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– Epidemiologia A tuberculose é a doença mais comum da humanidade. A OMS estima que um terço da humanidade seja infectada pelo Mycobacterium tuberculosis, com mais de nove milhões de casos novos e um milhão e quinhentas mortes por ano decorrentes da doença. Diferente do que se imaginou nas décadas de 1960 e 1970, de que com a conquista de uma potente quimioterapia a doença tenderia a um efetivo controle, a tuberculose recrudesceu em todo o mundo. Esse recrudescimento foi facilitado por suas relações com a pandemia do HIV, pela ampliação da miséria das populações desfavorecidas em contraste com o aumento da longevidade nas mais desenvolvidas – todos rebaixadores de imunidade, contribuem também para isso os movimentos migratórios, a progressiva diminuição dos investimentos no setor de saúde e a deterioração dos serviços de assistência pública. Nem sempre foi assim. Nos seus primórdios, a tuberculose atingiu os animais antes de alcançar os homens, provavelmente por um variante que antecedeu o Mycobacterium bovis. Os primeiros humanos possivelmente se infectaram por ingestão de carne ou leite contaminados, ou por via aerógena. Aos poucos, bacilos mutantes, de localização pulmonar e melhor transmissão aerógena, com uma virulência atenuada, o que favorecia a sua disseminação, conseguem firmar-se como parasitas da espécie humana. Endêmica na antiguidade, conhecida pelos egípcios, gregos, árabes e entre povos do oriente, permaneceu como uma doença sem importância durante o feudalismo europeu, disseminando-se pelo mundo com o colonialismo e a expansão comercial. Explode como “a grande peste branca europeia” com a urbanização capitalista, epidemia que se prolonga por 300 anos, de meados do século XVIII até o início do século passado, declinando sem nenhuma interferência humana, vencida pelo esgotamento dos mais sensíveis, seleção dos mais resistentes e, principalmente, pelo desenvolvimento socioeconômico. ➢ Tuberculose no Mundo Nos dias atuais, a tuberculose permanece como a maior causa de morbidade e mortalidade entre as doenças infectocontagiosas no mundo. A identificação da gravidade da situação no cenário internacional levou a Organização Mundial da Saúde (OMS), em março de 1993, a declarar a tuberculose como uma emergência global. A mensagem foi clara: “a tuberculose é um desastre da saúde pública”. Estimativas da própria OMS informam, em 2011 (último relatório), que cerca de cem milhões de pessoas são infectadas a cada ano, com uma prevalência de quase nove milhões de doentes e mortalidade de 1,5 milhões/ano e atingindo mais de um terço da humanidade infectada pelo bacilo. As diferenças entre as diversas regiões do mundo são aberrantes. Enquanto 21% dos infectados são contabilizados nos países avançados, 79% o são nos países em desenvolvimento e pobres. Outra diferença é que, enquanto nos países desenvolvidos 80% da infecção alcança indivíduos acima dos 50 anos e 75% abaixo desse limite etário, nos países em desenvolvimento, 80% dos infectados encontram-se entre 15 e 59 anos, portanto na faixa de maior produtividade. Do total de nove milhões de casos novos previstos para 2013, apenas 5% ocorrem nos países avançados e 95% nos em desenvolvimento. O que é mais grave são os números dos óbitos anuais, com (98,7%) nos países pobres e (1,3%) nos ricos, o que aprofunda ainda mais a desigualdade do desenvolvimento da doença antes referida. Assim, diferentemente do que apontam diversos textos, a tuberculose não é reemergente no mundo; corrigindo, pode- se afirmar que a doença é reemergente nos países ricos e “permanecente” nos pobres. Nessa linha de raciocínio, pôde-se conceber que as estratégias para o seu controle deveriam levar em conta distintas situações, considerando as formas de manifestações da doença, recursos econômicos, humanos e técnicos. Na proposta de Caminero Luna foi adotada para melhor separação de, em vez de dois, três campos: • Países com escassos recursos e extrema situação de pobreza, com 65% dos casos. • Países com recursos médios, com 30% dos casos (o Brasil aqui incluso). • Países com recursos amplos e desenvolvidos, com 5% dos casos. ➢ Tuberculose no Brasil Embora comprovada na América pré-colombiana, as indicações pelos relatos históricos da época são de que não havia tuberculose entre os nativos brasileiros antes da chegada dos portugueses. Assim, a doença foi introduzida pelos colonizadores europeus, alguns tuberculosos, atraídos pelas qualidades climáticas tropicais, na época consideradas saudáveis para a cura do mal. Foi o que aconteceu com a vinda dos padres jesuítas, que, com a missão de catequese, mantinham contato constante com as populações indígenas, facilitando a transmissão. A chegada dos negros para o trabalho escravo, desnutridos e extenuados pela longa viagem e alocados em senzalas promíscuas e insalubres, facilitou ainda mais a expansão da tuberculose no país. No Brasil, a doença acomete principalmente pessoas nas faixas etárias correspondentes à plenitude da capacidade produtiva e alcança os setores de mais baixa renda da população. • Incidência No Brasil, a notificação de casos de tuberculose é obrigatória, realizada por meio de fichas padronizadas a partir das Unidades Básicas de Saúde para as Secretarias Estaduais, que as consolidam. O Ministério da Saúde estima anualmente para o país uma prevalência de 34,5 casos/100.000 casos/habitantes em 2014, com cerca de 71 mil casos novos notificados em 2013 e a ocorrência de 4,6 mil mortes em decorrência da doença (incidência de 2,4/100.000 habitantes). O Brasil ocupa o 17º lugar entre os 22 países responsáveis por 80% do total de casos de tuberculose no mundo. Vale lembrar que a OMS estima em 30% a taxa de subnotificação ou ausência de diagnóstico. A julgar pelo número de notificações ao Ministério da Saúde, nos últimos 17 anos, a tuberculose apresentou queda de 38,7% na taxa de incidência e 33,6% na taxa de mortalidade. Oito estados apresentam incidências acima da média nacional, sendo os maiores valores para os do Rio de Janeiro e Amazonas e os menores para Goiás e Distrito Federal. Atualmente, o país ocupa a 16ª posição entre os 22 com maior carga de tuberculose e a 111ª posição em taxa de incidência. As formas pulmonares alcançam 85%, sendo 52,8% positivas à baciloscopia e 32,2% sem confirmação bacteriológica (incluídas as formas negativas e as que não realizaram baciloscopia). Entre as formas extrapulmonares, que correspondem a 15%, as pleurais e ganglionares periféricas são as mais encontradas, seguidas pelas geniturinárias, ósseas e oculares, em menores percentuais. A forma de meningoencefalite tuberculosa foi de 5% e a miliar de 6%. A distribuição por faixas etárias evidencia a maior concentração de casos entre 20 e 49 anos. Tem sido observado um declínio da doença em todas as faixas etárias, sendo a queda maior na de 0 a 4 anos, provavelmente relacionada à boa cobertura vacinal com BCG em todo o país, além do impacto das ações de diagnóstico e tratamento. A menor redução relativa foi na faixa acima dos 