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1 Curso: Graduação em Psicologia – 1º Semestre – 2021. Disciplina: Fundamentos epistemológicos e sócio filosóficos da Psicologia. Professor (a): Marcius Tadeu Maciel Nahur. --- Introdução: • Episteme: ciência. • A ideologia e o senso comum são, costumeiramente, contrários ao conhecimento científico. • O raciocínio epistemológico nunca pode cair no achismo. • Na linguagem popular, é possível dizer que a certeza e a verdade são equivalentes; entretanto, epistemologicamente não, pois a verdade é o último grau de chegada da ciência. • Epistemologia: “Caminhar pelo conhecimento científico”. Recuperar o pensamento científico para dar fundamento e credibilidade à psicologia como ciência. • Base para o pensamento psicológico: filosofia (encontro da realidade). • Hermenêutica: ciência da interpretação. Movimento filosófico. • “Todos os homens tendem naturalmente para o saber” (Aristóteles). • Mito da Caverna: metáfora que mostra como os limites dos horizontes podem ser mais curtos do que se imagina, e de como as pessoas podem ficar prisioneiras do conhecimento pelo medo do novo. É necessário transitar da ignorância para o conhecimento, sair das trevas para a luz. Atualmente, o mito da caverna se manifesta nas opiniões mal-formadas, ignorantes e sem embasamento. • A psicologia é uma ciência e tem base científica: suas teorias e práticas tem embasamento em alguma matriz filosófica; era considerada um estudo de corpos, pensamento na manifestação dele. • Segundo Aristóteles, o ser humano tem três tipos de razão: a) Razão teorética: Teoria, saber pensar, especular, contemplar ideias; abrange a física, matemática, metafísica (além do físico, coisas que são difíceis de descrever). b) Razão prática: Saber agir, comportamento, conduta, ética; ações com prudência, respeito, responsabilidade, virtudes, valores e solidariedade. Tal 2 razão implica na capacidade de discernimento e boas escolhas: sem ela, nos tornamos individualistas. c) Razão poética: Saber fazer, poiesis: processo criativo, aprendizado lúdico. Trata-se de uma mecânica, uma técnica. • O tripé que caracteriza as ciências humanas e sociais são: subjetividade (lida com sujeitos pensantes, reflexivos, com sentimentos); complexidade (o ser humano complexo, considerando sua dimensão psíquica, social, biológica e cultural) e qualitativa (devemos oferecer ao outro qualidade de vida). --- René Descartes (sobre o método científico): • A psicologia se insere no universo das ciências humanas e sociais: é necessário estar preparado para lidar com questões subjetivas, quantitativas e qualitativas. • As cinco etapas do percurso do raciocínio: 1. Não há ciência sem método (regras do método científico). É necessário escapar da ideologia e do senso comum. Não existe conhecimento científico sem regras de método. Ciência parte em busca de evidência: não existe ciência sem evidência. A ciência trabalha com objetos bem delimitados: é necessário dividir para analisar. Após a análise, somos capazes de apresentar resultados. Este é o mínimo que o processo científico deve seguir para ser apresentada. Conhecimento científico pressupõe rigor metódico. 2. Dúvida metódica. É a dúvida absoluta: é necessário duvidar de tudo aquilo que existe. Existir é duvidar. Não sei se a verdade existe – a premissa é de que eu não conheço a verdade, pois isso é mais racional. Se eu conhecer alguma coisa, ainda não há garantias de que eu sou capaz de entender perfeitamente o que conheço. Se eu entender aquilo que eu conheci, eu não sei se sou capaz de explicar para outros. A dúvida metódica que busca as evidências é uma vacina contra as minhas opiniões e convicções, que eu tenho por certas. O ponto de partida da dúvida é a evidência: será que vou encontrá- 3 la? O contato com o objeto não é a evidência – é necessária a confirmação ou não. 3. Certeza fundamental. “Penso, logo existo”. A certeza fundamental é subjetiva, ou seja, é relacionada ao sujeito e diz respeito a existência do próprio ser humano. Todo ser humano pensa, ou seja, o ser humano existe. O pensamento pensa por meio de dúvidas – entretanto, apenas uma coisa é certa: cada um de nós é um ser pensante. A certeza é só uma: cada um de nós é um ser pensante. Entretanto, eu não posso ter certeza de que o outro existe, apenas eu. A clareza não é condição, ela caracteriza o pensamento. Pensamento é toda e qualquer ideia que você formula. 4. Mecanicismo. Em cada um de nós há dois mundos: o imaterial (incorpóreo, do pensamento – res cogitans) e o material (corpóreo, que é o nosso corpo – res extensa). O imaterial não pode ser mensurado, quantificado, medido – não é possível definir um limite como das memórias tecnológicas, por exemplo. Já o material pode ser medido, pesado, quantificado: é possível aferir isso por meio de peso, altura etc. Em sumo, o corpo é mecanicista – funciona como uma máquina. Ela analisa o corpo e o seu funcionamento. O corpo funciona na lei do mecanicismo, diferente do pensamento. (Senso comum: psiquiatra – mecanicista – solução rápida para o problema proposto). O pensamento é livre e independente de qualquer condição física – mesmo privado de sua liberdade. Penso, logo existo: e no pensamento existo livremente. 