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necropolitica e a resistencia das maes

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO 
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS 
ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL 
 
 
 
 
Monique de Carvalho Cruz 
 
 
 
 
 
“AQUI A BALA COME, NÃO TEM AVISO PRÉVIO”: FAVELA, 
NECROPOLÍTICA E A RESISTÊNCIA DAS MULHERES-MÃES GUARDIÃS DA 
MEMÓRIA 
 
 
Orientadora: Profa. Dra. Kátia Sento Sé Mello 
 
 
 
 
 
 
 
 
Rio de Janeiro 
2020 
 
 
 
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO 
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS 
ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL 
 
 
Monique de Carvalho Cruz 
 
 
“AQUI A BALA COME, NÃO TEM AVISO PRÉVIO”: FAVELA, 
NECROPOLÍTICA E A RESISTÊNCIA DAS MULHERES-MÃES GUARDIÃS DA 
MEMÓRIA 
 
 
 
Dissertação de Mestrado submetida ao 
Programa de Pós-Graduação em Serviço Social 
da Universidade Federal do Rio de Janeiro – 
UFRJ, como parte dos requisitos necessários 
para a obtenção do título de Mestre em Serviço 
Social. 
 
Orientadora: Profa. Dra. Kátia Sento Sé Mello 
 
 
 
 
 
 
 
 
Rio de Janeiro 
2020 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 “AQUI A BALA COME, NÃO TEM AVISO PRÉVIO”: FAVELA, 
NECROPOLÍTICA E A RESISTENCIA DAS MULHERES-MÃES GUARDIÃS DA 
MEMÓRIA 
 
Monique de Carvalho Cruz 
 
 
 
Banca Examinadora 
 
 
Rio de Janeiro, 13 de Janeiro de 2020. 
 
 
______________________________________________________________________ 
Profa. Dra. Kátia Sento Sé Mello 
Universidade Federal do Rio de Janeiro 
 
 
______________________________________________________________________ 
Profa. Dra. Miriam Krenzinger 
Universidade Federal do Rio de Janeiro 
 
 
______________________________________________________________________ 
Profa. Dra. Adriana de Resende Barreto Vianna 
Universidade Federal do Rio de Janeiro 
 
 
_____________________________________________________________________ 
Dr. Marco Julián Martínez Moreno 
Universidade Federal do Rio de Janeiro 
 
 
 
DEDICATÓRIA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Para todas as mulheres que me alimentaram, me abraçaram, me 
educaram e me protegeram, na figura da minha mãe, Severina 
Lindolfo de Carvalho Cruz 
 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
Demorei dez anos para concluir a graduação que deveria ter sido concluída em quatro. 
Isso parece um pouco frustrante, mas, na real, hoje, aos 35 anos terminando o mestrado e 
ingressando no doutorado, tudo parece estar no lugar que deveria. Sou uma grande mulher, no 
tamanho, na ética, no compromisso (e na modéstia), como se vê. 
Apesar de não ter atendido às exigências acadêmicas a minha vida pessoal deu um salto 
de qualidade no que se refere a ter acessado um emprego na área para qual me preparei para 
estar, a ter construído boas relações em vários âmbitos da vida; a ter alcançado alguns bons 
degraus no desenvolvimento intelectual, mas, acima de tudo, gosto do que me tornei, e faria 
tudo de novo. A única coisa que nos resta é a integridade e o compromisso ético com quem 
somos e com quem está ao nosso lado. 
Por isso, agradecer a vida, e aquelas que passaram por aqui me ajudando da construir 
esse castelo que não é de areia – com todas as dificuldades, me sentindo plena – é algo 
necessário. Aos meus pais Severina e Pedro, meu sustento material, afetivo e político, que tem 
me apresentado a capacidade humana mais bela: a de reinventar-se pra ser feliz. Ao meu irmão 
Michel, meu orgulho! Obrigada pelas leituras, correções e tradução pro Abstract. Ao meu irmão 
Max (in memoriam) por fazer parte da minha vida sempre, com os exemplos que deixou pra 
nós. À minha família paterna na figura do meu casal exemplo Betinha e Rick, às minhas 
crianças João, Bê, Julhinha e Kayke que fazem a vida mais leve. À minha família materna na 
figura das minhas tias queridas Dadá, Rosa e Ana mulheres que literalmente me alimentaram, 
o corpo e alma. Ao meu amor Fábio, por todo apoio, por compartilhar as responsabilidades da 
vida adulta, por ter sempre olhos e ouvidos atentos aos meus textos. Por compartilhar das 
reflexões políticas em tempos tão difíceis, onde o que nos resta é estar vivos. Te amo vida. Às 
minhas amoras queridas da vida Ariana e Rachel, minha marida. E aos seus companheiros, 
meus amigos de copo e de reflexão prático-teórico-política Wellington e Ivam (G-Zus). 
Ao Coletivo de Negras e Negros Dona Ivone Lara, da ESS/UFRJ que lutaram pelas 
cotas na pós-graduação e que me impulsionaram para essa luta política tão importante que 
acabou me levando para o mestrado. Especialmente Lilian pela dedicação, Corato, companheira 
da vida e Rafinha, minha perita predileta. Ao meu compa querido Wanderson, pelos bizus meia-
hora antes da prova de seleção para o mestrado. Ao Coletivo Zacimba Gaba pelo apoio e afeto 
por todas as trocas. Às minhas/meus compas da Justiça Global, que me acolheram como parte 
dessa equipe pequena de alcance tão grande. Às/aos companheiras/os do CRESS/RJ por todo 
apoio e carinho. À Glaucia Marinho e Rodrigo Reduzino pelo incentivo preto tão necessário e 
 
 
pelos sambas da vida. À Juliana Farias e Marcelle Decothè pelas gargalhadas e contribuições 
para reflexão sobre os temas trabalhados nesta dissertação. 
À minha orientadora Kátia pela paciência, pela dedicação e por amar o que faz, me 
levando a dar bons rumos à minha produção acadêmica. Às professoras queridas Patricia Farias 
(ESS/UFRJ) e Mônica Lima (IFCS/UFRJ) pelas contribuições fundamentais na banca da 
qualificação. E às professoras Miriam Krenzinger e Paula Poncioni da ESS/UFRJ por 
atenderem nosso chamado para participar da banca examinadora assim como o prof. Marco 
Martínez. À Adriana Vianna pelo apoio e cuidado e por ser mais que banca examinadora, por 
ser amiga e parceira na luta. Aos “meus colegas de orientação” pelas trocas, sugestões e 
aprendizados compartilhados. 
 Aos queridos pretos Deley De Acari, poeta, amigo, griot e Willian SEVERO IDD pela 
inspiração que levou ao título desta dissertação – espero que vocês um dia façam uma poesia 
juntos –, e pela luta que travam no campo político a partir da cultura favelada fazendo nossa 
vida cheia de orgulho. Aos que lutam pela favela nos inúmeros cantos do Rio de Janeiro e do 
Brasil, na figura do meu amigo Fransérgio e minha mana querida Renata Trajano do Complexo 
do Alemão. 
 Às mulheres-mães que lutam pela memória de filhos (seus e de outras), pelos que foram, 
pelos que ficaram, pelos que virão, na figura das mulheres da Rede de Comunidades e 
Movimentos Contra a Violência e das Mães de Maio. Ao meu coletivo Fórum Social de 
Manguinhos que (re)existe. Para as mulheres que foram embora nessa luta deixando saudade 
D. Julia Procópio (Rede), Vera Lúcia Santos (Mães de Maio), Janaína Soares (Mães de 
Manguinhos) e da querida Marielle Franco, todas assassinadas pelo Estado genocida brasileiro 
Presente! 
E, por fim, com todo amor, admiração e gratidão, por toda generosidade, pelo 
compartilhamento da vida e pela confiança política que depositam em mim: às Mães de 
Manguinhos: Fátima Pinho, Ana Paula de Oliveira, Eliene Vieira e Alerrandra Pinho. Muito 
obrigada por tudo! 
Em memória da minha amiga querida feminista abolicionista penal Elisabete Amorim 
Leandro, Rest In Power Bete. <3 Bete Leandro, Presente! Hoje e Sempre! 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Pa pum! Ficou assustado chefão? 
Quando a bala come não tem aviso prévio! 
Primeira lei da favela hein: 
Ande sempre preparado 
Para nunca ser pego de surpresa 
 