60 anos, podendo-se especular que a reativação endógena tenha um papel determinante. Etiologia A tuberculose é uma doença infecciosa de evolução crônica que compromete principalmente os pulmões, sem e cujo agente etiológico, o Mycobacterium tuberculosis, foi descoberto por Robert Koch, em 1882, que isolou e descreveu o bacilo, conseguiu seu cultivo e reproduziu a doença em animais de laboratório. O gênero Mycobacterium, único da família Mycobacteriaceae, uma forma de transição entre as eubactérias e actinomicetos, é constituído por bacilos retos ou ligeiramente curvos, imóveis e não formadores de esporos ou cápsulas. As bactérias desse gênero são caracterizadas principalmente por apresentarem um tempo de geração longo, 3 horas para as espécies de crescimento rápido e 18 horas, em média, para as espécies de crescimento lento e serem resistentes à descoloração por solução contendo álcool e ácido. Essa característica,evidenciada pelo método de Ziehl-Neelsen, deve-se ao alto teor de lipídeos presente na sua cápsula, aproximadamente 60% do peso seco de grande importância para o reconhecimento do gênero. Com seu metabolismo voltado especialmente para a construção da cápsula que o protege dos agentes químicos, o M. tuberculosis cresce lentamente. Aeróbio, duplica sua população em 18 a 48 horas, dependendo da maior ou menor oferta de oxigênio, do pH do meio e acesso a nutrientes. É, entretanto, facilmente destruído por agentes físicos, como o calor, os raios ultravioletas da luz solar e radiações ionizantes. Atualmente, considera-se que o M. tuberculosis constitui o protótipo do M. tuberculosis complex, composto ainda pelo M. bovis, M. microti, M. africanum e o M. canetti (M. caprae), fenotípicos e geneticamente similares, marcados pela presença nos genomas do fragmento IS6110. Estima-se que o bacilo tenha se constituído como espécie entre 15.300 e 20.400 anos atrás, evoluindo por mutação de M. bovis primitivo ou bacilo semelhante, teoria aceita por muitos autores pela coincidência de seu aparecimento com a domesticação de animais pelo homem. O M. tuberculosis não se apresenta livre na natureza, dependendo do parasitismo; transmite-se principalmente por via aérea, facilitada pela aglomeração humana. Tem uma baixa morbidade que, associada ao crescimento lento, provoca principalmente doença de curso lento e crônico em indivíduos com baixa imunidade, com destaque para a subnutrição. Por ser um aeróbio estrito para a maior parte das suas populações, infecta os pulmões e aí se localiza preferencialmente – a presença de oxigênio favorece sua multiplicação e a ligação do órgão com o meio externo facilita sua transmissão. Discute-se atualmente a possibilidade de um ciclo bacilar anaeróbio correspondente à população latente, conforme indicam algumas experiências in vitro. Nenhuma toxina (exo ou endo) foi isolada do bacilo de Koch, razão pela qual não consegue romper a barreira epitelial íntegra, infectando o interior do hospedeiro às suas próprias custas. Patologia As vias respiratórias são a principal porta de entrada do Mycobacterium tuberculosis. Uma vez inalados, a maioria dos bacilos fixa-se no trajeto bifurcado da árvore traqueobrônquica, especialmente quando em grumos, sendo eliminados pelo sistema de defesa mucociliar. Partículas núcleos que se comportam como gases vencem essa barreira e localizam-se no trato respiratório inferior, especialmente no interior dos alvéolos onde, facilitadas por ambiente propício, com temperatura, umidade e aporte de substâncias nutrientes, multiplicam-se livremente, caracterizando a fase simbiótica ou de crescimento livre. A capacidade de o agente infeccioso sobreviver no pulmão dependerá de fatores relacionados à sua virulência e à habilidade das células do hospedeiro em eliminá-lo. É conhecido o papel dos macrófagos como células de 1ª linha na defesa contra o Mycobacterium tuberculosis. Esta resposta inicial, se completamente efetiva, causará a sua eliminação pela ação fagocítica de macrófagos alveolares. O bacilo poderá ser eliminado por vários mecanismos mediados por uma complexa interação entre macrófagos, linfócitos e citocinas. O processo envolvido na fagocitose inclui a ligação da bactéria ao macrófago, a internalização dentro do fagossoma e morte ou inibição do crescimento do bacilo. O controle sobre o crescimento bacteriano ou a lise do M. tuberculosis acontece com a fusão do lisossoma com o fagossoma, agora lisofagossoma, em que a bactéria sofre a ação dos grânulos liberados e de uma série de outros produtos tóxicos produzidos pelos macrófagos. Os mais importantes são o peróxido de hidrogênio, o ânion superoxido e óxido nítrico. A atividade do macrófago pode ser ampliada pela ação de citocinas que estimulam fagocitose, a capacidade lítica dos lisossomos e favorecem sua fusão ao fagossoma com destruição dos bacilos. Por seu lado, o M. tuberculosis desenvolve mecanismos de escape e defesa de maneira que possa romper a parede do fagossoma, crescendo livremente dentro do macrófago (parasitismo intracelular facultativo), inibir a fusão lisossomal e impedir novas fagocitoses. Um desses mecanismos estaria relacionado com a própria estrutura da parede bacteriana que produz substâncias que impedem a ligação do macrófago à bactéria. Estudos como de Gordon e colaboradores demonstraram que as micobactérias são capazes de produzir amônia que, alcalizando o conteúdo dos lisossomos, impediria a sua ligação ao fagossoma. Porém, a função exata desse mecanismo ainda não está totalmente esclarecida. Se o macrófago alveolar não conseguir deter o microrganismo, por desconhecimento imunológico do bacilo ou depressão imunitária – definida pela resposta tuberculínica negativa –, haverá uma multiplicação bacilar com destruição celular e tecidual. Forma-se, então, uma resposta inespecífica com acúmulo local de polimorfos nucleares que fagocitam bacilos e, assim como chegam, retornam à corrente sanguínea com bacilos em seu interior estabelecendo uma disseminação hematogênica primária. Compreende- se aqui, uma das principais consequências da vacinação, qual seja, impedir o aparecimento de formas extrapulmonares da tuberculose, por estimular mecanismos imunológicos que evitam essa disseminação. A bactéria multiplica-se lentamente, dividindo-se aproximadamente a cada 25 ou 32 horas dentro do macrófago. O bacilo cresce por 2 a 12 semanas, tempo esse suficiente para desencadear a resposta imunológica mediada por células e a hipersensibilidade do tipo retardada – conversão tuberculínica, detectada pela positividade do teste cutâneo. Se os mecanismos de defesa iniciais não forem suficientes para conter o patógeno, a célula infectada rompe-se liberando os bacilos. Em indivíduos com sistema imunológico íntegro, ocorre um acúmulo de células, formado por macrófagos e linfócitos T ativados, na região do parênquima pulmonar em que os bacilos se instalaram, compondo o granuloma, responsável por conter a disseminação da bactéria. O mecanismo de formação do granuloma é muito importante nos primeiros dias após a infecção e resulta tanto da resposta