5. Alma e corpo. Para Descartes, a alma e o corpo eram separados. Ele fundamentou com 3 argumentos (livro “Meditações sobre filosofia primeira”): a) Se alma e corpo fossem os mesmos, quando eu perco uma parte do meu corpo (como uma amputação), eu estaria automaticamente amputando uma parte da minha alma. O que o corpo experimenta não reflete automaticamente na alma. b) A mente é mais facilmente conhecida do que o corpo, e não o contrário. Ou seja, o nosso ato de percepção imediata do que 4 acontece, ele é mais imediato nas coisas da mente do que do corpo. Há maior foco na percepção imediata de si mesmo, diferente do corpo. c) “Como nós podemos pensar em um mundo exterior e interior, um sujeito e um objeto, algo dentro de mim e algo fora de mim? Só é possível falar disso de maneira evidente se eu entender que existem dois mundos: o mundo subjetivo e o mundo objetivo”. O mundo subjetivo é o meu mundo interior, o mundo objetivo é o mundo exterior. Assim, Descartes marca racionalmente a existência clara e distinta de uma dimensão subjetiva. Disto surgem diversos termos: introspecção, extrospecção, introvertido, extrovertido etc. A base das ciências da natureza é objetiva; já das ciências humanas é subjetiva. • Assim, na obra “Paixões da alma”, Descartes apresenta a ideia da glândula pineal. Tal glândula seria a aproximação da alma com o corpo. “Movimentos físicos do corpo (res extensa) acionam esta glândula: ela pega as ações e reações do corpo, transferindo e sensibilizando a alma. Ou seja: corpo > glândula > alma. “Se eu afirmar a existência dessa glândula, eu terei que responder: afinal, ela é material ou imaterial?”. Por fim, Descartes apenas cogitou a possibilidade de existir um ponto de intersecção do corpo e da alma; porém, como não é claro, distinto e evidente, o filósofo deixa de se pronunciar a respeito. Ou seja, ele apenas cogita acerca do assunto, mas não conclui qualquer raciocínio a respeito por não haver evidências. • Descartes: “Vocês devem evitar precipitações”. O pensamento pensa o próprio pensamento. • Descartes prefere o dualismo psicofísico: ou seja, dois mundos, o da alma e o do corpo; distintos, separados e com características diferentes. • A única evidência para Descartes que a alma existe é que há a liberdade de pensamento. A alma existe, pois é nela que se opera o pensamento livre. A alma é o reino da liberdade, e o corpo é o reino do determinismo mecânico. • Alma = mente, pensamento etc. Descartes utilizava o termo alma. Alma é forma, e não matéria. 5 • (Livro “AFilosofia da Mente”). Às vezes passamos a vida todo com um problema insolúvel, e de uma série de possíveis soluções, satisfatórias ou não, até os dias de hoje (herança do Cartesianismo). “Até hoje, temos a tendencia de separar mente e corpo, não só na ciência, mas também na vida cotidiana e essa separação é presente em nossa cultura: enterramos e transladamos corpos, mas rezamos a missa pela intenção das almas”. --- Empiristas – Filosofia do Conhecimento: 1. Francis Bacon: “Saber é poder”. Valorizou como fonte de conhecimento a experiência, especialmente a adquirida pelos sentidos – que são subestimados pelos seres humanos. Entretanto, é apresentado o problema de sermos influenciados por ídolos, de forma negativa. Assim, é necessária a clareza do que são os ídolos e a forma que eles atrapalham os sentidos. Ídolo é tudo aquilo que pode congestionar o contato com a humanidade. A teoria se desenvolve desta forma: a) Tribo: Conhecimentos adquiridos por associação, tidos como verdadeiros. Temos inclinação à sociabilidade – entretanto, ela pode proporcionar um repertório de pseudoconhecimentos, que tomamos como verdadeiros sem sequer formular uma hipótese para saber se eles são ou não realidade. Os ídolos se reconfiguram. b) Caverna: Certa alienação quanto ao mundo. Não há a iniciativa de saída da denominada “zona de conforto” – seja em relação às ações ou opiniões. Há relação com o conceito atual de “bolha”, sobre consumir tudo aquilo que vá de acordo com as suas próprias opiniões. É a pessoa que se estabelece como o próprio ídolo. c) Mercado: (Não interpretar de forma mercadológica – consumo). Trata-se de uma forma de confusão, onde há grande falatório e pouco entendimento. “Qualquer imbecil se acha no direito de falar o que quer, como quer, onde quer, numa rede de palavras”. Qualquer lugar onde todos se julgam capazes de falar sobre tudo. “Tudólogos”. 6 d) Teatro: Travestimentos. A realidade mascarada, falseada. É importante encarar as coisas como são. Há grande tendência em falsear as informações, suavizá-las. Ocorre muito quando se fala sobre a morte, por exemplo. É necessário entender as coisas com realidade para conhecer com verdade. 2. Thomas Hobbes: “O corpo é a causa dos sentidos”. Os sentidos produzem conhecimento. Para Hobbes, o corpo é aquele que busca o sentido (como um bebê que busca os seios para se alimentar – mesmo sem conhecimento prévio, ele utiliza o que sabe a fim de sobreviver). Para Hobbes, os pensamentos são representações dos objetos conhecidos pelos sentidos. Ou seja, o conhecimento vem da experiência. Há a capacidade inata, não ideias inatas. Corpo > sentidos > pensamento. Os nossos pensamentos são desdobramentos daquilo que aprendemos por meio dos sentidos. 3. John Locke: É a figura mais representativa do liberalismo político. Suas ideias foram responsáveis pela revolução gloriosa. Autor do “Ensaio sobre o entendimento humano / conhecimento humano”. Trata sobre a experiência com objetos exteriores, que trazem ideias de sensações, dadas por um ou mais dos sentidos, a fim de compreender as cores, sons e sabores. Os sentidos estimulam sensações. Trata ainda sobre as operações internas, que geram ideias de reflexão. O ser humano é uma folha em branco, sendo 7 preenchida por ideias de sensações (externos) e reflexões (internos), gerando assim o acúmulo de conhecimentos. 