aquilo que se deseja preservar está ameaçado. Colocamos no início dessa exposição os indianos e sua organização, mostrando a forma como eles se comportam em determinado momento associada a um valor que não existiria em outra civilização, é isso que estamos reforçando aqui. A economia tem em seu desenvolvimento inúmeros casos que podem servir para tratar do comportamento lógico em relação a valores. O dinheiro, como falamos, é um meio, mas onde ele é aplicado depende da intenção de quem o tem. Dessa forma, investir, consumir, usar o dinheiropara aplicar e obter mais ou gastar para adquirir objetos de prazer imediato são opções de quem tem o dinheiro e dependem dos valores do ser humano diante da condição econômica. Pessoas com a mesma quantidade de dinheiro, tendo a mesma escolaridade e acesso às mesmas informações sobre objetos de consumo e possibilidades de aplicação �nanceira, podem não ter o mesmo comportamento. Em parcela considerável de uma sociedade esse pode ser um comportamento comum, como falamos dos japoneses anteriormente. O trabalho, enquanto atividade racional, a dedicação a ele e a valorização social de sua prática devem ser considerados em relação ao valor que ele estabelece. Em um de seus trabalhos, A ética protestante e o espírito capitalista, Max Weber 48 analisa o trabalho de operárias protestantes e pietistas, que se concentram de forma singular em relação ao trabalho, quase não cometendo acidentes e se igualando às operárias conservadoras: Uma imagem retrógrada da forma tradicional do trabalho é atualmente apresentada muitas vezes por operárias, especialmente pelas que não são casadas. [...] O contrário se dá geralmente e este não é um ponto insigni�cante de acordo com a nossa visão, apenas com moças com uma formação especi�camente religiosa, em especial a pietista. Ouve-se frequentemente, e con�rma-o a investigação estatística, que de longe, as melhores oportunidades de uma educação econômica são inegavelmente encontradas neste grupo. A capacidade de concentração mental, tanto quanto o sentimento de obrigação absolutamente essencial para com o próprio trabalho, estão aqui combinados com uma economia estrita que calcula a possibilidade de altos vencimentos, um autocontrole e uma frugalidade que enormemente aumentam a capacidade de produção (WEBER, 1980, p. 193). Logo, pela colocação de Weber, a formação religiosa in�uencia o desempenho no trabalho e determina um ritmo à atividade econômica. Investe-se no trabalho para obter um determinado interesse atendido e se busca realizar pela atividade pro�ssional um reconhecimento religioso. O sucesso pro�ssional é, então, uma fusão da dádiva divina e do resultado de uma disciplina que se associa à ética religiosa. Em nossa sociedade, na qual associamos a atividade econômica apenas à aquisição de bens e não compreendemos a lógica racional da economia, estamos gerando uma problemática entre o desejo de ter pela simples emotividade, sem ter um valor associado que gera o merecimento. O valor social do consumo não estabelece associado a ele um comportamento de produtividade laboral, ou seja, o trabalho. Vale lembrar que a educação, por exemplo, deve ser analisada por esse aspecto do valor associado à dedicação do conhecimento. A busca por compreender racionalmente o mundo a nossa volta tem que ter um sentido que vá além da objetividade de estudar. A razão lógica que justi�ca o estudo já é conhecida e, por muitas vezes, vira apenas retórica. Agora, compreender os benefícios culturais que a educação gera está associado a valores agregados à busca do 49 saber. Enquanto estivermos valorizando os que não têm uma dedicação ao estudo, estimularmos os benefícios aos que se desviam da conduta do conhecimento, vamos colher problemas. As relações que estabelecemos na vida pro�ssional, no ambiente familiar e nas atividades de lazer tem pouco sentido de reconhecimento da educação como ato de valor. Deveríamos reverter esse aspecto. O estímulo à educação deve compreender não só as associações racionais, mas as demais atividades do cotidiano. Os méritos dos mais dedicados devem associar as posições sociais de maior relevância. Se tivermos os nossos expoentes sociais associados ao conhecimento e à busca de competência intelectual, cientí�ca e técnica levaríamos os demais elementos sociais a perceber a associação do sucesso à educação. Agora vamos tratar dos demais modelos de ação que ainda restam abordar aqui, o emocional e o tradicional, que se completam, determinando também as ações sociais, segundo Weber. Afetiva A ação afetiva é aquela na qual o comportamento é movido por um sentimento, seja ele de afetividade, de rejeição, de sedução ou de ódio. A vingança também pode ser considerada um modelo determinante da ação social. Vivendo um momento de êxtase coletivo, uma paixão por determinado evento político, o comportamento da sociedade pode ser alterado. A associação da emotividade à tradição pode ser um exemplo dessa intenção. Na Alemanha, o que levou o país à Segunda Guerra Mundial (1939-1945) foi o sentimento de vingança do povo alemão, a busca de um revanchismo pela humilhação sofrida no �nal da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Esse mesmo sentimento foi um campo fértil para o surgimento do nazismo, fundado em uma exaltação do germanismo. Weber considera que lideranças políticas acendem com um sentimento de identi�cação com o líder, como uma relação de emotividade carismática. 50 Em uma sociedade, pode ocorrer uma emotividade associada a fatos que abalam o sentimento de unidade coletiva, como já vimos o exemplo da Alemanha entre as duas guerras mundiais. Há, porém, a emotividade que pode levar à depressão e descrença na unidade. Em alguns países, o sentimento de depressão gerou comportamentos preocupantes. Se pensarmos na grande crise econômica durante a quebra da Bolsa de Nova Iorque, em 1929, o número de suicídios cresceu signi�cativamente. Não podemos negar o sentimento de desespero que levou uma parte dos suicidas a colocarem �m em suas vidas por terem perdido todo o seu patrimônio. Em outros países, a falência não traria esse desespero, principalmente naqueles em que a oportunidade econômica não é vista com uma condição para todos. No extremo oposto da emotividade que leva ao suicídio, vale descrever os kamikazes na Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Eles morreram pela pátria em um sentimento de nacionalidade. A vida pela glória do japonês. No Brasil, vale ressaltar, imigrantes japoneses não aceitaram a derrota na Segunda Guerra Mundial e consideravam uma desonra quem a admitisse. Uma série de ações de vingança e luta entre os membros da comunidade nipônica demonstra o sentimento patriótico mesmo não vivendo no Japão. Nas relações individuais, a ação afetiva é facilmente percebida. Quantas vezes não praticamos o sentimento de vingança ou por paixão promovemos ações irracionais. Em diversos momentos, é a emotividade que, junto com outros modelos, impulsiona a nossa relação com outras pessoas. Quando observamos a sedução, �ca mais nítido o sentido emocional. Agimos para atrair a atenção, ter o reconhecimento, receber destaque em meio a uma multidão. Em empresas, a emotividade é utilizada para incentivar determinados tipos de comportamento no trabalho. Na escola, ela pode ser um grande aliado na busca de melhorar o desempenho dos alunos, mas também, por ela, pode-se prejudicar o desempenho escolar. Em diversos ambientes de ensino, o aluno com mau comportamento é retratado como o destaque entre os colegas. A tradição, que veremos a partir de agora, também é um dos modelos de ação trabalhados por Weber. 51 Tradição A tradição é um modelo de repetição associado a um valor que permanece. Muitas vezes, o comportamento permanece, mas o valor acaba se desassociando dele. Uma tradição é a condição em que se mantém um determinado comportamento arraigado em uma sociedade e que gera um sentimento (modelo emocional) muitas vezes de segurança. A permanência de um regime de governo, um ritual religioso, uma comida típica e uma tradição de liderança são alguns exemplos. O comportamento tradicional, em sua origem, poderia estar associado a uma razão lógica ou a um valor, mas com o passar do tempo, sua permanência ganha um sentido próprio e se perpetua relacionado a um número signi�cativo de elementos, muito além do que lhe deu origem. O casamento pode ser considerado uma tradição, mas nem por isso está associado à manutenção de uma relação duradoura. Nas comidas típicas, a permanência pode ser uma associação de valores comerciais ou mesmo de identidade social com umpassado, sem que o alimento continue sendo uma expressão lógica. Na origem da comida típica, há uma condição de ambiente, clima e disponibilidade de ingredientes, que podem não existir mais, mas o alimento ainda é produzido. Na política, podemos exempli�car a condição do mando, da associação do poder com determinados grupos sociais. Ao repetir o mando ao longo de gerações, associa-se o poder a determinados personagens e sua hereditariedade. Nos países onde a monarquia se mantém, pode-se dizer que é fruto de uma tradição que não encontra respaldo racional lógico. O modelo monárquico inglês, com seu parlamento, é um bom exemplo. O império japonês também poderia ser colocado como uma manutenção tradicional. No Brasil, a política coronelista, o mando de determinadas famílias em regiões de predomínio agrário ainda se mantém. Por mais que os coronéis tiveram sua origem em uma sociedade agrária exportadora durante a primeira república, e o mando do proprietário de terra remonte o período colonial, as oligarquias agrárias ainda continuam tendo uma forte in�uência sobre o poder no país. A tradição deve ser entendida como uma condição importante para que certos comportamentos se realizem e acabem por valorizar a prática necessária em uma sociedade. Hábitos repetidos ao longo do tempo e que demonstram 52 civilidade acabam por valorizar uma relação estável. A preservação da democracia como um ambiente político é uma racionalidade, mas também pode ser uma expressão de tradição ao longo do tempo. Acesse o link: Disponível aqui A Ação Social é um conceito que Weber estabelece para as sociedades humanas e a essa ação só existe quando o indivíduo estabelece uma comunicação com os outros. Tomemos o ato de escrever como exemplo. Escrever uma carta certamente é uma ação social, pois ao fazê-lo o agente tem esperança que a carta vai ser lida por alguém. Sua ação só terá signi�cado enquanto envolver outra pessoa. No entanto, escrever uma poesia, na medida em que ela envolve apenas a satisfação ou a expressão das sensações do poeta, não é uma ação social. Na visão de Weber, a função do sociólogo é compreender o sentido das ações sociais, e fazê-lo é encontrar os nexos causais que as determinam. Assim, o objeto da Sociologia é uma realidade in�nita e para analisá-la é preciso construir tipos ideais, que não existem de fato, mas que norteiam a referida análise. 53 http://www.sociologia.seed.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=559 Max Weber nasceu em Erfurt, na Alemanha, em 1864, e faleceu em Munique, em 1920. Seus trabalhos estão ligados à Economia Política, uma das áreas nas quais se graduou na Universidade de Heidelberg, mas trabalhou em diversas universidades de prestígio na Alemanha. Sua carreira acadêmica é marcada por instabilidade emocional, mas uma produtividade avassaladora. Filho de um empresário bem-sucedido e de uma nobre com formação religiosa conservadora, Weber teve em seu irmão outro pensador de sucesso: Alfred Weber. A esposa de Max, Marianne Weber, foi sua mais importante auxiliar e biógrafa. Suas teses se direcionaram para o entendimento dos aspectos culturais na vida econômica. A obra em que Weber coroa suas teses é A ética protestante e o espírito capitalista. Fonte: elaborado pelo autor. 54 06 Karl Marx e o Materialismo Histórico A crítica ao capitalismo é a característica mais forte do alemão Karl Marx. Ele foi um herdeiro da escola idealista, que teve em Hegel sua maior expressão, e não poupou a sociedade capitalista de sua forma irônica de tratar temas caros ao interesse do liberalismo. Em outros momentos, enfatizou as contradições que a sociedade industrial apresentou em seu tempo e ainda hoje expressa. De suas teses, e por ele mesmo, nasceu a defesa do socialismo cientí�co e a idealização da sociedade comunista. O socialismo deve ser, para ele, uma busca da classe operária, que vive uma luta de classes como em nenhuma outra sociedade que a antecedeu. O proletário deve ser a classe revolucionária sob a pena de perder o bonde da história. Obviamente, iniciamos nossa discussão falando de um Marx “pan�etário”, parcial e engajado na defesa de um projeto político e ideológico. Essa é uma diferença em relação ao autor que analisamos anteriormente, Émile Durkheim. A parcialidade é inerente ao cientista social, diferente dos pesquisadores das Ciências Naturais. Esse é um ponto importante nas teses do materialismo histórico e dialético, a imparcialidade do pesquisador. Para Marx, as Ciências Naturais têm um método incompatível com o das Ciências Sociais e Humanas. O homem que analisa a sociedade está inserido nela, ele tem em si os seus valores. O olhar do pesquisador carrega inerentemente um posicionamento político e ideológico. O próprio Marx jamais fugiu da parcialidade em sua análise e na busca de implantar uma sociedade socialista. Ele considerava que, diante do posicionamento ideológico que o pensador social traz consigo, o pensamento deve ser direcionado para uma luta política fundada em um projeto cientí�co de sociedade. Esse projeto deve partir de uma análise crítica ao capitalismo, análise fundada no conhecimento cientí�co. Da crítica que se faz, deve-se elaborar um projeto de sociedade para a superação dos problemas que o capitalismo apresenta. Por isso, para ele, a Economia e a História têm destaque como instrumento de análise. Esses dois campos do conhecimento são capazes de dar subsídios para a compreensão das transformações que os homens promoveram em si e na natureza mediante os meios de produção. Para Marx, a sociedade capitalista foi resultado das transformações que ocorreram na Europa com o advento das práticas mercantis. Nesse contexto, a classe burguesa organizou o seu projeto de sociedade e estabeleceu o seu poder 56 sobre a economia e o Estado. A burguesia se constituiu como classe dominante na sociedade capitalista após tomar o poder e destituir o sistema feudal. As teses liberais, para Marx, seriam a expressão ideológica da burguesia, seu instrumento de explicação do mundo. Essa ideologia foi imposta aos demais membros da sociedade e serve para legitimar os interesses da dominação. O proletário deve se libertar dessa dominação ideológica, mas para isso deve compreender cienti�camente como a sociedade capitalista se sustenta. Quais são as condições em que o capitalismo constrói a vida humana, as formas de dominação e, principalmente, de exploração. Por isso, a necessidade de entender o modo de produção da vida material no capitalismo e desvendar as condições em que se dá o acesso dos seres humanos às suas necessidades. É aqui que se destaca o papel da mercadoria, a condição única em que se adquirem as necessidades humanas. Tudo o que necessitamos só pode chegar até nós em forma de mercadoria na sociedade capitalista. Em seu maior livro O Capital, Marx faz uma crítica à economia política e desvenda as condições em que a sociedade capitalista se organiza. Ele parte da mercadoria para entender a relação dos homens com a natureza e a transformação desta nos bens necessários para a produção de outros bens ou para atender às necessidades humanas. De um alimento a uma máquina industrial, a mercadoria é a condição em que objetos se transformam e cumprem o seu destino de atender à vida material e imaterial do homem. Contudo, com o desenvolvimento da divisão do trabalho associado à maquinofatura, o capitalismo aprimorou as técnicas de produção da vida material e rompeu a consciência do homem de seu papel na produção do que 57 necessita. O ser humano da sociedade industrial já não consegue perceber a importância do seu trabalho na produção de sua existência e dos demais seres que com ele compartilham os interesses de consumo dos bens industriais. A complexa rede de produção industrial fez com que os trabalhadores não fossem mais capazes de entender como os bens foram gerados. Por isso, a burguesia utiliza os meios imateriais mediante a ideologia para incutir na classe operária a falsa ideia das condições e das relações sociais. A mercadoria,então, é a chave para entender as relações capitalistas, nela há muito mais que o valor de um produto, está toda a condição de organização da sociedade na produção da vida humana. Não é por acaso que Marx se dedicou a vida toda a entender o funcionamento da economia capitalista, tendo na mercadoria um dos seus elementos mais importantes. Ao de�nir a mercadoria, em O Capital, Marx a�rma: A mercadoria é, antes de mais nada, um objeto externo, uma coisa que, por suas propriedades, satisfaz necessidades humanas, seja qual for a natureza, a origem delas, provenham do estômago ou da fantasia. Não importa a maneira como a coisa satisfaz a necessidade humana, se diretamente, como meio de subsistência, objeto de consumo, ou indiretamente com meio de produção. [...] A primeira vista a mercadoria pode parecer coisa trivial, imediatamente compreensível. Analisando-a, vê-se que ela é algo muito estranho, cheia de sutilezas metafísicas e argúcias teológicas. Como valor-de-uso, nada há de misterioso nela, quer a observamos sob o aspecto de que se destina a satisfazer necessidades humanas, com suas propriedades, quer sob o ângulo de que só adquire essas propriedades em consequência do trabalho humano. É evidente que o ser humano, por sua atividade, modi�ca do modo que lhe é útil a forma dos elementos naturais. Modi�ca, por exemplo, a forma da madeira, quando dela faz uma mesa. Não obstante a mesa ainda é madeira, coisa prosaica, material. Mas, logo que se revela mercadoria, transforma-se em algo ao mesmo tempo perceptível e impalpável. Além de estar com os pés no chão, �rma sua posição perante outras mercadorias e expandem as ideias �xas de sua cabeça de madeira, fenômeno mais fantástico do que se dançasse por iniciativa própria (MARX, 2002, p. 46 e 56-57). 