do hospedeiro como pode ser estimulado pelo próprio agente agressor. A lesão inicial constitui o chamado cancro de inoculação. O sucesso desse mecanismo depende do número de macrófagos e de bacilos presentes no local da infecção. Se a resposta imunológica for ineficaz, os bacilos poderão deixar o interior dos macrófagos e disseminar para a corrente linfática até os linfonodos regionais. Os linfonodos hilares enfartam-se, constituindo o complexo primário tuberculoso, composto pelo cancro de inoculação, a linfangite e a adenomegalia hilar. Embora possa ser visível à radiografia de tórax, a maioria dos casos de infecção tuberculosa é clínica e radiologicamente inaparente, sendo um teste tuberculínico positivo o único indício da infecção bem-sucedida. A partir dos linfonodos hilares, os bacilos se disseminam para linfonodos paratraqueais e vertebrais e, via ducto torácico, alcançam a corrente sanguínea, podendo se alojar nas regiões superiores do pulmão ou em diversos órgãos, como rins, cérebro e ossos, ou onde encontrarem um ambiente favorável à sua implantação: satisfatória oferta de oxigênio associada a uma baixa perfusão local, dificultando o aporte de células de defesa. Indivíduos cuja resposta imunológica foi suficiente para conter o M. tuberculosis desenvolverão uma forma clínica de infecção caracterizada como infecção latente, em que os bacilos permanecerão nesse estado por tempo indeterminado (anos ou décadas), o que explicaria o aparecimento da tuberculose pulmonar ou extrapulmonar, quase sempre, como uma reativação de um foco primário contido em seu início. O risco do desenvolvimento da doença é maior nos primeiros dois anos após a infecção. ➢ Imunidade mediada por células Os macrófagos também exercem uma importante função como células apresentadoras de antígenos em respostaà infecção pelo M. tuberculosis. Macrófagos ativados apresentam a linfócitos T antígenos bacterianos expressos em associação com as moléculas do complexo de histocompatibilidade principal. Moléculas da classe I e II são reconhecidos por linfócitos T CD8+ e T CD4+, respectivamente. Consequentemente, citocinas produzidas por células T ativadas modularão a função dos macrófagos. Vários estudos têm comprovado a importante função da imunidade celular na defesa contra o M. tuberculosis. Alguns trabalhos demonstram que animais deficientes de linfócitos T ou indivíduos com imunodeficiência são mais suscetíveis ao desenvolvimento da doença tuberculosa. Um importante estudo, demonstrado a função dos linfócitos T na defesa contra o M. tuberculosis, foi conduzido por North, em 1973. Ele observou que camundongos timectomizados e reconstituídos com células de medula óssea mostraram menor resistência a uma posterior reinfecção com a cepa patogênica H37Rv do M. tuberculosis do que o animal controle. Recentemente, a discussão a respeito da relação dos linfócitos T no desenvolvimento de doenças infecciosas levou ao paradigma, inicialmente desenvolvido em modelo murino, que caracteriza os linfócitos T CD4+ em duas subpopulações, Th1 e Th2, ambas derivando da classe Th0. A diferenciação desse precursor estaria sobre o controle de citocinas. Fenotipicamente, células Th1 são caracterizadas, sobretudo, pela produção de interferon-gama (IFN-γ) e interleucina-2 (IL- 2), e sua função seria a ativação de outras células inflamatórias e fagocíticas responsáveis pela inibição do crescimento bacteriano. Células Th2 produziriam citocinas como IL-4, IL-5 e IL-10. Apesar de não ser possível observar, em humanos, uma divisão clara em dois distintos padrões de citocinas, ao contrário do que ocorre com modelo murino, em que diferente tipo de citocinas, produzidas em resposta à infecção pelo M. Tuberculosis, têm sido documentadas e a sua função em conter a infecção por esse agente ainda não está totalmente esclarecida. Tanto as células Th2 como linfócitos T CD8+ parecem também exercer um papel de defesa, estimulando a destruição de macrófagos infectados com atividade inibida pelos bacilos (apoptose?) como produzindo grânulos bacteriostáticos e bactericidas, respectivamente. Além do IFN-γ, citocinas como a IL-12 e o fator de necrose tumoral alfa (TNF-α) são considerados importantes na imunopatogênese da tuberculose. Vários estudos têm demonstrado que tanto animais como humanos, deficientes de imunidade mediada por IL-12 e IFN-γ, são susceptíveis à infecção por micobactérias. O TNF-α, em outros trabalhos, tem sido relacionado à resistência antibacteriana à formação do granuloma tuberculoso. ➢ Resposta inflamatória Com o surgimento da hipersensibilidade do tipo retardado, macrófagos infectados no interior dos granulomas morrem. Os bacilos tendem a se localizar no centro do granuloma e a periferia torna-se fibrótica e caseosa. A necrose tecidual que ocorre na tuberculose tem alto teor de gorduras liberadas pelo metabolismo bacilar, apresentando um aspecto denso e espesso, conhecido como necrose de caseificação. À microscopia, observa-se que o granuloma alcança alto teor de células epitelioides e células gigantes multinucleadas. Embora o bacilo não consiga se multiplicar dentro do cáseo, em virtude da escassez de oxigênio, ele poderá permanecer viável por décadas. A natureza da resposta imunológica determinará se a infecção será contida ou progredirá. Quando o processo de defesa é bem-sucedido, constitui-se um equilíbrio parasito/hospedeiro, com bloqueio da proliferação bacilar e da expansão da lesão, impedindo o aparecimento da doença. Segundo essa concepção, a doença acontece quando: • na infecção inicial, devido a um número excessivo de bacilos e/ou fatores que diminuem a capacidade de resposta imune do hospedeiro. Nesse caso, o equilíbrio não chega a ocorrer e se estabelece uma tuberculose primária; • posterior à infecção inicial, uma forma de tuberculose pós-primária, pela quebra do equilíbrio parasita versus hospedeiro. Por reativação endógena, com rebaixamento da resposta imune local ou sistêmica e/ou provável aparecimento de cepas mutantes de bacilos mais virulentas com maior capacidade de multiplicação. Por reinfecção exógena, com um número excessivo de bacilos, associada ou não à imunodeficiência. ➢ A doença propriamente dita Cerca de 5 a 10% dos infectados adoecerão em algum momento de sua vida. As razões para isso não são absolutamente claras, embora alguns fatores estejam estabelecidos. Destes, os mais importantes são os que interferem diretamente na imunidade do hospedeiro. Doenças e condições que debilitam a imunidade, como desnutrição, etilismo, idade avançada, aids, diabetes, gastrectomias, insuficiência renal crônica, silicose, paracoccidioidomicose, leucoses, tumores, uso de medicação imunodepressora etc., constituem fatores que facilitam o adoecimento. Interferem também no aparecimento da doença a carga bacilíferas, sua virulência e o estado de hipersensibilidade do organismo. Se na ocasião da primoinfecção não acontece o equilíbrio imunológico, os bacilos recém-implantados no parênquima pulmonar ou nos linfonodos continuam a se multiplicar, dando origem a lesões sintomáticas – a