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1 
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, 
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 06 Nº 10 – 2010 ISSN 1809-3264 
 
 
Revista Querubim 2010 Ano 06 nº 10 – 162 p. (Fevereiro – 2010) 
 
Rio de Janeiro: Querubim, 2010 1. Linguagem 2. Ciências Humanas 3. Ciências Sociais – 
Periódicos. I - Titulo: Revista Querubim Digital 
 
Conselho Científico 
Alessio Surian (Universidade de Padova - Italia) 
Carlos Walter Porto-Goncalves (UFF - Brasil) 
Darcilia Simoes (UERJ - Brasil) 
Evarina Deulofeu (Universidade de Havana - Cuba) 
Madalena Mendes (Universidade de Lisboa - Portugal) 
Vicente Manzano (Universidade de Sevilla - Espanha) 
Virginia Fontes (UFF - Brasil) 
 
Conselho Editorial 
Presidente e Editor 
Aroldo Magno de Oliveira 
 
Consultores 
Alice Akemi Yamasaki 
Andre Silva Martins 
Elanir França Carvalho 
Enéas Farias Tavares 
Guilherme Wyllie 
Janete Silva dos Santos 
João Carlos de Carvalho 
José Carlos de Freitas 
Jussara Bittencourt de Sá 
Luiza Helena Oliveira da Silva 
Marcos Pinheiro Barreto 
Paolo Vittoria 
Ruth Luz dos Santos Silva 
Shirley Gomes de Souza Carreira 
Vanderlei Mendes de Oliveira 
Venício da Cunha Fernandes 
2 
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, 
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 06 Nº 10 – 2010 ISSN 1809-3264 
 
SUMÁRIO 
01 Os sertões: história e resistência numa epopéia cabocla – Ana Maria Abrahão 
dos Santos Oliveira 
03 
02 O ensino de história da África e da cultura afro-brasileira e africana: a 
afirmação da identidade – Antonio Carlos Lopes Petean e Sérgio Luiz de Souza 
10 
03 Por uma prática educacional dialógica – Bruno Meschesi 18 
04 Le città invisibili : uma análise (hiper) textual – Cláudio Augusto Carvalho 
Moura 
22 
05 The scarlet letter: um estudo da transposição de obras literárias impressas 
para o ambiente hipertextual – Crislene Pereira Nunes 
Co-autor: Cláudio Augusto Carvalho Moura 
27 
06 A terceira margem do rio: algumas significações – Fabio Scorsolini-Comin 34 
07 Do substantivo ao verbo: a metamorfose identitária em turista aprendiz, de 
Luiza Helena – Francisco Neto Pereira Pinto e Hilda Dutra Gomes Magalhães 
41 
08 Imagens do Brasil: o sertão em deus e o diabo na terra do sol e em abril 
despedaçado – Lucyana do Amaral Brilhante 
48 
09 O monstro como metáfora da violência – Maria Cláudia Teixeira e Josalba 
Fabiana dos Santos 
55 
10 A cenografia discursiva do defensor público – Maria Ieda Almeida Muniz 
e Arlete Ribeiro Nepomuceno 
63 
11 Lendo imagens: o livro sem texto como possibilidade de construção de 
narrativa – Maria Laura Pozzobon Spengler 
71 
12 Feminino plural: as representações do gênero feminino em amélia smith 
- Maristella Letícia Selli 
77 
13 Experiências coletivas populares: práticas sociais nascidas nas periferias 
Marlene Grade e Cezar Luiz De Mari 
85 
14 Do manuscrito ao hipertexto: resgate de ilustres autoras quase 
(des)conhecidas de 1875 a 1925 – Olívia Candeia Lima Rocha, Elvina Maria de 
Sousa Barbosa e Cláudio Augusto Carvalho Moura (co-autor) 
92 
15 Montaigne: a caminho do eu – Ana Cristina dos Santos Siqueira, Pedro Braga 
Gomes e Potiguara Acácio Pereira 
98 
16 A crise da autoridade em O evangelho segundo Jesus Cristo – Ronaldo 
Ventura Souza 
105 
17 Quadrilha literária: Schwarz lia Candido que lia Lukács ... – Salete Valer e Jane 
Vieira da Rocha 
114 
18 Leitura e novas tecnologias: o chat educacional em foco – Sandro Luís da Silva 120 
19 Aspectos morfossintáticos, fonológicos e semânticos do poema motivo de 
Cecília Meireles: uma análise estrutural aplicada – Selmo Ribeiro Figueiredo 
Júnior 
129 
20 Aquisição da linguagem escrita à luz do interacionismo brasileiro – Tatiana 
Michelinne Aires Neves 
134 
21 Texto e excerto: processos de re(con)textualização – Teresa da Conceição 
Mendes de Castro 
141 
22 A construção da imagem de si no discurso político: aspectos retóricos - 
Waldivia Maria de Jesus 
148 
23 Influências do gerativismo linguístico na episteme da análise do discurso 
francesa – Welisson Marques 
155 
3 
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, 
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 06 Nº 10 – 2010 ISSN 1809-3264 
 
OS SERTÕES: 
HISTÓRIA E RESISTÊNCIA NUMA EPOPEIA CABOCLA1 
 
 Ana Maria Abrahão dos Santos Oliveira 
 Profª de Literatura. SEE/RJ 
Mestre em Literatura Brasileira e Teorias da Literatura – UFF 
 
 
 
Resumo: 
Este trabalho pretende analisar Os sertões (1902), de Euclides da Cunha, sob a perspectiva 
da visão social e da escrita grandiloquente do autor, situando a obra como uma epopeia 
cabocla, que representa a comunidade pobre de Canudos, liderada por Antônio 
Conselheiro, e que constituiu uma ―ameaça‖ ao latifúndio, ao Estado e à Igreja, no 
Nordeste brasileiro do século XIX. Tenciona-se também, com base na concepção de 
Walter Benjamin acerca do ―Conceito de História‖, mostrar como a obra pode ser vista 
como um exemplo de escrita da história cuja postura narrativa assumida é a de colocar-se 
ao lado dos oprimidos. 
Palavras-chave: Obra euclideana – epopéia cabocla – Conceito de História 
 
Abstract: 
This articleintends analyses Os sertões (1902), Euclides da Cunha, from the perspective of 
social vision and writing grandiloquent of the author, placing the work as an epic half-
breed, which represents the poor community Tubes, led by Antonio Conselheiro and 
which constituted a "threat" to the landowners, the State and the Church, i n 
Northeast Brazil nineteenth century. The plan is also based on the design of Walter 
Benjamin on the ―Concept of History‖, to show how the work can be seen as an example 
of historical writing whose narrative stance taken is to put on the site of the oppressed. 
Keywords: Euclides da Cunha‘s work - epic cabocla – Concept of History 
 
 
Na visão euclidiana, em que arte e ciência se consorciam, 
o poetar pensante e o pensar poético. 
 
Introdução 
 
A obra Os sertões (1902), de Euclides da Cunha, pode ser vista como um exemplo 
fundamental de representação literária, em nossas Letras, com base num fato histórico 
nacional de grande relevância. Nem mesmo as representações da Independência, da Guerra 
do Paraguai, da Abolição e da República _ acontecimentos cujas dimensões e importância 
ultrapassam e muito a Campanha de Canudos _ não encontram representação artística do 
porte da obra euclideana. Na interpretação de Euclides da Cunha, o massacre ocorrido em 
Canudos enquadra-se no elenco de momentos ímpares da vida nacional, por isso a 
grandeza e a excepcionalidade da escrita apresentam-se como qualidades inerentes ao 
episódio. Nesse sentido, o livro foi concebido como uma obra 
 
 
1 Trabalho apresentado no Seminário Internacional 100 anos sem Euclides, sendo promotores do evento: UERJ, 
UFRJ, ILTC, UNESCO e UNITED NATIONS UNIVERSITY. De 25 a 27 de setembro de 2009, na cidade 
de Cantagalo/RJ. 
4 
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, 
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 06 Nº 10 – 2010 ISSN 1809-3264 
 
cujo fundamento histórico (ou científico) e estético tem de dar conta de 
algo que não pode caber em ‗obras comuns‘ (...) fundador na perspectiva 
da grandeza e da excepcionalidade da Campanha de Canudos, cujo 
episódio do processo histórico universal deveria construir-se como 
‗descomunal‘ e, com isso, reler (...) e digerir (...) tudo o que se havia 
escrito sobre aquela luta (..) a fim de consolidar sobre ela um novo e 
definitivo sentido (...) o sentido do futuro do Brasil, (...) também comum 
ou melhor, descomunal (FACIOLI: 1998, p. 35) 
 
Desse modo, esse trabalho tenciona situar Os sertões como uma epopéia cabocla, 
pois representaa transfiguração da face do sertão miserável e resignado e faz emergir uma 
reflexão fundamental acerca de como a comunidade pobre de Canudos configura-se como 
uma força intimidadora da sociedade republicana na época e na visão euclideana, o 
sertanejo rude transfigura-se em herói. 
Outro ponto relevante, a nosso ver, é assinalar a escrita euclideana como obra 
concebida nos moldes da teoria do filósofo alemão Walter Benjamin, acerca do ―Conceito 
de História‖, visto que a narração mostra-se não só como modelo de resistência, mas 
principalmente como modelo de escrita cuja postura é a de colocar-se ao lado dos 
vencidos, dos mais fracos. 
 