58 Essa forma da mercadoria que Marx expõe é o fetiche. Ele se constitui como o valor estabelecido pela burguesia para o produto, no qual a mercadoria encobre a condição material e real de produção, passando a ser propagada como fruto de uma idealização do homem. A vida se justi�ca da imagem fantástica dos objetos produzidos pela sociedade industrial. Esse preenchimento que a mesa produz com seu encantamento em forma de mercadoria, um objeto que só falta “dançar por conta própria”, preenche o vazio entre as condições de produção e a consciência do homem. Isso demonstra que o ser humano perdeu a compreensão das relações que produzem sua vida. Se considerarmos as condições em que vivemos na sociedade atual, levando em consideração a teoria de Marx, o fetiche está propagado. Nossa relação com os objetos de consumo são marcadas por um mundo de fantasias mais irreal que um conto de fadas. Tudo porque a divisão do trabalho se ampliou e se transformou em uma cadeia mundial de produção. O bem de consumo pronto, ao alcance de nossas mãos, ou melhor, de nosso bolso, próximo �sicamente, está distante de ser compreendido por nós em sua cadeia complexa de produção. O poder de determinação da burguesia sobre a sociedade se intensi�cou na mesma intensidade em que a sociedade capitalista viu expandir a divisão do trabalho promovida pela maquinofatura e em que a mercadoria passou a envolver um maior número de indivíduos em suas relações de produção e de consumo. O ideário burguês se alastrou por meio do liberalismo e se impôs como condição de poder em quase todos os cantos do mundo. Essa condição capitalista é o fator determinante das instituições que temos hoje em nossa sociedade. Independentemente de qual seja a proposta de ação e atuação promovida pelas mais diversas instituições sociais, dando sempre este ar de aparência democrática, ela está subordinada às condições capitalistas de produção e, por isso, reproduz seus interesses. A escola é um bom exemplo dessa falsa ideia de liberdade de pensamento que o liberalismo induz. Segundo Marx, a educação está instituída dentro das relações capitalistas, dessa forma, o conteúdo e as disciplinas apresentados aos alunos e a forma como são organizados acabam por favorecer a compreensão burguesa de mundo. 59 A burguesia utiliza todos os meios para justi�car o seu poder, mas principalmente justi�car a propriedade privada dos meios de produção, formas que permitem a ela dominar as relações que produzem a vida material. Desde que a maquinofatura se estabeleceu como principal meio de transformação da natureza em produto, a classe burguesa passou a ampliar a capacidade produtiva das máquinas. Dessa forma, a dominação se torna mais intensa na medida em que os trabalhadores se transformam apenas em uma extensão das máquinas que detêm a inteligência produtiva. Tendo a propriedade das máquinas, a classe burguesa detém o controle sobre a produção da vida. Para entender melhor a relação entre meios de produção, burguesia e classe operária é bom esclarecer as condições em que a nossa vida é mantida por meio da aquisição da mercadoria, o que já falamos anteriormente. Perceba que tudo o que nos rodeia, sem tirar qualquer elemento, só é possível atender às nossas necessidades se for adquirido em forma de mercadoria. Da luz que se dá com o apertar de um botão ao alimento que adquirimos nas gôndolas dos mercados, qualquer produto que sofra a transformação humana só pode ser adquirido em forma de mercadoria. Se a mercadoria atende às necessidades da vida humana, então podemos medir o valor da existência de um indivíduo por meio da mercadoria e da sua capacidade de adquiri-la. Como isso pode ocorrer? Basta entendermos que, para adquirirmos as condições necessárias para suprir nossas necessidades, temos que consumir mercadorias, logo, o nosso salário é a proporção de vida que podemos adquirir. O salário é, então, a proporção mensal que a existência humana pode merecer. É bom fundamentar, porém, que o salário nada mais é que a quantia paga pela venda de nosso trabalho. Se vendemos o nosso trabalho por um determinado valor, o que determina o quanto ele vale? Se formos entender o mercado de trabalho, ele vale a proporção de riqueza que é capaz de produzir e a quantidade de pessoas habilitadas para realizá-lo. Quanto mais indivíduos aptos à realização de uma determinada tarefa, mais baixo será o salário (lei da oferta e procura). Para obter maior produtividade sem depender da força de trabalho, a classe burguesa desenvolve tecnicamente os meios de produção. Dessa forma, aprimorando o maquinário industrial, a burguesia reduz a necessidade de 60 trabalhadores e, por consequência, o número de operários dos quais depende. Os que são menos necessários como força de trabalho tendem a ganhar cada vez menos ou serem excluídos da condição de força produtiva. O cálculo do salário do trabalhador também deve ser considerado no valor da mercadoria. O preço do produto tem nele a quantia de trabalho exercida pelo operário. Contudo, a remuneração dada ao trabalhador não é proporcional à riqueza que ele produz. A porcentagem do trabalho que o trabalhador aplica para a produção de uma mercadoria é remunerada por um valor menor. Se um operário imprime R$ 20,00 no valor de cada produto em forma de trabalho, vai receber pelo trabalho aplicado R$ 5,00. Essa é a mais valia absoluta. Existe também a mais valia relativa, segundo Marx, que são as mudanças efetuadas nas técnicas de produção que reduzem o custo �nal do produto. Equipamentos novos, formas de organização espacial do maquinário, terceirização de etapas da produção, en�m, tudo o que permite reduzir os custos de produção. Hoje vivemos um investimento acentuado nas inovações técnicas da produção. O principal motivo é garantir uma maior lucratividade das empresas capitalistas nos custos �nais dos seus produtos. Note, caro (a) aluno (a) que o materialismo histórico de Marx se constitui, como exemplo, na mais valia, que determina como as relações sociais ocorriam nos primórdios do capital, enquanto crítica do autor: de exploração dos trabalhadores por parte da burguesia, uma crítica social relevante para o autor. Acesse o link: Disponível aqui Já pensou em conhecer mais o materialismo histórico deKarl Marx? O canal sociologia animada expôs com clareza o modo como Marx percebe a realidade social à sua volta. 61 https://www.youtube.com/watch?v=pGUhM-i3PK0 Fonte: Disponível aqui O marxismo foi concebido como teoria transformadora da realidade. Por essa razão, suas primeiras grandes expressões – Marx, Engels, Lênin, Trotsky, Rosa Luxemburgo, Gramsci, – foram, ao mesmo tempo, indissoluvelmente, teóricos e dirigentes revolucionários. Suas análises e denúncias estavam comprometidas com captar o nervo do real com suas contradições como motores da realidade, para poder compreendê-la na sua dinâmica e decifrar suas alternativas. Seu trabalho teórico estava intrinsecamente comprometido com projetos de transformação concreta e radical da realidade. Daí essa identidade indissolúvel entre trabalho teórico e direção política revolucionária, prática intelectual e trabalho partidário, as fronteiras entre suas atividades como teóricos e como dirigentes revolucionários eram tênues, a ponto que a primeira sistematização da ideia do comunismo – o Manifesto Comunista – foi encomendada politicamente e serviu como documento básico do primeiro partido internacional dos trabalhadores. 62 https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/O-indissoluvel-nexo-entre-teoria-e-pratica-no-marxismo/4/15187 07 Os Clássicos Ainda Importam? Durante nossa jornada, analisamos alguns autores considerados clássicos da Sociologia (Émile Durkheim, Max Weber e Karl Marx), que formam sua base de explicação tradicional. De antemão, sinalizamos que eles são os mais explorados pela Sociologia, tanto no Ensino Médio quanto no Ensino Superior. Evidentemente que, em algum momento de nossas vidas, estudamos esses autores como se falassem a “verdade absoluta” sobre a Sociologia, o que evidencia a face da disciplina perante as demais. Quando ouvimos a expressão “fato social”, prontamente a ligamos a Durkheim, autor que a cunhou para explicar como o poder de coerção de tais fatos pode in�uenciar os comportamentos individuais e coletivos de cada indivíduo. Da mesma forma, falar em ação social ou nas formas puras de dominação prontamente nos remete a Weber, que, a partir de sua Microssociologia, delimitou como as ações individuais, extremamente racionais, são experimentadas em microespaços, porém com re�exos amplamente sociais. Por �m, a visão acerca do capitalismo proporcionada por Marx nos faz enxergar como a sociedade, ao mesmo tempo inclusiva, pode ser excludente no tocante às desigualdades sociais. Antes de examinarmos essa questão, vale ressaltar que um autor se torna clássico quando tem o poder de perpetuar seus ensinamentos ao longo dos anos. Qual é a origem desse termo, então? Se veri�carmos o ambiente do Classicismo (período de valorização dos padrões estéticos do mundo antigo), notamos que as manifestações dessa corrente se dão na modernidade, com a visão antropocêntrica sendo valorizada. Logo, o Classicismo ressalta que o homem deve estar no centro das pesquisas �losó�cas, sendo, dessa forma, a razão e a chave para compreensão da natureza humana. 64 Essa caminhada sobre os chamados “clássicos” da Sociologia nos remete à seguinte questão: será que esses autores, cada qual com sua possibilidade de re�exão, ainda podem ser considerados clássicos? Além disso: qual é a medida encontrada para dizer que Durkheim, Weber e Marx ainda in�uenciam os comportamentos sociais, isto é, a nossa vida e as nossas atitudes em/na sociedade? São essas questões que pretendemos discutir, a �m de expor os motivos pelos quais tais autores ainda importam (ou não) no ambiente de re�exão da Sociologia. Nesse sentido, notamos que a razão e a explicação da existência humana em/na sociedade são questões inerentes aos chamados “clássicos” da Sociologia. Perceba que os três autores aqui elencados se preocuparam em compreender como, de forma racional e justi�cada, o homem se relaciona consigo mesmo e expõe essa relação na vida social. Ora, podemos visualizar que Durkheim obteve tal preocupação de imediato: a justi�cativa do nascimento da Sociologia, uma ciência destinada a estudar a dinâmica da sociedade e a publicação de um livro destinado a compreender os principais métodos dessa nova ciência são fatos que demonstram a preocupação do autor em consolidar esse novo campo de conhecimento. Da mesma forma, Weber observou, a partir de fenômenos sociais, como os indivíduos se relacionavam objetivamente perante à sociedade, esperando que determinadas pessoas agissem de acordo com cada intenção em cada ação especí�ca. A partir dessa observação, Weber pôde compreender que o capitalismo se desenvolveu de forma racional, por exemplo. Por outro lado, Marx notou que, em um ambiente pautado pela Revolução Industrial e pela crise 65 de origem de uma sociedade urbana não igualitária, era possível observar que alguns comportamentos inerentes às diferentes classes sociais se repetiam ao longo dos anos. Nesses três exemplos basilares, compreendemos inicialmente como tais autores, considerados clássicos da Sociologia, ainda têm importância no estudo dessa ciência. Além da in�uência do Classicismo nas origens da expressão, tais pensadores assumem o caráter de autores atemporais, isto é, não deixam de in�uenciar correntes de pensamento ou não perdem o poder com o passar dos anos. Observe que até hoje possuímos adeptos das suas ideias, bem como uma in�nidade de teorias sociológicas, de produções acadêmicas, de debates, de conferências e até mesmo de centros de pesquisa criados justamente para tentar explicar essa evidente ascendência. Observamos a seguir um quadro que demonstra justamente essa atualidade dos clássicos da Sociologia e em qual medida eles (ainda) in�uenciam o estudo da sociedade. 66 Quadro 1 - Abordagens sociológicas da sociedade moderna | Fonte: Fonte: Ribeiro (2016, p. 157). SOCIEDADE MODERNA Pensador Relação entre indivíduo e sociedade Conceitos principais Émile Durkheim (1858-1917) Sociologia positivista/funcionalista/objetivista Ser indivíduo é ser social; indivíduo como simples executor da estrutura (resíduo); a ação é subproduto da abstração. Fato social; ordem; anomia; objetividade; coerção social; coesão social; divisão social do trabalho; solidariedade mecânica e orgânica; consciência coletiva. Max Weber (1864-1920) Sociologia compreensiva/fenomenológica Sentido da ação de acordo com o sujeito; mundo social como uma rede de intersubjetividade; eu/”outro”. Ação social e individual; sentido; subjetividade; signi�cado de ação; autonomia; racionalidade; burocracia. Karl Marx (1818-1883) Objetivismo Indivíduo como produto das relações sociais de produção. Materialismo histórico; superestrutura; infraestrutura; fetichismo da mercadoria; capital; alienação; exploração; luta de classes; ditadura; revolução; dialética. Veja que nesse quadro cada um dos autores clássicos da Sociologia possui relação com a sociedade moderna e, por que não, com a atual sociedade pós- moderna/globalizada. Analisando cada um deles, notamos que o relacionamento 67 entre o indivíduo e o outro/mundo exterior é diferente, porém com o sentido de que a sociedade é um elemento essencial para compreensão de nossa realidade. Durkheim estabelece essa relação entre o indivíduo e a sociedade a partir do momento em que se assume que o ser é estritamente social. Isso signi�ca que o indivíduo executa um modelo baseado na força que a sociedade pode exercer sobre as pessoas. Logo, o fato social se justi�ca, exemplos como a escola, o casamento, a religião, entre outros, demonstram que os fatos sociais, no período analisado pelo autor, tinham a preocupação de demonstrar essa estrutura montada, em que o individual “apenas” executaria algo elaborado pelo coletivo. Por outro lado, Weber pondera que cada ação possui sentido a partir do momento em que um indivíduo a exercer. Logo, a sociedade é uma espécie de “rede”, em que a subjetividade constante dos indivíduos está presente e só é desfeita a partir do momento em que uma ação se torna social, isto é, tem como sentidoa pessoa que a recebe de quem a executa. Já Marx sinaliza que o indivíduo apenas reproduz o que as relações sociais de produção fornecem. Ou seja, na visão do autor, somos fruto da sociedade capitalista, na qual as relações de troca das mercadorias são constantes e fundamentais para o convívio em/na sociedade. Veja que em Marx essa relação é importante para compreender o modo que o autor analisa a sociedade, possuindo como ponto de partida as disputas ocasionadas pelo capital e seus desdobramentos. O quadro a seguir também auxilia na compreensão dos motivos pelos quais tais autores são considerados clássicos da Sociologia. São abordados, ainda os períodos históricos que cada um dos autores analisou, a sociedade e a a�rmação de teorias assertivas acerca da realidade social. 68 Quadro 2 - Relação de autores e períodos históricos | Fonte: Sell (2012, p. 17). IDADE ANTIGA/ MEDIEVAL IDADE MODERNA IDADE CONTEMPORÂNEA Sociedade Tradicional Mudança social Modernidade MARX Modo de produção antigo e feudal. Revolução Industrial. Modo de produção capitalista. DURKHEIM Solidariedade mecânica. Divisão do trabalho social. Solidariedade orgânica. WEBER Sociedades teocêntricas. Racionalização (desencantamento) Sociedade secularizada. Nessa abordagem, Sell (2012) aponta quais são os legados que cada um desses autores deixou para análise da sociedade contemporânea. Marx analisou a Revolução Industrial como basilar na Idade Moderna, e tal revolução culminou na consolidação do modo de produção capitalista e suas possibilidades de con�guração social ainda vigentes. Já Durkheim optou pela divisão do trabalho social na Idade Moderna, apontando que a solidariedade orgânica — aquela em que cada indivíduo cumpre seu papel especí�co na sociedade complexa — é o elemento que explica a contemporaneidade. Por �m, Weber, em um processo de racionalização e desencantamento do mundo, via a ação social (cada qual com um sentido especí�co), e observou que a secularização, elemento agregador a partir da religião, deixou de constar com a devida importância. Muitos consideram desnecessário retomar uma produção cientí�ca quase toda produzida no século XIX. Há sempre o questionamento que esses conhecimentos estão superados e seu entendimento não terá validade para quem quer compreender os dilemas da sociedade atual. Esse tipo de posicionamento é um engano, isso porque necessitamos compreender a 69 tendência dos pensadores da atualidade, pois ainda é nos pensadores clássicos que os contemporâneos buscam a sustentação de suas teses, senão na totalidade. Outro fator que nos faz considerar importante o estudo dos clássicos das Ciências Sociais é o preparo que ele nos dá para a leitura de outros teóricos da atualidade, os quais possuem uma formação fundada no trabalho dos primeiros grandes cientistas sociais e suas análises de uma sociedade que continua baseada nos elementos da economia de mercado, industrial e �nanceira. Isso acrescido de um aumento complexo das relações de produção e de divisão do trabalho social. Dessa forma, demonstramos a necessidade de estudar e analisar os clássicos da Sociologia, uma vez que esses autores (Durkheim, Marx e Weber) ainda in�uenciam não somente os autores contemporâneos, mas explicam as relações sociais estabelecidas na atualidade. Assumindo esse caráter “clássico”, eles fornecem instrumentos para compreendermos a necessidade justi�cada de uma Ciência da Sociedade, que irá pensar os fundamentos da relação entre a sociedade e a educação. Diante do impasse entre os clássicos da Sociologia e os novos saberes dessa área de conhecimento, questionamos: você consegue visualizar a importância desses clássicos na explicação da nossa sociedade atual? Você pode enxergar a força do casamento enquanto fato social de Durkheim, as relações de exploração da mais-valia em Marx e as ações lógicas em Weber em nosso cotidiano? Fonte: elaborado pelo autor. 