tuberculose primária. Geralmente tal forma primária assoma antes que se estabeleça a maturidade das defesas imunológicas. Sendo assim, estes pacientes podem ainda não ter concluído sua resposta de hipersensibilidade, tendo resposta negativa ao teste tuberculínico (fase pré-tuberculínica), podendo apresentar viragem em um novo teste posterior, o que caracteriza claramente a tuberculose primária. A existência de tuberculose pós-primária significa que a infecção pode progredir, independentemente da existência da imunidade. Existem duas vias para o novo episódio de tuberculose: por inalação de novos bacilos ou, na maioria dos casos, por meio de reativação do foco primário. Na reinfecção, a hipersensibilidade é a resposta predominante, acompanhada de necrose e caseificação. Na primoinfecção, 95% dos indivíduos conseguem bloquear a propagação das lesões, permanecendo os bacilos em estado de latência. Na tuberculose pós-primária, a forma pulmonar é a mais comum. Disseminação linfática poderá ocorrer, mas, nesse caso, os linfonodos hilares não são afetados. A resposta à multiplicação dos bacilos provoca necrose caseosa, que amolece e se liquefaz. Os mecanismos da liquefação, conforme referido, estão provavelmente relacionados às enzimas produzidas por estímulo da hipersensibilidade. De tal modo que, quanto maior a hipersensibilidade, maior a capacidade de liquefação das lesões e maior a destruição tecidual. Os bacilos até então inibidos no seu desenvolvimento pela formação do granuloma encontram condições favoráveis à sua multiplicação após liquefação do cáseo e o aparecimento da cavidade, com um rápido crescimento das populações bacilíferas em que se estima uma carga de mais de 108 bacilos. O desenvolvimento para a formação de lesões cavitárias pulmonares (caverna tuberculosa) caracteriza a tuberculose pós-primária e dela pode se propagar material infeccioso diretamente para dentro dos brônquios, resultando em contínua eliminação de escarro. Evoluindo naturalmente, as lesões pós-primárias podem se disseminar e levar ao óbito mais de 50% dos pacientes, ou se cronificar em cerca de 25 a 30% deles. Se a imunidade está íntegra, pode haver cura natural do processo, em 20 a 25% dos doentes. ➢ Os limites entre a infecção e a doença Nos países desenvolvidos, a tuberculose vem sendo classificada por um corte simples, que diferencia a infecção e a doença. Desse modo, haveria a tuberculose infecção marcada pela presença da resposta positiva ao teste tuberculínico e ausência de sintomas e/ou lesões progressivas que caracterizam a tuberculose. Compreende-se que esta classificação, em regiões de baixa prevalência e incidência da infecção e de casos novos, melhor orienta edefine condutas de controle. O tratamento da infecção latente, indicado para os recém-infectados, rastreados entre os grupos de riscos, protegeria o adoecimento primário, entendido como aquele que ocorre nos primeiros anos após a infecção, predominante nestes países. Para os portadores da doença, a indicação de esquemas quimioterápicos associando drogas potentes, além de curá-los, abortaria a transmissão dos bacilíferos nas primeiras semanas de tratamento. A aplicação desta classificação nos países pobres e em desenvolvimento com altas taxas de infecção e incidência de casos novos, especialmente bacilíferos, pode originar complicações e mal-entendidos. No Brasil, com quase 50 milhões de infectados e sabendo-se, por exemplo, que apenas 2 a 5% deles podem adoecer durante algum momento de sua vida, a aplicação de quimioprofilaxia para todos os tuberculino-positivos seria uma medida inócua e de custo-efetividade ruim. Considerem-se, ainda, as dificuldades para a aplicação do teste tuberculínico, que exige distribuição e manuseio complexo, em um sistema periférico de atenção à saúde com parcos recursos operacionais e humanos . Com essas premissas, os autores apresentam uma proposta que melhor define tais limites no país, eventualmente aplicável em outros com características semelhantes. Haveria então: • Não infectados: os tuberculino-negativos, nos grupos de riscos, afastando os falso-negativos com a repetição da prova (booster). Considerar as propostas de positividade do teste entre portadores do HIV/aids. Portadores de lesões radiológicas sugestivas de sequelas da infecção primária ou doença anterior devem ser mais bem investigados considerando a faixa etária e imunodeficiências. • Infectados: os tuberculino-positivos, com presença ou não de alterações radiológicas. Considerar em crianças e jovens a possibilidade do teste positivo induzido pelo BCG, quando em presença de pega vacinal. • Doentes: assintomáticos ou sintomáticos, com teste positivo ou não, mas presença de lesões pulmonares compatíveis. Os assintomáticos podem corresponder a curados espontaneamente ou à tuberculose inaparente como classificavam os tisiologistas antigos. Esta classificação articula o teste tuberculínico com a radiografia de tórax convencional, portanto, só possível de aplicar em serviços de referência ou unidades com presença de especialista capacitado, em que podem ser estabelecidas condutas individualizadas, não previstas nas propostas programáticas do Ministério da Saúde. Manifestações Clínicas A TB é classificada em pulmonar, extrapulmonar ou ambas. Dependendo de vários fatores ligados a diferentes populações e a cepas bacterianas, a TB extrapulmonar pode ocorrer em 10 a 40% dos pacientes. Além disso, até 66% dos pacientes infectados pelo HIV que apresentam TB podem ter TB tanto pulmonar quanto extrapulmonar ou apenas TB extrapulmonar. ➢ Tuberculose Pulmonar Sendo a tuberculose uma doença de evolução crônica ou subaguda, os sintomas tendem a ser indolentes e de intensidade crescente, podendo apresentar períodos de remissão e relativo bem-estar. Assim, em aproximadamente 66% dos pacientes, a demora para a procura por assistência médica chega a até três meses. Sintomas Respiratórios • Tosse Na tuberculose pulmonar, a tosse está presente em praticamente todos os pacientes. Resulta do estímulo causado pelo processo inflamatório alveolar ou pelo comprometimento granulomatoso das vias aéreas. No início, é seca, podendo tornar- se produtiva com expectoração mucosa ou purulenta, geralmente em pequena quantidade, e, às vezes, com sangue. É menos observada na forma pleural da doença. Vale lembrar que a tosse tende a ser ignorada ou minimizada pelos fumantes, circunstância em que a pesquisa de modificações na característica habitual desse sintoma é de grande valor para a suspeita de doença pulmonar. A recomendação programática para rastreamento da doença na comunidade é a de realização de exame baciloscópico em pessoas que apresentam tosse produtiva e persistente por três ou mais semanas. • Hemoptise O volume do sangramento é variável, podendo manifestar- se tanto como estrias misturadas ao escarro (hemoptoicos), ou como hemoptise maciça, felizmente rara. As hemoptises volumosas aparecem, geralmente, na presença de cavidades decorrentes da existência dos aneurismas de Rasmussen, terminações livres de artérias dentro desses