Pá pum 
 
Mais um corpo estirado no chão 
Não precisa nem ser vidente 
A mídia vai falar que era ladrão 
Acho que tão contratando médico demais 
Toda semana tem operação 
 
Pá pum pum pum pum 
 
Hoje o pique tá Reveillón 
Pá 
Pistola 
Pum 
Fuzil 
Bum 
Granada 
Trrrr 
Glock em rajada 
 
Vinte e oito anos escutando isso todo dia 
Porra! Pode me chamar de rei da balística 
 
O dia amanheceu 
Domingão 
Vou na feira comprar meu pastel com caldode cana 
Xiiii, arrombaram minha porta. Fudeu. Acho que foram os canas... Quem não deve não teme? 
Vai nessa pra tu ver! 
Pior coisa desse mundo é pagar sem dever. 
Eu pensei que pra invadir casa dos outros precisava de um mandado. 
 
No asfalto é uma coisa 
Na favela primeiro eles batem pra depois partir pro diálogo 
Gagueja pra tu ver! Se tu não vai sair todo arregaçado. 
 
Rei da balística de Willian Severo - Imperador da Dança. 
 
 
 
RESUMO 
 
A principal questão que orienta este trabalho é: como as mulheres-mães organizadas atuam 
diante dos impactos da necropolítica em suas vidas? Os princípios democráticos conquistados 
ao longo dos séculos, desde que foram forjados pelos pensadores clássicos, são caros para as 
inúmeras democracias em todo o mundo. Países como o Brasil, os chamados “países em 
desenvolvimento”, possuem princípios que forjam e representam instrumentos que podem ser 
utilizados para a garantia da sobrevivência das populações, principalmente daquelas 
caracterizadas como minorias. Contudo, a reflexão que se busca apresentar passa justamente 
por identificar algumas peculiaridades da democracia brasileira que poderiam nos permitir 
afirmar que existe uma espécie de estado de exceção concretizado em prisões arbitrárias, mortes 
e violações dos direitos humanos em suas múltiplas dimensões. Busca-se trabalhar algumas 
categorias para demonstrar que as UPPs podem ser consideradas como uma estratégia colonial 
tardo-moderna de ocupação. Desde a promulgação da Constituição de 1988, a Segurança 
Pública é considerada um direito e ao longo de mais de 30 anos foi implementada a partir de 
diversas perspectivas nos governos democráticos, sempre impactando de forma letal a vida nos 
territórios favelados. O destaque para a política de ‘pacificação’ se deve ao fato de que, o 
movimento de Mães e familiares de vítimas letais do Estado em Manguinhos se organiza 
especialmente em casos de homicídios cometidos por agentes trazidos para os territórios por 
conta desta política. Se acreditamos nas palavras de Angela Davis quando afirma que “quando 
as mulheres negras se movimentam, movimentam toda sociedade”, estamos falando não 
somente da base de sustentação material da sociedade brasileira, mas também das possíveis 
genitoras de um povo livre, conforme as afirmações de Débora Silva: “as Mulheres-Mães a 
quem devemos a continuidade de nossa existência, que seguem gerando vida e que vão parir 
um novo Brasil”. 
 
 
Palavras-chave: Favela; Necropolítica; Movimento Social; Sensibilidades jurídicas; 
Relações Raciais; 
 
 
ABSTRACT 
 
The main question that guides this paper is: How do organized women-mothers act on the 
impacts of necro-politics in their lives? The democratic principles conquered over the centuries, 
since they were created by the classical philosophers, are important for countless democracies 
around the world. Countries like Brazil, the so-called "developing countries", have principles 
that forge and represent instruments that can be used to ensure the survival of populations, 
especially those characterized as minorities. However, the reflection we seek to present is 
precisely the identification of some peculiarities of Brazilian democracy that may allow us to 
affirm that there is a kind of status of exception in arbitrary arrests, deaths and human rights 
violations in their multiple dimensions. Some categories are tempted to show that the UPPs can 
be considered a late colonial occupation strategy. Since the promulgation of the 1988' 
Constitution, Public Security has been considered a right and for the past 30 years has been 
implemented from various perspectives on democratic governments, always lethally impacting 
life in favela territories. One of the impacts of the 'pacification' policy is the organization of the 
movement of victims mothers in Manguinhos, especially in cases of homicides by state agents. 
If we believe Angela Davis's words, when she says that "when black women move, they move 
the whole society", we are talking about the basis material of support for Brazilian society, but 
also about the possibility of free mothers. According to statements by Debora Silva: The 
women-mothers to whom we owe the continuity of our existence, who continue to generate life 
and who will give birth to a new Brazil. 
 
Key words: Favela; Necropolitics; Social movement; Legal sensitivity; Race realations; 
 
 
LISTA DE ILUSTRAÇÕES 
 
Figura 1: A favela pede paz e lembra os mortos na parede. Campo Society. Acervo pessoal.
 ........................................................................................................................................ 44 
Figura 2: Nas paredes, a saudade. Pichação próxima à Estrada de Manguinhos. Acervo pessoal.
 ........................................................................................................................................ 44 
Figura 3: "UPP Mata inocente". Pichação em piar da linha férrea, na rua Leopoldo Bulhões. 
Reprodução da internet. .................................................................................................. 44 
Figura 4: Mapa do Instituto Pereira Passos mostrando a localização das UPPs em janeiro de 
2017. Reprodução da internet. ........................................................................................ 57 
Figura 5: Casa localizada no Campo do Esperança, crivada de balas. Março/2016. Acervo 
pessoal. ........................................................................................................................... 67 
Figura 6: Nas paredes o sangue de João Batista, assassinado em abril/2016 na janela de casa. 
Acervo pessoal. ............................................................................................................... 67 
Figura 7: Capa do Jornal do Brasil, 1981. Notícia de uso de helicóptero como base de tiro em 
Manguinhos. Reprodução da internet. ............................................................................ 70 
Figura 8: Forte esquema de segurança montado pela UPP local para acompanhar a manifestação 
organizada pelos moradores contra o mandado coletivo deferido pelo Tribunal de Justiça do 
Rio de Janeiro. Acervo pessoal....................................................................................... 74 
Figura 9: Moradores da CDD protestam contra mandado de busca e apreensão genérico 
destinado a toda Cidade de Deus. Acervo pessoal. ........................................................ 75 
Figura 10: Os próprios moradores com quem conversei, me sugeriram fotografar os “P2” 
(policiais à paisana) como forma de garantir a segurança das pessoas no protesto. Acervo 
pessoal. ........................................................................................................................... 76 
Figura 11: Protestos de moradores da CDD contra o uso de mandados de busca e apreensão 
genéricos. Acervo pessoal. ............................................................................................. 79 
Figura 12: Captura de tela Google Maps com marcação a partir da localização da torre da 
CIDPOL até o local das mortes. ..................................................................................... 82 
Figura 13: Fotografia ampliada e recorde com a visão que os moradores têm a partir local onde 
as pessoas foram baleadas. Acervo pessoal. ................................................................... 82 
Figura 14: Cartazes produzidos pelos jovens amigos de Matheus no dia de seu sepultamento. 
Março/2013. O primeiro citando a política de morte envolvida na atuação das UPPs de outros 
locais da cidade. Acervo pessoal .................................................................................... 90 
 