70 Acesse o link: Disponível aqui Observando os processos associativos e formas sociais - por meio das estruturas econômicas e históricas, pelas divisões sociais do trabalho social, ou interações e motivações individuais – é possível aferir que todos os clássicos possuem contribuições importantíssimas para análises sobre construção de movimentos sociais. Percebeu-se que alguns autores privilegiam a in�uência das estruturas históricas e sociais manifestadas no desenvolvimento de sistemas econômicos e instituições fundamentadas em determinadas consciências coletivas, enquanto outros valorizavam mais as relações entre indivíduos, focando os conteúdos, sentidos e motivações atrelados às ações sociais. 71 http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/download/17533/9962 08 Sociologia de Pierre Bourdieu Outro autor que pode ser inserido nesta seleta categoria de clássicos da Sociologia é Pierre Bourdieu, nascido em 1930 e falecido em 2002. Com raízes �ncadas no campo, desenvolveu boa parte de sua Sociologia (e por que não Antropologia) buscando evidenciar a necessidade de abordar a(s) disciplina(s) como fundamentais para compreender a natureza humana. Bourdieu também possui destacada bibliogra�a na área da Educação, articulando os principais conceitos desenvolvidos ao longo dos anos para compreender como ela se relaciona com a vida humana e, da mesma forma, como nossa vida se liga à Educação diariamente. O propósito do autor, em uma so�sticada leitura sociológica, é nos fazer pensar sobre as relações sociais existentes e como elas ocorrem em nosso cotidiano. Diante desta tentativa, Bourdieu apresenta importantes conceitos que iremos tratar nesta unidade, a �m de evidenciar e analisar uma leitura complementar aos clássicos da Sociologia que, dependendo de quem a apresenta, pode ser considerada ou não como parte integrante da trinca de sociólogos já abordados. Com os conceitos de “habitus” e “campo”, o autor inaugurou uma nova análise acerca das estruturas sociais existentes. De saída, recorremos a Bourdieu para explicar o que é o habitus, a nosso ver o primeiro conceito fundamental para compreender o pensamento do autor. A reunião de in�uências sofridas por um indivíduo ao longo dos anos é denominada por Bourdieu como habitus, que nada mais é do que: [...] sistemas de posições duráveis, estruturas estruturadas predispostas a funcionar como estruturas estruturantes, quer dizer, enquanto princípio de geração e de estruturação de práticas e de representações que podem ser objetivamente “reguladas” e “regulares”, sem que, por isso, sejam o produto da obediência a regras, objetivamente adaptadas a seu objetivo sem supor a visada consciente dos �ns e o domínio expresso das operações necessárias para atingi-las e, por serem tudo isso, coletivamente orquestradas sem serem o produto da ação combinada de um maestro (BOURDIEU, 1994, p. 60-61). 73 O habitus, na de�nição clássica de Bourdieu, é um sistema de posições sociais duráveis que o indivíduo sofre ao longo dos anos, que tem por objetivo a articulação da sociedade com o comportamento individual. A partir desse comportamento “moldado” pela sociedade e com as in�uências individuais, o sujeito aprende uma língua, obtém costumes, valores e a noção da realidade social, além, é claro, de criar suas próprias ideias, que também irão contribuir para a modi�cação da sociedade em que está postado. A proposta de Bourdieu em relação ao habitus demonstra a sequência de ações ordenadas com a dinâmica social em que um sujeito está localizado. Se considerarmos um político, por exemplo, podemos a�rmar que o tipo de ação voltada para a sociedade desses indivíduos possivelmente irá re�etir o habitus adquirido ao longo dos anos com a participação política. Portanto, se um indivíduo tem uma ideologia política — avaliada a partir do conceito de habitus —, tal ideologia poderá re�etir as práticas sociais desse grupo, formadas tanto pela relação sociedade-sujeito quanto pela interferência dos comportamentos do sujeito diante da sociedade. Outro destaque relacionado ao habitus é a questãoda aprovação ou sanção de propostas nessa relação entre indivíduo e grupo. Se por um lado um indivíduo político pode (ou até deve) aceitar as medidas desencadeadas pela instituição que integra, por outro ele também será ator na confecção dessas medidas, o que poderá acarretar novas práticas institucionais. Portanto, um político, ao mesmo tempo em que aceita as medidas impostas pela política quanto à disposição do organismo que participa, também irá condicionar os rumos da política, articulando sua trajetória individual a uma “estrutura estruturante e estruturadora de práticas” (FREITAS, 2012, p.11). Essa predisposição do habitus em fornecer práticas ideológicas, sociais e políticas mostra como esse é um conceito que reúne uma vasta quantidade de informações: O termo habitus é utilizado, assim, como um conceito teórico que sistematiza um conjunto de saberes construídos ao longo da história da �loso�a e das ciências sociais. Envolve todas as in�uências que cada ser humano assimila dos meios sociais e culturais que mantêm contato, que vão se �xando em sua mente, como um “depositário de experiências”, mas que também o tornam capacitado para agir na prática de uma 74 maneira inovadora para resolver os novos problemas que surgem na convivência social e satisfazer suas necessidades e suas concepções (PRAXEDES, 2015, p. 15). Dessa forma, o habitus é constituído de maneira articulada à sociedade. Não poderíamos a�rmar que um político, em nosso exemplo, é um sujeito desconexo, que vive fora em relação ao seu grupo social. Ao passo que o indivíduo adquire o habitus, este poderá obter a noção de praticidade da vida, em especial quanto aos assuntos relativos aos campos sociais em que poderá atuar: a ação política em um partido; as atividades cotidianas pro�ssionais; o engajamento religioso; a convivência cultural de determinada comunidade quanto às manifestações artísticas; o engajamento educacional, que o conduzirá para o aprimoramento pro�ssional com o avanço dos conhecimentos adquiridos; e a participação institucional, sendo a maçonaria um exemplo disso. Bourdieu denomina “campos sociais” esse conjunto de inserção nesses meios: Em termos analíticos, um campo pode ser de�nido como uma rede ou uma con�guração de relações objetivas entre posições. Essas posições são de�nidas objetivamente em sua existência e nas determinações que elas impõem aos seus ocupantes, agentes ou instituições, por sua situação (situs) atual e potencial na estrutura da distribuição das diferentes espécies de poder (ou de capital) cuja posse comanda o acesso aos lucros especí�cos que estão em jogo no campo e, ao mesmo tempo, por suas relações objetivas com as outras posições (dominação, subordinação, homologia, etc.) (BOURDIEU, 1990, p. 72). Logo, um campo é uma teia em que as relações objetivas, dotadas de signi�cado e �nalidade especí�ca, são colocadas em prática por intermédio da posição em que um agente se localiza. A partir dessas posições do campo, os atores distribuem suas forças (ou capital, ao modo de Bourdieu), impondo os limites de atuação, a correlação de virtudes, en�m, o espaço próprio de atuação. 75 Um campo, na visão de Bourdieu, pode ser algo mais especí�co (como uma cidade, uma comunidade com regras próprias) ou nossa sociedade em geral. A ideia de campo, para o autor, surge no sentido de demonstrar que existem campos sociais especí�cos, em que cada sujeito dispõe de suas forças e fraquezas para jogar o jogo que cada campo requer. Ou seja, não basta pertencer a um campo ou a uma sociedade: é preciso conhecer e se habituar às regras existentes para poder melhor conviver neste campo ou nesta sociedade. Lahire (2002, p. 47-48) analisa elementos relacionados às características de um campo, a saber: Um campo é um microcosmo incluído no macrocosmo constituído pelo espaço social (nacional) global. Cada campo possui regras do jogo e desa�os especí�cos, irredutíveis às regras do jogo ou aos desa�os de outros campos (o que faz “correr” um matemático — e a maneira como “corre” — nada tem a ver com o que faz “correr” — e a maneira como “corre” — um industrial ou um grande costureiro). Um campo é um “sistema” ou um “espaço” estruturado de posições. Esse espaço é um espaço de lutas entre os diferentes agentes que ocupam as diversas posições. As lutas dão-se em torno da apropriação de um capital especí�co do campo (o monopólio do capital especí�co legítimo) e/ou da rede�nição daquele capital. O capital é desigualmente distribuído dentro do campo e existem, portanto, dominantes e dominados. A distribuição desigual do capital determina a estrutura do campo, que é, portanto, de�nida pelo estado de uma relação de força histórica entre as 76 forças (agentes, instituições) em presença no campo. As estratégias dos agentes são entendidas se as relacionarmos com suas posições no campo. Entre as estratégias invariantes, pode-se ressaltar a oposição entre as estratégias de conservação e as estratégias de subversão (o estado da relação de força existente). As primeiras são mais frequentemente as dos dominantes e as segundas, as dos dominados (e, entre estes, mais particularmente, dos “últimos a chegar”). Essa oposição pode tomar a forma de um con�ito entre “antigos” e “modernos”, “ortodoxos” e “heterodoxos” [...]. Em luta uns contra os outros, os agentes de um campo têm pelo menos interesse em que o campo exista e, portanto, mantêm uma “cumplicidade objetiva” para além das lutas que os opõem. Logo, os interesses sociais são sempre especí�cos de cada campo e não se reduzem ao interesse de tipo econômico. A cada campo corresponde um habitus (sistema de disposições incorporadas) próprio do campo (por exemplo, o habitus da �lologia ou o habitus do pugilismo). Apenas quem tiver incorporado o habitus próprio do campo tem condições de jogar o jogo e de acreditar na importância desse jogo. Cada agente do campo é caracterizado por sua trajetória social, seu habitus e sua posição no campo. Um campo possui uma autonomia relativa; as lutas que nele ocorrem têm uma lógica interna, mas o seu resultado nas lutas (econômicas, sociais, políticas...) externas ao campo pesa fortemente sobre a questão das relações de força internas. Em decorrência dessa disputa de um campo apropriado, os integrantes a realizam em busca da obtenção de um capital especí�co, que trará legitimidade dentro do campo. Qual é, então, o conceito de capital para Bourdieu? É mais do que a questão relacionada à economia: é um bem ou poder manifestado na sociedade, em suas formas especí�cas de condicionamento desse capital. Nesse sentido, haverá uma tendência na aproximação dos sujeitos que possuem um mesmo capital, que poderão ser convergentes ou divergentes em relação a um determinado assunto. Bourdieu (1989, p. 8) rati�ca essa disposição do capital: Sem dúvida, os agentes constroem a realidade social; sem dúvida, entram em lutas e relações visando impor sua visão, mas eles fazem sempre com pontos de vista, interesses e referenciais determinados pela 77 posição que ocupam no mesmo mundo que pretendem transformar ou conservar (BOURDIEU, 1989, p. 8). Bourdieu argumenta que são quatro os capitais existentes: econômico, cultural, social e simbólico. O capital econômico é formado a partir da reunião de fatores determinados à economia, como os meios de produção e as relações de mercado. Já o capital cultural é o conjunto de propriedades intelectuais transmitido pela família ou pela escola, sendo esse dividido em três: estado incorporado como disposição duradoura do corpo; estado objetivo, bem cultural e estado institucionalizado. O capital social é a união de relações sociais estabelecidas por um indivíduo em sociedade. Por �m, o capital simbólico está ligado diretamente ao reconhecimento, sendo associado aos demais capitais, não existindo sem eles e agregando valor a eles: O capital simbólico é esse capital denegado, reconhecido como ilegítimo, isto é, ignorado como capital (o reconhecimento no sentido de gratidão suscitado pelos benefícios que podem se derivar de umdos fundamentos desse reconhecimento), constitui, sem dúvida, com o capital religioso, a única forma possível de acumulação quando o capital econômico não é reconhecido (BOURDIEU, 2009, p. 196). O capital simbólico é o que mais nos interessa, pois tem a capacidade de in�uenciar o tipo de ação existente dentro do campo. Ele é a maneira que legitima, portanto, o poder simbólico que, de acordo com a posição de quem age dentro do campo, pode então dominá-lo: O capital simbólico confere poder e legitimidade — poder simbólico — ao agente ou grupo que o possui, a partir de seu reconhecimento dentro de determinado campo. Essa posse também está relacionada à posição do agente dentro do campo, e se dá em relação aos demais agentes, pressupondo o “desconhecimento da violência que se exerce através dele” (BOURDIEU, 2004, p. 194). 78 Portanto, o capital simbólico poderá ocasionar “poder e legitimidade” ou, então, “poder simbólico” ao agente social, mediante a sua identi�cação no campo. Cada campo também é detentor de um habitus próprio, e somente quem compreende as regras do campo pode se apropriar desse habitus e, consequentemente, entender o estilo de determinado campo. Da mesma forma, cada integrante do campo é descrito conforme a trajetória social adquirida (como visto, a trajetória é a construção de certos capitais acumulados ao longo dos anos), além do habitus e da posição ocupada dentro do campo. Nesta so�sticada Sociologia de Bourdieu, compreendemos que há uma nova visão de sociedade imposta pelo autor para nós. Ao passo que as tendências sociológicas de Durkheim, Weber e Marx nos são conhecidas amplamente, os adeptos de Bourdieu tem ampliado nos últimos anos, em decorrência de utilizar os conceitos de habitus, campo e capital, por exemplo, para explicar questões sociológicas mais densas. Assim, Bourdieu demonstra com esses conceitos um pouco de seu pensamento sociológico que, em conjunto com Durkheim, Marx e Weber, integra um grupo de autores fundamentais para compreensão da Sociologia ao longo dos anos. Por se tratar de uma “nova” Ciência, a Sociologia se dedica ao estudo de fenômenos comportamentais gerais, ao contrário da Psicologia, que busca entender às necessidades individuais diante da sociedade. O propósito da Sociologia é, portanto, como exposto, comparar autores e teorias que, em conjunto, servem como base para fundamentar as teorias que regem nossa sociedade, nosso cotidiano e as relações sociais que nos permeiam. Existe um autor A ou B com a razão neste campo cientí�co, portanto é necessário ponderar, para utilizar cada um na medida correta, relacionando teorias e construindo novas pesquisas. 79 Trajetórias e biogra�as: notas para uma análise bourdieusiana A relação entre biogra�a e história insere-se em um conjunto mais vasto de dualidades que percorrem a Sociologia desde muito tempo, baseadas na exploração da dialética indivíduo/sociedade, ação individual/coletiva, liberdade/determinismo, individual/coletivo, estrutura/indivíduo e outras. Neste último caso, aponta-se para a manutenção, no indivíduo, de componentes subjetivos sociais e ligados ao grupo onde ele vive, ou, inversamente, a busca do que é extremamente único e pessoal dentre um aparato mais vasto de representações da memória, internalizadas a partir da sociedade. Pode-se mesmo a�rmar que as três grandes matrizes teóricas presentes na Sociologia, desde seus primórdios, giram em torno dos debates sobre a preeminência de uma ou outra forma de análise do mundo social, ou uma ou outra forma de encarar �loso�camente a sociedade. Se aceitamos sem discussão o ponto de vista da sociologia durkheimiana, o peso da sociedade tem uma preponderância sobre as individualidades e a subjetividade do indivíduo. Fonte: Montagner (2007, on-line). 80 Acesse o link: Disponível aqui Os conceitos de campo e habitus para Bourdieu ainda são complexos? Acompanhe este vídeo do professor Tiago Valenciano que, com exemplos, explica o autor. 81 https://www.youtube.com/watch?v=L1iK99ypsNw 09 A Sociologia no Século XX Evidente notarmos, caro (a) aluno (a), que a sociologia estava em constante processo de aperfeiçoamento e expansão a partir do �nal do Século XIX. Com a �xação da disciplina considerando a “santíssima trindade” (Marx, Weber e Durkheim) enquanto matriz básica de explicação sociológica, veri�ca-se um crescimento rápido da quantidade de pensadores que passaram a indagar qual seria o destino da humanidade. Uma das importantes conquistas para o crescimento da sociologia no referido período é a fundação de departamentos de sociologia em grandes centros de pesquisa, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos. Observa-se, assim, que a sociologia é uma disciplina com viés de explicação muito ocidental, isto é, os sociólogos que estavam produzindo conhecimento tinham uma matriz de pensamento a partir de onde eles estavam situados, culturalmente, temporalmente e espacialmente. Isto quer dizer que a visão de mundo de cada um destes sociólogos considerava basicamente o olhar enviesado ocidental, em que o oriental era um “ser estranho”, por exemplo. Levando em conta esta manutenção do pensamento ocidental e a consolidação da sociologia enquanto disciplina de pesquisa na Europa e nos Estados Unidos, esta passou a ter dois elementos centrais em suas pesquisas: o individualismo e a o capitalismo. O primeiro elemento, típico do pensamento sociológico estadunidense, coloca o indivíduo enquanto protagonista nas relações sociais e, neste sentido, até mesmo a psicologia social passou a �gurar como área de pesquisa interessante, algo até então inexistente. Já o capitalismo �xa-se como ingrediente fundamental para o entendimento da sociologia. Karl Marx já havia analisado as relações do capital, tanto quanto à alienação causada pelo sistema capitalista, quanto na mais-valia produzida socialmente. Max Weber havia apontado a racionalidade, fator relevante para a compreensão dos fenômenos sociais, como algo importante para análise social. Nos Estados Unidos, de colonização inglesa majoritária, a maquinofatura, a produção em série e demais componentes do capitalismo compunham a paisagem social. Portanto, entender como o capitalismo poderia in�uenciar no cotidiano dos estadunidenses é, de fato, um elemento sociológico de relevância. 