espaços. É possível haver sangramento, mesmo em pequenas lesões, durante a formação das cavidades, quando a hemoptise poderá ser a primeira manifestação da doença, “hemoptise do alerta ou do latido”, como era denominada pelos antigos tisiologistas. • Dispneia Em virtude da destruição global do parênquima pelo processo inflamatório da tuberculose, envolvendo alvéolos e vasos, não há grandes alterações na relação ventilação-perfusão, exceto nas atelectasias, nas grandes cavidades e nas lesões com grande componente inflamatório agudo. Dessa forma, a dispneia é um sintoma pouco comum, aparecendo, sobretudo, nas lesões avançadas como consequência à restrição causada pelo padrão fibrótico da doença, ou pela presença de derrame pleural ou pneumotórax. Na forma miliar, a dispneia é frequente em função do comprometimento intersticial difuso, com consequente hipoxemia. Padrão obstrutivo pode ser observado quando há doença das vias aéreas ou pela hiper responsividade brônquica que parece acompanhar a tuberculose e suas sequelas. • Dor torácica Surge quando há comprometimento da pleura. Como o processo patológico da tuberculose tem início no alvéolo, em situação muito próxima da superfície pleural, este sintoma é precoce e relativamente frequente. Em geral, de pequena intensidade, desaparece com o tratamento eficaz. • Rouquidão Ocorre nas formas da doença com comprometimento de laringe, frequentemente associada à forma pulmonar, quase sempre despercebida e pouco relatada. Nas demais formas da doença, é de raro aparecimento. Quando a tosse e os outros sintomas não são muito valorizados pelo paciente, a rouquidão pode ser o motivo da procura pela assistência médica. Sintomas Gerais • Febre e sudorese Acredita-se que a multiplicação bacilar, fenômeno que pode acontecer dentro ou fora do macrófago, ocorra de forma mais intensa no pico plasmático do cortisol, ao redor das 11 às 12 horas (ritmo circadiano). As consequências são morte e ruptura do macrófago, seguidas da liberação do seu conteúdo para o tecido, com início do processo inflamatório. Provavelmente por isso, a característica da febre seja de ocorrência vespertina. Em função da lenta multiplicação do M. tuberculosis, quando comparada à dos germes inespecíficos, o processo inflamatório também não será muito intenso, determinando temperaturas não muito altas. A resposta orgânica à febre, para a manutenção da temperatura corpórea, é a sudorese noturna. Em circunstâncias em que há disseminação hematogênica maciça ou endobrônquica, a febre pode ser alta, acompanhada de calafrios e não respeitar o horário clássico. • Perda ponderal Anorexia e perda ponderal são fenômenos frequentes, aparecendo em cerca de 69% dos casos. A perda ponderal é proporcional ao tempo de existência e à extensão da doença. É frequentemente acompanhada por adinamia. Outros fenômenos, como artralgias e mialgias, são de ocorrência mais rara. Embora de descrição clássica nos textos referentes à tuberculose e muito importantes para a suspeita diagnóstica, todos esses sintomas e sinais são inespecíficos. Eles podem estar presentes em outras doenças pulmonares de evolução arrastada, particularmente nas supurações broncopulmonares inespecíficas, neoplasias e micoses profundas, além de outras doenças sistêmicas crônicas com acometimento pulmonar. Na investigação diagnóstica, os dados epidemiológicos têm grande importância, pois definem a magnitude do risco de infecção a que o paciente está submetido. Assim, a busca de contágio familiar, social ou profissional, bem como das circunstâncias emque se dá esse contágio, é imprescindível para a história de qualquer doente. O conhecimento sobre doenças imunodepressoras, stress, etilismo, desnutrição e uso de drogas que diminuem a capacidade de defesa orgânica é fundamental para a avaliação do risco de adoecimento. ➢ Tuberculose Extrapulmonar • TB nos linfonodos: A apresentação mais comum da TB extrapulmonar é a doença dos linfonodos, que é particularmente frequente entre pacientes infectados pelo HIV e em crianças (nos EUA mulheres não brancas parecem ser suscetíveis). Outrora causada pelo M. bovis, hoje a linfadenite tuberculosa é provocada em grande parte pelo M. tuberculosis. A TB dos linfonodos manifesta-se na forma de tumefação indolor dos linfonodos, em geral em locais supraclaviculares e cervicais posteriores (escrófula). Em geral, os linfonodos são discretos no estágio inicial da doença, mas evoluem, com o tempo, para massa indolor coalescente e podem resultar em um trajeto fistuloso drenando material caseoso. Há presença de doença pulmonar associada em menos de 50% dos casos, e sintomas sistêmicos são incomuns, exceto nos pacientes infectados pelo HIV. O diagnóstico diferencial inclui uma variedade de doenças infecciosas, doenças neoplásicas, como linfomas ou carcinomas metastáticos, e distúrbios raros, como a doença de Kikuchi (linfadenite histiocítica necrosante), doença de Kimura e doença de Castleman. • TB pleural: O acometimento da pleura responde por cerca de 20% dos casos extrapulmonares. O derrame pleural isolado em geral reflete infecção primária recente, e o acúmulo de líquidos no espaço pleural representa uma resposta de hipersensibilidade aos antígenos micobacterianos. A doença pleural também pode resultar da disseminação parenquimatosa contígua, como em muitos casos de pleurite que acompanha a doença pós-primária. Conforme a extensão da reatividade, o derrame pode ser pequeno, permanecer despercebido e sofrer resolução espontânea, ou ser grande o suficiente para causar sintomas como febre, dor torácica pleurítica e dispneia. Os achados físicos são os do derrame pleural (macicez à percussão e ausência de ruídos respiratórios). O epiema tuberculoso é uma complicação menos comum da TB pulmonar. Em geral, resulta da ruptura de uma cavidade, com vazamento de grande número de microrganismos no espaço pleural. Esse processo pode criar uma fístula broncopleural com a presença de ar no espaço pleural. O empiema tuberculoso pode resultar em fibrose pleural grave e doença pulmonar restritiva. • TB das vias aéreas superiores: quase sempre uma complicação da TB pulmonar cavitaria avançada, a TB das vias aéreas superiores pode acometer a laringe, a faringe e a epiglote. Os sintomas consistem em roquidão, disfonia e disfagia, além de tosse produtiva crônica. Os achados dependem do local de comprometimento, e podem-se observar ulcerações na laringoscopia. O carcinoma de laringe pode apresentar características semelhantes, mas costuma ser indolor. • TB geniturinária: Responde por cerca de 10 a 15% dos casos extrapulmonares, pode acometer qualquer parte do trato geniturinário. Há predomínio de sintomas locais, e até 75% dos pacientes apresentam anormalidades na radiografia torácica sugerindo doença pulmonar prévia ou concomitante. As apresentações comuns consistem em frequência urinária, disúria, nictúria, hematúria e dor no flanco ou abdominal. Entretanto, os pacientes podem ser assintomáticos e a doença só ser descoberta após o desenvolvimento de lesões destrutivas graves dos rins. O exame