 
Figura 15: Na primeira foto, cartaz produzido pelos amigos de Matheus com fotografias de 
vítimas das UPPs de outros lugares do Rio. Na segunda fotografia, o desejo de justiçadivina. 
Acervo pessoal. ............................................................................................................... 90 
Figura 16: Cartaz convidando a comunidade a fazer parte da oficina de cartazes para a ocupação 
da SESEG, após a morte de Matheus Casé. Março/2013. .............................................. 91 
Figura 17: Ato político realizado pelo FSM e FJRJ com a participação de ativistas de 
movimentos socais e organizações de Direitos Humanos. Acervo pessoal. .................. 91 
Figura 18: Tenente da UPP Jacarezinho acompanha manifestação de moradores ao lado de 
policiais fardados e à paisana com armas em punho. Foto: Patrick Granja, Jornal A Nova 
Democracia ..................................................................................................................... 94 
Figura 19: Manifestação após o assassinato de Paulo Roerto realizada pelo Fórum Social de 
Manguinhos teve a presença de muitos movimentos organizados, das favelas, coletivos de 
estudantes e moradores de Manguinhos. Foto: Rachel Barros e Vik Bierkbeck. ........... 96 
Figura 20: As Mães de Acari. Foto: reprodução da internet. ....................................... 107 
Figura 21: Vigília da Candelária (Centro do RJ) realizada em 20 de junho de 2017. Foto: Acervo 
pessoal. ......................................................................................................................... 113 
Figura 22: Em 1979 Marli Pereira Soares foi sozinha ao Batalhão no período da Ditadura 
empresarial-civil-militar. Marli ainda vivia em uma região conhecida pela atuação de grupos 
de extermínio. Foto: reprodução da internet. ................................................................ 114 
Figura 23: Espaço preparado para as reuniões do IV Encontro Nacional de Mães e Familiares 
de Vítimas do Terrorismo de Estado, realizado em maio de 2019 em Hidrolândia – GO. Foto: 
Acervo Pessoal. ............................................................................................................ 119 
Figura 24: Movimentos de Mães e Familiares realizam ato na frente da Igreja da Candelária por 
ocasião do II Encontro Nacional de Mães e Familiares de Vítimas do Terrorismo de Estado no 
Rio de Janeiro – maio/2017. Foto: acervo pessoal. ...................................................... 120 
Figura 25: Com a bandeira das Mães de Manguinhos, Eliene Vieira, Monica Cunha e Ana Paula 
impedindo a passagem do caveirão pacificador no Ato Justiça Para Ághata no Complexo do 
Alemão, 2019. Foto: May Donaria ............................................................................... 121 
Figura 26: Cartazes de atividades culturais em Manguinhos em 2013. Acervo Pessoal..122 
Figura 27: Cartazes de atividades cultural (em memória de Paulo Roberto) e de plenária em 
Manguinhos para discutir segurança pública em 2014. Acervo Pessoal ...................... 122 
Figura 28: Manifestação realizada na Praça da Piedade em Salvador durante o III Encontro 
Nacional das Mães. No centro a Bandeira das Mães de Manguinhos, à direita, Janina Soares 
com a camiseta com a foto de Christian. Foto: acervo pessoal. ................................... 124 
 
 
Figura 29: Fotografia da bandeira das Mães de Manguinhos produzida em 2019. Foto: 
reprodução da internet. ................................................................................................. 124 
Figura 30: As placas instaladas em Manguinhos. A primeira em maio de 2016 e a segunda em 
maio de 2019. Fotos: reproduzida da internet. Foto 02: acervo pessoal. ..................... 125 
Figura 31: Desenho no muro do Campo Society, maio/2016. Reprodução da internet.126 
Figura 32: Desenho no muro do Campo Society, maio/2016. Reprodução da internet.126 
Figura 33: O dia do plantio. Foto: Planta na Rua, maio de 2016. ................................ 127 
Figura 34: Colocação de nova placa em memória de Vera Santos em maio de 2019. Na foto da 
esquerda para direita: Paula Bonatto (FSM), Eliene Vieira, Patricia Oliveira (Rede) e Ana Paula. 
Foto: Rafael Daguerre, Mídia 1508. ............................................................................. 128 
Figura 35: Ana Paula Oliveira, Fátima Pinho (com Anthony na barriga) e Eliene Vieira, As 
Mães de Manguinhos <3. Foto: Coletivo Mulheres do Vento. ................................... 135 
 
 
 
 
LISTA DE ABREVIAURAS E SIGLAS 
 
Alerj – Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro 
BOPE - Batalhão de Operações Especiais 
CCDH Alerj – Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio 
de Janeiro 
CDH Alerj – Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Estado 
do Rio de Janeiro 
CIDH – Comissão Interamericana de Direitos Humanos 
CIDPOL – Cidade da Polícia 
CNJ – Conselho Nacional de Justiça 
CORE – Coordenadoria de Recursos e Operações Especiais da Polícia Civil do RJ 
DPERJ – Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro 
FIOCRUZ – Fundação Oswaldo Cruz 
FJRJ – O Fórum de Juventudes do Rio de Janeiro 
Frente – Frente Estadual pelo Desencarceramento do Rio de Janeiro 
FSM – Fórum Social de Manguinhos 
GLO – Garantia da Lei e da Ordem 
ISP – Instituto de Segurança Pública 
MNU – Movimento Negro Unificado 
MPF – Ministério Público Federal 
OEA – Organização dos Estados Americanos 
PAC – Programa de Aceleração do Crescimento 
PMERJ – Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro 
PNAD – Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios 
PSF – Políticas de Saúde da Família 
R.O – Registro de Ocorrência 
Rede – Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência 
SESEG – Secretaria de Estado de Segurança 
TEIAS – Território Integrado de Atenção à Saúde em Manguinhos 
TJRJ – Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro 
UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro 
Unisuam – Centro Universitário Augusto da Motta 
UPP – Unidade de Polícia pacificadora 
 
 
SUMÁRIO 
 
INTRODUÇÃO: O campo de pesquisa e as implicações da pesquisadora .................. 15 
Percurso no campo e dimensões de um problema .......................................................... 25 
CAPÍTULO 1: Construção do território da favela e seus dilemas na democracia brasileira
 ........................................................................................................................................ 33 
1.1 A categoria território e sua aplicabilidade para a análise da violência vivida nas favelas
 ........................................................................................................................................ 41 
CAPÍTULO 2: Estratégias de ocupação colonial tardo-moderna, segurança pública e a 
necropolítica materializada nos territórios favelados ................................................... 54 
2.1 Necropolítica concretizada: a violência materializada no território ......................... 65 
2.2 Os filhos das Mães de Manguinhos: ......................................................................... 88 
CAPÍTULO 3: A resistência das mulheres-mães guardiãs da memória ..................... 108 
CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 132 
REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 136 
HEMEROGRAFIA ...................................................................................................... 145 
ANEXOS ...................................................................................................................... 157 
 