83 A popularização da sociologia nos Estados Unidos ocorreu a partir da Escola de Chicago, sobretudo. Os créditos voltados para a Chicago são dados pelo foco principal na pesquisa urbana, com enfoque direcionado para entender como a cidade, complexa por si só, poderia transformar a vida das pessoas. Note, caro (a) aluno (a), que as grandes metrópoles estavam em constante crescimento. Mas, para cada cidade que crescia, aumentava a quantidade de problemas: lixo doméstico sem destinação correta, doenças sanitárias, trânsito desorganizado e caótico, crescimento urbano desorganizado, tensões sociais oriundas da grande concentração populacional como a violência urbana, entre outras. Uma in�uência relevante sobre o comportamento social na cidade é do alemão Georg Simmel (1858-1918) que, diretamente, argumentou suas expectativas sobre o comportamento citadino e, por tabela, pautou os estudos da Escola de Chicago. Segundo o autor, os contatos que na cidade poderiam ocorrer rosto a rosto, pessoa a pessoa, na verdade são muito impessoais. O sentimento chamado de blasé, palavra francesa que signi�ca pessoa com atitude apática, indiferente, imperava nas cidades. Estas novas formas de vida social demonstram, assim, como a cidade também mudava a vida das próprias pessoas: seria, portanto, o homem produto do meio social em que vive? 84 O crescimento da sociologia no Século XX desacelerou em virtude das duas grandes guerras mundiais e das revoluções na China e na Rússia. Note que a história do pensamento humano também é fruto dos acontecimentos históricos. É muito difícil dissociar o conhecimento sociológico dos fatos históricos, vez que o laboratório de pesquisa do sociólogo é a sociedade. A partir do momento em que asociedade está em guerra, a cultura, a educação e o pensamento crítico, de fato, diminuem, pois as preocupações bélicas ganham o centro dos debates. Ao passo que o fascismo e o nazismo cresciam na Europa, a chamada teoria crítica nascia, com o que passou a ser conhecido posteriormente como a Escola de Frankfurt. Autores como Theodor Adorno, Hebert Marcuse, Walter Benjamin e Max Horkheimer analisam as condições sociais a partir da �loso�a e da sociologia, questionando basicamente a formação da cultura de massa, ou seja, com a proliferação de da tecnologia, da burocracia e da mecanização dos costumes sociais. Contestadora por natureza, a sociologia praticamente desapareceu neste período de guerras mundiais e de personalismos no poder em grandes centros: Mussolini (Itália), Adolf Hitler (Alemanha), Mao Tsé Tung (China) e Joseph Stálin (União Soviética), líderes quase que totalitários, não aceitavam sob hipótese alguma qualquer tipo de regime contestador, crítico ou opositor aos seus domínios. Portanto, a sociologia adormeceu durante alguns anos, perseguida pelos regimes em que a liberdade de pensamento, a confrontação de ideias, a promoção dos debates e o respeito às diferenças não eram considerados. Em suma: a sociologia, indagadora por natureza, não pode perpetuar nestes regimes e, por conseguinte, acabou nos bastidores dos acontecimentos do poder. 85 O “renascimento” da sociologia ocorreu na década de 1950 com Talcott Parsons, defendendo uma espécie de “sociologia abstrata”, em que os modelos teóricos criados pelo autor teriam maior validade do que os casos reais. Para além das críticas à Parsons, os sociólogos tentavam retomar os rumos da disciplina, marcada pela crítica contundente e a explicação teórica e prática dos elementos que compõem a vida social. O estadunidense C. Wright Mills tentou, à sua maneira, reconduzir a sociologia para sua linha-mestre de pesquisa. A publicação em 1959 de “A imaginação sociológica” trouxe uma nova roupagem para os métodos da disciplina, em que o pro�ssional da área deveria anotar seus pensamentos em uma caderneta e, tal qual um mosaico, reunir informações desconexas e dar forma ao trabalho intelectual. Este tipo de pensamento demonstra como a sociologia se tornou uma área multiparadigmática, ou seja, sem uma verdade própria de�nida. Note, caro (a) aluno (a): a sociologia não está na disputa de quem venceu ou perdeu um debate, quem é melhor ou pior na disputa dos argumentos. A sociologia deve sempre estar preocupada em mostrar as diferentes faces da mesma moeda, isto é, contrapor o pensamento de diversos autores e não estigmatizá-los. A sociologia necessita enfrentar o paradigma único, por exemplo, de que o pensamento Marxista é o que deve imperar no ensino superior. Pelo contrário: os diversos autores devem ser considerados sim, sem excluir nenhum tipo de ideia razoavelmente cientí�ca. Outro acontecimento importante para as mudanças de paradigmas da sociologia é o movimento de maio de 1968, na França, um ícone de uma época onde a renovação dos valores veio acompanhada pela proeminente força de uma cultura jovem. Plummer (2015) enumera o divisor de águas que se tornou o mundo: a tremenda expansão do ensino superior ao redor do mundo; a chegada da era dos “baby boomers”, nascidos logo após o Holocausto e a Segunda Guerra Mundial. Assim como ocorre com cada geração, essa era diferente – mas foi essa geração que se tornou a primeira a se �rmar como integrante de uma “cultura da juventude”; havia uma percepção “no ar” de que algo novo estava por ocorrer, e essa percepção se baseava em uma boa dose de esperança e otimismo. O mundo estava aqui para ser modi�cado. 86 além disso: os novos tempos (pós-modernos) estavam em construção – do individualismo – o “Eu impulsivo” e a “Década do eu”; do consumo – de novos mercados; e do informalismo; o desenvolvimento dos direitos humanos desde a declaração das Nações Unidas em 1948 – até o movimento de direitos civis e o movimentos das mulheres; a guerra contínua e o con�ito internacional – principalmente no Vietnã; a aurora espiritual “Era de Aquário” e o crescimento dos movimentos de contracultura; o renascimento e a simultânea morte lenta do mundo marxista; o avanço da consciência global principalmente por meios de comunicação de massa. Cada vez mais, como disse Todd Gitlin, “o mundo inteiro estava assistindo”. Os símbolos haviam se tornado globais. (PLUMMER, 2015, p. 77) Não somente o ano de 1968 marcou o desenvolvimento e a popularização da sociologia, mas tal fato durou até a década de 1980, inclusive com a criação de cursos de graduação e o reconhecimento da pro�ssão de sociólogo no Brasil, por exemplo. A busca por maior re�exividade na disciplina e, sobretudo, por diversas matizes de conhecimento, re�etia a preocupação em constituir uma área de pesquisa séria, na qual uma ou outra doutrina não seria algo de conhecimento majoritário. Este panorama da sociologia no Século XX teve como objetivo demonstrar a você, caro (a) aluno (a), que esta é uma disciplina que não parou no tempo, comumente acusada por àqueles que desconsideram o conhecimento sociológico. Ela está para além de Marx, de Weber e de Durkheim e, como qualquer área do conhecimento ainda recente, busca sua sedimentação no ensino superior, especialmente no Brasil. Todavia, o argumento único e de suma relevância para sua perpetuação diz respeito à própria análise social, algo em constante mudança e necessitando sempre de várias explicações cientí�cas. 87 Fonte: Disponível aqui Wright Mills (1969) descreve o pensamento sociológico como uma prática criativa, que de�ne como “imaginação sociológica”. Essa prática criativa seria a tomada de consciência sobre a relação entre o indivíduo e a sociedade mais ampla. Trata-se da capacidade de conectar situações da realidade, como os interesses em disputa, percebendo que a sociedade não se apresenta de determinada forma por acaso. Essa conscientização derivada do conhecimento sociológico permite que todos (não apenas os sociólogos por formação) compreendam as ligações existentes entre o ambiente social pessoal imediato e o mundo social impessoal que circunda e que colabora para moldar as pessoas. Resgatando elementos especí�cos elaborados pelos pensadores sociais mais clássicos, Mills (1969) aponta como um elemento-chave dessa “imaginação sociológica” a capacidade de poder visualizar a sociedade com um certo sentido de distanciamento, em vez de fazê-lo apenas da perspectiva das experiências pessoais e das pré-concepções culturais. 88 http://fatosociologico.blogspot.com/2010/11/wright-mills-imaginacao-sociologica.html Fonte: Disponível aqui Os conceitos de campo e habitus para Bourdieu ainda são complexos? Acompanhe este vídeo do professor Tiago Valenciano que, com exemplos, explica o autor. 89 https://www.youtube.com/watch?v=L1iK99ypsNw 10 A Nova Fase da Sociologia O que chamamos de “nova fase” da sociologia diz respeito justamente ao momento mundial após a década de 1970. Note que ainda atravessávamos o período da Guerra Fria, que encerrou simbolicamente após a queda do Muro de Berlim no início da década de 1990. Com o �m do muro – e da guerra, passamos a enxergar uma recon�guração das forças produtivas e políticas mundiais. Um dos destaques economicamente falando são os blocos de livre comércio entre as nações. Criado em 1991 como “Tratado de Assunção”, o MERCOSUL (Mercado Comum do Sul) é composto por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, com a dependência do ingresso da Venezuela desde 2006. Já a região da União Europeia começou a ser debatida em 1992 após o Tratado de Maastricht e, inclusive, opera desde 1999 com moeda única em 17 países. Por �m, destacamos ainda o Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (NAFTA), estabelecido em 1991 entre Canadá, Estados Unidos e México. Estes blocos econômicos mostram como a sociedade mundial estava em transformação a partir do início da década de 1990, uma reorganização das geopolítica global e que, por conseguinte, teve impactos em diversasregiões do planeta. Estes acontecimentos político-econômicos, aliados ao novo estilo de vida em sociedade com o estabelecimento do capitalismo como sistema econômico global marcam os movimentos mundiais que culminaram com a globalização. Mas, como podemos de�nir o que é a globalização? A globalização diz respeito aos processos de aproximação das sociedades por meio da economia, da política, da cultura e da comunicação, marcados por sua terceira fase. Destacamos como algo essencialmente global as transformações econômicas deste período, como já citado, e um fator preponderante para as transformações no estilo de vida das pessoas: o advento da internet. 91 Ainda a partir da década de 1990, podemos observar o avanço em massa da internet pelo globo. O salto de computadores públicos ligados à rede mundial de computadores foi de 100%, comparado com os anos anteriores. A quantidade de computadores fabricados também foi avassaladora e, da mesma forma, podemos acompanhar os primórdios da comunicação em massa e digital com os correios eletrônicos (e-mails). Não demorou e os espaços de bate-papo na internet surgiram, com salas e servidores criados para a comunicação quase que instantânea. Paralelo a isto, os computadores se tornaram cada vez mais modernos, com tamanho diminuto e rapidez no processamento de dados. Serviços antes feitos por humanos passaram a ser executados por máquinas e o estilo de vida também foi recon�gurado com o avanço da internet e do mundo digital. A tabela abaixo demonstra como a globalização atuou neste período de maneira contundente: 92 Fonte: Disponível aqui Economia Cultura Informação Blocos econômicos Aculturação / Hibridismo cultural Internet Transnacionais / Multinacionais (capitalismo) Ampliação da diversidade cultural vs. Xenofobia Comunicação instantânea Internacionalização dos �uxos de capitais. "Mutação das culturas" Idioma globalizado Note, caro (a) acadêmico (a), que os processos da globalização marcaram profundamente as questões econômicas, culturais e de comportamento social. Além dos blocos econômicos citados, houve a internacionalização dos �uxos de capitais, muito embora proporcionados pelo avanço da internet. No campo da cultura, podemos observar um mix entre culturas locais e a cultura de massa global, performando sujeitos híbridos e que ainda não sabem qual (is) cultura (s) seguir. Além disso, notamos uma xenofobia a partir da ampliação da diversidade cultural, vez que a informação é muito mais disseminada. Conforme citado, a internet foi a grande responsável em transformar a informação, estabelecendo uma comunicação a cada dia mais instantânea e e�caz. A globalização da língua inglesa enquanto idioma predominante também é um fator relevante para o avanço da globalização, uma fase caracteristicamente internacional. A sociologia, neste sentido, está concentrada em compreender como a globalização tem atuado no planeta. Ianni (2001, p. 18) retratou bem como a globalização está con�gurada: Ocorre que o globo não é mais exclusivamente um conglomerado de nações, sociedades nacionais, Estados-nações, em suas relações de interdependência, dependência, colonialismo, imperialismo, bilateralismo, multilateralismo. Ao mesmo tempo, o centro do mundo 93 https://www.significados.com.br/globalizacao/ não é mais voltado só ao indivíduo, tomado singular e coletivamente como povo, classe, grupo, minoria, maioria, opinião pública. Ainda que a nação e o indivíduo continuem a ser muito reais, inquestionáveis e presentes todo o tempo, em todo lugar, povoando a re�exão e a imaginação, ainda assim já não são "hegemônicos". Foram subsumidos, real ou formalmente, pela sociedade global, pelas con�gurações e movimentos da globalização. A Terra mundializou-se de tal maneira que o globo deixou de ser uma �gura astronômica para adquirir mais plenamente sua signi�cação histórica. Observe que, mais do que atingir a �gura representada na astronomia pelo globo, a globalização historicamente se fez. Ela atua diariamente em nosso estilo de vida, em nossas relações sociais, em nossa condição social. Renato Ortiz (2009, p. 248) também soube retratar como estamos enfrentando os aspectos globais: Creio que a globalização pode ser caracterizada como um processo social que de�ne uma nova situação. Ele vem marcado por um conjunto de condições e contradições. Um processo não é nunca homogêneo, tampouco harmonioso, isento de con�itos, nele se inserem interesses e instituições. Um dos inconvenientes da perspectiva sistêmica é que ela prescinde dos agentes sociais. Ela reedita as limitações de diversas propostas objetivistas (estruturalismo ou sociologia durkheimiana) nas quais o conjunto, a estrutura, determina a história dos homens. Do ponto de vista de um world-system, a ação dos indivíduos e das instituições encontra-se predeterminada pela lógica do sistema. Tudo é previsível, eles não possuem nenhuma autonomia. Analisamos, assim, que os processos envolvendo a globalização não são homogêneos ou pací�cos: eles são fruto, também, de uma tensão social. Conforme anunciado em outras aulas deste livro didático, a sociologia analisa a tensão social, as rupturas das relações sociais, as disputas envolvendo a sociedade. Esta “nova fase” da sociologia se concentrou, portanto, na análise da globalização e daquilo que podemos chamar como “pós-modernidade”, um fenômeno aliado ao da globalização, mas que conserva características próprias. Este período de 94 análise sociológica procura compreender nossas relações sociais atuais, considerando como e por quê estamos nesta grande “aldeia global”, em que diversas questões que outrora pareciam locais tem impactos mundiais. Resta- nos, portanto, seguir utilizando os métodos de compreensão sociológica para, então, responder à questão inerente ao período: qual é o destino da sociedade global? Acesse o link: Disponível aqui O mundo globalizado é construído por um conjunto de "redes", seja de informações, transportes, de comércio, etc. Todos esses aspectos passam a estar interligados, gerando uma maior interação espaço-temporal entre as nações. A expansão das empresas e criação das multinacionais é outro efeito signi�cativo para o mundo contemporâneo a partir da globalização. Desta forma, empresas presentes em determinado país passam a atuar em outras nações, gerando empregos e possibilidade de trocas comerciais entre as regiões. 95 https://www.significados.com.br/globalizacao/ Fonte: Disponível aqui O celular se consolidou como o principal meio de acesso domiciliar à internet no Brasil. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geogra�a e Estatística (IBGE), 92,1% do acesso à rede passou a ser feito pelo dispositivo móvel. O dado é de 2015 e faz parte do suplemento de Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), divulgado nesta quinta-feira (22). Em relação à 2014, o uso do celular para acesso à internet aumentou em 11,7 pontos percentuais. 