4. George Berkeley: a) “Todas as ideias são representações de coisas particulares”: Berkeley faz a rejeição de que nós tenhamos as “ideias inatas”. Para ele, todo o conhecimento vem de coisas particulares, individualizadas, que nós captamos pelos nossos sentidos. (Exemplo: ao ter contato com um objeto, um livro, não é mais necessário ter tal contato, pois formou-se então a referência do que é). Assim, é falsa a noção de que há ideias prontas em nossa mente. b) “Teorias são formuladas a partir de coisas experenciadas”: É necessário experenciar algo para se dizer que realmente o que conhece, ou para formular qualquer tipo de teoria. (Exemplo: durante a alimentação, experenciamos os sabores; a partir disto, podemos teorizar sobre os nutrientes etc.). c) “Percepção”: Para Berkeley, a percepção é o melhor critério para dizer se uma coisa existe. Ou seja, você pode alegar que algo existe, mas não pode afirmar se não for perceptível. d) “Perceber as coisas materiais”: Por meio dos sentidos concretos (como o tato), é possível dizer se algo existe ou não. (Exemplo: exame físico realizado pelo médico). e) “Percepção de coisas imateriais”: Não é possível perceber as coisas imateriais pelos mesmos sentidos que percebemos os materiais. Mesmo na falta de um mais dos sentidos, o restante servirá como apoio para que a percepção seja feita. O ato de perceber, traz conhecimento. Já o de interpretar, não faz parte da presente teoria (dos empiristas), é uma evolução. f) “A prática da percepção é necessária”: Mesmo os que se julgam incapazes de perceber, têm essa habilidade. Entretanto, a prática da percepção qualifica o conhecimento. A percepção precisa ter contato direto com a realidade, sendo necessário o trabalho contínuo para o 8 aperfeiçoamento. Argumentos que trazem prejuízos à percepção humana não são válidos e precisam ser reexaminados. g) “A percepção é sempre movimento do eu para o outro e vice- versa”: É difícil praticar a empatia quando a percepção está deficiente. A percepção do outro se faz necessária para o auxílio de outras pessoas. Não há mais espaço para a “sensibilidade de sofá”, ou seja, empatizar superficialmente com os outros. Assim, é necessário o compartilhamento de experiências para que tal percepção seja aumentada e apresente resultados (Exemplo: grupos de troca de experiências sobre luto). Sem experiência perceptiva o nosso conhecimento da realidade fica prejudicado. Experiência perceptiva qualifica o conhecimento. 6. David Hume: O filósofo tem como principais preocupações (investigações) o intelecto (conhecimento); as paixões (psicologia – alma – psiquê) e ação (moral). Empirista, acredita nas sensações e percepções para o conhecimento. Sua principal contribuição é a diferenciação entre impressões e ideias, algo importante em termos de teorias do conhecimento, sendo a fonte de ambas a experiência. • Impressões e ideias são distintas de memória e imaginação, elas são percepções, ou seja, elas vêm dos sentidos. • O ato cognitivo da percepção é a base para as impressões e ideias. • Para Hume, ideias dão conhecimento fraco e não muito nítido das coisas. Noção vaga da realidade. Entretanto, as impressões são marcantes, trazem conhecimento forte sobre as coisas. Clara visão de conhecimento. Exemplo: é possível ter a ideia do que é perder um filho, mas não se tem a impressão clara. • Assim, a impressão é uma experiência cognitiva forte; a ideia, é uma experiência fraca. Os sentidos proporcionam a percepção, que leva as ideias, e, possivelmente, as impressões. • “Você não faz ideia do que estou sentindo” = frase clássica de senso comum. David Hume diz que é possível fazer ideia sim, mas 9 impressão não. Ou seja, com a ideia é possível pensar o problema (formular hipótese, alternativas de solução). Assim, ideias são representações mentais derivadas das impressões. Ideia = pensar. Impressão = sentir. • Desta forma, a contribuição da teoria de Hume para o estudo presente é de que é possível ter a ideia do que a pessoa passa, mas não de ter a impressão do que a pessoa sente. É necessário rigor técnico. Não é possível afirmar que somos capazes de sentir o que a pessoa sente. • Não há nada mais importante no conhecimento que o sentir. Pensar o problema é possível, a ideia proporciona isso. Sentir o problema é tê-lo sob domínio do conhecimento. Impressão = sentir, ficar impresso, marcado à ferro. • Crítica: Mesmotendo passado pela mesma experiência, cada experiência ainda tem algo de singular. --- Reflexões finais sobre o positivismo: • O positivismo é um processo de intensificação da matriz empirista, que teve início no século XIX e ainda repercute no mundo de hoje. O positivismo teve duas linhas muito desenvolvidas: a) Ciências da natureza: reforçava as bases empiristas para a sua afirmação (positivismo evolucionista – Exemplo: “A Origem das Espécies”, Darwin é naturalista, quantitativista, observação, fatos naturais); b) Ciências sociais: trata-se do positivismo sociológico, trabalhando fatos sociais e os humanos, e estabeleceu que há a necessidade de observar os fatos sociais, observando relações de causa e efeito (não é permitida a interferência do misticismo, do imaginário, tendo como referência o rigor científico das ciências naturais). • Para os positivistas, não é possível conceber a ideia de fé: “A fé deve ser apenas na racionalidade científica”. 10 • Os positivistas acreditavam que a humanidade passou por três grandes fases, explicadas pela metáfora da Lei dos três estados (fases): a) Criança e adolescente (fase das explicações religiosas e metafísicas ou abstratas). b) Adulto (retirar o humano do imaginário e colocá-lo dentro da mais rigorosa racionalidade científica, tanto para fatos naturais quanto sociais, sendo libertadora). • O positivismo é anti-metafísico; é uma ciência em ação, praxiologia. Ciência que é ciência examina, entende e explica. • Síntese dos fundamentos básicos do positivismo: 1. O conhecimento tem a ver com experiência fatual. Observa-se os fatos naturais e sociais. Sem fatos, sem observação, não há ciência. 2. O modelo das ciências da natureza é a base para discutir qualquer ciência. É necessário haver evidência e certeza – com elas, é possível exercer controle e previsibilidade, tendo capacidade de regular os fenômenos. 