1 – Os sertões: uma epopeia2 cabocla 
 
Guardando as devidas proporções com a Ilíada, de Homero (século VIII a.C), 
escrita em versos, podemos dizer que a obra Os sertões aproxima-se em alguns pontos desse 
clássico épico. As páginas de Euclides da Cunha identificam-se mais com o painel 
homérico do que com a Guerra do Peloponeso, cuja menção é feita por Euclides, ao 
responder uma crítica.3 ―E se não temesse envaidar-me(...) gravaria na primeira página a 
frase (...) de Tucídides ao escrever a história da guerra de Peloponeso‖ (CUNHA: 1982, p. 
437) 
Seguindo, a seu modo, um viés épico, a escrita euclideana serve-se de epítetos e 
termos que nos remetem à obra homérica e também a paisagens bíblicas, à mitologia grega, 
por meio de metáforas e comparações. Percorre as sendas da História e da Literatura. 
O arraial de Canudos é a ―Troia de taipa‖ (p. 136)4 ou ―Jerusalém de taipa‖ (p. 158). 
O autor serviu-se da arte e da mitologia gregas para descrever o sertão, os jagunços, os 
soldados, os lugares citados na obra. A palavra ―titã‖, como substantivo ou adjetivo 
―titânico‖ é referida várias vezes em Os sertões, para caracterizar os sertanejos, os vaqueiros, 
os militares e também para fazer alusão aos Titãs do mundo grego ―Baluarte derruído de 
titãs‖(p. 196). O sertanejo, na sua luta, era talhado como Anteu ( o gigante filho de Posídon 
e Gaia, a Terra), um ―titã bronzeado‖ (p. 179) que faz estremecer o poderio do exército, 
 
2 Quando nos referimos ao livro Os sertões, denominando-o uma epopeia cabocla, estamos falando, 
naturalmente, dos pontos de contato que a obra possui com esse gênero literário. Remetendo-nos à ―Teoria 
do romance‖, de Mikhail Bakhtin acerca do gênero épico, temos: ― (...) a epopeia como um gênero 
determinado, se caracteriza por três traços constitutivos: 1. O passado nacional épico, (...) serve como objeto 
da epopeia ; 2. A lenda nacional (...) atua como fonte da epopeia. 3. O mundo épico é isolado da 
contemporaneidade, isto é, do tempo do escritor ( do autor e dos ouvintes) pela distância épica 
absoluta.‖(BAKHTIN: 2002, p. 405) 
3 Euclides da Cunha respondeu às críticas feitas à sua obra que foram publicadas na segunda edição de Os 
sertões (1903). Também constam estas ―Notas do autor‖ na edição que utilizamos: CUNHA, Euclides. Os 
sertões. Ilustrações de Alfredo Aquino. São Paulo: Abril Cultural, 1982. 
4 A partir dessa citação, indicaremos somente o número da página da obra, visto que utilizamos a edição 
registrada na nota anterior. 
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Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, 
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 06 Nº 10 – 2010 ISSN 1809-3264 
 
que nas palavras de Euclides é tal qual um ―titã acobreado e potente‖ (p. 92). O homem 
negro, que é aprisionado no fim da guerra é comparado a uma ―velha estátua de titã‖ 
(p.403). O vaqueiro possui um ―arcabouço titânico‖ (p. 162). Do lado oposto da guerra, o 
soldado que cai e morre em combate tem uma ―queda prodigiosa de titã fulminado‖ (p. 
405). Os soldados que avançavam contra os sertanejos já sem forças eram os ―titãs contra 
moribundos‖ (p. 406) 
Tal como na Ilíada, a condição humana (que também permeia até mesmo os atos 
dos deuses no grande épico) com seus altos e baixos, sentimentos nobres e também 
sentimentos vis, n‘Os sertões são representados o misticismo e o fanatismo inerentes à 
trajetória de um povo pobre e esquecido pelas autoridades e à de Antônio Vicente Mendes 
Maciel, o beato Antônio Conselheiro, ―um documento vivo do atavismo‖ (p. 114), um 
―gnóstico bronco‖ (p. 116). Euclides parece enxergar no sertão bruto o estigma de todas as 
guerras porque―(...) seja em Homero, seja em Euclides, para além do mar e do sertão, dos 
deuses e das guerras, resta sempre o homem, capaz de fazer-se vilão e herói pelos mais 
díspares caminhos. O homem, na sua multiplicidade de manifestações e profundeza 
insondável de sua alma, sempre ela o referencial e a morada última para tudo quanto 
existe.‖ (SILVA: 2007, p. 2) 
Se na Ilíada, a visão homérica mostra o quanto é inútil fugir do destino e da vontade 
dos deuses, Euclides representa o quão debalde é a luta do pobre sertanejo contra a força 
do exército do Governo, não obstante dar ênfase à luta incansável daqueles que não 
possuíam o poder bélico. ―Exemplo único em toda a história, [Canudos] resistiu até o 
esgotamento completo (...) caiu no dia 05, ao entardecer, (...) [Restando apenas] um velho, 
dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil 
soldados.‖ (p. 433) 
Ainda defendendo a hipótese de aproximação das duas obras, guardando as devidas 
proporções do épico de Homero, vemos que, na Ilíada, estão entre os troianos figuras 
muito nobres e humanas como Heitor, Andrômaca e Paris. Euclides se compadece ao 
descrever as rudes qualidades do sertanejo em luta, aqueles que seriam os nossos 
―troianos‖. A força do sertanejo é a força da terra. Numa das primeiras tentativas do 
exército de subjugar Canudos, aludindo mais uma vez a figuras mitológicas, diz a 
narrativa.―A força militar decai a um plano inferior. Batem-na o homem e a terra. (...) 
Enquanto o minotauro, impotente e possante, inerme com sua envergadura de aço e 
grifode baionetas, sente a garganta exsicar-lhe de sede (...) aquela flora agreste abre ao 
sertanejo um seio carinhoso e amigo‖(p. 179) 
Ao escrever sobre a genealogia de Antônio Conselheiro, o narrador chama a tia do 
beato, Helena Maciel, de a ―Nêmesis da família‖ (p. 119), Nêmesis é a deusa grega da 
vingança. O sertanejo que suporta as agruras da vida no sertão, tem uma aparência 
desagradável, o que faz com que Euclides, para caracterizá-lo, faça uma junção entre uma 
figura bíblica e um personagem de Victor Hugo: o homem é um ―Hércules-Quasímodo‖ 
(p. 91). Também é a aparência feia das mulheres amontoadas para rezar que faz com que o 
narrador compare-as às ―fúrias‖ (p. 149), figuras mitológicas que eram divindades romanas 
infernais, cuja função era punir os mortais pelos seus pecados. Antônio Conselheiro tinha 
uma ―aparência protéica‖ (p. 144), comparando o beato a Proteu, figura mitológica grega 
que é filho dos titãs Tétis e Oceanus. 
Euclides, como Homero, faz uma descrição portentosa da natureza. Céus, 
montanhas, a tórrida paisagem, os desfiladeiros compõem os cenários desenhados por 
ambos. Entretanto, ao contrário do épico homérico, 
 
6 
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, 
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 06 Nº 10 – 2010 ISSN 1809-3264 
 
O sertão prescinde de deuses para perpetrar os embaraços e os golpes 
que sentem os homens em marcha. Supre ele próprio a ação daqueles. 
Faz-se uma divindade volúvel (...) É a um só tempo, para o sertanejo, o 
asilo da ilha de Calipso, no fim do mundo; e a paragem de enganos e 
trapaças de Circe, (...) ou a cova do ciclope Polifemo (...)À caatinga rude 
(...) o equivalente a nuvem protetora de Afrodite que salva Paris da 
morte nas mãos de Menelau (..) (SILVA: 2007, p. 04) 
 
Se, na Ilíada, a guerra é motivada pelo rapto de Helena, esposa de Menelau, rei de 
Esparta, por Paris, filho de Príamo, de Tróia; n‘Os sertões, a bela mulher é personificada pela 
República, por quem lutam os soldados do exército brasileiro. É pelaRepública que ocorre 
uma sucessão de horrores, da mais vil covardia contra o sertanejo pobre e apegado às 
suas frágeis conquistas: a terra e a compensação espiritual. 
 
2 – Os sertões e o “Conceito de História”, de Walter Benjamin 
 
A obra Os sertões, a nosso ver, é um exemplo de escrita da história consagrado por 
Walter Benjamin em ‖Sobre o Conceito de História‖. Nesse texto, o filósofo alemão 
defende um tipo de História que se caracteriza por estabelecer uma postura narrativa que é 
a de colocar-se, ao relatar um fato histórico, ao lado dos fracos, dos oprimidos. Este é 
posicionamento da narrativa euclideana ao descrever o genocídio ocorrido na Campanha 
de Canudos. 
Para Benjamin, ―o cronista que narra os acontecimentos, sem distinguir entre os 
grandes e os pequenos, leva em conta a verdade de que nada do que um dia aconteceu 
pode ser considerado perdido para a história‖ (BENJAMIN: 1993, p. 223) 
Benjamin especifica em texto dois modos de escrever a história: a historiografia 
progressista (a social-democracia alemã de Weimar) e a historiografia burguesa 
contemporânea, o historicismo. De acordo com o filósofo alemão, ambas baseiam-se na 
ideia de um ―tempo homogêneo e vazio‖ que é ―inseparável da ideia de progresso‖ 
(BENJAMIN: 1993, p. 229). Ir de encontro a esse conceito, para Benjamin, é posicionar-se 
contra o conceito de história construído pelos burgueses, cujo maior impulsionador é o 
progresso. 
Euclides da Cunha é um historiador e um narrador que se enquadra na teoria de 
Walter Benjamin, pois escreveu uma obra de denúncia da vida espúria que levavam aqueles 
que estavam esquecidos pelo poder e que sofriam com a miséria e a privação de seus 
direitos básicos. 
Se ―a história é um objeto de construção cujo lugar (...) é um tempo saturado de 
‗agoras‘ (IDEM:IBIDEM), o historiador que volta o seu olhar também para o passado, 
deve refletir sobre a necessidade de sua reconstrução para preservar a memória. Entretanto, 
a supremacia dos dominadores é sempre garantida, segundo a visão benjaminiana, pois a 
experiência de olhar para o passado está enfraquecida no indivíduo que vive no mundo 
capitalista moderno. 
A obra euclideana representa o cenário de uma contenda injusta e covarde, cuja 
liderança pertencia ao poder republicano. Na época em que aconteceu a Guerra de 
Canudos, o regime republicano ainda era muito jovem no Brasil (1889). O autor de Os 
sertões era republicano, entretanto, ao presenciar a miséria, o sofrimento do povo sertanejo e 
o massacre de Canudos, reconhece naquela triste realidade e naquele genocídio, ―uma 
oportunidade revolucionária de lutar por um passado oprimido‖ (BENJAMIN: 1993, 
p.231), apesar de ser um passado ocorrido pouco após o massacre. Euclides, a exemplo do 
materialista histórico, segundo Benjamin, ―extrai da época uma vida determinada do curso 
7 
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, 
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 06 Nº 10 – 2010 ISSN 1809-3264 
 