de urina fornece resultados anormais em 90% dos casos, revelando piúria e hematúria. A TB genital geralmente é mais diagnosticada em mulheres do que em homens. Nas pacientes, acomete as tubas uterinas e o endométrio, podendo provocar infertilidade, dor pélvica e anormalidades menstruais. Nos pacientes do sexo masculino, a TB genital acomete preferencialmente o epidídimo, produzindo uma massa ligeiramente hipersensível que pode drenar para o exterior por meio de um trajeto fistulosos, pode haver também desenvolvimento de orquite e prostatite. Em quase metade dos casos de TB geniturinária, verifica-se também a presença de doença do trato urinário. • TB esquelética: A TB osteoarticular é responsável por cerca de 10% dos casos extrapulmonares. Na doença osteoarticular, a patogênese está relacionada com a reativação de focos hematogênicos ou com a disseminação a partir de linfonodos paravertebrais adjacentes. As articulações que sustentam peso (a coluna vertebral em 40% dos casos, os quadris em 13% e os joelhos em 10%) são geralmente as mais acometidas. A TB da coluna vertebral (mal de Pott ou espondilite tuberculosa) acomete frequentemente dois ou mais corpos vertebrais adjacentes. Enquanto a coluna torácica superior constitui o locai mais comum de TB da coluna vertebral em crianças, as vértebras torácicas inferiores e as lombares superiores são geralmente acometidas nos adultos. A partir do ângulo anterossuperior ou do inferior dos corpos vertebrais, a lesão alcança lentamente o corpo adjacente, afetando posteriormente o disco intervertebral. Na doença avançada, o colapso dos corpos vertebrais resulta em cifose. Além disso, pode haver formação de um abcesso “frio” paravertebral. Na parte superior da coluna, esse abscesso pode crescer e penetrar a parede torácica, ocorrendo na forma de massa de tecido mole, na parte inferior da coluna, pode atingir os ligamentos inguinais ou manifestar-se na forma de abcesso de psoas. Uma complicação catastrófica do mal de Pott é a paraplegia, geralmente decorrente de abscesso ou lesão que comprime a medula espinal. A TB das articulações do quadril, que geralmente acomete a cabeça do fêmur, provoca dor, a TB do joelho provoca dor e tumefação. Se a doença não for identificada pode ocorrer destruição das articulações. • Meningite tuberculosa e tuberculoma: A TB do sistema nervoso central responde por cerca de 5% dos casos extrapulmonares. É mais observada em crianças pequenas, mas também ocorre em adultos, particularmente nos infectados pelo HIV. A meningite tuberculosa resulta da disseminação hematogênica da TB pulmonar primária ou pós-primária, ou da ruptura de um tubérculo subependimário no espaço subaracnóideo. Com frequência, a doença manifesta-se de modo sutil na forma de cefaleia e alterações mentais discretas de um pródromo de semanas de febre baixa, mal-estar, anorexia e irritabilidade. Se não for reconhecida, a meningite tuberculosa pode evoluir de modo agudo com cefaleia intensa, confusão, letargia, alteração do sensório e rigidez na nuca. Em geral, a doença evolui durante 1 a 2 semanas. Como o envolvimento meníngeo é pronunciado na base do crânio, a paresia dos nervos cranianos (em particular dos nervos oculares) constitui um achado frequente, e o acometimento das artérias cerebrais pode ocasionar isquemia focal. A evolução final leva ao coma, com hidrocefalia e hipertensão intracraniana. O tuberculoma, manifestação incomum de TB do SNC, manifesta-se na forma de uma ou mais lesões expansivas e, em geral, provoca convulsões e sinais focais. • TB gastrintestinal: A TB gastrintestinal é incomum, sendo responsável por 3,5% dos casos extrapulmonares. Vários mecanismos patogênicos estão envolvidos: deglutição de escarro com disseminação direta, disseminação hematogênica ou ingestão de leite de vaca com TB bovina. Embora qualquer parte do TGI possa ser afetada, o íleo terminal e o ceco constituem os locais mais acometidos. Os achados comuns à apresentação consistem em dor abdominal (algumas vezes assemelha-se à dor de apendicite) e tumefação, obstrução, hematoquezia e massa palpável no abdome. É também comum a ocorrência de febre, perda ponderal, anorexia e sudorese noturna. Com o comprometimento da parede intestinal, as ulcerações e fístulas podem simular a doença de Crohn. A presença de fístulas anais deve levar a uma avaliação para TB retal. A peritonite tuberculosa ocorre por disseminação direta dos bacilos da TB a partirde linfonodos que sofreram ruptura e de órgãos intra-abdominais (tb genital em mulheres) ou por disseminação hematogênica. A dor abdominal inespecífica, febre e a ascite devem levar a suspeita de peritonite tuberculosa. • TB pericárdica (pericardite tuberculosa): Devido à extensão direta de linfonodos mediastinais ou hilares adjacentes ou à disseminação hematogênica, a TB pericárdica muitas vezes tem sido uma doença de idosos em países com baixa prevalência de TB. No entanto, ela também ocorre com frequência em pacientes infectados pelo HIV. As taxas de casos fatais alcançam 40% em algumas séries. O início pode ser subagudo, ainda que seja possível uma apresentação aguda, com dispneia, febre, dor retroesternal surda e atrito pericárdico. Por fim, ocorre derrame em muitos casos, podem aparecer sinais e sintomas cardiovasculares de tamponamento cardíaco. Sem tratamento, a TB pericárdica é geralmente fatal. Mesmo com tratamento, podem surgir complicações como pericardite constritiva crônica com o espessamento do pericárdio, fibrose e, algumas vezes, calcificação. Causada por extensão direta do pericárdio ou por extensão linfática retrógrada a partir de linfonodos mediastinais acometidos, a miocardite tuberculosa é uma doença extremamente rara. Em geral, é fatal e é diagnosticada post mortem. • TB miliar ou disseminada: deve-se à disseminação hematogênica dos bacilos da TB. Embora em crianças seja frequentemente a consequência de infecção primária, nos adultos pode ser decorrente de uma infecção recente ou reativação de antigos focos disseminados. As lesões consistem geralmente em granulomas amarelados de 1 a 2mm de diâmetro, que lembram sementes de milho. As manifestações clínicas são inespecíficas e multiformes, dependendo do local de acometimento predominante. Na maioria dos casos, os sintomas de apresentação consistem em febre, sudorese noturna, anorexia, fraqueza e perda de peso. Algumas vezes, os pacientes apresentam tosse e outros sintomas respiratórios devido ao comprometimento pulmonar, bem como sintomas abdominais. Os achados físicos consistem em hepatomegalia, esplenomegalia e linfadenopatia. O exame oftalmológico pode revelar tubérculos corióideos, que são patognomônicos da TB miliar, em até 3-% dos casos. Ocorre meningismo em menos de 10% dos casos. Uma apresentação rara observada em idosos é a TB miliar críptica, que possui uma evolução crônica caracterizada por febre leve intermitente, anemia e, por fim, comprometimento meníngeo, precedendo a morte. Uma forma septicêmica aguda, a TB miliar não reativa, ocorre muito raramente e se deve à disseminação hematogênica maciça de