96 https://g1.globo.com/economia/noticia/cai-pela-1-vez-no-brasil-o-acesso-a-internet-por-meio-de-computador-diz-ibge.ghtml 11 O Processo de Socialização e o Multiculturalismo A�nal, quais são os desa�os da sociedade em um sistema atual, pautado pela cultura global e massi�cada, em que há a constante valorização do local e, ao mesmo tempo, a in�uência global, conforme apontado por Stuart Hall (2006)? O objetivo deste tópico é problematizar a questão do multiculturalismo, presente em nossa sociedade, questionando você, aluno(a), se esse fenômeno interfere em nossa sociedade e quais são seus desdobramentos. Antes, porém, é preciso relembrarmos o conceito de cultura, importante na sociologia. Derivado do latim, pressupõe o cultivo a algo, isto é, perpetuar algum conhecimento, algum costume. Cultivar nada mais é do que repassar, por meio de gerações, um conhecimento, uma crença ou uma tradição de respectiva comunidade. Diante de uma determinada cultura, aprendemos aspectos acerca de costumes locais e ações realizadas para um determinado �m.Assim, até mesmo nós estabelecemos um panorama para a criação de identidade de certo grupo. Immanuel Wallerstein (2002) taxa a Ciência Social como eurocêntrica no decorrer de sua história. Essa a�rmação é senhora no capítulo décimo primeiro do livro O �m do mundo como concebemos: Ciência social para o século XXI, quando aborda a questão do eurocentrismo. Segundo o autor, cinco são as “acusações” atestadoras de tal fator. A primeira “acusação” parte do pressuposto de que a historiogra�a tem se pautado nas conquistas dos europeus no mundo moderno. Sob qualquer olhar, as inovações propostas pela Europa sempre são boas. Esse argumento sustenta também as conquistas, o domínio do capital e, claro, do saber dos europeus perante aos demais. Ou seja, partir (e pensar) do pensamento europeu sempre é bom. 98 Com a relação existente entre vários grupos ou comunidades, há a incidência do chamado multiculturalismo, ou seja, várias culturas estão presentes em um campo determinado, em um espaço dado. Para entender esse fenômeno, iremos tratar os aspectos do multiculturalismo: o eurocentrismo, em que a cultura é tratada como homogeneizante, penetrando pelo conhecimento disciplinar prejudicial; a necessidade dos estudos culturais; os signi�cados desse multiculturalismo e o conceito de pós-colonialismo. Assim, surge a segunda “acusação”, no tocante da produção europeia ser considerada universal (universalismo). Tal provincianismo é inerente à Ciência Social, visto deste “padrão europeu universal”, assumido nos passos da história. O terceiro postulado é a civilização, opondo ao barbarismo ou ao primitivismo os demais. Desse modo, quem não é da Europa pode ser tratado como “nativo”, pertencente a outro grupo ou clã, não dotado dos mesmos valores da educação dominante. O orientalismo é o ponto-chave da quarta “acusação”, pautando a discussão em torno de uma disputa entre os interesses de ambos. Por �m, a última “acusação” surge pelo progresso, inspirado no Iluminismo e no desenvolvimento de todas as etapas. Ainda nesta linha de pensamento, Edward Said a�rma que a relação entre o colonizador e o colonizado é intrigante, vez que o colonizado assume posição secundária e sua representação pode não ser a exata, da maneira como era, já que o colonizador traduz o colonizado, evidenciando a visão do seu trabalho de campo. O colonizado assim é de�nido: 99 Pobreza, dependência, subdesenvolvimento, variadas patologias de poder e corrupção e, por outro lado, realizações notáveis de guerra, na alfabetização, no desenvolvimento econômico: essa mistura de características assinalava os povos colonizados que se haviam libertado em um nível, mas permaneciam vítimas de seu passado em outro (SAID, 2003, p. 115). Essa passagem de Re�exões sobre o exílio nos remete ao paradoxo do colonizado: ora se desenvolve, ora é refém do colonizador (europeu?). Isso demonstra como as relações multiculturais são complexas, difíceis de serem concebidas. Alguns fatores, como a globalização, impedem uma de�nição apenas com o olhar do antropólogo-colonizador de um determinado interlocutor, cabendo bem mais ponderar o que de fato será exposto. A crítica realizada por Said se encontra justamente nessa posição, em que cobra da Antropologia um trabalho �el, ilustrando com vigor o lugar do colonizado, até mesmo a defesa de divulgação ampla de alguns posicionamentos, na tentativa de esmiuçar cada cultura, cada costume, cada povo. Ainda neste debate sobre a importância da disseminação das culturas por intermédio do multiculturalismo, Henry A. Giroux crítica o conhecimento disciplinar, contrapondo-se então aos vários especialistas produzidos. Segundo Giroux (1997, p. 179): A sabedoria convencional dos acadêmicos é deixar que os membros de outros departamentos façam o que quer que seja seu trabalho de maneira que quiserem – contanto que este direito lhes seja garantido. Como consequência destes desenvolvimentos, o estudo da cultura é conduzido em fragmentos. Assim, dividindo-se as disciplinas, o saber �ca restrito numa relação pesquisador/especialidade, especialidade/pesquisador, uma via de mão dupla em que a diversidade não é explorada. Para o autor, a segmentação do conhecimento não contribui para o aspecto multicultural, pautado pelo constante contato entre as diferentes culturas. 100 Os estudos sobre a cultura tomam grande importância para Giroux. Considerar algo melhor ou pior, comparado com outro, por exemplo, é perigoso, vez que toda cultura possui sua importância e deveria ser exposta de modo relacional, não competitivo. Logo, qualquer projeto de hierarquizar culturas deve ser abolido. Por conseguinte, esses estudos produzem nos pesquisadores “uma análise continuada de suas próprias existências” (GIROUX, 1997, p. 185). O papel do intelectual, ainda para Giroux, deveria ser o do “intelectual transformador”, no sentido de proporcionar “liderança moral, política e pedagógica”, ou seja, ao invés da condição de líder intelectual, repolitizar o conhecimento e ampliá-lo não apenas para os membros de uma mesma área de atuação, mas também para os demais pesquisadores interessados em compreender os diversos tipos de conhecimento. Assim, esse “intelectual transformador” luta contra o status quo e as normas estabelecidas, aumentando os horizontes das pesquisas e o espaço de ação cultural. Já Stuart Hall de�ne alguns tipos de multiculturalismo: conservador, liberal, pluralista, comercial, corporativo e crítico. No multiculturalismo conservador, pressupõe-se a assimilação da diferença às tradições e aos costumes da maioria, aceitando-as e respeitando-as. No liberal, insere-se a minoria nos padrões da maioria, com as diferenças toleradas no campo privado, sem reconhecê-lo na esfera pública. Já no pluralista, pondera-se que cada grupo deve viver em 101 separado, ou seja, cada qual com sua identidade, não se relacionando com os demais. No multiculturalismo comercial, argumenta-se que as diferenças surgem em nichos de mercado, dada a importância de fornecer os desejos desses nichos. Atender aos anseios das minorias para estancá-las é a missão do multiculturalismo corporativo. Esse estancamento supõe o domínio da maioria. E, o modelo defendido por Hall (crítico), interroga as relações de poder e as desigualdades entre os grupos. Assim, qual multiculturalismo seguir? Ou então devemos respeitar todos esses rostos multiculturais? Hall indaga: Na verdade, o “multiculturalismo” não é uma única doutrina, não caracteriza uma estratégia política e não representa um estado de coisas já alcançado. Não é uma força disfarçada de endossar algum estado ideal ou utópico. Descreve uma série de processos e estratégias políticas sempre inacabados (HALL, 2003, p. 52-53). Outra visão sobre o fenômeno multicultural é a de Taylor. “O devido reconhecimento não é uma mera cortesia que devemos conceder às pessoas. É uma necessidade humana vital” (TAYLOR, 1997, p. 242). Desse modo, Charles Taylor defende a “política do reconhecimento”, como molde de nossa identidade, com o reconhecimento errôneo sendo até mesmo prejudicial à construção desta identidade pessoal. Nesse raciocínio, o autor valoriza a originalidade e a opinião de cada pessoa, salientando que cada um “sempre tem algo a dizer”, em certa medida, enfatizando a subjetividade e o indivíduo, o reconhecendo nos múltiplos níveis. O reconhecimento, então, ganhou destaque pelo diálogo realizado consigo mesmo com outros signi�cativos e também no plano público, com a política realizando o papel universalista dos indivíduos. Reconhecer nada mais é do que propiciar peso às querelas do multiculturalismo. Com os debates ocorrendo em torno de o grandioso centro gerar sua periferia, dividindo o mundo em duas partes com a existência do centro delimitando o que é periférico, Thomas Bonnici (2005) sugere dar voz aos colonizados, ressaltando as diferenças das colônias com os impérios no emergir da personalidade nacional. Ou seja, pós-colonialismo para Bonnici é buscar alternativas para o discurso do “império”, reinterpretando-o egarantir voz ao colonizado oprimido, na Ciência, História e Literatura nacionais, um processo enfático do agora independente. 102 Essas diversas anotações sobre o multiculturalismo apresentam uma face deveras salutar para discuti-lo. Afastando o eurocentrismo das Ciências Sociais, combatido por Wallerstein, e também as impressões do colonizador acerca dos colonizados, como dito por Said, o tema multicultural deve ser anotado, observando que há sim a necessidade de respeitar e principalmente dialogar, não criando pirâmides hierárquicas das culturas e disciplinando as culturas como partições independentes. A ótica de estudo multicultural deve transcender os laços do local, buscando em novas culturas a diferença, importante para a formação intelectual de cada um. Assim, não só haverá o reconhecimento das diferenças de cultura, mas um reconhecimento valorizado das vozes outrora sufocadas por culturas aqui entendidas como dominantes. Portanto, pensar nesta seara multicultural é lidar com o dia a dia da nossa própria existência: se a última está em constante mudança, com a inserção de novas práticas, a primeira também acompanha as transformações sociais, viajando sem parada pelas mudanças existentes em/na sociedade. O fato é que tal explicação acerca do multiculturalismo, caro(a) aluno(a), é de extrema importância para demonstrar as faces de uma sociedade que lida com diversas culturas, que diferentemente da Antropologia Clássica, por exemplo — que estava preocupada em conhecer o desconhecido, em explorar o “bom” ou o “mal” selvagem —, debruça-se sobre o contato cultural de várias facetas, o que irá re�etir diretamente em nosso contexto social. 103 Acesse o link: Disponível aqui No Brasil, o debate sobre o multiculturalismo tem sido o palco de distância entre discurso e prática social. Precisamos contextualizar tal discurso, histórica e sociologicamente. Uma forma de fazer isso é analisar como este fenômeno surgiu enquanto ideal de sociedade em alguns países europeus, que há muito tempo estão tentando lidar com diferença étnica, racial e cultural a partir de um conjunto de medidas públicas. Nas considerações sobre o multiculturalismo e o Brasil, é importante aproveitar tanto o debate como o olhar "de fora", sem reduzir a re�exão, comparando apenas Estados Unidos e Brasil. Interessa enfocar os países europeus que receberam uma forte imigração, sobretudo a partir do segundo pós-guerra, as assim chamadas sociedades multiculturais, nas quais existe uma relação orgânica entre discursos, leis e práticas multiculturais. Re�ro-me concretamente a Alemanha, França, Bélgica, Holanda e Inglaterra. Nesses países, na base do multiculturalismo encontram-se três fontes clássicas. 104 http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0009-67252005000300002 Fonte: Disponível aqui As políticas de ações a�rmativas são importantes também para a propagação do multiculturalismo. Nesta apresentação sobre o multiculturalismo, de Livio Sansone, podemos re�etir acerca do tema: “A ação a�rmativa tem sido a forma que alguns estados, sobretudo depois da Segunda Guerra Mundial, têm escolhido para reverter, com certa rapidez, um quadro de desigualdades extremas e duráveis. Índia, Malásia, Austrália, África do Sul, entre outros, vêm experimentando medidas compensatórias para castas, grupos de cor, grupos étnicos e outros desfavorecidos como os de�cientes visuais. A América Latina é, de fato, a região em que experimentos vêm se realizando nesse sentido somente a partir dos anos noventa, que correspondem à consolidação da re-democratização na região. O fenômeno do multiculturalismo surgiu em �nal dos anos 1970 como projeto pedagógico, sobretudo para a escola e a universidade, mas também para o emprego público e a vida associativa. Esse surgimento se deu nos países com um Estado social desenvolvido e uma escola pública que funciona em condição de quase monopólio, como forma de lidar com a diversidade cultural trazida, sobretudo, pelos �lhos de imigrantes na escola, nos bairros e no mercado de trabalho. Países com grande experiência nesse sentido são Suécia, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Holanda e, de alguma forma, Inglaterra e parte dos Estados Unidos. Em época mais recente, com a ideia que a diferença cultural pode ser um enriquecimento em lugar de enfraquecimento no convívio social de uma escola, universidade ou até empresa, experimentos multiculturais estão sendo feitos em países de imigração mais recente, por exemplo, na Europa meridional e, �nalmente na América Latina. Neste último caso, trata-se de experimentos no sentido de ampliar e rever os currículos escolares, incorporando saberes até então deixados fora, como aqueles relacionados com o ser indígena ou negro. Etno-educação (Colômbia, Equador, Nicarágua e, em alguma medida, México) ou educação à diversidade (Brasil e Argentina) têm sido os termos que caracterizam essa nova fase, mais plural, no mundo da educação.” 105 http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0009-67252007000200013 12 Transformações Sociais Mundiais Para compreendermos a organização da sociedade contemporânea, é necessário relembramos que a atual sociedade atravessa um momento de alteração das concepções de sujeito. Saímos de um sujeito iluminista, passando por um sociológico até atingirmos o pós-moderno (HALL, 2006), os quais auxiliam na explicação da trajetória do homem se relacionando e vivendo em/na sociedade ao longo dos anos. Critérios como o lugar em que um produto é fabricado ou o tempo em que há comunicação — seja essa distante �sicamente — demonstram como a sociedade globalizada tende a consumir tudo o que está a sua volta. Antes de argumentarmos acerca de cada tipo de sujeito, conforme fez Stuart Hall em A identidade cultural na pós-modernidade (2006), vamos estabelecer um panorama da atual sociedade, o que nos auxiliará a compreender por que chegamos nesse estágio de desenvolvimento humano. Sem dúvida, a capacidade de produção gera uma parte considerável dos bens de consumo que são ofertados em nossas vidas. Além disso, também in�uencia as produções regionais, sejam elas integradas à cadeia mundial de produção ou as que atendem a mercados locais. Estamos ligados às condições econômicas mundiais, mas não percebemos isso. Se observarmos a nossa volta, há uma grande quantidade de bens de consumo que só poderia ser produzida por essa integração mundial, o que Octávio Ianni denomina “nova divisão internacional do trabalho”. A fragmentação da produção atingiu um grau elevado e especializou determinadas economias em seu entorno. Hoje, determinadas regiões se transformaram em produtoras exclusivas de bens especí�cos. A maioria do que se consome nessas regiões vem de outros lugares ou do comércio nacional ou internacional. Contudo, a fronteira entre os produtos, sua origem e identidade também estão alterados. O que, voltando a lembrar de Octávio Ianni, é a territorialização e desterritorialização dos produtos e de seus símbolos. Nessa cadeia de produção mundial, os produtos que consumimos e as condições de vida que estamos estabelecendo acabam indiretamente nos marcando pelos bens de consumo, ou seja, somos um rótulo dos produtos que consumimos. Hoje nos integramos ao mundo pela internet, ela nos inclui, muitas vezes, mais do que o lugar onde vivemos ou do que as pessoas com quem convivemos. Nosso círculo virtual de amigos nos permite sentimentos 107 empolgantes de pertencimento, que não encontramos em nossa vizinhança. Mentir e ser enganado na rede mundial de computadores é um ritual estimulante para os internautas. Nela, podemos ser o que queremos sem termos que assumir o peso de uma escolha que a vida real exige. Vivemos duas vidas e nos sentimos um único ser. Posso ter que me incomodar com o meu trabalho, com as atividades reais que exerço para sobreviver, mas também posso construir um círculo de amizades que me desloquem para uma condição oposta à minha vida do trabalho. Meus laços de amizade e de convívio social podem gerarum agrupamento com rituais próprios e vestimentas especí�cas. Tribalizamos o mundo urbano e constituímos identi�cações que a moda fornece os objetos sagrados. Emo, dark, skinhead, se quiser reeditar o movimento hippie também é possível. Toda uma identidade está à venda no mercado, como a estampa do Che Guevara, de quem falamos no começo desta unidade. Os ecologistas estão se transformando também em uma tribo, o engajamento nas questões ambientais ganha, muitas vezes, o aspecto de uma marca de um bem de consumo. Um bem de consumo �ca mais fácil de ser propagado quando a campanha publicitária é a linguagem de comunicação. A camiseta com o símbolo da campanha de combate ao câncer é mais conhecida do que a causa, já virou grife. O que acontecerá se um dia a causa pela qual se luta atingir seu objetivo e o inimigo a ser combatido for vencido? Teremos que gerar uma nova luta para manter o símbolo vivo, ele é o elemento mais importante. O que se tem não é uma defesa racional de uma causa necessária, mas sim uma religiosidade, uma crença em um deus simbólico. Um dos lugares onde se pode entender a e�ciência que os símbolos atingiram em nossas vidas é a sala de aula. Nossos alunos se encantam pelos objetos colecionáveis. Eles se submetem passivamente à idolatria de marcas que lhes dão sentido e lhes possibilitam uma vida de magia que a realidade lhe nega. O não ser nada se modi�ca com a obtenção de um bem cobiçado. Ter determinado produto faz de um ser insigni�cante uma celebridade em questão de segundos. Por isso, o esforço em desenvolver a ciência, a tecnologia e a busca de compreensão do mundo pela razão é ine�caz diante da mágica que os bens de consumo promovem. 