homogêneo da história; do mesmo modo [que] extrai da época uma vida determinada e da 
obra composta durante essa vida, uma obra determinada.‖(IDEM:IBIDEM) 
Euclides da Cunha escreveu uma obra literária de denúncia, a favor dos miseráveis 
do sertão, pois constatou, como testemunha, que o ideal republicano e positivista de 
―ordem e progresso‖ não correspondia à realidade. ―Aquela campanha foi um refluxo para 
o passado. E foi, na significação integral da palavra, um crime. Denunciemo-lo.‖ (p.08) O 
militar, de formação positivista, utiliza sua atuação como repórter do jornal O Estado de São 
Paulo, enviado para fazer a cobertura da Guerra de Canudos, em 1897, torna-se um dos 
escritores mais respeitados que o Brasil já conheceu. Mostrou ao país e ao mundo o 
genocídio cometido pelo governo contra milhares de pessoas que enxergaram no beato 
Antônio Conselheiro uma esperança de concretização de seus sonhos de salvação espiritual 
e de divisão dos escassos bens que haviam trazido ao chegar ao Belo Monte. O sertanejo 
pobre e explorado pelo ―martírio secular da terra‖ (p. 53) e pelos latifundiários, estava 
esquecido pelas autoridades públicas. No afã de buscar alguém ou algo que lhes trouxesse 
um resquício de esperança, seguia Antônio Conselheiro, a quem considerava um santo, um 
milagreiro, não deixando de ser, porém, uma figura paternal que representava a dominação 
tradicional, pois se assemelha àqueles que atuavam no poder na sociedade sertaneja cujas 
palavras de ordem eram a lealdade absoluta, a dedicação extrema, a obediência cega. O 
Conselheiro simbolizava uma liderança de uma massa de homens que era o oposto do 
indivíduo do litoral. Essas criaturas surgiam como homens diferentes porque eram 
desconhecidos do resto da população do país. Aquela massa de homens, mulheres e 
crianças jamais tinham sido objeto de representação literária como na narração de 
Euclides da Cunha. Uma comunidade singular e estranha de desvalidos, de miseráveis. 
Nessa massa de desprivilegiados sobressaíam as mazelas do país que exigiam profundas 
mudanças. Euclides, um homem culto e estudioso encontrava-se, naquele momento, 
diante de seu oposto, o jagunço. O primeiro, com uma formação técnica e positivista; o 
segundo, crente no messianismo e no salvacionismo de Antônio Conselheiro. 
 
Em sua formação acadêmica, predominavam as tendências que 
marcavam a Escola Militar na época; e que, embora aí concentradas 
também se mostraram e, outros setores da vida letrada brasileira. As duas 
grandes causas do tempo são a Abolição da Escravatura e a implantação 
da República. As ciências, as matemáticas, o positivismo, o 
determinismo, o evolucionismo são privilegiados, Comte, Darwin e 
Spencer, os nomes-chave... Nesse sentido, a formação de Euclides não 
difere da formação de seus contemporâneos. Ou mais precisamente, não 
difere da formação do pequeno setor ilustrado, que fazia parte da classe 
dominante, que era, por assim dizer, sua vanguarda intelectual. 
(GALVÃO: 1981, p. 66) 
 
O autor de Os sertões foi um defensor da República até testemunhar o ataque da 
quarta expedição do exército a Canudos. A partir daí, passa a questionar o regime de 
governo e torna-se um dos maiores críticos do exército. Há em sua obra uma reflexão 
crítica acerca do sonho de uma República que não traz a igualdade e a justiça tão sonhadas 
pelos brasileiros. O fanatismo religioso seria apenas uma razão superficial para a guerra. As 
causas reais eram originárias do latifúndio, do coronelismo, da exclusão social e cultural e 
da aridez do meio. Dessa forma, a obra faz emergir a discussão sobre a ideia de 
subdesenvolvimento do país, revelando a existência de dois Brasis: o do litoral e o do 
sertão. Desse modo, o escritor revela-se como um dos primeiros artistas brasileiros a 
deslindar a questão da miséria a que estavam fadadas as populações do Norte e do 
8 
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, 
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 06 Nº 10 – 2010 ISSN 1809-3264 
 
Nordeste. Nas palavras de Antonio Candido:―Livro posto entre a literatura e a sociologia 
naturalista, Os sertões assinalam um fim e um começo: o fim do imperialismo literário, o 
começo da análise científica aplicada aos aspectos mais importantes da sociedade brasileira 
(no caso as contradições contidas na diferença de cultura entre as regiões litorâneas e o 
interior.)‖ (CANDIDO: 1980, p. 160) 
Podemos dizer, portanto, que a postura narrativa em Os sertões é revolucionária, 
conforme a concepção benjaminiana, e é fundamental que a história dos vencidos seja 
escrita de modo diferente da história tradicional. Assim, a narração possui uma função 
política, segundo o filósofo alemão: ―O continuum da história é o dos opressores. Enquanto 
a representação do continuum iguala tudo ao nível do chão, a representação dos descontínuo 
é o fundamento da autêntica tradição.‖ (GAGNEBIN: 2007, p. 99). A ―autêntica tradição‖ 
a que se refereBenjamin é aquela que se situa ao lado dos oprimidos, é aquela cuja 
narrativa constrói-se pelo descontínuo, como forma de resistência à história dos 
vencedores. 
 
Considerações finais 
 
A escrita euclideana mostra o quanto a opinião do narrador sofreu uma grande 
transformação em relação à visão que tinha do sertanejo. De bandido passa a ser visto 
como patrício ―nossos rudes patrícios‖ (p.89). Segundo Berthold Zilly:―O escritor é mais 
clarividente que o pensador. O ideólogo republicano e cientificista Euclides da Cunha cada 
vez mais cede lugar ao patriota e homem cheio de empatia e de compaixão do mesmo 
nome, que se considera ‗narrador sincero‘, representando a realidade através de um 
‗consórcio de ciência e arte‘‖ (ZILLY: 2002, p. 4) grifo do autor 
Não obstante comungar das ideias preconceituosas em relação às populações 
chamadas ―primitivas‖ ou uma ―sub-raça‖(p.7), consoante sua visão, fadadas à extinção, 
Euclides da Cunha, com o intuito de relatar os fatos ocorridos na Campanha, faz uma 
narração apaixonada e passa a nutrir pela comunidade de Canudos, denominada fanática e 
criminosa, profunda admiração e capacidade de se identificar com o sofrimento dos 
sertanejos que eram ―aqueles rudes patrícios indomáveis‖ (p. 411) 
Obra que incita à reflexão, 
 
o livro de Euclides é um livro irritante, sua linguagem é rebuscada, sua 
posição incerta e oscilante, quando não abertamente contraditória, as 
antíteses procuram efeitos de resultado confuso. A fissura entre a ciência 
exibida e os terríveis fatos narrados impede uma síntese explicativa. A 
figura da antítese e do oxímoro só exibe a incapacidade de pensar a 
especificidade do fenômeno. A postura de estrategista do Exército colide 
com a simpatia pelos rebeldes. A indagação que fica é se, com todo o 
esforço feito para apagar tão exemplar episódio da memória nacional, 
não fora o livro de Euclides para nos irritar e obrigar a pensar num 
problema que até hoje presente sob outras formas, também não nos 
teríamos esquecido. (GALVÃO: 1981, p. 84) 
 
Através da obra de Euclides, podemos ter uma visão global e unificada do que foi a 
guerra de Canudos. As reflexões teóricas, o grande esforço de interpretação permanece 
fascinante. As mazelas expostas n‘Os sertões, continuam, até hoje, sem uma solução 
satisfatória, não obstante possam ser vistas, na atualidade, com correção científica mais 
abrangente. De certa forma, Canudos não está mais somente no sertão. Tendências como o 
messianismo, o salvacionismo, o fanatismo religioso que lá se manifestaram de forma 
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radical, repetem-se até os nossos dias. Nas grandes cidades brasileiras, encontramos figuras 
que poderiam perfeitamente ser oriundas do sertão de Canudos: pessoas exploradas, sem 
moradia, sem emprego, subnutridas, envelhecidas mesmo com pouca idade. Parece que é 
necessário haver uma guerra como essa para que a sociedade se lembre de que somos um 
país mestiço, e que a desigualdade social e a injustiça ainda imperam. Importa dizer que a 
visão de hoje é bem semelhante a que Euclides da Cunha teve diante daquela população 
massacrada em Canudos. 
O sertanejo, aos olhos de Euclides, é um misto de nobreza e força, de um lado; 
primitivismo e rudeza, de outro; um retrógrado, visto que, hostil ao impacto da civilização. 
Consagrado pelas afamadas antíteses que o caracterizam, o homem rude do sertão, valente 
e combativo, mas de aparência feia e mirrada, ganha status definitivo de personagem na 
Literatura Brasileira, ―rocha viva da nossa raça‖, ―cerne da nacionalidade‖. 
As contradições do intelectual que calcava suas ideias nas teorias raciais de sua 
época, mostram o surpreendente poder de resistência do sertanejo às mais diversas 
agruras a que era submetido, o que terminou por conquistar a admiração do escritor. A 
denominação inicial ―sub-raça‖ é substituída pela denúncia da violência, do atraso secular, 
o abandono social e da exclusão a que foram subjugadas as populações do sertão pela 
―civilização‖ do litoral. 
Com a publicação de Os sertões, Euclides da Cunha expõe as feridas de um Brasil 
dividido e desigual, moldando assim, a matriz dualista da interpretação da nossa sociedade, 
dando voz aos apelos daqueles brasileiros que sempre estiveram à margem de um processo 
de modernização que alijou a maioria da população. Da mesma forma, deixa para a nossa 
Literatura as imagens de uma força singular que emana de um ―Hércules-Quasímodo‖, de 
um ―sertanejo-centauro‖, dos peregrinos ―de passo tardo‖, edificando, assim a nossa 
epopeia cabocla. 
 