15 
 
 
INTRODUÇÃO 
O campo de pesquisa e as implicações da pesquisadora 
 
O objetivo deste trabalho é analisar a maneira como mulheres, cujos filhos foram 
mortos por forças militarizadas do Estado brasileiro, lidam com sua perda. A principal 
questão que orienta este trabalho é: como estas atuam diante dos impactos da 
necropolítica em suas vidas?Como veremos adiante, compreendemos a necropolítica como um processo 
institucionalizado por parte do Estado que desenvolve e implanta políticas que suspendem 
direitos universais garantidos pela Constituição de 1988 a determinados segmentos da 
população especialmente em seus locais de moradia através de mecanismos e 
instrumentos diversos. São tecnologias de guerra que implementam a vigilância e o 
confinamento, que impõem medo e terror tendo como auge a morte física. 
O Estado utiliza seu poder bélico para matar estas pessoas e impor um ambiente 
de medo e insegurança. A epígrafe “Aqui a bala come, sem aviso prévio”1, poesia de 
Severo IDD2, parece enunciar a fala da favela em relação a necropolítica (MBEMBE, 
2016) que nem sempre é reconhecida por esse nome. No entanto, representa aquilo que 
denominamos violência do Estado por meio de suas máquinas de guerra – que não se 
referem somente aos caveirões terrestres e aéreos, mas também às forças (armadas ou 
não), instituídas legal e ilegalmente nesses territórios (SANTOS, 2007). É sobre o 
enfrentamento desta violência pelas mulheres-mães que trataremos. Elas se constituem 
como guardiãs da memória conforme já citado por Deley de Acari no lançamento de seu 
livro “Ainda Teremos Dublin?”, ao criarem territórios de memória como afirma Farias 
(2014). 
Visando atingir o objetivo acima proposto, analiso casos de morte de moradores 
ocasionados pela ação da ocupação colonial tardo-moderna (MBEMBE, 2016) de 
territórios favelados do Rio de Janeiro e o impulso que estes casos deram à constituição 
 
1O Título desta dissertação foi construído a partir do pensamento de dois homens negros que eu chamaria 
de intelectuais orgânicos da favela, de gerações diferentes e separadas por décadas, mas que experienciam 
o genocídio negro (NASCIMENTO, 2016) em duas favelas do Rio de Janeiro, ambas na Zona Norte: 
Manguinhos e Acari. Um deles é Wanderley Cunha, Deley de Acari, que já passa dos 65 anos de idade, o 
outro é William Severo de 28 anos. Deley é poeta, treinador de futebol, escritor. Severo é dançarino e poeta. 
2 IDD é a sigla de Imperadores da Dança, grupo de dançarinos do passinho formado por jovens “crias” de 
Manguinhos. 
16 
 
do coletivo de mulheres Mães de Manguinhos durante o período compreendido entre os 
anos de 2013 e 2019. 
Ao contrário da ideia de que estas mulheres não vivem o seu luto – ou mesmo a 
de que perdem suas vidas – elas tomaram a dor de suas perdas como uma espécie de 
alavanca para resgatar sua memória e recuperar a dignidade de seus filhos e irmãos, 
contribuindo para a luta e resistência das comunidades das quais fazem parte. Nesta 
direção, pode-se dizer que este coletivo produz um discurso e um movimento público 
para fora dos ‘muros’ da Favela, mas também um discurso e um movimento para dentro, 
para seus moradores. 
Analiso os discursos e as práticas de luta destas mulheres para fora e para dentro 
de seus territórios. Além disso, esta pesquisa é de caráter qualitativo, caracterizada pela 
observação participante e entrevistas. Cabe destacar que sou moradora da Favela de 
Manguinhos e membro de coletivos que atuam na luta por direitos nas favelas. 
Falar sobre o território onde uma favela se localiza, conforme a perspectiva que 
escolhi usar nesta dissertação, diz respeito ao [...] território usado [que] são objetos e 
ações sinônimo de espaço humano, espaço habitado. [...] (SANTOS, 1998, p.16). Isto 
quer dizer que na constituição desses locais existe uma história, uma memória, que se fez 
a partir da construção das relações sociais daqueles que ali construíram suas casas, 
creches, que construíram materialmente suas vidas, uma vez que é a partir de, e para esse 
espaço habitado que essas mulheres mães transformaram luto em luta trazendo elementos 
fundamentais como instrumentos, como a manutenção da memória de seus entes queridos 
e das violências sofridas, caracterizando-as não como processos individuais e 
contemporâneos, mas coletivos e vividos historicamente em seus lugares de moradia e na 
cidade em que vivem, como veremos adiante. 
Notoriamente há um paradoxo no entendimento do senso comum em relação aos 
moradores de favelas, que não são questões colocadas pelo olhar do outro, os de fora, 
mas, também pelos de dentro, são questões que dizem respeito à formação socioespacial 
da cidade. Ao olharmos para os ensinamentos de Fanon (1968), podemos realizar um 
paralelo entre a cidade do colonizado (a favela) e a cidade do colonizador (as zonas da 
cidade que precisam estar “seguras”): 
A Zona habitada pelos colonizados não é complementar da zona habitada pelos 
colonos. Estas duas zonas se opõem, mas não em função de uma unidade 
superior. Regidas por uma zona puramente aristotélica obedecem ao princípio 
da exclusão recíproca: não há conciliação possível, um dos termos é demais. 
A cidade do colono é a cidade sólida, toda de pedra e ferro. É uma cidade 
iluminada, asfaltada, onde os caixotes de lixo regurgitam de sobras 
17 
 
desconhecidas, jamais vistas nem mesmo sondadas. [...]. A cidade do colono é 
uma cidade saciada [...] A cidade do colono é a cidade dos brancos 
estrangeiros. 
A cidade do colonizado [...] a cidade negra, a medina, a reserva, é uma cidade 
mal afamada, povoada de homens mal afamados, aí se nasce não importa onde, 
não importa como. Morre-se não importa onde, não importa de quê. É um 
mundo sem intervalos, onde os homens estão uns sobre os outros, as casas 
umas sobre as outras. A cidade do colonizado é uma cidade faminta, faminta 
de pão, de carne, de sapatos, de carvão, de luz. É uma cidade de negros, uma 
cidade de árabes. [...] (FANON, 1968, p.29). 
 
Ao falarem sobre as favelas cariocas, Machado da Silva e Leite (2007) 
demonstram como existe uma ideia construída no senso comum de que os moradores de 
favelas seriam coniventes com o “tráfico de drogas” em seus locais de moradia, 
especialmente quando estes se rebelam contra a violência estatal. Demonstram também 
como a vivência no mesmo território produziria aproximações “gerando um tecido 
homogêneo que sustentaria uma subcultura desviante e perigosa”, autorizando o uso banal 
da violência. 
Importante lembrar que os registros históricos criados por Mattos (2007; 2012), 
Chalhoub (2011; 2016) e outros com os quais dialogarei ao longo desta dissertação, 
demonstram como as favelas se constituíram na cidade sob a ideia de que seriam lugares 
perigosos, anti-higiênicos e ocupados “por toda sorte de malfeitores”, lugares que por 
terem sido ocupados por pessoas negras desde a origem – escravizadas, fugidas ou libertas 
– seriam “as aldeias do mal” (MATTOS, 2007). 
Trabalho ainda com o pressuposto de que as favelas seriam territórios negros, por 
serem locais de moradias de pessoas pobres que possuem em sua gênese o conflito racial, 
que delegou aos negros os piores locais da cidade. Por conta disso, seriam locais onde as 
leis podem ser suspensas, não somente pela ação dos chamados “bandidos”– que em tese, 
o são por atuarem “à margem da lei” – , mas principalmente por agentes de Estado 
notadamente policiais e militares que atuam sob a égide do estado de exceção 
(AGANBEM,2004). 
Como dizem na favela, eu sou cria de Manguinhos: nascida e criada, em termos 
de desenvolvimento físico e político. Aos “vinte e poucos” anos me tornei ativista no 
movimento social no Rio de Janeiro a partir do meu local de moradia, que naquele 
momento (2007/2008) entrava em um profundo processo de transformação urbana 
pautado pela intervenção do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), tema de 
muitas pesquisas acadêmicas, algumas das quais participei ativamente como interlocutora 
da/os pesquisadoras/es, como no caso da tese Urbanização e “pacificação” em 
Manguinhos: um olhar etnográfico sobre sociabilidade e ações de governo (BARROS, 
18 
 