108 Estamos nos rodeando dos bens de consumo, eles estão por todos os lugares e é com eles que construímos uma convivência íntima. Eles nos identi�cam e nos colocam no centro de um mundo aparente de movimento. Tudo a nossa volta parece se movimentar, parece estar agindo com uma dinâmica que nos agrada, pois estamos no comando com nossos “controles remotos” e botões digitais dando movimento e parando uma parafernália eletrônica que se movimenta ao nosso prazer. Se formos entender as condições em que esse convívio ocorre, vamos perceber que estamos parados, estáticos, enquanto as coisas se movimentam a nossa volta. Nossos �lhos falam do cansaço do dia marcado por horas à frente do computador, navegando na internet, conversando pelo celular por mensagens que não têm �m. Estamos exaustos de não fazer nada e de dialogar com “coisas” e não com pessoas. Jean Baudrillard, cientista social francês, �lósofo e fotógrafo, tem como um dos seus principais temas a “sociedade de consumo”. Ele considera que estamos vivendo a vida dos objetos, estamos cada vez mais rodeados desses bens eletrônicos: À nossa volta, existe hoje uma espécie de evidência fantástica do consumo e da abundância, criada pela multiplicação dos objetos, dos serviços, dos bens materiais, originando como que uma categoria de mutação fundamental da ecologia da espécie humana. Para falar com propriedade, os homens da opulência não se encontram rodeados, como sempre acontecera, por outros homens, mas mais por objetos. O conjunto das suas relações e a manipulação de bens e de mensagens, desde a organização doméstica muito complexa e com suas dezenas de escravos técnicos até ao “mobiliário urbano” e toda a maquinaria material das comunicações e das atividades pro�ssionais, até ao espetáculo permanente da celebração do objeto na publicidade e as centenas de mensagens diárias emitidas pela “mídia de massas”; desde o formigueiro mais reduzido de quinquilharias vagamente obsessivas até aos psicodramas simbólicos alimentados pelos objetos noturnos, que vêm a invadir-nos no próprio sono (BAUDRILLARD, 1995, p. 15). O que deve ser lembrado é que o consumo se transformou no desejo implacável de todos os homens. Uma condição que nos coloca na inclusão com os demais. Se não consumirmos, não somos nada. Necessitamos estar incluídos na vida social pela aquisição. Só ela poderá nos dar o sentimento de pertencimento. A 109 igualdade buscada pelas teses liberais, por meio da racionalidade do convívio social, agora está traduzida na coleção de objetos disponíveis no mercado. A democracia, a república e a liberdade, conceitos fundamentais da vida humana, têm na aquisição de bens no mercado o meio mais e�ciente de se fazer sentir cidadão. Não se quer o direito à defesa de uma sociedade para todos, se quer o direito a poder consumir de cada um. As teses educacionais, as propostas de programa de saúde e a necessidade de organização da vida pública e do planejamento urbano estão colocadas em segundo plano diante da necessidade de consumir. Baudrillard (1995) acredita que a sociedade de consumo está realizando de forma super�cial a grande busca de igualdade que se defende nas teses liberais e que inspirou as revoluções burguesas nos séculos XVII e XIX. O Estado de Bem- Estar, que foi uma das promessas do liberalismo ao tentar garantir aos indivíduos uma condição mínima de existência, está incorporado no mundo do objeto: A “Revolução do Bem-Estar” é a herdeira, a testamenteira da Revolução Burguesa ou simplesmente de toda a revolução que erige em princípio a igualdade dos homens sem a poder (ou sem conseguir) realizar a fundo. O princípio democrático acha-se então transferido de uma igualdade real, das capacidades, responsabilidades e possibilidades sociais, da felicidade (no sentido pleno da palavra) para a igualdade diante do objeto e outros signos evidentes do êxito social e da felicidade. É a democracia do “standing” [estar de pé], a democracia da TV, do automóvel e da instalação estereofônica, democracia aparentemente concreta, mas também inteiramente formal, correspondendo para lá das contradições e desigualdades sociais à democracia formal inscrita na constituição. Servindo uma à outra de mútuo álibi, ambas se conjugam numa ideologia democrática global, que mascara a democracia ausente e a igualdade impossível de achar (BAUDRILLARD, 1995, p. 48). Essa falsa busca de igualdade pelo consumo encanta até mesmo nas políticas governamentais. Se formos considerar o interesse do Estado em promover o acesso da população a bens por meio de crédito, concluímos que se transformou em programa social a inclusão da cidadania na condição de consumidor. 110 Nesse mesmo sentido, exaltam-se os programas de inclusão digital que promovem a informatização das escolas e o acesso dos alunos à internet, como se o objeto pudesse dar habilidade ao usuário apenas por existir. Estamos distantes de uma alfabetização adequada, já não conseguimos estabelecer uma relação lógica entre a mensagem e seus interlocutores em sala de aula, agora consideramos que a presença do computador realizará a competência de quem o manipula. Isso não irá ocorrer. Não é difícil perceber, porém, de onde surge a ideia de e�ciência com a aquisição. Parte considerável dos celulares que estão nas mãos dos cidadãos não estão executando a função de comunicar, mas estão promovendo atividades para preencher a ociosidade. A aula passa mais rápido com um computador ou celular nas mãos. Esse contexto demonstra que os argumentos fornecidos por Stuart Hall estão corretos. Vivemos em um período em que as identidades sociais, isto é, aquilo que nos de�ne perante à sociedade, estão em constante processo de mudança. É muito difícil neste contexto de ambientação de consumo, globalização exacerbada e conectividade a toda prova de�nir quem é o indivíduo do século XXI. Segundo Hall (2006, p. 75): Quanto mais a vida social se torna mediada pelo mercado global de estilos, lugares e imagens, pelas viagens internacionais, pelas imagens da mídia e pelos sistemas de comunicação globalmente interligados, mais as identidades se tornam desvinculadas – desalojadas – de tempos, lugares, histórias e tradições especí�cas e parecem, �utuar livremente. 111 Ora, as identidades que assumimos perante a sociedade estão livres, não dispostas de lugares �xos, trafegando de formaindividual de acordo com o interesse de cada cenário. Somos atores prontos para vestir um novo personagem, preparados para entrar e roubar a cena, conectados permanentemente à internet, ditando padrões de moda, comportamento e relações sociais — ainda que este não seja o objetivo: ditar um padrão. Qual é, porém, a concepção de identidade assumida nesta sociedade globalizada/pós-moderna em que vivemos? Segundo Hall (2006), existem três concepções distintas de sujeitos, que lidam com a questão das identidades culturais ao longo dos anos e, neste sentido, auxiliam no entendimento de nossa realidade: 1 — Sujeito do Iluminismo: o indivíduo era centrado na razão, como um ser uni�cado, capaz de, com sua razão individual, ser o centro do pensamento. 2 — Sujeito sociológico: re�ete a constante complexidade do mundo moderno, um sujeito que enxerga a necessidade de interagir com o mundo exterior para melhor se entender e, consequentemente, possuir a noção de que não há autossu�ciência na vida em/na sociedade, necessitando se relacionar com os demais indivíduos. 3 — Sujeito pós-moderno: não possui uma característica ou uma identidade �xa, uma vez que busca a “celebração do móvel”: ainda que parado, o sujeito pós-moderno é aquele que precisa ter a sensação de que está em constante movimento, isto é, que o mundo está se movendo e ele, da mesma forma, se move em conjunto com esse mundo. Note que esses três tipos de sujeito auxiliam na compreensão de nossa relação com o meio social com o passar dos anos. A Sociologia, enquanto Ciência, surge justamente no apogeu do sujeito sociológico e, conforme apontado na Unidade I, as preocupações giravam em torno da complexidade da sociedade moderna. Por outro lado, o sujeito pós-moderno se relaciona diretamente com a sociedade de consumo globalizada, em que a noção de tempo/espaço está alterada constantemente, ou seja, torna-se difícil mensurar que um acontecimento distante espacialmente falando possa ocorrer tão próximo temporalmente 112 falando, pois uma transmissão em tempo real pode facilitar que esse mecanismo ocorra. Logo, a noção de perto/longe e tempo/espaço são alteradas nessa sociedade globalizada. En�m, consideramos que o consumo estabelece uma perversa relação conosco em nosso modelo societal: se consomem não somente ideias (ou a falta delas), mas sobretudo a sensação de pertencer a uma pós-modernidade, em que há a celebração da constante mudança nas identidades culturais. Dizer quem é o sujeito pós-moderno é uma tarefa singular, uma vez que a bricolagem de papéis sociais estabelecidos para cada evento faz com que essa noção de identidade �xa, impermeável, de fato não ocorra. O que observamos — respondendo à pergunta motriz deste tópico — é que a análise sociológica nunca esteve tão em alta, em um modelo de sociedade de múltiplas vertentes e diferentes anseios populacionais. Os padrões de resposta para a clássica pergunta (qual é o relacionamento do indivíduo em/na sociedade?) já não existem mais e, nesse sentido, espera-se que o cientista social possa mensurar, avaliar, comparar e, nem sempre de forma de�nitiva, delinear uma sociedade marcada geralmente pelo consumo e pelas diferentes identidades, mas que permanece em constante processo de construção, em um tempo e espaço jamais de�nidos. Pensar na pós-modernidade é pensar em inovação, em efemeridade do tempo e em rapidez das relações sociais. É correto a�rmar que esse tipo de relação condiz com a nossa atual sociedade globalizada? Re�ita sobre! Fonte: elaborado pelo autor. 113 Sociologia no tempo das redes sociais Há alguns dias, venho discutindo com amigos e alunos a relação entre as redes sociais e a Sociologia. Desde a pulverização das mesmas, as pessoas mantêm um relacionamento quase que instantâneo, em mundo virtual que nem sempre re�ete os fenômenos da realidade. Qual é, então, a contribuição que a Sociologia proporciona aos atuais acontecimentos, na sociedade globalizada e, por que não, virtualizada? [...] O que desejo mostrar neste artigo é que fazemos Sociologia o tempo todo. Assim como as redes sociais, a Sociologia é dinâmica, se alterando conforme a ocasião e analisando os fenômenos que a sociedade produz de maneira diferente. Isto é, para a Sociologia, olhar as ações sociais e vê-las estáticas, pouco dinâmicas, quase que naturais, não interessa: é preciso olhar para além da normalidade dada, visualizando situações deste tipo, em que as pessoas estão em constante comunicação e se relacionando entre si, discutindo assuntos do momento que passam despercebidos pela maioria da população. Fonte: Valenciano (2015, on-line). 114 13 A Globalização e Pós-modernidade O itinerário percorrido nesta unidade visou dois objetivos claros e pontuais acerca da Sociologia: a relação dos clássicos com a atualidade e como essa Ciência tem se relacionado com a globalização, presente em nosso cotidiano. Observe que esses objetivos nos auxiliam a compreender a questão geral implícita nos estudos sociológicos apresentados: demonstrar a importância e a objetividade da Sociologia em uma sociedade cada vez mais complexa e difícil de ser compreendida. O passeio realizado pelos clássicos — Durkheim, Weber e Marx, auxiliados pela teoria social de Pierre Bourdieu — foi importante para expor as diferenças entre períodos históricos, que in�uenciaram diretamente no estabelecimento do pensamento de cada um dos autores. Nossos quadros comparativos são fundamentais para compreender tais diferenças, bem como evidenciar, de forma clara, a trajetória intelectual desses autores. No segundo momento, debatemos dois conceitos relevantes da atualidade: a pós-modernidade/globalização e a sociedade de consumo, fruto dos padrões de vida estabelecidos atualmente. A ideia de pós-modernidade/globalização segue com os tipos de identidade �xadas, como a iluminista, a sociológica e a pós- moderna. A característica geral desse sujeito pós-moderno é a rapidez nas relações sociais e a alteração da noção de espaço/tempo e tempo/espaço, uma relação modi�cada diante da possibilidade de comunicação ao vivo proporcionada fundamentalmente pela internet. Tal alteração se re�ete nas relações sociais, cada vez mais efêmeras, fugazes, em que a existência de relacionamentos duradouros é bem menor. Essa agilidade na comunicação, transposta para as relações sociais, remete ao conceito de “modernidade líquida”, trabalhado pelo sociólogo Zigmunt Bauman: São esses padrões, códigos e regras a que podíamos nos conformar, que podíamos selecionar como pontos estáveis de orientação e pelos quais podíamos nos deixar depois guiar, que estão cada vez mais em falta. Isso não quer dizer que nossos contemporâneos sejam livres para construir seu modo de vida a partir do zero e segundo sua vontade, ou que não sejam mais dependentes da sociedade para obter as plantas e os materiais de construção. Mas quer dizer que estamos passando de uma era de 'grupos de referência' predeterminados a uma outra de 116 “comparação universal”, em que o destino dos trabalhos de autoconstrução individual […] não está dado de antemão, e tende a sofrer numerosa e profundas mudanças antes que esses trabalhos alcancem seu único �m genuíno: o �m da vida do indivíduo (BAUMAN, 2001, p. 22). O argumento de Bauman diz respeito às mudanças dos padrões de comportamento impostos pela sociedade, agora transformados para o condicionante individual ou de grupos especí�cos: estes vão se formando ao longo dos dias, sendo muito difícil transcrever como cada grupo se posicionará em relação a determinados assuntos. Veja que, na pós-modernidade/globalização, estamos a todo tempo escrevendo uma nova história cujos fragmentos, colados a um grande quebra-cabeças sem �m, formam esse modelo societal, pautado pelas relações sociais líquidas e por um consumo exacerbado de bens dispostos pelo capitalismo. Esse cenário nos conduz a respostas ainda não �nalizadas acerca de nossa sociedade, por exemplo: qual o destino desse modelo societal? A denominada “sociedade de consumo” ainda imperará pormuitos anos? Além disso: essas relações sociais indicam a fugacidade dos contatos, isto é, tendemos a chegar em um momento em que tais relações serão necessariamente virtuais e não reais? Essas e outras perguntas ainda estão sem resposta de�nida, mas são importantes para traçarmos o futuro do pensamento �losó�co e sociológico acerca da humanidade. 117 Bauman acreditava, portanto, em uma liquidez nas relações sociais. Para ele, a pós-modernidade se con�gurava em uma “ausência de ordem”: "Ordem" signi�ca um meio regular e estável para os nossos atos; um mundo em que as probabilidades dos acontecimentos não estejam distribuídas ao acaso, mas arrumadas numa hierarquia estrita - de modo que certos acontecimentos sejam altamente prováveis, outros menos prováveis, alguns virtualmente impossíveis. Só um meio como esse nós realmente entendemos. Só nessas circunstâncias (segundo a de�nição de Wittgenstein de compreensão) podemos realmente "saber como prosseguir". Só aí podemos selecionar apropriadamente os nossos atos - isto é, com uma razoável esperança de que os resultados que temos em mente serão de fato atingidos. Só aí podemos con�ar nos hábitos e expectativas que adquirimos no decorrer da nossa existência no mundo. (BAUMAN, 1998, p. 15-16). Da mesma forma, a partir de certa “ausência de ordem”, o autor revela seu conceito sobre a modernidade: Em outras palavras, a modernidade é a impossibilidade de permanecer �xo. Ser moderno signi�ca estar em movimento. Não se resolve necessariamente estar em movimento - como não se resolve ser moderno. É-se colocado em movimento ao se ser lançado na espécie de mundo dilacerado entre a beleza da visão e a feiúra da realidade - realidade que se enfeiou pela beleza da visão. Nesse mundo, todos os habitantes são nômades, mas nômades que perambulam a �m de se �xar. Além da curva existe, deve existir, tem de existir uma terra hospitaleira em que se �xar, mas depois de cada curva surgem novas curvas, com novas frustrações e novas esperanças ainda não destroçadas. (BAUMAN, 1998, p. 92). Logo, para Bauman, a proposta da pós-modernidade (ou da modernidade) é a capacidade de nós, indivíduos, não nos mantermos �xos, mas sim em um processo de constante movimento, seja identitário, seja nas relações sociais, do mundo do trabalho, da cultura, en�m, da vida. Bauman acredita, nesta medida, que os pedaços formados a partir da liquidez do sujeito podem em um dado momento se �xar, mas logo tendem a se despedaçar. 118 Outro sociólogo que articulou um pensamento acerca da modernidade foi Anthony Giddens. Para ele, a modernidade estava passando por um período de consequências de seu amadurecimento e não estávamos (estamos) em um período de pós-modernidade: Em vez de estarmos entrando num período de pós-modernidade, estamos alcançando um período em que as conseqüências da modernidade estão se tornando mais radicalizadas e universalizadas do que antes. Além da modernidade, devo argumentar, podemos perceber os contornos de uma ordem nova e diferente, que é "pós-moderna"; mas isto é bem diferente do que é atualmente chamado por muitos de "pós- modernidade" (GIDDENS, 1991, p. 9). A proposta do autor é que possamos re�etir acerca do momento atual, em que os mecanismos existentes de articulação social estão em um estágio mais avançado do que a própria modernidade previa, porém não tão acelerado assim tal qual a pós-modernidade (ou modernidade), esta defendida por Bauman. Por �m, encerramos esta aula destacando que devemos ampliar a re�exividade deste tema, um dos mais importantes da sociologia na atualidade. A disciplina, nesse sentido, tem o papel fundamental de auxiliar na explicação dessas novas con�gurações sociais, em que o líquido parece substituir o concreto e as “antigas” teorias precisam de uma explicação “reinventada” ou uma exempli�cação palpável, a �m de constituir verdades acerca do futuro da sociedade. 