3. Não há progresso sem ciência (intelectual, social, econômico, moral etc.). O maior propósito da ciência é levar ao bem-estar. A ciência disciplina o homem a deixar de ser egoísta para se tornar altruísta. --- Epistemologia espiritualista (ciência do espírito): 1. Wilhelm Dilthey (1833-1911): Filósofo opositor do positivismo. Escreveu o livro “Introdução às ciências do espírito”. • O filósofo propunha que havia algo “a mais”, diferente das ciências sociais e da natureza, às quais se limitavam os positivistas. Não deve ser confundido com teologia ou parapsicologia, nem mesmo qualquer tipo de misticismo, afinal ele se preocupava com a epistemologia, ou seja, a ciência. • Fenômenos espirituais são compreendidos como fenômenos culturais. • “Espírito”: trata-se de um conceito trabalhado pelo filósofo para se referir às coisas imateriais. Assim, ficou manifestada a necessidade de se observar tais manifestações. 11 • Observações: Os critérios científicos auxiliam para que o misticismo não seja aceito como ciência; por ser quantitativo, o positivismo apresenta mais evidências científicas do que o espiritualismo; o espiritualismo não pode ser representado por números, gráficos, tabelas. • É possível observar que a manifestação material, em geral, vem da imaterial. Exemplo: uma obra de arte é uma manifestação física, material (finita) do espírito, imaterial (infinita). • Três são os fundamentos para a ciência do espírito: a) Vida vivida; b) A expressividade da vida vivida (como ela é manifestada), e c) Compreensão (não é possível explicar à maneira positivista, apenas compreender). • Assim, não é possível mais se falar em causa e efeito, e é por isso que muda o método. • Experiências vividas não se explicam, se compreendem: foi Dilthey quem fez pela primeira vez. • Podemos compreender, inclusive, que um psicólogo não pode ser apenas um positivista, ou seja, se preocupar tão somente com aspectos quantitativos. • Atualmente, há discussões sobre o possível retorno da psicologia para às bases positivistas e empiristas, a fim de garantir suas bases como ciência. Para o filósofo, tal abordagem seria equivocada, haja vista a complexidade do ser humano, sendo que tais fatores não podem ser abrangidos apenas pelo positivismo. • “Volksgeist” = espírito do povo, em alemão (volks = povo; geist = espírito). Trata-se de um conceito específico que pode auxiliar a compreensão dos fenômenos do espírito. • Segundo Dilthey, são ciências do espírito: “História, economia política, direito, ciências da religião, filosofia, e, por fim, a psicologia”. Ou seja, se considera todo o cenário físico, psíquico, social e social. • Segundo o autor, o homem não pode ser considerado apenas uma máquina da natureza (como acreditavam os empiristas e 12 positivistas). São de suas crenças que brotam as manifestações culturais, ou seja, é necessário considerar a subjetividade e complexidade. • Síntese dos principais pontos de Dilthey: 1. Data de 1883, o esforço de Wilhelm Dilthey para codificar os conceitos e os métodos das disciplinas humanistas, de modo especial, buscando ir além das ciências naturais, as quais não nega, mas, para ele, os seres humanos, entendidos apenas como entidades psicofísicas ou biológicas, fazem parte da natureza e, certamente, profissionais das disciplinas que trabalham com a mente e o corpo o sabem bem. 2. Não se pense que Dilthey fosse anticientífico; sua posição era de rejeição do empréstimo do método das ciências naturais para as ciências do espírito ou culturais, porque estas não procuram regularidades ou “leis”, nem almejam o tipo de conhecimento que permite “dominar” o ambiente. 3. A ação humana só pode ser compreendida “de dentro”, em termos de intenções e crenças. Sua contribuição metodológica foi se “configurando” em duas obras básicas: Estudos para a fundamentação das ciências do espírito (1905), em que perguntava: Como é que as ciências do espírito podem ser delimitadas pelas ciências da natureza?, e sua resposta, anos depois, quando escreveu A construção do mundo histórico nas ciências do espírito (1910), em que afirma que a corrente da vida se realiza em complexo de objetivações cujo significado deve ser entendido graças ao esforço de compreensão – “ Os estados de consciência se expressam continuamente em sons, em gestos de vulto, em palavras e têm sua objetivação em instituições, estados, igrejas e institutos científicos [...].” 4. Ele afirma que nas ciências culturais não se lida com objetos inanimados que têm vida fora do sujeito ou com o mundo de fatos externos e cognoscíveis empiricamente. Desse modo, o objeto das ciências culturais refere-se aos produtos da mente 13 humana em conexão com as outras mentes humanas, aí inclusas as subjetividades, as emoções e os valores. 5. A complexidade da vida, a variedade de interações entre os indivíduos, as contínuas mudanças ao longo do tempo e as diferenças culturais não permitem que os teóricos estabeleçam leis que se apliquem em todo o tempo e lugar – limites do positivismo na ótica de Dilthey. 6. Dilthey insistia em que a experiência de vida de cada sujeito nada mais é de que um complexo de sensações de largo espectro, desde o início, até as lembranças, antecipações, percepções, intenções e ponderações. Essa experiência funciona como pré-requisito para quaisquer observações que se queira articular ou transformar em estrutura organizada e compõe o espectro cognitivo humano. É a força da experiência vivida (Erlebnis). 7. Ele mencionava três aspectos inseparáveis da experiência vivida: a vida (momento da subjetividade, da singularidade), a expressão (manifestações objetivas dessa subjetividade) e o entendimento (ato de captar a compreensão desses dois mundos na história). 8. O próprio Dilthey ilustra o que está propondo teoricamente, trazendo exemplos nominados da constituição das ciênciasdo espírito: “a história, o direito, as ciências da religião, o estudo da literatura e da poesia, da arte e da música, das instituições do mundo e dos sistemas filosóficos e, por fim, a psicologia”. 