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ZILLY, Berthold. Os sertões 100 anos depois. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 24 agosto de 
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O ENSINO DE HISTÓRIA DA ÁFRICA E DA CULTURA AFRO-BRASILEIRA 
E AFRICANA: A AFIRMAÇÃO DA IDENTIDADE 
 
Antonio Carlos Lopes Petean 
 Doutorando em Sociologia pela UNESP/Araraquara 
 Sérgio Luiz de Souza 
Doutorando em Sociologia pela UNESP/Araraquara. 
 
Resumo: 
Esse artigo busca realizar uma reflexão sobre a importância do ensino de História da 
África, da cultura afro-brasileira e da cultura africana, nos estabelecimentos de ensino no 
Brasil, como instrumento para a construção de uma identidade positiva para os afro-
descendentes, e também, para uma discussão mais sólida sobre o preconceito e as relações 
étnicas no Brasil contemporâneo. 
Palavras-chave: História da África, Cultura Afro-Brasileira, Preconceito. 
 
Abstract: 
This article intends to provide a reflection on the importance of the history of Africa, Afro-
Brazilian and African Culture teaching in Brazilian schools, as an instrument for the 
construction of a positive identity for the Afro-descendants, and also to a more solid 
discussion on the prejudice and ethnic relations in the contemporary Brazil. 
Key-Words: African History, Afro-Brazilian Culture, Prejudice. 
 
Introdução 
 
Os romanos empregaram o termo ―bárbaro‖ para se referirem aos povos 
encontrados no extremo norte da África (da Líbia ao atual Marrocos), que passaram a ser 
conhecidos como berberes. Se na antiguidade clássica já foram construídas representações 
sobre povos africanos, existe uma imagem do negro e do continente abaixo do 
mediterrâneo, que foram construídas pela Europa durante o período medieval e 
reinterpretadas durante séculos. Imagens presentes no imaginário ocidental e que marcaram 
profundamenteo mundo moderno e contemporâneo. Nas palavras de Serrano e Waldman 
(2007), o imaginário europeu estabeleceu para o continente africano e seus habitantes, um 
conjunto de conceitos desqualificantes que contribuíram para a construção de mitos, 
ficções e imagens fantasiosas. Portanto, quando falamos em África, a primeira noção que 
nos vem á mente é a de um continente marcado pela escravidão, pelo neocolonialismo, 
pelas guerras de descolonização, pela fome e práticas de genocídio (como foi o caso recente 
da guerra entre Tutsis e Hutus). Segundo Arnaut e Lopes (2005), além dessas imagens que 
possuímos sobre o continente africano, outra representação está presente: uma natureza 
bela, com grande potencial turístico e potencialmente rica em recursos naturais. Portanto, 
falar em África assumiu um caráter tanto pejorativo quanto edenizador. Além do deserto 
do Saara (norte do continente), da cadeia de montanhas Atlas (também ao norte), das 
savanas, das florestas tropicais, do deserto da Namíbia (na costa atlântica), do Calahari (no 
centro-sul), e do Cabo da Boa Esperança, o continente africano possui uma grande 
diversidade étnica e cultural impossível de ser apreendida em sua totalidade. Segundo 
Hampâté Bâ: 
 
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―Quando se fala da ―tradição africana‖, nunca se deve generalizar. Não 
há uma África, não há um homem africano, não há uma tradição africana 
válida para todas as regiões e todas as etnias. Claro, existem grandes 
constantes (apresença do sagrado em todas as coisas, a relação entre os 
mundos visível e invisível e entre os vivos e os mortos, o sentido 
comunitário, o respeito religioso pela mãe, etc), mas também há 
numerosas diferenças: deuses, símbolos sagrados, proibições religiosas e 
costumes sociais delas resultantes variam de uma região a outra, de uma 
etnia á outra,às vezes, de aldeia para aldeia‖.(Hampâté Bâ, 2008, p.14) 
 
 Assim, ao tratarmos da História da África, da cultura afro-brasileira e africana, 
corremos o risco de idealizá-las, naturalizá-las ou estigmatizá-las. O que devemos buscar, 
no estudo da África e das manifestações culturais de raízes africanas, são comunidades 
(re)construindo suas respectivas identidades culturais e religiosas, dominando a natureza, 
vivendo, amando e, sobretudo, lutando para reafirmar suas respectivas identidades frente 
ao conquistador e dominador europeu desde o final do século XIX. Pensamos também 
que, atualmente, os povos africanos buscam tanto construir boas condições sociais 
internas, quanto uma inserção mais promissora nas relações internacionais. 
Em boa parte dos livros didáticos e demais materiais pedagógicos o continente africano é 
chamado de continente negro, esquecendo assim a África saariana (árabe, moura e berbere, 
ao norte). Para Lopes: 
 
―A variedade étnica do continente resultou da convivência nele, desde os 
tempos mais remotos, de africanos de aparências diversas, de acordo 
com a seguinte procedência: ao norte do continente, indivíduos de pele 
amorenada, semelhante ao tipo predominante entre os hoje fixados junto 
ao mediterrâneo; no centro e oeste, indivíduos de pele bastante 
pigmentada e cabelos crespos, entre eles os negritos e pigmeus; e em boa 
parte do restante do continente, os ancestrais dos atuais bosquímanos, de 
baixa estatura, cabelos acentuadamente crespos, mas de pele amarelada- 
tidos hoje como os descendentes diretos dos primeiros representantes da 
espécie humana‖.( Lopes, 2007, p.96) 
 
 Outra questão importante a ser tratada é que para uma boa parcela do continente 
americano a África é uma referência cultural e existencial. Milhões de negros foram trazidos 
para a América na condição de escravizados para as colônias de Portugal, Espanha, 
Inglaterra, França e Holanda. No continente americano esses contingentes humanos 
constituíram, com o passar dos séculos, uma imensa população de afro-descendentes, 
muitos dos quais, na contemporaneidade, passaram a reivindicar seu pertencimento às 
identidades da diáspora negra. Dessa forma, procuram reconstruir e (re)inventar suas raízes 
culturais também com base nas vivências históricas que os remetem às suas origens 
africanas tanto do passado quanto do presente. 
 Nesse aspecto último, se faz importante salientar os processos de repressão e 
marginalização aos afro-brasileiros e às suas manifestações culturais como o candomblé, a 
Umbanda, a capoeira, o samba-de-roda e outras. O fato de serem tratadas ora como caso 
de polícia (coisas de ―vagabundos‖), ora como expressão de atraso cultural ou folclore, traz 
consigo tanto o esgarçamento das redes de sociabilidade dessas populações quanto um 
prejuízo á formação de suas identidades. Isto ocorre na medida em que se desqualifica a 
memória e todo patrimônio histórico-cultural dessas populações. 
A relevância da lei 10.639/2003 na valorização da memória, da cultura e da história 
dos afro-brasileiros . 
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 Do mesmo modo que os descendentes de europeus e asiáticos buscam reconstruir 
suas raízes históricas e preservar suas memórias, os descendentes dos africanos buscam, no 
resgate de suas raízes, construírem uma identidade positiva e uma reparação histórica. 
Assim procedem entre outros aspectos, para desconstruírem as representações negativas 
sobre o negro e sobre as manifestações culturais de matriz africana. Representações essas 
que se constituem por meio das imagens negativas, presentes nos relatos e representações 
dos viajantes europeus que passaram pelo continente africano e pela América ( Schwarcz 
2001), como também por construções sociais estabelecidas no presente por diferentes 
grupos e instituições em nossa sociedade. A partir dessa contextualização é que realçamos a 
importância do ensino de História da África, da cultura afro-brasileira e da cultura africana, 
por um lado para melhor refletirmos sobre o preconceito, o racismo e as relações étnicas 
existentes em nossa sociedade e por outro, para podermos conhecer com mais propriedade 
a História do Brasil e as culturas presentes na realidade brasileira. 
 A luta contra o racismo (definido como crime pelo artigo 5° da constituição 
brasileira) é tarefa de todo educador e cidadão. Por isso, compete ao sistema educacional 
desenvolver práticas pedagógicas que contribuam para eliminar o racismo e outras formas 
de preconceito.. A lei 10.639/2003 responde a demanda da comunidade afro-brasileira por 
reconhecimento, valorização e afirmação de direitos. 
 De acordo com essa lei, o ensino de História da África e das culturas afro-brasileira e 
africana, também tratada em forma de denúncia da miséria e discriminações que atingem o 
continente africano, se articulará com a história dos afro-descendentes no Brasil. Nesse 
caso, serão abordados temas como: o papel dos griots como guardiões da memória 
histórica, os núbios, os egípcios, os reinos do Mali, Congo e Zimbabwe, o tráfico de 
escravos, o papel de europeus e africanos nesse tráfico e o estudo das universidades 
africanas islamicas de Timbuktu, Gao e Djene, que floresceram no século XVI, no reino do 
Mali. Outro tema a ser trabalhado é o neocolonialismo e a luta dos países africanos pela 
independência, dando ênfase a luta dos países de língua portuguesa( Angola, Moçambique, 
Guiné Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe). Quanto ao ensino da cultura afro-
brasileira, deve-se dar destaque ao Candomblé, a Umbanda, congadas, maracatus, ao 
reizado, a Capoeira, ao boi bumbá, aos tambores de mina e tambor de crioula no Maranhão 
e demais manifestações de matriz africana espalhadas pelo território nacional. Todos esses 
temas devem se articular para combater o preconceito e o racismo presentes na sociedade 
brasileira. Portanto a questão étnico-raciale o estudo da História e cultura dos africanos e 
afro-descendentes devem ser partes integrantes da formação de todo educador das mais 
diversas áreas das ciências humanas, biológicas e exatas. 
 