2016), defendida pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado 
doRio de Janeiro (IESP/UERJ). 
A implementação do Programa de Aceleração para o Crescimento (PAC)3 na 
favela onde parte da minha família vive, trouxe grandes angústias aos moradores pela 
iminência das temidas remoções das casas, que futuramente eu descobriria ser algo antigo 
na história da cidade do Rio de Janeiro. Era um domingo de missa quando eu e toda 
comunidade paroquial recebemos o convite para participar de uma reunião que trataria da 
chegada daquelas obras que ofereciam um grande risco para as casas de determinadas 
áreas da favela. Naquela altura, já havia iniciado e trancado a faculdade em Serviço Social 
no Centro Universitário Augusto da Motta (Unisuam), uma universidade privada 
localizada em um bairro próximo, e ingressado via vestibular na Universidade Federal do 
Rio de Janeiro (UFRJ). Interessei-me pelo tema e assim pude participar da Comissão de 
moradores de Vila Turismo, formada por moradores da localidade na qual cresci. 
Logo depois entrei em contato pela primeira vez com as discussões acerca das 
cidades e da transformação urbana gerada por intervenções de cunho urbanístico, que se 
apresentavam não como possibilidade de melhoria de vida, mas como perda das casas, 
dos modos de vida. 
No ano de 2006, ainda no primeiro período do curso de Serviço Social na 
Unisuam, entrei pela primeira vez em uma unidade prisional: Penitenciária Lemos de 
Brito, ainda na Frei Caneca (famosa a rua do Centro do Rio na qual não existem mais 
presídios) levada para uma visita técnica organizada pela professora Newvone Costa, a 
quem eu devo o apego à luta pela garantia de direitos das pessoas privadas de liberdade, 
que ao longo dos anos e das experiências vividas me tornaram uma ativista pelo 
abolicionismo penal4. 
 
3 Política pública que conformou intervenções urbanísticas em algumas cidades do país como forma de 
alavancar a economia e permitir o embelezamento das cidades para os chamados megaeventos. Para mais 
informações Cf.: Barros (2016). 
4 O abolicionismo penal é parte das discussões que a partir da criminologia crítica busca repensar a forma 
de punição na sociedade burguesa, que se apresenta basicamente a partir do direito penal. O que se discute 
é a possibilidade de uma sociedade sem prisões, onde a responsabilização pelo cometimento de crimes 
passe pela reparação do dano causado e consequentemente por uma sociedade menos violenta. Existem 
muitas perspectivas teóricas colocadas neste campo. Para mais informações sobre o tema ver Nota técnica 
“abolicionismo penal” e possibilidade de uma sociedade sem prisões. Disponível em: 
http://www.cfess.org.br/arquivos/CFESS-NotaTecnica-FabioSimasJeffersonLee-AbolicionismoPenal.pdf. 
Acesso em: 16 Fev. 2019. Ao longo dos últimos anos tenho me dedicado a pensar sobre esse tema de forma 
subterrânea em relação à universidade – instituição a qual se filiam a maioria dos abolicionistas – tenho 
escrito e participado de debates públicos sobre o tema como forma de atuação política ativista/militante. 
Tendo por base a luta das Mães e Familiares de vítimas do Estado, que atuam exigindo justiça e reparação. 
A contradição que se apresenta é justamente o combustível que acende o pensamento e a reflexão sobre 
 
http://www.cfess.org.br/arquivos/CFESS-NotaTecnica-FabioSimasJeffersonLee-AbolicionismoPenal.pdf
19 
 
Assim a estudante frustrada que iniciou a faculdade e só cursou um ano e já nos 
poucos semestres de universitária havia se interessado por temas como “criminalidade”, 
“cadeia” e “violência policial” .estava ali, encontrando um novo mundo de conhecimento 
que hoje se apresenta em articulação com os primeiros temas aos quais deu atenção 
especial na formação acadêmica. 
Meu objeto de pesquisa para esta dissertação é a transformação da cidade e a 
criminalização5, a priori dos moradores de favelas, e principalmente a resistência e luta 
que encontrei e aprendo a cada dia, no Fórum Social de Manguinhos e no apoio ao 
movimento de Mães e Familiares de Vítimas do Terrorismo de Estado. 
Ao longo dos anos passei a compor alguns grupos em Manguinhos após a 
Comissão de Moradores de Vila Turismo – que surgiu para resistir à remoção –, passei a 
integrar o Laboratório de Direitos Humanos de Manguinhos6 (LabDHM), ligado à Rede 
CCAP7 para discutir temas relacionados a Direitos Humanos, trabalhando principalmente 
com a juventude. Em seguida, passei a compor a partir do Laboratório o Fórum de 
Juventudes do Rio de Janeiro (FJRJ), e então passando a ser membra do coletivo ao qual 
ainda me filio: o Fórum Social de Manguinhos (FSM). 
Em 2011, ano em que eu passei a compor o FSM, iniciei também o estágio 
curricular obrigatório em Serviço Social – já como estudante da UFRJ – em uma unidade 
prisional no Complexo Penitenciário de Gericinó, localizado no bairro de Bangu. 
Comecei a atuar também como pesquisadora da Fiocruz a partir do projeto Manguinhos: 
Território em Transe8, que teve por objetivo pesquisar a história da formação de 
Manguinhos e produzir uma exposição itinerante para circulação na própria favela, em 
 
como caminhar ente as demandas reais da vida política para construir bases para outra sociabilidade que 
não encarcere pessoas entendendo esse instrumento, a prisão, como um instrumento fundamental capitalista 
de destruição da população negra nos países da Diáspora Africana. 
5 Importante destacar que a ideia de “criminalização” que será trazida durante todo o trabalho não 
necessariamente trata da ideia de “incriminação”, mas sim da construção de moralidades criminalizadoras 
que poderão ou não tratar de imputação de responsabilidade jurídica. 
6 O Laboratório de Direitos Humanos de Manguinhos foi formado e se manteve vinculado até a suspensão 
de suas atividades em 2011 à organização não-governamental Rede CCAP que atua em Manguinhos desde 
1985. Laboratório de Direitos Humanos de Manguinhos. Disponível em: 
https://portal.fiocruz.br/programa/laboratorio-de-direitos-humanos-de-manguinhos. Acesso em: 08 
Dez.2018. 
7RedeCCAP. Disponível em: http://www.redeccap.org.br/quemsomos.html. Acesso em: 06 Dez.2019. 
8 A pesquisa que se tornou uma exposição itinerante iniciou-se em 2011, com a participação de quatro 
historiadoras/es e eu como auxiliar de pesquisa. Em 2013 finalmente ela ganhou as ruas das favelas de 
Manguinhos e da cidade. Após circular internamente, a exposição chegou a ser levada para outros 
municípios em diversas atividades como feiras de ciência e encontros de movimentos sociais.Manguinhos: 
Território em Transe promove atividades culturais neste sábado. Disponível em: 
https://portal.fiocruz.br/noticia/manguinhos-territorio-em-transe-promove-atividades-culturais-neste-
sabado; Exposição Tá na Rua em Manguinhos. https://www.anf.org.br/a-exposicao-ta-na-rua-em-
manguinhos/. Acesso em: 08 Dez.2018. 
https://portal.fiocruz.br/programa/laboratorio-de-direitos-humanos-de-manguinhos
http://www.redeccap.org.br/quemsomos.html
https://portal.fiocruz.br/noticia/manguinhos-territorio-em-transe-promove-atividades-culturais-neste-sabado
https://portal.fiocruz.br/noticia/manguinhos-territorio-em-transe-promove-atividades-culturais-neste-sabado
https://www.anf.org.br/a-exposicao-ta-na-rua-em-manguinhos/
https://www.anf.org.br/a-exposicao-ta-na-rua-em-manguinhos/
20 
 