9. Todas as manifestações pertencem ao gênero humano. 10. Realidade histórico-cultural do homem. • Dilthey abriu o caminho para a compreensão; a compreensão utiliza interpretação, e assim, abriu caminho para a hermenêutica (Heidegger, Gadamer etc.). 14 Para auxiliar a compreensão, é possível utilizar a o artigo 7º da Lei 9.610/98 (Lei de Direitos Autorais), que faz referência direta ao espírito diretamente em seu caput, como aquele que produz as obras referidas nos incisos (textos, músicas, pinturas etc.): Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como: I - os textos de obras literárias, artísticas ou científicas; II - as conferências, alocuções, sermões e outras obras da mesma natureza; III - as obras dramáticas e dramático-musicais; IV - as obras coreográficas e pantomímicas, cuja execução cênica se fixe por escrito ou por outra qualquer forma; V - as composições musicais, tenham ou não letra; [...] Informações sobre avaliação: • Conteúdo: Cartesianismo, empirismo, positivismo e espiritualismo. • Questões discursivas: Apresenta o trecho de literatura específica (exemplo: “Pai e Filho”, de Kafka), para sinalizar que a pergunta poderá ser sobre subjetividade e complexidade, na visão espiritualista. • Questões objetivas: Apresenta o conteúdo no enunciado. Solicita a compreensão nas respostas, diferenciando os pensamentos dos filósofos. --- Hermenêutica: • Hermenêutica = compreensão. • Não é possível compreender nada, sem o exercício da interpretação. • (Breve explicação sobre a origem da hermenêutica, utilizando mitologia grega – Hermes, Deus mensageiro, hermenêutica). • É um esforço de compreensão de relações complexas. Tais relações podem ser entre Deuses e homens, ou entre homens. 15 • Nietzsche: “Não há fatos sem interpretação”. Compreender a tragédia é compreender a vida. Muitas vezes o homem fica rodeado por tragédias e se questionando a razão disso ocorrer, e com isso é possível que ele perca o sentido da vida. É necessário entender e aceitar as tragédias. Diante do sofrimento se torna necessário afirmar a vida: querer, sentir e pensar com toda a intensidade. É devolver ao corpo a vontade de potência. É dizer sim à vida, incondicionalmente. Nietzsche não é niilista. Só quem compreendeu é que vai ressignificar a sua miserável existência. • Hermenêutica é reflexão e crítica, compreensão e interpretação. É possível confiar nela? • Serão trabalhados quatro filósofos: Scheleiermacher, Dilthey, Heidegger e Gadamer. 1. Scheleiermacher: (xilaimarrar) • Compreender é conhecer? • O conhecimento é uma relação de um sujeito que conhece e de um objeto conhecido. • Pensar pode nos trazer ideias sobre as coisas; mas entre apenas formular uma ideia sobre alguma coisa ainda está distante de compreender coisas a partir de interpretação. • É muito pouco ficar apenas na relação de sujeito que pensa e objeto pensado. Há algo mais que o ser humano é capaz, e isso é que o ser humano ainda pode exercitar o ato de interpretar as coisas; entretanto, não há garantias de ter ideias claras e distintas, pois há a necessidade de descobrir as coisas. • O filósofo propõe um sujeito que vai além do proposto pelo Descartes. • Interpretar é possível, porque vai aonde o pensamento claro e distinto não pode ir. É ir atrás do que não está claro e evidente, é ir além. • O meu objeto interpretado é um sujeito, também capaz de interpretação. É aqui que entra o sujeito interpretante. 16 • A hermenêutica é o objeto do próprio estudo que ela promove; ela é uma possibilidade cognitiva. • Compreender é interpretar. Interpretar é também buscar conhecer o que não está tão claro e evidente assim. A teoria hermenêutica é a base epistêmica das coisas complexas. 2. Dilthey: • Hermenêutica é, fundamentalmente, um exercício de compreensão, não de explicação. • A ciência do espírito é aquela que lida com as ideias da vida. • Com “As ideias da vida”, o autor tenta substituir a ideia de “ser ou não ser”, por “o que é compreender as ideias de vida”. Trata-se de uma categoria mais abstrata, como a cosmovisão. • Para Dilthey, as ideias de vida podem ser entendidas como concepções de mundo. O autor as transforma em categorias teóricas, tendo uma episteme e, para lidar com elas, é necessário o caminho hermenêutico. • Só o ser humano faz criações de viver: o conceito tem a ver com estilos de vida. Tal fato ganha dimensão individual e coletiva de consciência histórica. • Temos como exemplos: a arte, os costumes, os valores religiosos, a cultura etc. Apenas o ser humano produz. • É uma teoria da interpretação e da compreensão das coisas complexas da vida humana. 3. Heidegger: • O homem é o único que tem consciência da morte. • “A vida é, sobretudo, possibilidades de ser o que ainda não se é”. Quando você decide escolher, torna-se algo sério: é necessário assumir uma vida autêntica e deixar a inautêntica para trás. • Sua principal obra é “Ser e tempo”. • Segue o caminho da hermenêutica traçado por Dilthey. 17 • Para Heidegger, a hermenêutica está presente na existência (por isso, muitos o associam com o existencialismo). • A hermenêutica pretende compreender a existência humana: é ajudar a compreender o Dasein, o “ser aí”, o sujeito lançado no mundo que tem o desafio de viver; mas não viver por viver, e sim viver para encontrar sentido. • Para Heidegger, estamos lançados como um ser no mundo – não escolhemos, apenas estamos aqui, marcados por uma temporalidade. (Temos “prazo de validade”). É necessário estar no presente, pois apenas há possibilidade de futuro, que só pode ser construída pelo indivíduo. • Foi precursor do existencialismo. • É necessário assumir responsabilidade pela vida e fazer o melhor dela. Não adianta reclamar. • “O que eu estou fazendo aqui?”