Nas representações sobre o outro Castoriadis afirma que: 
 
―O racismo é uma transformação ou um descendente especialmente 
violento e exacerbado (arrisco-me até mesmo a dizer: uma especificação 
monstruosa) de uma característica empiricamente quase universal das 
sociedades humanas. Trata-se da incapacidade humana de se constituir 
como si mesmo, sem excluir o outro; em seguida, da aparente 
incapacidade de excluir o outro sem desvalorizá-lo, chegando finalmente 
a odiá-lo‖. (Castoriadis, 1992, p.31) 
 
Diz ainda Castoriadis ( 1992) que toda sociedade, ao se constituir com tal, institui 
para si uma lógica, valores, representações do mundo e, portanto, cria representações do 
outro. Por isso, na criação do mundo realizada por uma sociedade, a existência de uma 
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outra sociedade, sempre encontra lugar, assim como seus valores, sua lógica e suas 
representações do mundo (religiosas e míticas). 
Nesse processo de construção e instituição de uma sociedade, o problema está no 
lugar reservado ao outro. Segundo Castoriadis: 
 
―As instituições desses outros (e, portanto, esses próprios outros!) 
podem ser consideradas como superiores (às nossas), ou como 
inferiores, ou como equivalentes. Observemos que o primeiro caso 
acarretaria, ao mesmo tempo, uma contradição lógica e um suicídio real. 
A consideração das instituições estrangeiras como superiores pelas 
instituições de uma sociedade, não tem razão de ser: essa instituição 
deveria ceder lugar a outra‖ .( Castoriadis, 1992, p.32) 
 
Mas considerar as instituições dos outros como iguais leva à indiferenciação. Portanto 
o que a história da instituição e construção das sociedades nos oferece não é o 
reconhecimento da alteridade. Pois as línguas, crenças, maneiras à mesa, mitos são, para a 
maioria das sociedades, incomparáveis e insubstituíveis. Mas ao julgar os outros e suas 
instituições como inferiores e desclassificá-las, justifica-se tudo o que possa lhes ocorrer. 
Nesse sentido, no final do século XIX, o médico e antropólogo Nina Rodriguez ao atribuir 
aos negros e mestiços uma inferioridade e incapacidade intelectual, propõe que se institua 
no Brasil dois códigos de leis, um para negros e outro para brancos, devido aos diferentes 
graus de evolução (Schwarcz 2001). Isso ocorre porque na relação histórica entre as 
sociedades estão inseridas estratégias de poder e, portanto, submissão. Podemos afirmar 
que o racismo é uma instituição que fundamenta as relações sociais presentes na História. 
Para Arendt (1998), toda ideologia é concebida como estratégia de poder e, segundo 
ela, a força de uma ideologia reside em dois pontos: os anseios, desejos e expectativas de 
uma parte da sociedade (que busca se legitimar), e a utilização de doutrinas de outras 
ciências para ter sentido lógico. No caso da ideologia racista, a biologia fornece as doutrinas 
de que ela necessita para justificar seu discurso. Sobre o papel da ideologia, Althusser 
(1985) afirma que toda ideologia tem por meta reproduzir as relações de produção e para 
que essa reprodução se efetive o sujeito deve naturalizar sua posição na divisão social do 
trabalho, consolidando a submissão e a resignação social e política. 
Os três filósofos (Arendt, Castoriadis e Althusser), podem nos ajudar na 
compreensão do fenômeno do racismo na História das relações sociais e políticas, assim 
como, na compreensão do olhar que o europeu construiu sobre a África, sobre o negro e 
sobre a escravidão. O olhar do europeu sobre a áfrica e sobre o negro: do exotismo ao 
racismo. 
Existem imagens do negro e do continente africano que foram construídas por 
setores da sociedade européia de maneira esteriotipada e reinterpretadas durante séculos. 
Para Santos (2002), o imaginário europeu, até o século das luzes, foi constituído pela 
existência de seres fantásticos e raças monstruosas, que ocupavam lugar nas descrições 
sobre a África. Para muitos viajantes, o mundo era maravilhoso e demoníaco, belo e 
perverso, e na Idade Média o demônio era chamado de negro, representado também como 
repugnante e sedutor, horrível e lascivo ( Santos 2002). Portanto, Satã era representado 
sempre negro ou escuro. Já Cohen (1980) vai dizer que os europeus relacionavam o negro 
como a marca do mal e da depravação, da falta de pudor e amoral. 
 Até o século XVIII, as explicações para as diferenças físicas entre os seres humanos 
estavam baseadas na idéia de uma possível determinação divina. As elites européias desde a 
Idade Média constituíram uma cosmovisão a partir de uma apropriação e de interpretações 
do cristianismo, condizentes com seus próprios referenciais de mundo e interesses 
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econômicos. Dessa maneira é que podemos compreender como a Bíblia e outros textos 
sagrados puderam servir de base para explicar, de maneira estigmatizada a diversidade 
humana, inclusive com relação à aparência física dos povos. Para Lopes: 
 
―Até o século XVIII, os sábios procuravam explicar as diferenças físicas 
existentes entre os povos por meio de arvores genealógicas tiradas da 
bíblia. Então a diversidade na aparência das pessoas era entendida ou 
como determinação de Deus ou como uma coisa hereditária, cada um 
saindo ao seu antepassado...‖. (Lopes, 2007, p.26) 
 
 Além das explicações teológicas, outras causas foram apontadas como possíveis 
determinantes das diferenças entre os homens, como a alimentação e o clima. Segundo 
Wieviorka (2007), o racismo propriamente dito, a idéia de uma diferença essencial, inscrita 
na própria natureza dos grupos humanos, em suas características físicas, não começa 
verdadeiramente a se difundir senão no final do século XVIII e no seguinte. Durante o 
século das luzes, o pensador iluminista Condorcet elaborou uma ciência para estudar a 
sociedade, baseada no modelo científico-natural. Para Condorcet o conhecimento da 
sociedade deveria ser neutro e objetivo, enfim, deveria ser tão preciso quanto o 
conhecimento matemático. Um conhecimento objetivo e neutro, segundo esse pensador, 
só seria possível se eliminássemos do processo de conhecimento todas as paixões e 
preconceitos. Ele identifica tais preconceitos com as idéias clericais sobre a sociedade. 
Segundo Lowy (1985), Condorcet considerava que, como na marcha das ciências físicas e 
biológicas, os interesses e paixões não perturbam o conhecimento, o mesmo deveria 
acontecer nas ciências da sociedade, e, para isso, deveríamos eliminar as doutrinas 
teológicas, os argumentos papais e a autoridade de São Tomás de Aquino. 
No processo de busca por um conhecimento objetivo, neutro e livre de argumentos 
teológicos, as ciências sociais começaram a utilizar conceitos ou idéias das ciências naturais, 
como a idéia de raça e de leis naturais. 
 Foi durante o século XIX, com o avanço e predomínio das ciências naturais, 
sobretudo da biologia sobre as ciências humanas, que o conceito de raça passou a ser 
utilizado para definir as diferenças físicas entre os seres humanos. As ciências naturais 
assim como as ciências humanas estavam pautadas, unicamente, pela busca de leis que 
pudessem explicar o comportamento de seus respectivos objetos. Uma das principais 
proposições teórico-metodológias que se desenvolveu nesse período, foi a teoria positivista 
da ciência ou positivismo. Para o positivismo, a sociedade é regulada por leis naturais iguais 
as leis da natureza. Sobre essa proposição teórica, Lowy, vai nos dizer que: 
 
―A sua hipótese fundamental é de que a sociedade humana é regulada 
por leisnaturais, ou por leis que tem todas as características das leis 
naturais, invariáveis, independentes da vontade e da ação humana, tal 
como a lei da gravidade ou do movimento da terra ao redor do sol: 
pode-se até procurar criar uma situação que bloqueie a lei da gravidade, 
mas isso se faz partindo de que essa lei é totalmente objetiva, 
independente da vontade e da ação humana‖. (Lowy, 1985, p. 36) 
 