escolas, equipamentos de saúde e cultura e bairros do entorno. A experiência da atuação 
nesse projeto e o contato mais recente com a literatura antropológica têm contribuído para 
minha reflexão a respeito do dilema que envolve o pesquisador que é um ator no campo 
empírico da pesquisa. 
Durante a realização da pesquisa em Manguinhos, eu como única componente da 
equipe moradora da favela, pude aprender entre outras coisas os cuidados e compromissos 
envolvidos na realização de uma pesquisa como aquela e como a que realizo para a 
produção desta dissertação. A confiança política depositada em mim naquele momento 
por meus vizinhos mais velhos, me apresentou a responsabilidadede todo/a pesquisador/a 
em retornar com o produto de suas pesquisas para seus interlocutores e sobre a 
importância das pesquisas acadêmicas como instrumento de transformação social, seja 
para a criação e implementação de políticas públicas, seja como instrumento de luta para 
os movimentos sociais. 
Assim se configurou o campo de pesquisa a partir do qual meu objeto se torna 
concreto. O estudo sobre direitos e criminalização, ação política e resistência será 
permeado por alguns aspectos históricos que serão incorporados na medida em que sejam 
pertinentes à compreensão da constituição do local e da criminalização de pessoas 
moradoras de favelas. Assim como a questão da moradia precária, as violências que 
atravessam as histórias contadas e vividas como uma possível explicação para a 
criminalização e a percepção que os moradores têm sobre a (des)importância de suas 
vidas e de seus vizinhos, além da criminalização a partir do local de moradia que justifica 
a violência estatal; a vigilância e o controle das pessoas, e a consequente luta das 
mulheres-mães de vítimas da violência de Estado por memória, verdade, justiça e 
liberdade. 
A pesquisa realizada sobre a história de Manguinhos trouxe a possibilidade de 
compartilhar com outras moradoras9 as histórias de luta e resistência que envolvem as 
vidas nas favelas. De uma história que se contou sobre um lugar que seria composto por 
gente criminosa, com “tudo de ruim” que se pode ter nas cidades. É possível demonstrar 
como a favela sempre foi e é um lugar de trabalhadoras sem lugar, que ocuparam espaços 
em função do trabalho já alcançado ou almejado, a partir de condições de acesso, ou ainda 
 
9 Destaque-se que usarei os termos no feminino sempre que me referir à luta coletiva, ou em relação às 
pessoas que vivem e atuam politicamente nas favelas, considerando que as mulheres estão em sua maioria 
absoluta nos espaços de disputa, ao passo que não estão nos espaços de poder. Esta é uma escolha política, 
que considera as relações estruturantes do poder patriarcal que tem nas mulheres, especialmente, as negras 
seu principal alvo como se poderá ver ao longo desta dissertação; 
21 
 
da possibilidade de estar próximo ao transporte público ou outra questão fundamental no 
que diz respeito às cidades e à vida dos pobres. 
Nos anos de 2013 e 2014, atuei em um grupo que viria a formar o Núcleo de Ações 
Territorializadas do Museu da Vida, que é um departamento da Casa de Oswaldo Cruz 
(COC), uma das unidades da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Eu e outras jovens 
moradoras atuávamos como dinamizadoras de um módulo no Programa de iniciação à 
Produção Cultural – Pró-Cultural (para jovens aprendizes) sobre memória e identidade. 
Manguinhos passava por remoções e em uma das conversas que tivemos na equipe de 
trabalho, formada por mim e mais três pesquisadoras (estudantes de História e História 
da Arte, além de um coordenador formado em História, servidor da Fiocruz), foi relatada 
a história de uma menina que aos oito anos de idade fora removida com sua família de 
uma das localidades da favela para local distante e já não lembrava sequer como eram as 
ruas onde cresceu e brincou com outras crianças também removidas, e o quanto aquela 
remoção seria fundamental para impossibilitar a memória daquela menina, tornando-a 
uma pessoa sem memórias de sua infância. O que por outro lado impactaria diretamente 
o seu reconhecimento da origem da favela da qual sua família fora removida, segundo as 
pesquisadoras. 
A memória como tema fundamental no que tange à resistência, também se 
conforma neste trabalho, com indícios de ser o elemento central da atuação das mulheres-
mães de jovens privados de liberdade ou mortos, quando marcam no território a memória 
de seus filhos e da violência vivida. Demonstram por outro lado a resistência ao 
apagamento produzido para além da ação do tempo como destaca Vianna (2019): O 
esquecimento, como nos diz o poema de Szymborska, é matéria não apenas do trabalho 
do tempo, mas também das mãos que removem os entulhos que ficaram no meio do 
caminho como marcas físicas da guerra [...]10. 
A memória e os silenciamentos, foram temas discutidos para a construção da 
pesquisa e da exposição itinerante em Manguinhos e apresentam elementos para pensar 
o papel de alguns instrumentos utilizados na luta travada pelas moradoras das favelas, 
pelos movimentos sociais e, especialmente, pelas mulheres-mães na sua luta por justiça. 
 
10 O texto de Vianna, intitulado Políticas da morte e seus fantasmas, foi publicado na Revista Le Monde 
Diplomatique Brasil em março de 2019como parte do “Dossiê Estado de Choque”. A autora inicia o texto 
com um trecho do poema de Wislawa Szymborska, chamado “Fim e Começo”, que diz:” [...] os que sabem/ 
o que aqui se passou / devem dar lugar àqueles que pouco sabem / ou menos que pouco, /E por fim, nada 
mais que nada [...]”. Disponível em: https://diplomatique.org.br/politicas-da-morte-e-seus-fantasmas/. 
Acesso em: 20 Nov. 2019. 
https://diplomatique.org.br/politicas-da-morte-e-seus-fantasmas/
22 
 
Elementos que tratam de uma disputa narrativa sobre a memória dos filhos assassinados, 
mas que tratam também de marcar o território onde viviam com seus filhos, na construção 
de uma memória coletiva. 
Pollak (1989) chama atenção para o fato de que alguns pontos de referência como 
paisagens, datas, música, folclore, costumes e a arquitetura podem ser tomados como 
indicadores empíricos da memória coletiva, uma memória que é comum como no caso 
das ruas das favelas ou do tipo de brincadeira e circulação de pessoas que são elementos 
que fundamentam e reforçam sentimentos de pertencimento ao passo que definem o que 
é comum. 
Nesse sentido, o tempo e a paisagem são fundamentais para a discussão que se 
pretende travar nos capítulos que seguem, segundo Mbembe (2017, p.2013): 
O tempo por consequência, vive-se, vê-se e lê-se na paisagem. Antes da 
recordação, existe a visão. Recordar é ver, literalmente o vestígio deixado 
fisicamente no corpo de um lugar pelos acontecimentos do passado. Não 
existe, no entanto, corpo de um lugar, que não se relacione de certa maneira, 
com o corpo humano. A própria vida deve “ganhar corpo” para ser reconhecida 
como real [...]. 
A memória coletiva, e a disputa pelo que elas representam não são algo novo. 
Cresci em Maguinhos acompanhando a colocação de faixas, a pichação de nomes nas 
paredes, que como bem disse Ana Paula Oliveira das Mães de Manguinhos: não falam só 
da memória de quem morreu, mas também pedem liberdade. É comum ver por aí, 
“Liberdade pro ‘fulano’”. Tem sido assim em nossa história, que hoje reverbera nas 
hastags como a aquela que pede ‘liberdade DJ Rennan da Penha’11. 
A memória coletiva nas cidades, especialmente nas favelas, entra na disputa pela 
narrativa sobre seus filhos, por parte das mulheres-mães como algo que trata também de 
uma disputa com o que conhecemos historicamente trata de uma disputa material e 
simbólica sobre o que conhecemos e sobre o que elas querem que gerações 
contemporâneas e futuras conheçam. Portanto, trata-se de uma memória que não é apenas 
veiculada para fora, para a sociedade como um todo, no âmbito do discurso político 
público. Trata-se da construção de uma memória para dentro da localidade que possibilita 
recordar, existir e ver o corpo de um lugar (Mbembe, 2016.). 
Como moradora de favela que tem familiares em vários municípios da Baixada 
Fluminense, cresci ouvindo histórias de execuções; pessoas que desapareceram, pessoas 
mortas pela polícia, sobre o crime, o tráfico, e ainda convivi com a perda de amigos para 
 