119 Fonte: Disponível aqui O paradigma clássico das ciências sociais foi constituído e continua a desenvolver-se com base na re�exão sobre as formas e os movimentos da sociedade nacional. Mas a sociedade nacional está sendo recoberta, assimilada ou subsumida pela sociedade global, uma realidade que não está ainda su�cientemente reconhecida e codi�cada. Á sociedade global apresenta desa�os empíricos e metodológicos, ou históricos e teóricos, que exigem novos conceitos, outras categorias, diferentes interpretações. "Sempre houve um enorme debate sobre como a sociedade e o estado relacionam-se, qual deveria subordinar o outro e qual encarnar os valores morais mais elevados. Assim, �camos acostumados a pensar que as fronteiras da sociedade e do estado são as mesmas ou, se não, poderiam (e deveriam) ser. (...) Vivemos em estados. Há uma sociedade sob cada estado. Os estados têm história e portanto tradições. (...) Esta imagem da realidade social não era uma fantasia, tanto assim que teóricos colocados em perspectivas ideográ�cas e nomotéticas desempenhavam-se com razoável desenvoltura, utilizando esses enfoques acerca da sociedade e estado e alcançando alguns resultados plausíveis. O único problema era que, à medida que o tempo corria, mais e mais anomalias revelavam-se inexplicadas nesse esquema de referência; e mais e mais lacunas (de zonas da atividade humana não pesquisadas) pareciam emergir". Ocorre que a sociedade global não é a mera extensão quantitativa e qualitativa da sociedade nacional. Ainda que esta continue a ser básica, evidente e indispensável, manifestando-se inclusive em âmbito internacional, é inegável que a sociedade global se constitui como uma realidade original, desconhecida, carente de interpretações. 120 http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141994000200009 14 Desigualdade Social no Brasil e no Mundo Um dos problemas que afetam o Brasil há anos diz respeito às desigualdades sociais existentes em nossa sociedade. É difícil, por um lado, estabelecer políticas sociais justas ou que pelo menos tragam maior noção de justiça (ou seria igualdade?) para os brasileiros. Mas, também não podemos afastar a possibilidade de amenizar as diferenças sociais econômicas nacionais. Então, como é possível conceituar e apontar os fatores que levam o Brasil a ser um dos países mais desiguais do mundo? Podemos acabar terminantemente com a desigualdade social nacional? Entende-se como desigualdade social a diferença nas condições de vida da população de um mesmo lugar, de determinada comunidade ou país. Ela pode se manifestar de muitas formas, por exemplo: na diferença de acesso a direitos básicos como saúde, moradia, educação, oportunidades de trabalho, distribuição de renda, entre outros. Quando abordamos este conceito, uma série de implicações nos vem à mente como, por exemplo, os conceitos de justiça e igualdade, que iremos abordar a seguir. O conceito de justiça consiste em um dos debates mais complexos da história da própria �loso�a. Entender o que signi�ca justiça é tarefa que permeia os debates �losó�cos ao longo dos anos e, neste sentido, há alguns apontamentos para chegarmos a um denominador comum. Entende-se por justiça como algo abstrato, em que dada interação social deve ser equilibrada entre razoável e imparcial, isto é, deve ser ao mesmo tempo “aceita socialmente” e não ter a preferência de nenhum fator, o que a tornaria parcial. A justiça é abstrata, vez que não podemos tocá-la – a�nal, você, caro (a) aluno (a), já viu alguém tocando a justiça por aí? Certamente não. Apesar de “intocável”, a justiça normalmente é procurada desde os tempos remotos da �loso�a. Thomas Hobbes, John Stuart Mill e Jean Jacques Rousseau, por exemplo, são autores que buscaram o entendimento do que pode ser justo para determinada sociedade. Não obstante, enxergamos o conceito de justiça às vezes acompanhado da palavra social. Justiça social é, portanto, estabelecer tais princípios em certa sociedade. Aplicar a justiça social, na teoria, é algo difícil de acontecer na prática. Porém, nada impede dos governos, principalmente, buscarem determinadoselementos que vão ocasionar processos de justiça social. 123 Ao passo que a justiça é buscada, há ainda a seguinte questão: é possível termos direitos iguais? A chamada “sociedade civilizada” tem como máxima o estabelecimento de direitos iguais perante a lei, algo que ainda não é totalmente aplicado – sobretudo no Brasil. Ainda que os direitos civis sejam igualmente estabelecidos, falta, da mesma forma, critérios para estabelecimento da igualdade como um todo. Observe, caro (a) acadêmico (a) que a manutenção de direitos totalmente iguais em busca da então chamada igualdade é algo complexo de ser estabelecido. Justiça, igualdade e direitos iguais são conceitos, conforme expostos, ainda difíceis de serem alcançados totalmente. No entanto, a ideia é que no sistema capitalista haja uma amenização das desigualdades sociais, que podem ser menos ou mais acentuadas, conforme a sociedade de que estamos tratando. Especialmente no caso brasileiro, a desigualdade social ainda é muito acentuada. São apontadas quatro causas para a esta desigualdade no país: 1) falta de acesso à educação de qualidade; 2) política �scal injusta; 3) baixos salários; 4) di�culdade de acesso aos serviços estruturais básicos. Examinemos cada um deles. 124 Fonte: Disponível aqui A falta de acesso à educação é, de fato, um dos grandes problemas sociais do Brasil. Além das condições ruins de transporte e da necessidade dos pais incluírem rapidamente os �lhos adolescentes no mercado de trabalho para ampliação da renda familiar, a educação sempre é a primeira a ser cortada de qualquer orçamento familiar. O nível da educação básica brasileira (do ensino fundamental ao médio) ainda é muito ruim, mesmo que houvesse uma diminuição na taxa de analfabetismo nacional. O acesso ao ensino superior ampliou em regiões carentes do Brasil, principalmente com ferramentas como esta – a educação à distância. Porém, pelo segundo ano seguido o Brasil ocupa a posição 79ª de 189 países do mundo em relação à educação, sem evolução aparente. A política �scal injusta também �gura entre os problemas sociais nacionais. A di�culdade em estabelecer uma taxação de impostos mais justa (ou igualitária) perpassa não somente pela classe política, mas também por um grande debate nacional. A tributação de grandes riquezas e os altos impostos pagos pela classe trabalhadora tem ampliado, de fato, a desigualdade social no Brasil. Os baixos salários e o salário mínimo insu�ciente para as despesas mensais corroboram com a ampliação da desigualdade social brasileira. A sensação que você, acadêmico (a) e trabalhador (a) tem é que o salário parece não chegar até ao �nal do mês e, mesmo que possamos acumular dois empregos formais, ainda falta dinheiro para pagar as contas. 125 https://oglobo.globo.com/economia/idh-educacao-nao-avanca-brasil-fica-estagnado-no-ranking-de-bem-estar-da-onu-23067716 Grá�co 01: Os países mais desiguais do mundo| Fonte: Disponível aqui Por �m, as estruturas básicas do Brasil ainda não funcionam por igual. A rede de saneamento básico e de atendimento à saúde não tem a mesma qualidade de prestação de serviços nos estados do Sudeste comparado com os do Norte, por exemplo, e faltam remédios nos postos de saúde de diversos municípios. O sistema viário, fundamental para o desenvolvimento do país, ainda é estritamente rodoviário, estrangulando a capacidade de alavancar as ferrovias, hidrovias e aeroportos do Brasil. Todos estes ingredientes geram consequências muito ruins para o nosso país. Aumento do desemprego, favelização e violência com números de assassinatos e mortos em acidentes de trânsito exorbitantes revelam um Brasil gigante pela própria natureza, mas ainda muito carente de oferecer e sustentar a chamada “igualdade de oportunidades”, clamada por todos, mas sem um futuro a ser vislumbrado. Todo este cenário de desigualdade social revela, mais uma vez, números muito ruins para quem mora por aqui. O Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH), elaborado pelas Nações Unidas, traz em números esta realidade. O levantamento usa como referência o chamado Índice de Gini, uma forma de calcular a disparidade de renda. Observe no grá�co abaixo a colocação do Brasil em níveis mundiais: 126 https://oglobo.globo.com/economia/brasil-o-10-pais-mais-desigual-do-mundo-21094828 Este grá�co revela que o país é o décimo mais desigual do mundo, estando “a frente” apenas da Colômbia e do Paraguai na América do Sul. Tal dado nos mostra que o Brasil precisa avançar muito no quesito de desigualdade social e, neste sentido, cabe à sociologia demonstrar com números os problemas sociais por aqui enfrentados. Esta aula, caro (a) acadêmico (a), é para demonstrar justamente os problemas que levam à desigualdade social brasileira, no sentido de explicitar uma re�exão acerca do que toda a sociedade passa por aqui. As causas e consequências foram apontadas: nos cabe agora, enquanto pesquisadores e educadores, agirmos na transformação desta infeliz realidade. Acesse o link: Disponível aqui O IBGE divulgou, no dia 15 de dezembro, a “Síntese dos Indicadores Sociais”, pesquisa que analisa as condições de vida dos brasileiros. O levantamento mostra que, em 2016, o Brasil tinha 13,4 milhões de pessoas (ou 6,4% da população) vivendo em condição de extrema pobreza – com menos de US$ 1,90 (cerca de R$ 6) por dia, critério de análise adotado pelo Banco Mundial. A pesquisa mostrou também que a desigualdade social no Brasil persiste. De acordo com os dados, os brasileiros mais ricos, que se encontram no topo da pirâmide social, têm 14 vezes mais chances de continuar nessa posição do que pessoas mais pobres têm de ascender socialmente. A mobilidade social no Brasil, segundo a pesquisa, é de “curta distância”, ou seja, metade da população consegue melhorar de vida em relação aos pais, mas essa mobilidade está concentrada nos estratos mais baixos da população. São, por exemplo, �lhos de agricultores que se tornam pedreiros ou empregadas domésticas. 127 https://www.nexojornal.com.br/entrevista/2017/12/25/Por-que-a-desigualdade-ainda-persiste-no-Brasil-segundo-este-pesquisador Fonte: Disponível aqui De acordo com o Instituto Brasileiro de Geogra�a e Estatística (IBGE), conforme dados do ano de 2016, a desigualdade no Brasil ainda alcança índices muito altos. São alguns dados divulgados pelo Instituto: cerca de 889 mil pessoas são consideradas ricas no Brasil; aproximadamente 45 milhões de brasileiros vivem com um rendimento mensal que é inferior ao valor de um salário-mínimo; cerca de 15 milhões de brasileiros vivem em situação de pobreza extrema. 128 https://www.todapolitica.com/desigualdade-social-brasil/ 15 O Processo Doença-Saúde e os Fatores Sociais Para avaliarmos as questões que envolvem as doenças no Brasil, por exemplo, é preciso enxergarmos como a saúde pode prevenir a quantidade de doenças no país. Existem políticas públicas voltadas para esta �nalidade? Podemos a�rmar que há um processo social envolvendo a série de doenças que afetam diretamente a população nacional? Esta aula prevê, caro (a) aluno (a), que façamos uma breve re�exão acerca dos problemas sociais que envolvem o Brasil e, por conseguinte, as doenças que tanto atrapalham a execução de políticas públicas e�cazes quando olhamos para a sociedade como um todo. Segundo o conceito de 1947, da Organização Mundial da Saúde (OMS), com ampla divulgação e conhecimento, a saúde é de�nida como: “Um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença ou enfermidade”. Isto signi�ca: mais do que remediar ou tratar as doenças existentes, a saúde é um completo estado de bem-estar, envolvendo também os aspectos sociais em tal conceito. Por tabela, a doença é um processo em que a dor e o sofrimento nos privam das ótimas condições de saúde. Portanto, é um fator complicador ao nosso bem- estar, às nossas condições físicas, mentais e sociais de paz e de bom desempenho das atividades cotidianas. Não é errado argumentar que uma boa saúde é condição fundamental para que possamostrabalhar, estudar, nos divertir, en�m, viver. Neste sentido, a saúde não se manifesta, não exige atenção do Estado. A doença sim: é o que ocorre de patologia, de problemas que atrapalham toda a sociedade. Émile Durkheim, sociólogo já estudado por nós, diz que a sociedade pode sim entrar em um estado de anomia ou de patologia. Vamos avaliar estes conceitos? 130 Entre os trabalhos importantes de Durkheim estão a de�nição da anomia e patologia, dois elementos diferentes da sociedade atual que merecem um olhar mais cauteloso em nossa sociedade. Faz-se necessário compreender que eles não cumprem a mesma função dentro do corpo social. Mais ainda, as sociedades não apresentam o mesmo per�l médio de conduta. Ou seja, o que pode ser considerado patológico e anormal para uma determinada sociedade, para outra pode não ser. Logo, o que temos que levar em conta neste momento sobre anomia e patologia é a condição em que os dois elementos se dão em uma determinada sociedade. Determinados fenômenos são naturais a determinados momentos e tendem a se acomodar ao longo do tempo e desaparecer dentro da ordem social ou estabelecer um novo comportamento. Isso se chama anomia, que pode ser um fenômeno de transição ou só existir na condição de passagem para outro estágio da vida social. Se pensarmos que certas condições tendem a promover um ambiente favorável a um comportamento anormal, temos então uma patologia, um fator de desordem temporário. Um exemplo são mães que têm depressão pós-parto e, muitas vezes, cometem o infanticídio, ou seja, matam os próprios �lhos. Essa é uma anomia, uma condição temporária que foge ao controle da própria mãe. 131 Em momentos de revolução, uma sociedade apresenta comportamentos que fogem à normalidade. A desordem se estabelece pela falta de uma regulagem dentro da ordem social, na qual acontecem as diferentes funções que a sociedade necessita para sua existência. As condições sociais nesse ambiente de transição acabam por propiciar, por exemplo, ações de violência ou de degradação moral. Não é por acaso que se desenvolveu o alcoolismo e o homicídio durante a Revolução Industrial. Logo, a anomia não é em si um problema a ser resolvido, como uma ameaça à sociedade, mas uma condição de sua reordenação, seja de todo o corpo social ou de alguma de suas partes. As mudanças são constantes e quando ocorrem em determinados pontos da sociedade podem promover uma acomodação que envolva grande parte do corpo social. Logo, vai se estender para diversas instituições até se estabilizar. A patologia é um fenômeno que se apresenta dentro de uma ordem estabelecida, com normas organizadas e que atende a determinada condição social, mas que apresenta comportamento fora da normalidade. Esse é um problema a ser considerado como nocivo à sociedade. Se propagado em determinada dimensão, pode desestabilizar a ordem e promover uma série de outros fenômenos gerando, em cadeia, um grave problema social. Muitas vezes, confundimos a anomia com a patologia por apresentarem o mesmo comportamento, mas elas têm funções distintas dentro do corpo social. Um dos comportamentos que é considerado tanto uma anomia quanto uma patologia é o suicídio. Ele pode signi�car o reforço de um comportamento necessário, a falta de acomodação de um determinado segmento ou, até mesmo, o substrato social. Já em outros momentos e em determinadas 132 sociedades, o suicídio é uma demonstração de problema, de uma patologia. Representa, dessa forma, uma falta de orientação para os membros de uma determinada sociedade, que não consegue ser incorporada ao corpo social. Ambientes com jovens que têm renda elevada, alto grau de ociosidade diária e falta de laços afetivos familiares podem ser propícios para o suicídio. Também pela falta de afetividade, pela ociosidade e pela rejeição funcional os idosos têm mais propensão ao suicídio. Mulheres se suicidam menos que os homens. Elas tendem a constituir vínculo intenso com as comunidades e promover e�ciência de função em instituições sociais. Segundo dados do Ministério da Saúde e da Associação Brasileira de Psiquiatria, no Brasil ocorrem 9 mil casos de suicídio por ano, 24 por dia. A maioria é de homens com mais de 65 anos. Em comparação com outros países, a taxa brasileira é baixa, �ca em 4,5 para cada 100 mil habitantes. Já em países como a Rússia e a Ucrânia ela pode chegar a 30. Se considerarmos os idosos no Brasil, esse índice sobe para 17. Na maioria dos países, as pessoas da terceira idade são as que mais se suicidam, o que indica um alerta para as condições sociais dessa parcela da população na sociedade. Temos que lembrar que o suicídio para Durkheim é um fato social, analisado pela condição coletiva do fenômeno e não pela sua particularidade. Não interessa quem o cometeu, mas quais os fatores que o fazem ocorrer em determinada proporção e com um per�l que se destaca na ordem social. Dessa forma, por mais que o suicídio pareça, a uma primeira vista, uma decisão do indivíduo, ele é visto pela Sociologia como uma condição construída pela sociedade, um ambiente fértil para o autoextermínio. Note, portanto, que o processo saúde-adoecimento (PSa) ocorre também no plano coletivo, social: a doença não pode e nem deve ser encarada como o adoecimento de um indivíduo, de uma pessoa. É um produto de toda uma sociedade, das relações sociais que ocorrem entre os indivíduos e, neste sentido, os conceitos de anomia e patologia podem nos auxiliar na explicação de que, de fato, tanto a saúde quanto as doenças são de origem coletiva. Nossas indagações iniciais acerca das políticas públicas nacionais quanto à saúde passam a ter mais força e vigor quando pensamos socialmente. Perceba, caro (a) acadêmico (a), que no Brasil há maior quantidade de recursos 133 �nanceiros avaliando a formulação e a implementação de políticas públicas para investimentos na doença do que na saúde. Note a quantidade de unidades de saúde, por exemplo, que são construídas a cada ano: o enfoque, às vezes, é maior na patologia do que na prevenção, na promoção do bem-estar. Espera-se, portanto, que estas re�exões sociológicas acerca do processo doença- saúde possam indagar como os fatores sociais são predominantes para o trato da temática. Como exposto nesta disciplina, é impossível pensarmos a sociedade de maneira individual e, assim, todos nós estamos ligados – de acordo com o pensamento de cada autor, a uma sociedade. Acesse o link: Disponível aqui Para Gadamer (1997), saúde e doença não são duas faces de uma mesma moeda. De fato, se considerarmos um sistema de saúde, como, por exemplo, o SUS, é possível veri�car que as ações voltadas para o diagnóstico e tratamento das doenças são apenas duas das suas atividades. Inclusão social, promoção de equidade ou de visibilidade e cidadania são consideradas ações de saúde. O entendimento da saúde como um dispositivo social relativamente autônomo em relação à ideia de doença, e as repercussões que este novo entendimento traz para a vida social e para as práticas cotidianas em geral e dos serviços de saúde em particular, abre novas possibilidades na concepção do processo saúde doença. Desta maneira, o Processo Saúde Doença, está diretamente atrelado à forma como o ser humano, no decorrer de sua existência, foi se apropriando da natureza para transformá-la, buscando o atendimento às suas necessidades (GUALDA; BERGAMASCO, 2004). 