. Encontrar sentido na existência humana. • A busca de sentido é da e para a vida: da vida é o conjunto de todas as experiências vividas até aqui; para a vida é de todos pois é algo da existência humana, de cada um em sua subjetividade. • “A vida é um novelo de experiências significativas”, que cada subjetividade experimenta em sua presença atirada neste mundo. • Heidegger: “A hermenêutica deve nos ajudar a compreender o sentido da vida”. • O ser não é estático; é ser sendo. • E onde está o sentido? Está nesse turbilhão de experiências vividas por nós até aqui, até o presente. As experiências ficam impregnadas na nossa subjetividade. • “Eu sou sendo”, e é apenas sendo que se enxerga o horizonte de possibilidades. E é necessário exercitar o poder da escolha. • Somos dominados pela angústia do ser e do fazer sentido. A angústia de existir é a nossa pele, pois somos o tempo todo desafiados pela liberdade de exercer escolhas e suportar as consequências das nossas escolhas. 18 • Como quero viver a minha vida? De maneira autêntica ou inautêntica? • Heidegger não é pessimista nem niilista: ele é projetista. É ter noção dos projetos de vida, do horizonte de possibilidades. • É ter o tempo de viver, não apenas de produzir e consumir. • E necessário a consciência de finitude – a morte encerra todos os nossos projetos de vida, e basta. • Compreender o sentido da existência humana e de todas as possibilidades de se viver, e ser o que ainda não se viveu e não se é, uma escolha angustiada de possibilidades, escolhas e decisões. • O ato de existir a cada instante comose fosse o último é necessário para se projetar o que ainda não se é – ir em busca do sentido que nos dá o alívio de se despedir da vida. • Ser-aí: para Heidegger, quando a existência humana se dá conta da finitude, ela é uma possibilidade. • “Como você vive a sua vida?”, Heidegger responderia: “Vivo para a morte”. • “A existência humana pode ir para um nada de sentido”: Para Heidegger, trata-se de um contrassenso. • “Viver é projetar”: A nossa existência é um projeto humano, e a morte é o que nos faz compreender que vivemos projetando. E ao projetar as coisas, nós começamos a preencher a vida enquanto a morte não chega. • Existir é projetar, e a vida é um projeto de ser o que ainda não se é. É necessário compreender a morte para que ela não nos paralise: ao contrário, ela é o ânimo que nos impulsiona para a vida. • Para Permênides, a realidade é estática (o que é, é). Para Heráclito, a realidade é dinâmica (tudo que é, é um vir-a-ser o que ainda não é, tudo é movimento). Heidegger utiliza da visão de Heráclito. • Para Heidegger, a angústia é benéfica pois, diferenciada da tristeza, ela é combustível para a vida. A angústia pode nos colocar diante do medo e da falta de sentido. É necessário viver a angústia para ter coragem de viver. 19 • Ter coragem é agir com autenticidade. A coragem se ergue diante da angústia. • A coragem determina a ação autêntica de superação. Possibilita a compreensão da existência humana. • Existência é possibilidade e projeto, dentro das determinações do tempo. Para Heidegger, vivemos no futuro pois somos feitos de projeções. • É preciso cuidar de uma existência com sentido. O passado é uma pré-ocupação, que serve como referência. Para Heidegger, o cuidado é o modo de ser do Dasein, uma forma de ser que consiste em compreender-se a si mesmo como lançado no mundo e, portanto, responsável pelo seu advir, ou seja, pelo cumprimento das suas possibilidades de ser. Cuide da vida, pois a morte está à espreita. • O tempo é ocupar-se com o cuidado sobre a nossa existência. Para Heidegger, o tempo é afeto: afetar-se por algo precioso. • Não se preocupe com frivolidades – é necessário afetar-se com algo que faz sentido. “O melhor da nossa miserável existência é a capacidade de ocupar-se com o cuidado - afeto por algo que faz sentido”. • Na finitude da nossa existência, só o cuidado abre infinitas possibilidades. • Cuide dessa infinidade de possibilidades, mesmo na sua miserável finitude – que pode ser agora. • Busque e traga para dentro de si a significação para essa contínua possibilidade de ressignificação da vida. • É preciso amar a realidade, por mais dura que seja. São infinitas as possibilidades de ressignificação da sua vida e daqueles que te afetam. • Ver “amor fati”, ideia apresentada por Nietzsche. “Amor ao destino”. • A morte inspira o filosofar. 20 4. Gadamer: • Foi com Hans Georg Gadamer, discípulo de Martin Heidegger, que a filosofia hermenêutica se tornou uma teoria da interpretação, ganhando uma originalidade, com a chamada “experiência hermenêutica”, tendo como base a tradição humanística e a acolhida do denominado “círculo hermenêutico” heideggeriano; • Sua principal obra foi “Verdade e Método”. Começou a fazer o Heidegger não fez: formular a teoria da interpretação. Para Gadamer, a teoria poderia ser muito abstrata da realidade se não fosse partilhada da experiencia hermenêutica. É preciso aliar, relacionar a teoria e a experiência. • O círculo hermenêutico de matriz heideggeriana (“Ser e Tempo”), do qual se vale Hans George Gadamer, traz consigo a função primeira, permanente e última, da interpretação e esta consiste em não se deixar impor “pré-evidência e pré-cognições do caso ou das opiniões comuns, mas fazê-las emergir das próprias coisas, garantindo assim a cientificidade do próprio tema.” • Não interprete as coisas com pré-evidências ou senso comum. Descontamine. Caso esses fatores estejam presentes, não será possível o exercício prático de uma boa interpretação. • Gadamer, portanto, inicia uma crítica ao modo como aprendemos a pensar; é necessário propor um novo modo. • Mais arriscado que as pré-evidências ou pré-cognições, são as opiniões comuns. O risco existe na “blindagem” de autoridade trazida pelo indivíduo. • “Exerçam a escutatória das experiências vividas”. • Ao ler uma obra: deixe o texto falar, tudo que ele tem a falar. • “Psicólogo hermeneuta é o sujeito de baixas expectativas”, ou seja, ele deve despir-se de pré-conceitos em sua atuação. • A última grande questão da filosofia é compreender qual é o sentido da existência. Vivemos buscando formas de preencher os vazios. A vida é feita de encontros e buscas – estamos sempre à procura de sentido. 