11Familiares amigos e fãs se reúnem para enviar cartas a DJ Rennan da Penha. Disponível em: 
https://www.almapreta.com/editorias/realidade/familiares-amigos-e-fas-se-unem-para-enviar-cartas-a-dj-
rennan-da-penha. Acesso em: 20 Nov. 2019. 
https://www.almapreta.com/editorias/realidade/familiares-amigos-e-fas-se-unem-para-enviar-cartas-a-dj-rennan-da-penhahttps://www.almapreta.com/editorias/realidade/familiares-amigos-e-fas-se-unem-para-enviar-cartas-a-dj-rennan-da-penha
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a morte e para a prisão, além de sempre ter me sentido sensibilizada pelas chacinas que 
apareciam na TV, especialmente a Chacina da Candelária em 1993, na qual meninos/as 
da minha idade foram assassinados enquanto dormiam no Centro do Rio de Janeiro. Esses 
espectros de morte como chamaria Vianna (2019) em artigo escrito para o Lemonde 
Diplomatique Brasil: 
Elas [as presenças fantasmagóricas] se inscrevem como tecnologias de 
governo em territórios inteiros, passam por gerações, reencarnam nas novas 
mortes, nas chacinas, nas imagens replicadas que não dão conta dos números 
chocantes que configuram as estatísticas oficiais. Fazem-se presentes sob a 
forma de medos, cuidados, vergonhas e raivas que conduzem os vivos em suas 
andanças pelo mundo. O silêncio em torno desses mortos é, em verdade, 
ensurdecedor. 
 
Essas memórias que fazem parte do que me tornei na vida adulta, são memórias 
que construíram minha identidade enquanto parte do grupo das pessoas que podem ser 
mortas e presas por viver em determinada área da cidade ou por ter determinada cor de 
pele ou tipo de cabelo12. Por outro lado, essa memória coletiva que apresenta violências 
como “parte da vida” cotidiana nos conforma também para a luta e resistência e é essa 
memória que emerge dos muitos símbolos reconstruídos e/ou transformados a partir dessa 
memória que Pollak (1989) chamaria de subterrânea, que vai ajudar a reconstruir nosso 
entendimento sobre essas violências. 
Para além dos símbolos, nossos corpos, individualmente ou em relação com o 
espaço vivido, nesse caso com o território também se conformam como elementos 
fundamentais da memória: 
A memória e a recordação põem em jogo toda uma estrutura de órgãos, todo 
um sistema nervoso, toda uma economia de emoções no centro das quais está 
necessariamente o corpo e tudo o que o ultrapassa. [...] Assim, em vários países 
africanos que se confrontam com o drama da guerra, a recordação da morte 
está diretamente escrita no corpo magoado ou mutilado do sobrevivente, e será 
a partir deste corpo e das suas enfermidades que a memória do acontecimento 
é refeita. [...] (MBEMBE, 2017 p.208-209) 
 
Como será perceptível, este trabalho está atravessado por esse meu lugar de 
moradora, ativista e apoiadora dos movimentos de Mães e Familiares e por esse meu lugar 
de mulher negra que me coloca no alvo das políticas genocidas que não se concretizam 
somente na morte física, do projétil, na tortura física e psíquica, mas também na 
 
12Babiy Querino, jovem negra de São Paulo, foi reconhecida como participante de roubo de carro pela 
descrição feita pela vítima. Uma fotografia que circulou por WhatsApp, dava conta das características de 
uma jovem “da cor parda, cabelos longos encaracolados da cor preta, olhos escuros, magra, altura 
aproximada de 1,68m, aparentando ter a idade entre 18 a 20 anos. Em depoimento, uma das vítimas 
afirmou que o cabelo de Babiy era familiar. Bárbara Querino, a Babiy: como a justiça condenou uma 
jovem negra sem provas. Disponível em: https://ponte.org/barbara-querino-a-babiy-como-a-justica-
condenou-uma-jovem-negra-sem-provas/. Acesso em: 17 Nov. 2019. 
https://ponte.org/barbara-querino-a-babiy-como-a-justica-condenou-uma-jovem-negra-sem-provas/
https://ponte.org/barbara-querino-a-babiy-como-a-justica-condenou-uma-jovem-negra-sem-provas/
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hipertensão, nas doenças que afetam a psique e do banzo, a morte por tristeza involuntária, 
que aos poucos tira a vida e que quando acaba parece uma morte por doença, como foi o 
caso de Janaína Soares, mãe de Christian e uma das Mães de Manguinhos, que tombou13 
na luta contra o Estado genocida Brasileiro14 em seis de novembro de 2018. 
Lélia Gonzales (1935-1994), intelectual negra brasileira dizia que todo negro tem 
que ter nome e sobrenome15; além disso relembrava diretriz do Movimento Negro 
Unificado (MNU) que afirma que o papel de negras e negros brasileiras/os é falar da 
questão racial onde quer que estejamos, e é dessas duas premissas que me valho para 
implicar meu papel como pesquisadora acadêmica nesta dissertação e na minha atuação 
ativista/militante, que pretendo de forma qualificada e relevante sistematizar dados 
qualitativos sobre a criminalização a priori, que justifica socialmente as mortes e prisões 
em favelas, assim como dados quantitativos para compreender porque quando um jovem 
é assassinado na favela a luta não é “somente” para a responsabilização dos assassinos, 
mas antes de tudo é uma luta moral para reestabelecer a dignidade da vítima, ou melhor, 
a sua humanidade. Uma luta histórica do movimento negro brasileiro, e dos negros da 
Diáspora: a luta pelo reconhecimento de nossa humanidade, essa humanidade que para 
Fanon (1968; 2008) é universalizada na figura dos europeus, e desconsiderada em relação 
às pessoas negras. 
 Portanto, esta dissertação parte do pressuposto da existência de uma representação 
social, construída a priori das pessoas que vivem em territórios (Santos, 2007) favelados 
e periféricos e que frequentemente é utilizada como justificativa para a suspensão e 
violação de direitos por parte de agentes do Estado, especialmente homicídios e detenção, 
que, por outro lado, e a atuação dos movimentos formados por mulheres mães e 
familiares de vítimas dessas violações na luta por memória, verdade, justiça e liberdade. 
 
 
 
13 O termo foi usado por Natasha Neri, pesquisadora, apoiadora do Movimento de Mães e Familiares, 
diretora do documentário “Autos de Resistência”, em artigo escrito para a Ponte Jornalismo no dia da morte 
de Janaína. O Rio não amanheceu: mortes a tiros e uma mãe que tombou. Disponível em: 
https://ponte.org/artigo-o-rio-nao-amanheceu-mortes-a-tiros-e-uma-mae-que-tombou/ . Acesso em: 27 
Out.2019. 
14 Termo muito usado pelos ativistas da Campanha Reja ou Será Mortx, da Bahia. 
15 Entrevista com Lélia Gonzales: ‘Negra/o tem que ter nome e sobrenome’. Disponível em: 
http://akofena.blogspot.com/2012/01/entrevista-com-lelia-gonzalez-negrao.html. Acesso em: 27 de 
Out.2019. 
https://ponte.org/artigo-o-rio-nao-amanheceu-mortes-a-tiros-e-uma-mae-que-tombou/
http://akofena.blogspot.com/2012/01/entrevista-com-lelia-gonzalez-negrao.html
25 
 
Percurso no campo e dimensões de um problema 
 
Somos os cravos que florescem em meio ao holocausto 
Sequestramos menos que o mercador na África 
Carbonizamos menos que as fogueiras sagradas 
Roubamos menos que os clientes dos carros fortes 
Não temos 1 dos homicídios do esquadrão da morte 
Na lista dos maiores ditadores da terra 
Não li o nome saindo dos becos na favela 
Pode quebrar nosso sigilo bancário 
Não tem fortuna feita com câncer e feto mal formado 
Não respondemos pelos crimes da indústria tabagista 
Farmacêutica, alcoólica, televisiva e armamentista 
Ocupamos os bondes dos 157 em transferência 
Porque não fomos convidados pra feira de ciência 
[...] 
Os Cravos do Holocausto 
Eduardo Taddeo 
 