134 https://www.unasus.unifesp.br/biblioteca_virtual/pab/7/unidades_conteudos/unidade05/unidade05.pdf Fonte: Disponível aqui Você já pensou quais são as questões básicas que poderiam envolver o processo doença-saúde? Quais seriam as alternativas para diminuirmos a quantidade de doenças no Brasil? Avalie estes pontos que podem mudar a questão na prática, agindo: Na busca de explicações (Causas ou fatores de risco) para a ocorrência de doenças, com utilização predominante dos métodos da epidemiologia analítica; Nos estudos da situação de saúde (Que doenças ocorrem mais na comunidade? Há grupos mais suscetíveis? Há relação com o nível socialdessas pessoas? A doença ou agravo ocorre mais em determinado período do dia, ano?); Na avaliação de tecnologias, programas ou serviços (Houve redução dos casos de doença ou agravo após introdução de um programa? A estratégia de determinado serviço é mais e�caz do que a de outro? A tecnologia “A” fornece mais benefícios do que a tecnologia “B”?); Na vigilância epidemiológica (Que informação devemos coletar, observar? Que atitudes tomar para prevenir, controlar ou erradicar a doença?). 135 https://www.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/enfermagem/processo-saude-doenca-e-historia-natural-da-doenca/27261 16 Temas Atuais e Relevantes para a Sociologia Conforme exposto em nosso livro, a sociologia atravessa há anos por diversas fases. Saímos do momento de consolidação da disciplina, nos casos de Comte, Durkheim, Weber e Marx enquanto clássicos; passamos pelo momento de �xação do conteúdo sociológico nos Séculos XIX e XX; enfrentamos as duas grandes guerras mundiais e o contexto de guerra fria; e, por �m, as novas tendências da globalização e da pós-modernidade. Assim, questionamos: quais são os temas da atualidade trabalhados pela sociologia? Existem debates mais relevantes do que outros? Como podemos avaliar essa “nova fase” do campo de conhecimento sociológico? O primeiro tema a ser debatido é a questão da dívida pública brasileira. Com a consolidação da democracia enquanto regime político adotado, os governos em geral têm enfrentado uma di�culdade em estabelecer os limites de ação democrática e, por conseguinte, otimizar as ações governamentais para que haja superávit nas contas públicas. O Brasil e os brasileiros comemoraram em março de 2015 os trinta anos de restabelecimento da democracia no país. Este é o período em que a democracia esteve mais tempo à frente do que a própria política no Brasil: como dissemos acima, mais vale ser democrático (ainda que a expressão possua implicitamente o conceito de liberdade) do que ser político. Ou seja, ao ser democrático sou muito mais do que político, sendo esta uma condição fundamental para acreditar que é possível fazer política: praticar a democracia. 137 Esta experiência de 30 anos (de 1985 em diante) nos demonstra que o valor democrático voltou para �car. Possíveis ameaças à democracia são descartadas a todo o momento, seja pela crítica especializada, pela imprensa, pelos partidos políticos, en�m, por quem pratica e acredita que a política no país ainda tem solução. Um levante ditatorial no atual contexto é algo totalmente descartado e só de pensar nas experiências do Brasil e de outros países relativas à ditadura, o medo e o terror psicológico já retornam. Os tempos hoje são outros na política brasileira. E é sobre este último período democrático que vamos nos concentrar neste capítulo. Muitas coisas mudaram e a máquina pública está mais complexa, recheada de detalhes e de mecanismos desconhecidos de grande parte da população. A confusão de termos e conceitos é evidente e a gestão pública (a moda do momento) é muito citada na teoria, em uma prática distante que parece não se con�rmar. Antes de tratarmos destes “novos conceitos” presentes na democracia brasileira de 1985 para cá, vale ressaltar que, apesar da eleição de Tancredo Neves para a Presidência da República e a posterior posse de José Sarney, a “nova cara” da estrutura democrática do Brasil surgiu em 1988, com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, a chamada constituição cidadã. A Constituição Federal (CF) de 1988 recebeu este nome justamente por trazer os 138 cidadãos de volta ao debate público, permitindo três mecanismos importantes direcionados à participação política: o plebiscito, o referendo e os projetos de iniciativa popular. Nota-se que a democracia por si só atravessa um momento de crise e de contestação pública crescente. No auge das eleições brasileiras em 2018, 68% dos entrevistados em uma pesquisa de opinião pública apontam a democracia como a melhor forma de governo existente – ainda que uma onda conservadora e de governos extremamente autoritários apareçam na atual política. Com a “legitimidade” popular e internacional da democracia, há a con�rmação do pressuposto de troca de comando governamental e, neste sentido, a população pode experimentar diversas tendências ideológicas no cenário político. Entretanto, a crença de que a democracia impera sobre a “autonomia coletiva” ainda é presente, conforme nos aponta Luis Felipe Miguel: A ideia de autonomia coletiva está no coração de qualquer compreensão normativamente íntegra de democracia. As desigualdades sociais signi�cativas são aquelas que afetam o exercício dessa autonomia – e, dentre elas, a desigualdade de classe certamente ocupa uma das posições de destaque. É por isso que a ausência da preocupação com a desigualdade de classe retira das teorias “críticas” a capacidade de fazer uma análise consequente das democracias atuais. A suspensão da desigualdade de classe como problema não permite tratar adequadamente das condições em que a própria expressão das diferenças, como algo politicamente relevante, se torna possível. (MIGUEL, 2012, p. 112). Observa-se, portanto, que o debate político sobre a democracia pode interferir diretamente na questão da dívida pública, vez que a escolha dos representantes governamentais perpassa necessariamente pela escolha democrática. Aí que notamos a di�culdade em estabelecer um equilíbrio das contas públicas: con�gurar a democracia, por um lado, aliada às eleições permanentes; e, por outro, a capacidade de tornar o regime e�caz, que possa ser governado com êxito e com grandes investimentos para a população. 139 Grá�co 1: Dívida pública brasileira | Fonte: Disponível aqui A tabela abaixo da notícia relacionada à dívida pública brasileira mostra-nos como é complexo equacionar orçamento público positivo com capacidade de investimento satisfatória. A dívida pública brasileira atingiu um teto estimado de 4,3 trilhões em 2019 e, neste sentido, a quantidade de impostos pagos pelos brasileiros ainda não seria su�ciente para fazer face às despesas existentes. Algumas leis e dispositivos surgiram de 1988 para cá, organizando a política no Brasil e buscando alcançar os princípios básicos do setor: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e e�ciência. Cada um destes princípios norteia as atividades do setor no país, uma vez que os atos devem ser legais, impessoais e sem favorecimento a parentes e amigos, com moralidade, amplamente divulgados para que todos saibam e sem morosidade, com e�ciência e agilidade. Um exemplo notado e que dá certo é a Lei de Responsabilidade Fiscal (n° 101/2000), que estabelece um princípio básico de qualquer administração pública: não gastar mais do que a arrecadação de um município, unidade da federação ou no governo federal. Estranho é ver uma Lei neste sentido, �xando 140 https://g1.globo.com/economia/noticia/2019/01/28/divida-publica-pode-chegar-a-r-43-trilhoes-em-2019-diz-tesouro-nacional.ghtml aquilo que deveria ser básico para qualquer gestor. No entanto, muitos governos rompiam o limite de arrecadação e este mecanismo foi necessário para colocar a casa em ordem. Outro mecanismo presente na CF desde 1998 é o Plano Plurianual (PPA), que �xa o planejamento �nanceiro e de ações para um período de 4 anos, sempre implementado a partir do segundo ano de cada nova administração, o que obriga ao próximo administrador que cumpra as regras já estabelecidas. Em seguida, após a elaboração do PPA, há a criação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), a qual busca sintonia entre o PPA e a Lei Orçamentária Anual (LOA), enviada pelo Poder Executivo ao término de cada ano para o Poder Legislativo, no intuito de estabelecer as diretrizes para o ano subsequente. Em resumo: esta trinca de leis, aliadas à LRF formam o básico de exigências recentes da administração pública do Brasil, o que auxilia na manutenção democrática e respeito ao debate entre os poderes instituídos. Todos estes exemplos nos demonstram como aadministração pública está se aprimorando no Brasil. Adiantamos que o estilo patrimonialista de administrar – isto é, aquele em que o Estado é extensão da própria casa, com favorecimentos e corrente uso do nepotismo, podem diminuir com as atuais regras. Em sua substituição, a administração burocrática passa vigorar no início do Século XIX, já no Brasil republicano, em que a lei, a carreira e a hierarquia são os postulados. O fundamento é servir a comunidade com e�ciência e probidade, combatendo a corrupção – que também analisaremos adiante. 141 Atualmente fala-se muito em administração gerencial, em que as hierarquias e a delegação única e exclusiva de um tipo de serviço deixam de existir no setor público. Ao invés da �gura do chefe há o líder (ou gerente), que busca reduzir custos e agilizar a resposta às demandas existentes. Ela emerge a partir da segunda metade do Século XX, com o cidadão e contribuinte de impostos sendo a �gura mais importante. Este espírito de contribuição também é agregado à ideia de participação democrática, segundo a qual todos são “proprietários” do governo, contribuindo solidariamente para o caixa do setor público. Sendo assim, o montante disponível na gestão pública é de todos e, consequentemente, todos devem zelar, �scalizando e participando dos acontecimentos da política. Um outro tema relevante para o debate sociológico – para além destes que estão no campo da sociologia política – é a questão da pós-verdade. Diferentemente do termo “fake news”, que são notícias falsas, o conceito de pós- verdade está relacionado a criarmos uma narrativa condizente para moldar a opinião pública, com forte apelo à emoção e à crenças pessoais. Em outras palavras: a era da pós-verdade é àquela em que apelamos para as emoções e para as crenças pessoais e, considerando estes dois fatores, criamos uma narrativa que pode ser considerada válida, em que as pessoas passam a acreditar, deixando de lado eventualmente os fatos que objetivamente aconteceram ou, então, ocorreram tacitamente. As plataformas digitais como as redes sociais têm colaborado muito para a proliferação da pós-verdade no cenário mundial. Notícias são “requentadas”, utilizadas como verdadeiras e debatidas exaustivamente nas redes sociais como “atuais”. Além disso, tais notícias e argumentos servem como base para criar as narrativas da pós-verdade, conforme apontado. Note, caro (a) acadêmico (a), que o termo inclusive foi escolhido como a palavra do ano de 2016, dada sua relevância no debate atual. Cabe, portanto, à sociologia analisar tal fenômeno, lançando luz sobre esta temática, um dos desdobramentos da vida on-line que experimentamos atualmente. Estes temas levantados nesta aula são de relevância para compreendermos nossa atualidade, vez que estão em auge para a sociologia – tanto as questões políticas internas e externas, conforme apontamos, tanto as sociais, como o 142 comportamento sinalizado diante da pós-verdade, por exemplo. Esperamos que você, caro (a) acadêmico (a), possa discernir acerca destes conteúdos, jamais perdendo a capacidade de re�exividade sociológica. Acesse o link: Disponível aqui Compreenda como a dívida pública funciona na prática, neste vídeo, que analisa como o Brasil tem atravessado este problema na atualidade. Fonte: Disponível aqui Segundo a Oxford Dictionaries, o termo “pós-verdade” com a de�nição atual foi usado pela primeira vez em 1992 pelo dramaturgo sérvio-americano Steve Tesich. Ele tem sido empregado com alguma constância há cerca de uma década, mas houve um pico de uso da palavra, que cresceu 2.000% em 2016. “‘Pós-verdade’ deixou de ser um termo periférico para se tornar central no comentário político, agora frequentemente usado por grandes publicações sem a necessidade de esclarecimento ou de�nição em suas manchetes”, escreve a entidade no texto no qual apresenta a palavra escolhida. 143 https://www.youtube.com/watch?v=FmSqT_mnZNg https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/11/16/O-que-%C3%A9-%E2%80%98p%C3%B3s-verdade%E2%80%99-a-palavra-do-ano-segundo-a-Universidade-de-Oxford Conclusão Durante este livro didático, nosso objetivo foi fornecer subsídios para você, caro(a) aluno(a), pensar acerca dos fundamentos da Sociologia. Nossa proposta era articular autores da Sociologia Clássica, com as bases da sociologia contemporânea, além de realizar um passeio sobre as condições das atuais relações sociais. A questão geral desse livro está voltada para compreender como nós nos relacionamos com a vida em/na sociedade. Nesta jornada, no primeiro momento, abordamos o surgimento das Ciências Sociais, além do ambiente de formação da Sociologia. A ideia era lançar as bases para você poder dialogar com os autores, trabalhados nas unidades posteriores. Já nas aulas a seguir, pudemos constatar as diferenças e semelhanças do pensamento sociológico de Comte, Durkheim, Weber, Marx e Bourdieu, além de solidi�car os principais conceitos fundados por esses pensadores. A proposta é simples, porém direta: �xar esses conceitos e saber articulá-los entre si. Adiante, além de conversar paralelamente com os clássicos, colocando-os lado a lado, na tentativa de elucidar possíveis dúvidas, ressaltamos a história da sociologia no Século XX e pensamos, também, como a antropologia dialoga com ela. A noção de cultura e multiculturalismo esteve presente, é claro. Por �m, trouxemos a discussão para a Sociologia na pós-modernidade, bem como falamos sobre os fundamentos desta disciplina no atual contexto social em temas de relevância, tais quais a desigualdade social no Brasil, as questões da saúde e a ética pro�ssional. Nosso “passeio sociológico” pode contrapor o clássico com o moderno, o antigo com o contemporâneo, en�m, os princípios da Sociologia com os debates atuais. Observe, caro(a) aluno(a), que é impossível tratarmos todo o conteúdo em apenas um livro. Entretanto, o salutar aqui foi abordado, esperando que você possa ter uma nova visão sobre nossa sociedade, lembrando, é claro, que nesta rede em que estamos interligados somos interdependentes. 144 Material Complementar Livro Condição Pós-Moderna Autor: David Harvey Editora: Edições Loyola Sinopse: Com a tese de que estamos sendo dominados pelas novas formas de uso do tempo e do espaço, bem como a supressão de ambos, David Harvey lança as bases sobre a pós- modernidade e suas nuances. Livro Textos Básicos de Sociologia Autor: Celso Castro Editora: Zahar Sinopse: De passagem panorâmica acerca dos principais sociólogos, Celso Castro reúne nesta coletânea fragmentos de autores consagrados das ciências sociais, como Karl Marx, Émile Durkheim, Gerog Simmel, Max Weber, Norbert Elias, Erving Go�man, Howard Becker, Pierre Bourdieu, Zygmunt Bauman, Wright Mills e William Foote White. Livro Sociologia Clássica — Marx, Durkheim e Weber Autor: Carlos Eduardo Sell Editora: Vozes Sinopse: A partir da importância de Marx, Durkheim e Weber para a matriz sociológica, Carlos Eduardo Sell retoma a teoria sociológica demonstrando os modelos básicos de pensamento dos autores, as características de cada um e os desa�os propostos para a análise da modernidade. 145 Filme Crash — no limite Ano: 2004 Sinopse: A proposta do �lme é debater a mistura étnica de diferentes classes sociais após Jean Cabot, esposa de um promotor de uma cidade ao sul da Califórnia, ser assaltada por dois negros. Após o roubo, um acidente de trânsito acaba aproximando diferentes pessoas, o que demonstra os atuais modelos de relações sociais da pós-modernidade. Filme A Vila Ano: 2004 Sinopse: Em 1897, uma vila parece ser o local ideal para viver: tranquila, isolada e com os moradores vivendo em harmonia. Porém esse local perfeito passa por mudanças quando os habitantes descobrem que o bosque que os cerca esconde uma raça de misteriosas e perigosas criaturas, por eles chamados de "Aquelas de Quem Não Falamos". Web Texto acadêmico que faz referências à questão do conceito de dominação criado pelo sociólogo Max Weber. Acesse o link Web Dos clássicos da Literaturaaos clássicos da Sociologia, trata-se de um excelente texto para fazer o balanço entre o que signi�ca ser clássico para a Literatura e, da mesma forma, para a Sociologia. Acesse o link 146 http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2238-38752014000200587 http://www.redalyc.org/html/4008/400841526005/ ARISTÓTELES. Physis. 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