bacilos da tuberculose. A pancitopenia é comum nessa forma da doença, que é rapidamente fatal. Ao exame post mortem, são detectadas múltiplas lesões necróticas, porém não granulomatosas. • Formas extrapulmonares menos comuns: A TB pode causar coriorretinite, uveíte, pan-oftalmite e conjuntivite flictenular dolorosa relacionada com hipersensibilidade. A otite tuberculosa é rara e manifesta-se na forma de perda auditiva, otorreia e perfuração da membrana timpânica. Na nasofaringe, a TB pode simular a granulomatose com poliangeíte. As manifestações cutâneas da TB consistem em infecção primária por inoculação direta, abscessos e úlceras crônicas, escrofulodermia, lúpus vulgar (doença indolente com nódulos, placas e fissuras), lesões miliares e eritema nodoso. A mastite tuberculosa resulta de disseminação linfática retrógrada, frequentemente de linfonodos axilares. A TB suprarrenal decorre de doença disseminada, manifestando-se raramente na forma de insuficiência suprarrenal. Por fim, a TB congênita resulta da disseminação transplacentária dos bacilos da tuberculose para o feto ou da ingestão de líquido amniótico contaminado. Essa doença rara acomete o fígado, o baço, os linfonodos e vários outros órgãos. Diagnóstico Diferencial A TB deve ser incluída no diagnóstico diferencial dos casos de febre de origem indeterminada síndrome consumptiva, pneumonias de resolução lenta e em todo paciente com tosse prolongada sem causa conhecida. ➢ Forma pulmonar Na forma pulmonar, o diagnóstico diferencial deve ser feito principalmente com silicose, infecções fúngicas, neoplasias, infecções bacterianas, outras micobacterioses, doenças autoimunes, embolia pulmonar, entre outras. ➢ Forma pleural Os linfomas representam o principal problema no diagnóstico diferencial na TB pleural, uma vez que em ambos há exsudados linfocíticos em pacientes com faixas etárias próximas, história clínica semelhante e, frequentemente, com adenosina deaminase (ADA) em níveis superiores a 40 U/L. No entanto, os linfomas raramente apresentam-se com derrame pleural sem envolvimento de outras estruturas torácicas e/ou extratorácicas, com exceção dos linfomas primários de cavidade, que são raros. Geralmente são observados alargamento de mediastino na radiografia de tórax e linfonodomegalias na tomografia computadorizada de tórax. Nesses casos, exames citológicos do líquido pleural associados a técnicas de imunofenotipagem conduzem, com relativa segurança, ao diagnóstico etiológico. Na TB pleural, o diagnóstico diferencial (ADA > 40 U/L) deve incluir, além do linfoma, o empiema e a artrite reumatóide. Os derrames neoplásicos, com quadro clínico muitas vezes sugestivo, em grande proporção fornecem citologia oncótica positiva. O empiema pode ser facilmente diferenciado pelo quadro clínico, pelo aspecto do líquido (turvo ou purulento) e pela citologia quantitativa, que demonstra predomínio de polimorfonucleares. Finalmente, o derrame pleural secundário à artrite reumatoide é pouco frequente e, na maioria das vezes, apresenta história prévia da doença e diagnóstico laboratorial definido. ➢ Forma ganglionar Na forma ganglionar, o diagnóstico diferencial da TB deve ser feito com doenças linfoproliferativas; outras micobactérias (Complexo Mycobacterium avium-intracellulare, Mycobacterium scrofulaceum, Mycobacterium kansasii, Mycobacterium bovis, Mycobacterium haemophilum); infecções bacterianas; infecções fúngicas, como histoplasmose e criptococose, especialmente em pacientes imunocomprometidos; toxoplasmose e sarcoidose. ➢ Forma meningoencefálica Por ter apresentação inespecífica, a TB meníngea deve incluir, entre os diferenciais, outras infecções bacterianas, fúngicas ou virais do sistema nervoso central. Outras causas de meningite, como neoplasias, sarcoidose e lúpus eritematoso sistêmico, também devem ser consideradas. O diagnóstico radiológico diferencial inclui a criptococose meníngea, sarcoidose, linfomas, metástases e encefalite por citomegalovírus. ➢ Forma osteoarticular Na TB óssea, o principal diferencial deve ser feito com artrite séptica ou osteomielite causadas por outros patógenos como Staphylococcus aureus e Brucella melitensis, criptococose, histoplasmose e etiologias não infecciosas como osteossarcoma, mieloma múltiplo, linfoma não Hodkin, histiocitose X, Doença de Paget e outras neoplasias ósseas Diagnóstico Bacteriológico A pesquisa bacteriológica é de importância fundamental em adultos, tanto para o diagnóstico quanto para o controle de tratamento da TB. Resultados bacteriológicos positivos confirmam a tuberculose ativa em pacientes com quadro clínico sugestivo de TB e em sintomáticos respiratórios identificados através da busca ativa. ➢ Exame Microscópio Direto – Baciloscopia Direta Por ser um método simples e seguro, deve ser realizado por todo laboratório público de saúde e pelos laboratórios privados tecnicamente habilitados. A pesquisa do bacilo álcool-ácido resistente – BAAR, pelo método de Ziehl-Nielsen, é a técnica mais utilizada em nosso meio. A baciloscopia do escarro, desde que executada corretamente em todas as suas fases, permite detectar de 60% a 80% dos casos de TB pulmonar em adultos, o que é importante do ponto de vista epidemiológico, já que os casos com baciloscopia positiva são os maiores responsáveis pela manutenção da cadeiade transmissão. Em crianças, a sensibilidade da baciloscopia é bastante diminuída pela dificuldade de obtenção de uma amostra com boa qualidade. A baciloscopia de escarro é indicada nas seguintes condições: ƒ1) no sintomático respiratório, durante estratégia de busca ativa; 2)ƒem caso de suspeita clínica e/ou radiológica de TB pulmonar, independentemente do tempo de tosse; 3) para acompanhamento e controle de cura em casos pulmonares com confirmação laboratorial. A baciloscopia de escarro deve ser realizada em duas amostras: uma por ocasião do primeiro contato com a pessoa que tosse e outra, independentemente do resultado da primeira, no dia seguinte, com a coleta do material sendo feita preferencialmente ao despertar. Nos casos em que houver indícios clínicos e radiológicos de suspeita de TB e as duas amostras de diagnóstico apresentarem resultado negativo, podem ser solicitadas amostras adicionais. A baciloscopia de outros materiais biológicos também está indicada na suspeição clínica de TB extrapulmonar. Baciloscopia positiva e quadro clínico compatível com TB fecham o diagnóstico e autorizam o início de tratamento da TB. É importante lembrar, contudo, que outros microrganismos podem ser evidenciados na baciloscopia direta e essa possibilidade deve ser considerada na interpretação de casos individualizados. Diagnóstico de certeza bacteriológica só é obtido com a cultura (que é o padrão ouro) e/ou testes moleculares. ➢ Cultura para Micobactéria, identificação e teste de sensibilidade A cultura é um método de elevada especificidade e sensibilidade no diagnóstico da TB. Nos casos pulmonares com baciloscopia negativa, a cultura do escarro pode aumentar em até 30% o diagnóstico bacteriológico da doença. O resultado da cultura confirma o