21 • Karl Jaspers diz que o sentido é a última questão: “Saber se do fundo das trevas ainda pode brilhar o ser”. • Não há compreensão da busca de sentido sem esforço de conviver com as nossas experiencias boas e ruins da vida. • Você se esforçou para se tornar o que se é: viver intensamente o que significa e ressignifica a existência. • Toda a hermenêutica se justifica quando se coloca a serviço da busca de sentido do outro, ou seja, ajudar ao próximo. O ato de hermenêutica é um ato de empatia, ou seja, compreender as experiencias vividas dos outros. • Não tentem praticar hermenêutica à distância, haja vista ser um ato de proximidade, cumplicidade. Importante ressaltar que isso não significa ultrapassar as fronteiras, e sim compreender e tentar que esse outro encontre o sentido. • Mas esse sentido é revisto continuamente na medida em que se volta a penetrar no texto (cada revisão do projeto inicial de procura de sentido comporta a possibilidade de novo projeto de sentido); • É necessário descer ao patamar de quem te procura; oferecer, se possível, ancoragem e encorajamento para que ele possa buscar o sentido de sua própria existência. Todos temos os pressupostos afetivos e cognitivos que orientam o processo. • O psicólogo é um mediador qualificado do processo inacabado da busca de sentido pela existência humana. • Trata-se de um processo horizontal de ida e volta, e não um processo vertical de eu sei e você me segue. • Empatia = encontro aberto de intersubjetividades. Sobre a hermenêutica de Gadamer: 1. Existem narrativas providas de sentido: o ser humano é feito de narrativas (não apenas as convencionais e faladas, mas também as escritas, por exemplo). As narrativas serão encontradas nos textos, sejam eles históricos, literários, dentre outros, e também na fala das pessoas. As narrativas constituem matéria prima para o exercício narrativo. 22 2. Eles falam de coisas da vida: Nossa forma de relacionar-se com o mundo: pensamentos, sentimentos, ações e idiossincrasias. Não há possibilidade de fazer hermenêutica se não nos interessamos por coisas da vida. Todo hermeneuta tem afeto pelas experiências e vivências alheias. O hermeneuta é uma espécie de escutador-escavador. 3. Não podemos ser uma tábula rasa: é impossível não ser acompanhado de suas próprias vivências. 4. Esta pré-compreensão traz sempre os riscos de envolver pré-juízos, pré- suposições, com suas expectativas: é necessário se vacinar contra as tendências que podem prejudicar o exercício hermenêutico. 5. Dada a narrativa e dada a pré-compreensão do intérprete, este esboça um significado preliminar do texto: é preciso esboçar os significados, em um horizonte de possibilidades. O hermeneuta escuta-escava-esboça: ele executa as narrativas, escava o sentido das coisas e esboça significados. 6. O trabalho hermenêutico deve prosseguir, pois, consiste naquele projeto inicial de encontro de sentido das coisas: Devemos ser capazes de alinhar um esboço e sermos capazes de perguntar ao interlocutor: “Faz sentidopra você?”. 7. Mas esse sentido é revisto continuamente na medida em que se volta a penetrar no texto (cada revisão do projeto inicial de procura de sentido comporta a possibilidade de novo projeto de sentido): A interpretação pode sempre ser alterada, de acordo com cada nova percepção. 8. Até porque quem interpreta fica exposto aos erros de pressuposições que não encontram confirmação no objeto: considerando especialmente que o objeto de interpretação da psicologia é o sujeito, com tudo o que ele traz. 9. Enfim, compreender só alcança sua possibilidade autêntica se as pressuposições de que se parte não são arbitrárias: não é possível ser autêntico se o indivíduo parte de pressupostos específicos (ex. cherry picking). 10. Nem engessada por limitações impostas por certos hábitos mentais. “O modo como vivenciamos uns aos outros, como vivenciamos as tradições históricas, as ocorrências naturais de nossa existência e do nosso mundo, é isso que forma um universo verdadeiramente hermenêutico, no qual não estamos encerrados como entre barreiras intransponíveis, mas 23 para o qual estamos abertos.” GADAMER, 1997, p. 35): Não há fim para a hermenêutica. É preciso estar aberto para novas compreensões. Onde há vida, há hermenêutica: a vida é para ser vivida e interpretada em todos os seus momentos. --- Fenomenologia: • A psicologia não se abstém do conflito de interpretações, pelo contrário: ela utiliza diversas abordagens a fim de buscar a melhor solução para o indivíduo. As variadas epistemologias enriquecem o saber. • A complexidade humana não pode se limitar a apenas uma abordagem, pois seria insuficiente para compreender o todo, ou ao menos a maior parte. • Não existe fenomenologia sem voltar ao ponto da consciência. 1. Edmund Husserl • Com sua teoria sendo iniciada no século XX, • Fenomenologia = fenômeno + razão: fenômeno é o que aparece, o que se mostra; razão é o discurso racional. É indispensável tomar consciência do fenômeno. • Fenômeno + razão + consciência: tal relação nos afeta pois somos sujeitos que exercem conhecimento. Conhecimento é a relação entre os humanos e o mundo que nos cerca. Portanto, somos sujeitos conscientes que conhecemos. Husserl não nega o cogito, e acrescenta: “em toda a consciência há uma intencionalidade”. Ou seja, sempre há uma intencionalidade ao se conhecer algo. • Algo (fenômeno) = diferente da própria consciência. • Fenomenologia radical: algo puro e absoluto. Puro é algo descontaminado de interpretações, ideias, valores e percepções que poderiam atrapalhar a consciência desse fenômeno. A psicologia só será psicologia como ciência o dia que ela nos der a essência do fenômeno psicológico. Se não, basta a psicologia empirista. 