 Descobrir leis, para as ciências, se relacionava a possibilidade de construir teorias que 
pudessem dar informações sobre os hábitos comportamentais dos objetos. O método 
empregado para concretizar essa busca foi o método indutivo. O indutivismo acredita ser 
possível construir uma teoria científica a partir da observação dos fatos, e toda teoria 
construída a partir desse método enuncia leis que se pretendem universais. Por isso, 
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conhecer leis, para as ciências naturais e humanas, no século XIX, era a possibilidade de 
conhecer o comportamento do objeto e realizar ―previsões‖ sobre seu futuro 
comportamento. No caso das ciências humanas, a busca era por leis que explicassem o 
comportamento violento, o atraso social e econômico de uma sociedade ou nação. Assim, 
as ciências humanas, principalmente a antropologia e a sociologia, ao se valerem do 
conceito de ―raça‖, empregado pela biologia para definir o comportamento ou as 
características de determinados animais, buscou relacionar o comportamento de 
determinados seres humanos com suas características raciais, ou melhor, fenotípicas, 
originando concepções teóricas racistas; como se a aparência física fosse precondição para 
explicar a priori o comportamento de seres humanos. Dessa forma buscou-se estabelecer 
um vínculo entre os caracteres fenotípicos das pessoas com o comportamento e 
desenvolvimento intelectual, acreditando ser essa relação uma lei natural no decorrer da 
história da humanidade. Portanto, as características fenotípicas forneciam as bases para se 
compreender como determinados sujeitos sociais se comportam, assim como as suas 
respectivas capacidades intelectuais. No século XIX, estudiosos, ao se valerem de 
determinadas características fenotípicas, identificaram três raças: a branca, a negra e a 
amarela. 
 De acordo com Lopes (2007), foi o conde de Gobineau que lançou as bases para o 
―racismo científico‖ ao pregar a superioridade da ―raça‖ nórdica e branca sobre as demais, 
afirmando ainda que a raça era o fator determinante do progresso ou decadência de uma 
sociedade, sendo a raça branca responsável pelo progresso, e toda decadência como 
resultado do amálgama de raças. Ao passar pelo Brasil, Gobineau descreve a população 
local como mulata, viciada no sangue e no espírito e assustadoramente feia, conforme nos 
relata Schwarcz (2001). 
O ―racismo científico‖ atribui ao branco e suas vertentes ariana e teutônica, os 
grandes feitos da humanidade (Lopes 2007) e, portanto, implicitamente, relaciona o 
elemento fenotípico à capacidade intelectual. Desse modo, o conceito ―raça‖ passou a ser 
utilizado, a partir do século XIX, para explicar o progresso ou decadência de uma nação ou 
país. Essa idéia ou concepção teórica identificava a partir do fenótipo a raça a que o ser 
humano pertenceria, e ―a priori‖, já se saberia o comportamento e potencial de 
determinados indivíduos pertencentes á determinada raça. A partir dessa base, acreditavam 
os estudiosos poder explicar o progresso e desenvolvimento de uma nação ou a 
predisposição à violência ou indolência de um indivíduo, como se essa relação fosse uma lei 
natural descoberta pelas ciências sociais. Além dessa relação, Lopes afirma que: 
 
―Por causa desse racismo explicado assim ―cientificamente‖, até a época 
da primeira guerra mundial, em 1914, a maioria dos livros que tratavam 
do assunto procurava mostrar que os povos não europeus, considerados 
não civilizados, eram sempre muito diferentes; que seu comportamento 
era estranho; que seus costumes eram quase sempre ridículos e até 
repugnantes; que eles viviam num mundo sem lógica, cheio de 
superstições e que por isso, eles pertenciam a ―raças‖ inferiores‖. (Lopes, 
2007, p.29) 
 
 Com isso, negros, mulatos, indígenas e asiáticos passaram a ser vistos como 
inferiores, incivilizados, menos dotados intelectualmente, culturalmente bizarros e 
estranhos, e ilógicos para os padrões europeus. 
Ao estabelecerem essas conotações ao negro e demais grupos étnicos, os europeus 
justificavam a escravidão e o trabalho servil na América, áfrica e Ásia. Para Lopes (2007), 
essa visão racista não nasceu por acaso, nasceu justamente no século XIX, quando as 
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grandes potências européias estavam ocupadas em dominar o mundo e encontrar 
justificativas para o domínio sobre o continente africano e asiático. E a justificativa 
encontrada foi o ―racismo científico‖, pois o mesmo apregoava a superioridade da 
civilização branca de origem européia sobre as demais ―raças‖.. Os povos africanos e suas 
respectivas raízes culturais e religiosas sempre foram vistas como inferiores pelo olhar 
racista do colonizador europeu, conforme atesta Hampâté Bâ: 
 
―Um empreendimento de colonização nunca é filantrópico, a não ser em 
palavras. Um dos objetivos de toda colonização, sob qualquer céu e em 
qualquer época, sempre foi começar por decifrar o território 
conquistado, porque não se semeia a contento nem em terreno já 
plantado, nem em alqueive.É preciso primeiro arrancar do espírito , 
como se fossem ervas daninhas, valores, costumes e culturas locais, para 
poder semear em seu lugar, costumes e a cultura do colonizador 
considerados superiores e os únicos válidos‖.(Hampâté Bâ, 2008, p.326) 
 
 Desse modo fica claro o papel da ideologia como estratégia de poder e dominação. 
Segundo Alves (1990), o conhecimento do comportamento dá àqueles que o detém um 
enorme poder em relação aos outros. Ele tem, portanto, uma inegável importância prática, 
mesmo que esse conhecimento seja resultado de uma pseudo teoria científica, como é o 
caso das teorias que defendem a idéia da superioridade racial entre os grupos humanos e 
que teve seu apogeu no holocausto promovido pelo nazismo contra ciganos, judeus, 
eslavos e outros grupos étnicos. 
 Como descrito anteriormente, a ideologia racista ou racismo científico teve um 
grande representante no Brasil, o médico e antropólogo físico Nina Rodriguez. Tanto este 
quanto outros estudiosos desenvolveram estudos que deram lastro a concepções a atitudes 
disseminadas na sociedade brasileira que reforçaram discriminações da sociedade em 
relação aos afro-descendentes como também geraram prejuízos para a auto estima e a 
formação da identidade destas populações. 
 Ao longo do século XX as representações negativas construídas sobre os 
descendentes de africanos e sob a própria África mudaram de foco, deixaram de ter como 
fundamento o fenótipo e a idéia de raça para organizarem-se a partir do conceito de 
cultura, originando um racismo cultural e religioso.(Wieviorka 2007) 
Também, desenvolveram-se teorias sob novos fundamentos, como os estudos de 
Gilberto Freyre, que apontam para uma suposta ―democracia racial‖ e de outros que 
trilharam tal caminho. Entretanto, ao reiterarem uma concepção de cultura que não 
superou, mas apenas recolocou a hierarquia entre os povos e os grupos sociais, esses 
estudos acabaram por reafirmar os afro-descedentes e africanos numa escala inferior. Neste 
sentido, tanto uma parcela significativa da produção acadêmica quantos outros espaços 
sociais (os meios de comunicação, por exemplo), não contribuíram para a desconstrução 
do racismo e desqualificação do patrimônio histórico-cultural dos afro-brasileiros e dos 
africanos. 
 
BibliografiaAlves, Rubem. Filosofia da Ciência: Introdução ao jogo e suas Regras. São Paulo: Editora 
Brasiliense, 1990. 
Althusser, Louis. Aparelhos Ideológicos de Estado. Rio de Janeiro: Graal, 1985. 
Arnaut, Luiz e Lopes, Ana Mônica. História da África: uma Introdução. Belo Horizonte: 
Editora Crisálida, 2005. 
Arendt, Hannah. As Origens do Totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. 
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Bâ, Amadou Hampâté. Amkoullel, o menino Fula. São Paulo: Editora Casa das Áfricas e 
Palas Athena, 2008. 
Castoriadis, Cornélios. ―Reflexões Sobre o Racismo‖. In: O Mundo Fragmentado. Rio de 
Janeiro: Paz e Terra, 1992. 
Cohen, William. Français et Africains. Paris: Gallimard, 1980. 
Lopes, Nei. ―O Racismo Científico‖. In: O Racismo Explicado aos meus Filhos. São Paulo: 
Agir, 2007. 
Lowy, Michael. ―Positivismo‖. In: Ideologias e Ciência Social: Elementos para uma Análise 
Marxista. São Paulo: Cortez Editora, 1985. 
Ministério da Educação e Cultura da República Federativa do Brasil. Diretrizes Curriculares 
Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e 
Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília, Distrito Federal, 2004. 
Santos, Gislene Aparecida. Selvagens, Exóticos e Demoníacos: Idéias e Imagens sobre uma 
Gente de Cor Preta. Estudos Afro-Asiáticos. V.24 n.2: Rio de Janeiro, 2002. 
Schwarcz, Lilia Moritz. Racismo no Brasil. São Paulo: Publifolha, 2001. 
Serrano, Carlos e Waldman, Maurício. Memória D África: A Temática Africana em Sala de 
Aula. São Paulo: Cortez, 2007. 
Wieviorka, Michel. O Racismo, uma Introdução. São Paulo: Perspectiva, 2007. 
 
 
 
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Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 06 Nº 10 – 2010 ISSN 1809-3264 
 
POR UMA PRÁTICA EDUCACIONAL DIALÓGICA 
 
Bruno Meschesi 
Docente – Sociologia – SEE/SP 
Bacharel e licenciado em 
Ciências Sociais – UFF – RJ 
 
 
 
Resumo: 
O artigo aborda alguns desafios que o/as educadore/as se deparam em suas práticas 
cotidianas, tendo por objetivo indicar possíveis alternativas que considerem e valorizem o 
diálogo na criação do conhecimento por meio da prática reflexiva do ensino-aprendizagem. 
Nesse sentido, busca delimitar os aspectos mais gerais que emperram o potencial criativo e, 
por conseguinte, são responsáveis pelo próprio desinteresse do/as ―atores sociais‖ 
envolvido/as nesse processo. O artigo reafirma a urgência da criação de novas 
metodologias pedagógicas formuladas a partir de uma prática educacional dialógica capaz 
de deixar fluir as intersubjetividades que permeiam o cotidiano pedagógico. 
Palavras-chave: prática pedagógica, intersubjetividades e criação do conhecimento. 
 
Resumen: 
El artículo hace un analisis de alguns retos que los educadore/as enfrentan em sus prácticas 
del dia a dia, e tiene por objectivo indicar otras prácticas posibles que llevan en 
consideración el diálogo en la creación del conocimiento por medio de prácticas reflectivas 
de enseñanza-aprendizaje. En este sentido, buscase delimitar los aspectos mas generales 
que dificultan el potencial creativo e, por ende, son responsables por el propio desinterés 
de lo/as actore/as sociales involucrado/as en ese proceso. El artículo reafirma la urgencia 
de la creación de nuevas metodologías pedagogicas formuladas a partir de uma práctica 
dialogica que sea capaz de dejar las intersubjectividades que permean el cotidiano 
pedagogico. 
Palabra-llave: práctica pedagogica, intersubjectividades e creación del conocimiento. 
 