diagnóstico de micobacteriose, sendo necessária a identificação de espécie para caracterizar se é um caso de TB ou outra micobactéria. Diagnóstico por Imagem ➢ Radiografia de Tórax Dentre os métodos de imagem, a radiografia do tórax é o de escolha na avaliação inicial e no acompanhamento da TB pulmonar. Nela podem ser observados vários padrões radiológicos sugestivos de atividade de doença, como cavidades, nódulos, consolidações, massas, processo intersticial (miliar), derrame pleural e alargamento de mediastino. A radiografia de tórax deve ser solicitada para todo paciente com suspeita clínica de TB pulmonar. Juntamente com as radiografias de tórax, sempre devem ser realizados exames laboratoriais (baciloscopias, cultura e/ou teste rápido molecular) na tentativa de buscar o diagnóstico bacteriológico. O exame radiológico em pacientes com diagnóstico bacteriológico tem como principais objetivos excluir outra doença pulmonar associada, avaliar a extensão do acometimento e sua evolução radiológica durante o tratamento. Resultados: o Normal: sem alterações sugestivas de tuberculose o Suspeito: alterações sugestivas de atividade de tuberculose, como cavidades, nódulos, consolidações, massas, processo intersticial (miliar), derrame pleural e alargamento do mediastino. o Sequela: imagens sugestivas de lesões cicatriciais, como bandas, retrações parenquimatosas e calcificações. o Outras doenças: imagens sugestivas de pneumopatias não tuberculosas, como DPOC e outras doenças respiratórias. ➢ Tomografia computadorizada de Tórax A tomografia computadorizada (TC) do tórax é mais sensível para demonstrar alterações anatômicas dos órgãos ou tecidos comprometidos e é indicada na suspeita de TB pulmonar quando a radiografia inicial é normal, e na diferenciação com outras doenças torácicas, especialmente em pacientes imunossuprimidos. Sinais sugestivos de tuberculose ativa: • ƒƒ Cavidades de paredes espessas • ƒƒ Nódulos • ƒƒ Nódulos centrolobulares de distribuição segmentar • ƒƒ Nódulos centrolobulares confluentes • ƒƒ Consolidações • ƒƒ Espessamento de paredes brônquicas • ƒƒ Aspecto de “árvore em brotamento” • ƒƒ Massas • ƒƒ Bronquiectasias Sinais sugestivos de sequelas de tuberculose: • Bandas • Nódulos calcificados • Cavidades de paredes finas • Bronquiectasias de tração • Espessamento pleural Tratamento Para que o tratamento da tuberculose seja efetivo, devemos considerar algumas especificidades do desenvolvimento do Mycobacterium tuberculosis no que diz respeito ao seu metabolismo e à atuação dos medicamentos. Os medicamentos antiTB, em geral, interferem no sistema enzimático do bacilo ou bloqueiam a síntese de algum metabólito essencial para o seu crescimento. Os fármacos só atuam quando há atividade metabólica, ou seja, bacilos em estado de latência não são atingidos pelos medicamentos, mas são destruídos pelo sistema imunológico. O bacilo é dependente de oxigênio para o seu metabolismo e tem seu comportamento modulado pela concentração do gás no ambiente em que ele se encontra. Na lesão pulmonar cavitária, existem condições ideais para a intensa atividade metabólica e para o crescimento bacilar rápido, como boa oferta de oxigênio, pH neutro e a presença de substâncias nutritivas. Pelas condições ideais, nas lesões cavitárias formam-se grandes populações bacilares, com frequência variável, de subpopulações de bacilos com mutações genéticas que conferem resistência natural aos medicamentos usados no tratamento da TB. Se o esquema terapêutico é equivocado, realizado de maneira irregular, com doses inadequadas ou interrompido precocemente, cepas resistentes aos medicamentos podem ser selecionadas, caracterizando a resistência adquirida. A lesão caseosa fechada (granulomas) apresenta pH neutro ou ácido e baixa concentração de oxigênio. Nesses locais, o crescimento bacilar é intermitente. No interior dos macrófagos, onde a concentração de oxigênio é baixa, o pH é ácido e, com a ação dos mecanismos de defesa celulares, a multiplicação bacilar é lenta. Esses bacilos de crescimento lento ou intermitente são denominados latentes ou persistentes, responsáveis pelas recidivas da doença. Por conta da existência dessas populações bacilares, o tratamento da TB deve ser feito por tempo prolongado. A atuação dos medicamentos antiTB difere conforme o metabolismo bacilar. Na população intramacrofágica, agem os fármacos que melhor se difundem no meio intracelular e em Ph ácido: rifampicina, pirazinamida e etambutol. Nas lesões caseosas fechadas, o fármaco mais efetivo é a rifampicina, sendo a ação da isoniazida mais lenta e demorada. Na lesão cavitária, a rifampicina, isoniazida e estreptomicina são muito efetivas e atuam em pH neutro Prevenção A tuberculose é passível de prevenção e, entre as ações básicas para tanto, duas são primárias – a vacinação BCG e a busca ativa de casos com diagnóstico precoce, ambas com o objetivo de evitar o aparecimento de novas infecções. Uma terceira – a quimioprofilaxia, na verdade uma quimioterapia preventiva secundária, indicada para os indivíduos já infectados, tenta evitar o aparecimento da doença no período de latência dos bacilos. ➢ Vacinação BCG O bacilo de Calmette-Guérin (BCG) utilizado na vacinação é um variante do bacilo tuberculoso bovino, resultado de mutação genética após mais de 200 repiques em culturas em meio de batata glicerinada com bile de boi, realizados pelos dois pesquisadores. Nesse processo, obtiveram uma cepa avirulenta, que mantinha as propriedades de estimulação imunológica, capaz de proteção contra a cepa tuberculosa. Não há contraindicações para a vacina BCG, à exceção de crianças com doença imunossuprimidas, por doença ou tratamento. São contraindicações relativas que retardam a aplicação da vacina até que a situação seja superada: prematuridade e recém- nascidos com peso inferior a 2 kg; afecções dermatológicas extensas ou no local de aplicação; e enfermidade grave que exija hospitalização. ➢ Busca ativa de casos Como ação preventiva na tuberculose, tem por referência o fato de que a transmissão em cadeia, de um indivíduo bacilífero (foco) para seus contatos mais próximos (comunicantes),e o conhecimento de que a introdução de um tratamento eficaz reduz o período de transmissibilidade logo nas primeiras semanas de uso. Desse modo, quanto mais precoce forem descobertos os focos e iniciada a medicação, diminui-se a transmissão da doença. ➢ Tratamento de Infecção Latente ou Quimioprofilaxia A detecção da infecção latente pelo Mycobacterium tuberculosis (ILTB) e o tratamento medicamentoso para os indivíduos infectados que apresentam maior risco de progressão para doença ativa são as únicas formas atuais de prevenção eficaz contra o adoecimento por tuberculose, sendo uma das estratégias de controle da tuberculose conhecida e recomendada pela OMS. https://docs.bvsalud.org/biblioref/2018/04/882682/interpretando-a-radiografia-de-torax-na-emergencia.pdf https://docs.bvsalud.org/biblioref/2018/04/882682/interpretando-a-radiografia-de-torax-na-emergencia.pdf
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