24 Dá para fazer ciência séria da subjetividade? • A subjetividade pode ser dita como “cada cabeça, uma sentença”. Entretanto, para a psicologia, é necessária a ciência e a fundamentação adequada. • Para Husserl, cujo trabalho se deu no início do século XX, a psicologia é uma ciência empirista, ou seja, é uma ciência dos fatos (comportamento individual e contingente de cada um). • A psicologia é uma ciência das essências puras: • Psicólogo vai lidar com percepção, vontade e consciência. • Três noções de consciência por Husserl: a) Conjunto de todas as vivências: campo abstrato que reúne todas as vivências; b) Percepção interna das vivências psíquicas: como as vivências se entrelaçam e interagem; c) Intencionalidade da consciência: Exceto a consciência de si próprio, pois isso refere-se diretamente a Descartes. Husserl preocupa-se com a consciência geral. • Para a fenomenologia, a consciência tem subjetividade, é caracterizada pela intencionalidade e deve ser transcendental. Com tudo isso, é possível falar da essência pura das coisas. Se não houver essas três coisas, permanece no empirismo. • Ou você considera a psicologia como ciência dos fatos empíricos, ou a ciência das essências (ou seja, fenômenos psíquicos). A psicologia busca a essência da vida psíquica da própria subjetividade da pessoa humana. Sobre o pensamento de Husserl: 1. Libertar o conhecimento do empirismo como primeira e única base do conhecer. 2. Também não vê a causalidade aristotélica, nem o racionalismo da auto evidência cartesiana como bases. 3. É necessário realizar uma epoché, ou seja, aproximar-se do fenômeno com consciência pura, isto é, abstendo-se de querer conhecer por tudo quanto dele já foi dito por algum conhecimento. (Epoché = suspensão do juízo). 25 4. Esforço epistêmico de “voltar às coisas mesmas” (zu der sache selbst), às suas essências. 5. Não confunda representações das coisas com as coisas mesmas. (Deve- se preocupar com a essência - as experiências nos levam às representações das coisas). Chama-se redução eidética (redução à ideia) o passar das experiências para as representações. A subjetividade formula representações dos fenômenos – compreender isso já está um passo além do empirismo, rumo à fenomenologia. 6. Redução transcendental: é a intencionalidade de captar a essência – transcendentalismo. No processo de filtragem/redução, você elimina as experiências e as reduz para representações, e das representações você se encaminha para o transcendental para alcançar a essência. Pontos de esclarecimento: • Transcendental: possibilidade de captar a essência pura de qualquer fenômeno, sem que ele esteja com quaisquer resquícios de experiência e de representações particularizadas. É o que se põe lógica e ontologicamente anterior a toda e qualquer experiência e que não se confunde com as representações das experiências. • Husserl trabalha o tema pois a ciência tem de propor algo universalmente válido, para acabar com o achismo de cada um ou com o empirismo particularizado de cada fato. Isso não era fácil pois Husserl afrontou diretamente os empiristas, que até então eram os “donos da verdade” na filosofia. • Empiristas e positivistas tinham se tornado donos da verdade para a psicologia. E hoje a psicologia tem voltado para o empirismo, porém há grande debate teórico. • Não fale da essência das coisas apenas pelas experiências, ou apenas representações. • Não é possível comunicar a essência das coisas pela linguagem? (Linguagem é representação). A linguagem preocupa, porque pode mais contaminar do que purificar a essência das coisas. 26 • Qual é a essência do fenômeno psíquico da subjetividade? Husserl não deu a última resposta, Platão tentou descobrir a essência das coisas, pela objetividade. Husserl tenta retomar o caminho de Platão, pela subjetividade. Husserl está convencido que a ciência para ser única e universal, precisa ir à essência das coisas. Husserl quebrou a espinha dorsal de uma verdade paradigmática: psicologia é empirista (verdade quase definitiva no século XX). Quando Husserl propõe suas ideias (epoché, redução eidética e redução transcendental), ele mostrou os limites de coisas muito “organizadas”, que ganharam um pedestal de verdade. • A partir de Husserl, ninguém (intelectualidade inglesa, alemã e francesa) ousaria mais dizer que a psicologia é só uma ciência empirista. Ciência deve ir atrás da essência das coisas. • Qual é a essência da subjetividade? Tentar descobrir, basicamente, porque que o ser humano é e tudo nele passa por querer e sentir. Ou seja, conhecer no nível puro o querer e o sentir. A psiquê humana é essencialmente querer e sentir. • O que é o ser humano psiquicamente? Querer e sentir, e tudo o que vem se manifesta a partir desse ponto. Querer e sentir = vontade e sentimento. A psiquê humana é vontade e sentimento. • O objetivo do ser humano é o conhecimento pleno do ser. • Platão: objetividade; mundo das ideias. Husserl: subjetividade; experiencias > representações > transcendentalidade. A preocupaçãode ambos é evitar que o conhecimento se limite a visões particularistas. O conhecimento deve ser universal. • Empiristas não propõem a essência dos fenômenos, apenas o individual, caso a caso, contingente. A essência do fenômeno é o fenômeno em si. • A natureza é maior do que a subjetividade, a subjetividade está inserida na natureza. • Psicologia é, sempre foi e deve continuar sendo ciência naturalista. Devemos continuar estudando os fenômenos psíquicos apenas como os físicos. Husserl quebrou isso, quando quebrou a representação. Ou seja, a nossa subjetividade não é representativa. Mesmo os empiristas representam, utilizando os números dos resultados.
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