“[...] o educador se defronta todo o tempo com a muralha de palavras sem 
sentido, da conceituação rotuladora que veste a realidade fluida e conflitiva 
com a camisa de força dos enquadramentos preconcebidos para tentar dar 
sentido ao que parece dele privado” (MARTINS, 1997: 07). José de Souza 
Martins in A exclusão social e a nova desigualdade, editora Paulus: São 
Paulo, 1997. 
 
Somos um espaço sólido no mundo, 
espaços perfilados em faces, 
faces desnudas em rostos, 
rostos rotos estampados em faces, 
faces em perfis de gente, 
gente desacreditada de gente, 
gente prisioneira de mente, 
mentes que mentem, 
mentem por complicar suas verdades, 
verdades simples para tornar-se digna de gente, 
de gente pra gente, 
somos espaços no plural 
plural de gente que “con-vive” com gente. 
Bruno Meschesi 
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Introdução 
 
 Estamos diante de múltiplos desafios quando buscamos uma prática educativa que 
seja capaz de valorizar as distintas subjetividades que permeiam o cotidiano pedagógico. 
Para isso, torna-se imperioso que o/as educadore/as mantenham o ato da reflexão 
permanente sobre sua prática pedagógica, abandonando falsas verdades, evitando, assim, 
restringir as potencialidades escondidas atrás das múltiplas faces interessadas em ser 
reconhecidas como capaz de criar o conhecimento5. No entanto, para que essa capacidade 
do/as educando/as seja estimulada é preciso que o ato de aprender se transforme em 
surpreender, o que exige um compromisso sempre aberto do/as educadore/as para 
contribuir com os outros pensares. 
 Para alçarmos os nossos objetivos pedagógicos devemos ter condições de reavaliar 
a nossa prática, permanentemente, no decurso desse processo, compreendendo-a como 
algo que é permeável pela experiência de vida em comum, para que, então, possamos ser 
capazes de convocar o/as educando/as a atuarem como protagonistas da ação na criação 
do conhecimento. Assim, seremos capazes de afetá-lo/as ao nos reconhecermos como 
parte ativa no processo educacional, por meio da socialização das experiências que viabiliza, 
inclusive, educar o/as educadore/as. 
 Digo isto, porque a partir do instante em que voltamos o nosso potencial de análise 
para os fatos, como se houvesse a possibilidade deles estarem descolados de uma dada 
realidade dinâmica e complexa, como pode se fazer crer, ao se cogitar que o/as 
educadore/as devem cumprir uma determinada função estabelecida por algum modelo 
educacional – pronto e acabado –, talvez, possamos incorrer no equívoco de estreitar toda 
a complexidade que o tema comporta em suas múltiplas dimensões e sentidos. 
 Pode-se constatar que existe uma tendência por haver uma apropriação de diversas 
palavras-conceitos que, de fato, não se aplicam à realidade como um receituário, mesmo 
porque não existe um único modelo educacional, por mais que se julgue – pretensamente – 
perfeito. Ou seja, que consiga esgotar as discussões sobre como o processo educacional 
pode – ou deve(?) – ser trabalhado. 
Neste contexto, é preciso ter em mente que sempre devemos partir das múltiplas 
questões que a sociedade e os educando/as vivenciam. Espera-se que nós, educadore/as, 
estejamos aptos a compreendê-las e readequá-las à melhor condição de ensino possível. Até 
porque, este só se tornará efetivo caso seja aplicável a cada caso. 
 Não obstante, a prática pedagógica deve buscar constituir-se de maneira partilhada 
entre educadores e educando/as, uma vez que ambas devem dispor-se ao ato de ser afetada pelo 
conhecimento, que só terá a capacidade de despertar o interesse caso os ―espaços‖ de criação do 
conhecimento estejam abertos ao diálogo entre os diferentes protagonistas envolvidos. Ao 
elaborarem este partilhar de intenções e objetivos poderá convergir para que se estabeleça 
uma interação mais efetiva entre o conhecimento teoricamente consolidado com o do 
―outro‖, que se dispõe a conhecer algo mais desde que também seja reconhecido como 
parte ativa no processo educacional. 
 
5- ―A criação tende a se tornar produção‖. (MORIN, 1969: 32). ―Como toda cultura, a cultura de massa 
elabora modelos, normas;mas, para essa cultura estruturada segundo a lei do mercado, não há prescrições 
impostas, mas imagens ou palavras que fazem apelo à imitação, conselhos, incitações publicitárias. A eficácia 
dos modelos propostos vem, precisamente, do fato de eles corresponderem às aspirações e necessidades que 
se desenvolvem realmente‖ (MORIN, 1969: 115). 
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 Como já nos ensinava o filósofo Karl Marx (1818-1883) em seus escritos: as teorias 
não devem ser aplicadas à realidade de maneira ilusória6, ou seja, de modo dissociado dos 
sujeitos historicamente instituintes e constituídos pela realidade. 
 Um bom exemplo disto é como a prática pedagógica pode ser trabalhada em sala de 
aula, ou seja, por intermédio do diálogo comprometido do/as educadore/as com a realidade 
singular e atual de cada educando/a que, por si só, já traz incorporado a ele/a múltiplas 
contraditoriedades de intenções e, conseqüentemente, dos objetivos/fins7. 
Para tanto, não podemos ser ingênuos a ponto de desconsiderar que vivemos num 
mundo onde as teorias parecem esvair-se, permanentemente, na cotidianidade das relações, 
mas é só o que parece ser neste período histórico chamado por muitos de ―pós-moderno‖. 
Não tem sido tarefa fácil, haja vista a hegemonia de certos paradigmas que privilegiam a 
construção de modelos, ―ídolos para os gregos que, como tais, tendiam, sempre a idolatria 
e a abandonar o diálogo com os entes‖8 (PORTO-GONÇALVES, 2006:12), uma 
pedagogia sem vida. 
 Nestas condições acabamos nos tornando reféns, por diversas vezes, das 
representações exercidas por um poder sobre, que aparece escrito sobre as ações sociais e 
assim, também, educacionais. Portanto, acabam sufocando o plano expresso por um poder 
fazer imanente aos sujeitos, que está ―ins-crito‖ nas ações que cada um de nós já faz no dia-
a-dia (HOLLOWAY, 2003)9, mas que para ser colocada em evidência precisa articular-se 
com as outras ações, que apesar de lhe ser diferente como a ―epifania dos rostos‖ 
(Emmanuel Lévinas)10, nem por isso deixa de transparecer às suas insatisfações e angústias. 
Ao que parece, na busca por atenuá-las através de um partilhar das ideias, que quando 
articuladas na diferença pode fazer ressoar os diferentes gritos num só, que, enquanto isso, 
permanecem retidos na alma dos seres humanos sensíveis a dimensão humana. 
Embora o/as educadore/as pretendam despertar no/as educando/as o interesse 
pelo aprendizado, pode-se constatar que este só se tornará interessado/a a medida que 
o/as educadore/as consigam incluí-lo/as como fazedore/as de uma realidade que deve ser 
percebida pelo/as educando/as como passível de transformações, já que é fundamental 
adquirirem a consciência de que possuem a capacidade de re-significar às suas vidas, 
permanentemente, através do método dialógico de aprendizagem11. 
 
6- Gostaria de chamar a atenção para o fato de que, caso a tradução do alemão para a língua portuguesa 
tivesse sido feita mais ao ―pé da letra‖, o título de uma das obras de Karl Marx ao invés de se chamar ―A 
Ideologia Alemã‖, escrita em 1845-1846, seria ―A Ilusão Alemã‖. Até porque, nesta ocasião o título da obra é 
uma clara provocação que Marx faz aos primeiros teóricos da Economia Política, que se configuravam no 
cenário intelectual alemão, à época, sem sequer partirem do ―material vivo da economia política‖ para 
formularem às suas teorias. Portanto, estes formulavam suas teorias sem os seus aspectos substantivos 
necessários, ou seja, uma economia nos moldes capitalista. Algo que Marx só considerava existir, até então, 
num único país, a Inglaterra. 
7- No livro escrito por Pierre Bourdieu, Razões Práticas - sobre a teoria da ação, ele nos sugere que a ―vida 
organizada como uma história (no sentido de narrativa) desenrola-se segundo uma ordem cronológica que é 
também uma ordem lógica, desde um começo, uma origem, no duplo sentido de ponto de partida, de início, e 
também de princípio, de razão de ser, de causa primeira, até seu fim, que é também objetivo, uma realização 
(telos)‖ (BOURDIEU, 1996:74). 
8- PORTO-GONÇALVES, C.W. Prefácio do livro escrito por Enrique Leff, Racionalidade Ambiental – a 
reapropriação social da natureza, publicado pela Ed. Civilização Brasileira: Rio de Janerio, 2006. 
9- Essa reflexão sobre o ―poder-fazer‖ e ―poder-sobre‖ é inspirada no livro escrito por Jonh Holloway, Mudar 
o mundo sem tomar o poder: o significado da revolução hoje, publicado pela Ed. Viramundo: São Paulo, 2003. 
10- Para uma introdução ao pensamento do filósofo Lévinas, recomendo o livro escrito por François Poirié, 
em 1962, chamado Emmanuel Lévinas: ensaios e entrevistas, que foi publicado no Brasil pela Ed. Perspectiva: São 
Paulo, 2007. 
11- Para maior apreciação sobre o ―método dialógico‖ recomendo o livro Pedagogia da autonomia: saberes 
necessários à prática educativa / Paulo Freire. São Paulo: Paz e Terra, 1996 (Coleção Leitura). 
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 Sendo assim, o processo educacional deve procurar atuar de modo partilhado entre 
educadores e educando/as, para que ambos sintam-se atuantes e, consequentemente, co-
responsáveis pelos seus atos colocados em evidência durante o processo educacional. 
 Do esforço de romper com o corte setorial e de levar em conta a heterogeneidade 
estrutural da prática pedagógica, considero indispensável que o/as educadore/as 
reconheçam a eficácia de outros tipos de abordagens que consigam integrar os interesses de 
aprendizagem por parte do/as educando/as, com aquilo que pode e deve ser adequado 
pelo/as educadore/as à realidade de cada educando/a, para que o diálogo entre os diferentes 
saberes – derivados de uma cotidianidade singular e situada – ocorra no sentido de 
estabelecer uma construção dos objetivos trabalhados em comum. 
Assim, o conhecimento poderá transformar-se em algo que, de fato, consiga 
despertar – afetando – o interesse tanto do/as educadore/as, por estarem comprometidos 
com a criação da prática pedagógica do/as educando/as, como do/as próprio/as 
educando/as, por estarem se sentindo como parte integrante e, portanto, também 
comprometida com o mesmo processo de criação de novos e significativos aprendizados. 
 Por fim, considero que o processo de criação da prática pedagógica só se tornará 
efetivo caso esteja sendo trabalhado de modo a contemplar uma prática transformadora dos 
e com o/as próprio/as protagonistas envolvido/as neste processo que, por isso, pode se tornar 
estimulante para ambas as partes que nele devem atuar de modo a se permitir transformar, 
permanentemente, através do processo de aprendizagem incomum entre o/as protagonistas 
envolvido/as na sua surpreendente construção e, subsequente, sensação fascinante de 
busca do inesgotável. Tal é o conhecimento. 
 
Bibliografia 
BOURDIEU, Pierre. Razões Práticas - sobre a teoria da ação. São Paulo: Ed. Papirus, 
1996. 
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São 
Paulo: Ed. Paz e Terra, 1996 (Coleção Leitura). 
HOLLOWAY, Jonh. Mudar o mundo sem tomar o poder: o significado da revolução hoje. 
São Paulo: Ed. Viramundo, 2003. 
MARTINS, José de Souza. A exclusão social e a nova desigualdade. São Paulo: Ed. Paulus, 
1997. 
MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. Volume I. 3.ª Edição. Lisboa & 
São Paulo: Editorial Presença e Livraria Martins Fontes, 1974. 
MORIN, Edgar. Cultura de Massas no Século XX. Tradução de Maura Ribeiro Sardinha. 
Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1969. 
POIRIÉ, François. Emmanuel Lévinas: Ensaios e entrevistas / escrito por François Poirié, 
em 1962. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2007. 
PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. Prefácio dolivro Racionalidade Ambiental – a 
reapropriação social da natureza, de Enrique Leff. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 
2006. 
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Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 06 Nº 10 – 2010 ISSN 1809-3264 
 
LE CITTÀ INVISIBILI : UMA ANÁLISE (HIPER) TEXTUAL 
 
Cláudio Augusto Carvalho Moura 
Docente da Universidade Federal do Piauí 
Mestre em Letras – Estudos Literários – UFPI 
 
 
Resumo 
O presente trabalho trata de análise da hipertextualidade presente no romance Le città 
invisibili, de Ítalo Calvino, e busca ressaltar características diegéticas e estruturais 
responsáveis por fazerem a obra em questão configurar como um hipertexto. 
Palavras-chave: Le città invisibili. Hipertextualidade. Hipertexto 
 
Abstract 
The present work analyzes the hypertextuality in Italo Calvino‘s novel Le città invisibili and 
seeks highlighting the diegetic and structural characteristics which set his work as an 
hypertext. 
Key-words: Le città invisibili. Hypertextuality. Hypertext. 
 
Introdução 
 
Na obra Le città invisibili, de Ítalo Calvino, apresenta-se ao leitor uma realidade que 
difere da nossa. Os territórios percorridos pelo descobridor Marco Pólo não são apenas 
lugares, são impressões captadas e reconstruídas a partir de todos os outros locais por onde 
o explorador já passou, tomando como ponto de partida sua terra natal, Veneza. A narrativa 
de Calvino adquire então um tom fantástico, onde o irreal se dará como porta de entrada 
para uma análise das camadas de nossa própria realidade. De acordo com Todorov "le 
fantastique c‘est l‘hésitation éprouvée par un être qui né connait que les lois naturelles, face 
à un événement en apparence surnaturel‖12 (1970,p.29). Estão imersas nesse mundo as 55 
cidades com nomes femininos exploradas pelo visitante. Para adentrar em cada uma delas, 
não é necessário seguir uma ordem. Pode-se começar por qualquer uma sem o prejuízo de 
compreensão das outras. 
Não podemos detectar durante os relatos sobre as cidades, uma linearidade que sirva 
como guia, apontando para onde devemos nos conduzir. Assim, as narrativas de Marco Pólo 
tornam-se atemporais e os locais descritos passam a fazer parte de uma realidade particular, 
que não é a nossa. Quando a temporalidade deixa de existir, o mesmo acontecerá com a 
realidade, pois essa está baseada na contagem do tempo - início, meio e fim - como ressalta 
Jean Baudrillard: 
 
Pois a realidade é apenas um conceito, ou um princípio, e por realidade 
quero dizer todo o sistema de valores conectado com esse princípio. O 
real enquanto tal implica uma origem, um fim, um passado e um futuro, 
uma cadeia de causas e efeitos, uma continuidade e uma racionalidade. 
Não há real sem estes elementos, sem uma configuração objetiva do 
discurso. E o seu desaparecimento é o deslocamento de toda essa 
constelação. (2001, p.86) 
 
 
12 O fantástico é a hesitação experimentada por um ser que só conhece as leis naturais, face a um 
acontecimento aparentemente sobrenatural. Tradução nossa. 
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As cidades em si são territórios independentes, mas todas fazem parte do mesmo 
império, o império de Kublai Khan. Suas descrições ativam o imaginário e desafiam o 
entendimento, zombam do leitor ao mostrarem que sua falta de compreensão não as fará 
deixar de existir. De acordo com Adair A. Neitzel: 
 
As descrições não seguem um tratado racional. Como num delírio, a 
lógica é rompida pelo discurso fantástico que extrapola a rede de 
significações e representações dos signos renovando e subvertendo os 
fatos reais, abandonando a consciência e explorando o inconsciente, os 
tempos e espaços livres. (2005, p.53) 
 
Assim, as cidades passam a ser não apenas cidades, mas impressões de quem por 
elas passam, sendo reconstruídas por cada visitante a partir das vivências desse. 
Partindo desse pressuposto, o leitor mais consciente observará que, na realidade, 
tudo o que ele poderá perceber sobre cada cidade terá como limite o seu campo de visão. 
Calvino faz menção a essa capacidade de percepção limitada às restrições humanas ao citar a 
cidade de Despina, situada entre o mar e o deserto, para o autor ― ogni città riceve la sua 
forma dal deserto a cui si oppone; e cosi el cammeliere e il marinaio vendono Despina, città 
di confine tra due deserti13‖ (1993,p.25). A afirmação feita por Calvino abre ao leitor espaço 
para a compreensão, a partir da metáfora da cidade, da pluralidade de mensagens que o 
enredo poderá oferecer, dependendo do viés por onde este será explorado. Paul Ricoer vai 
direto de encontro a essa lógica da compreensão do enredo baseada na observação do 
recorte/contexto ao definir que ―the text as a whole and as a singular whole may be compared 
to an object which may be viewed from several sides, but never from all sides at once14― 
(Apud AARSETH, 1994, p.53). Assim, uma compreensão textual mais ampla aponta 
diretamente para um alargamento do campo de visão do leitor, que estará ligado à tomada 
de diferentes posicionamentos perante o texto. 
Essa tomada de posicionamento pode levar o leitor a defender a idéia de que a obra, 
devido ao seu grau de interação com o mesmo poderá dar aberturas infinitas para as mais 
variadas interpretações pessoais, mas Humberto Eco pontua que: 
 
O autor não ignora geralmente esta condição da situacionalidade de 
cada fruição, mas produz a obra como abertura [grifo do autor] a estas 
possibilidades, abertura que, no entanto, oriente tais possibilidades, no 
sentido de as provocar como respostas diferentes mas conformes a um 
estímulo definido em si. (1995, p.154) 
 
Partindo do acima citado, a interpretação deverá ser delimitada, para que essa não se 
torne uma superinterpretação, dificultando a compreensão do leitor, que poderá ficar 
desnorteado, perante inúmeras possibilidades. 
O grau de compreensão do enredo de Le città invisibili assumirá a proporção do seu 
grau de recepção. Parte importante dessa experiência com o texto estará condicionada à 
percepção do leitor a respeito das questões de intertextualidade que circundam Le città 
invisibili. Kublai Khan, em seu discurso com Marco Pólo aponta para esse aspecto ao perceber 
que as cidades descritas pelo descobridor ―s‘assomigliavano, come se il passaggio dall‘uma 
 
13 Cada cidade recebe a forma do deserto a que se opõe; é assim que o cameleiro e o marinheiro vêem 
Despina, cidade de confim entre dois desertos. Tradução de Diogo Mainard (2006, p.22). 
14 O texto, como um inteiro e como um inteiro singular, pode ser comparado a um objeto que pode ser pode 
ser vislumbrado por diversos ângulos, mas nunca por todos os ângulos de uma vez. Tradução nossa. 
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all‘altra non implicasse um viaggio ma um scambio d‘elementi15‖(1996,p.44).‖ Essa noção de 
intertextualidade é a mesma defendida por Vitor M. A. e Silva: 
 
O texto é sempre um intercâmbio discursivo, uma tessitura polifônica 
na qual confluem, se entrecruzam, se metamorfoseiam, se corroboram 
ou se contestam outros textos, outras vozes e outras coincidências. 
(1999, p.225) 
 
Dessa maneira, todas as cidades possuem aspectos em comum, pois o repertório 
usado para descrevê-las é o mesmo, sendo as possibilidades de variações as responsáveis por 
fazer com que cada cidade, embora mantendo traços de semelhança com todas as outras, 
seja única. Calvino faz um paralelo ao se referir às formas de narrativa mais primitivas como 
exemplo da combinação e ordenação de elementos, afirmando que esse tipo de narrativa ―is 
modeled on fixed

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