 
A pesquisa que dá corpo a esta dissertação foi organizada em quatro semestres do 
tempo disponibilizado institucionalmente para a conclusão do mestrado. Contudo, os 
dados trazidos assim como as bibliografias e outros elementos são relativos a um acúmulo 
de pelo menos dez anos de participação em espaços políticos de organização popular que 
fomentaram o exercício cotidiano de reflexão sobre a minha condição de mulher negra e 
moradora da favela em um país que instituiu sua forma de gerir a vida sobre bases racistas 
e patriarcais e que tem a necropolítica (MBEMBE, 2016) sua principal estratégia de 
controle das populações pobres. 
Além da retomada de anotações em dezenas de cadernos de campo, documentos 
aos quais tive acesso e produzi ao longo dos anos como militante do movimento de 
favelas, realizei um levantamento bibliográfico de tudo que li ao longo desses anos, nauniversidade e fora dela. A busca pela racialização dos debates que tenho feito, como 
profissional de uma organização de direitos humanos, pesquisadora de violência 
institucional e segurança pública me permitiu acessar outras bibliografias não populares 
na universidade, mas que têm sido reencontradas e trazidas com mais força para os 
espaços acadêmicos nos últimos anos. 
Ficará explicita também a escolha política por privilegiar pensadoras/es negras/os, 
o brilhantismo de autoras como Lélia Gonzales (1984; 1979), Angela Davis (2009, 2016, 
2018, 2019), Flauzina (2008, 2014), bell hooks (2017, 2019) entre outras são 
26 
 
fundamentais para análises que serão trazidas sobre a necropolítica brasileira e a atuação 
política de movimentos de mulheres-mães e familiares de pessoas vitimadas pela 
violência de Estado em sua atuação que tem como mote a luta por memória, verdade, 
justiça e liberdade. A análise das categorias trabalhadas no contexto de luta das mães 
também vem acompanhada de uma ampla gama de autoras/es da Antropologia e da 
Sociologia. Muitas delas são categorias construídas “a muitas cabeças” exigirão um 
tempo maior que e o disponibilizado para um curso de mestrado para que sejam analisadas 
a contento. 
A vida que fomenta minhas reflexões neste trabalho é mobilizada de forma 
violenta pela manutenção da memória da vida arrancada ou violentada “lá na cidade do 
outro, do colonizado” (FANON, 1968), onde tudo pode. Os direitos previstos na 
Constituição Federal (Cidadã) podem ser suspensos e a violência pode ser exercida sem 
os limites colocados pelo Estado Democrático de Direito, que aparece nos discursos 
sempre sobre uma égide de questionamento sobre que Estado Democrático de direitos é 
esse e a quem ele se destina e porque aqui pode? Nesse lugar onde pode-se prender sem 
provas, violar o lar sem mandado, impedir a passagem sem justificativa e exercer a 
violência letal como se a favela fosse um matadouro. 
Vive-se no cotidiano situações diversas, que geram desde pequenos traumas de 
todo dia até o trauma maior da prisão, da tortura e da morte, traumas que se articulam 
com as políticas de morte, chamadas por Mbembe (2016) de Necropolítica. Traumas que 
não tratam somente de uma destruição física imediata do tiro nas costas de uma criança, 
mas psíquica, da mãe, da avó e das tias, que tiveram arrancadas das suas vidas gerando 
uma dor insuperável. Violências impetradas por agentes de Estado que nos lembram das 
violências que foram tratadas como “casos isolados”, mas que representam a ordem das 
práticas em relação às mulheres negras, em seus locais de moradia, ou em qualquer parte 
da cidade. 
Trago neste item um relato pessoal para representar a práxis estatal cotidiana 
exercida por seus agentes para gerar medo nas pessoas de fora e de dentro da favela, a 
partir da imposição de terror como instrumento marcado por um forte componente racial: 
Os discursos de medo instrumentalizam ações e estratégias que, além do 
aniquilamento de negros, propiciam o encapsulamento e a maior apropriação 
de riquezas e poderes em mãos de brancos. O terror racial pode ser 
compreendido nessa conjuntura como linguagem, discurso e método de 
produção e manutenção de privilégios que se estendem até a vida substantiva. 
Dessa forma, destitui-se a vida de valor de status de direito para, a partir daí 
torná-la privilégio alcançável para aqueles dotados de branquitude. 
(WERNEK, 2017, p. 108) 
27 
 
 
As histórias de violências que outras de nós sofreram em outros locais da cidade 
onde a violência é tácita e socialmente autorizada sob uma ideia de que se está 
combatendo o crime corroboram com o conjunto do que as mulheres-mães de vítimas 
chama de terrorismo de Estado16 e por isso a necessidade de iniciar as reflexões com um 
relato pessoal. 
Era noite de terça-feira em 2016. Decidi não participar da reunião do coletivo do 
qual faço parte há cerca dez anos, o Fórum Social de Manguinhos, que se reúne sempre 
no mesmo dia da semana em locais itinerantes, sempre dentro da favela. Saí da casa de 
minha mãe e aguardava condução quando um carro da Polícia Militar do Estado do Rio 
de Janeiro (PMERJ) emparelhou em um carro preto de forma violenta e ordenou ao 
motorista que entrasse em uma rua sem saída. Ao perceber quem dirigia o carro decidi 
acompanhar a abordagem filmando com o celular. 
No volante do carro estava o cunhado de uma amiga querida, mãe de um jovem 
que fora assassinado por um policial militar da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) de 
Manguinhos, dois anos antes. Aos gritos o policial ordenou que o motorista e o carona 
saíssem do carro, os dois estavam sendo revistados com as mãos no capô por um policial 
que parecia cumprir as ordens do outro que me viu filmando com o celular. Dali em diante 
eu passei a ser o alvo dos gritos que antes foram dirigidos aos rapazes do carro. O policial 
negro e alto que estava muito nervoso, e arrisco dizer que parecia estar sob efeito de 
alguma substância psicoativa estimulante17 – pupilas dilatadas, mãos inquietas, pálpebras 
e lábios com movimentos frenéticos18 – gritava perguntando quem eu era, e na tentativa 
de demonstrar tranquilidade eu somente dizia boa noite sem ser ouvida. O “pseudo” 
diálogo se repetiu por quatro vezes até que ele gritou: documento19! 
 
16 Categoria nativa construída pelos movimentos sociais de mães de pessoas assassinadas, criminalizadas, 
presas e/ou torturadas que estão na luta por “memória, justiça, verdade e liberdade” como está escrito na 
bandeira do Movimento Mães de Maio de São Paulo. Mulheres-mães que tiveram filhos assassinados e 
desaparecidos nos chamados Crimes de Maio de 2006, quando mais de 500 pessoas, a maioria jovens, 
foram assassinados em casos que apontam a participação de agentes de estado, em retaliação a ataques que 
teriam sido ordenados por criminosos. 
17Para mais informações ver Substâncias psicoativas e seus efeitos. Disponível em: 
http://www.aberta.senad.gov.br/medias/original/201704/20170424-094213-001.pdf. Acesso em: 30 out. 
2018. 
18 Pude identificar os efeitos a partir de conhecimentos adquiridos no “Curso de atualização em 
aconselhamento motivacional e intervenção breve em crack e outras drogas para agentes comunitários de 
saúde, redutores de danos, agentes sociais e profissionais que atuam nos consultórios de rua” Realizado no 
Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPUB/UFRJ) nos meses de outubro e 
novembro de 2012, quando ainda atuava como estagiária em uma unidade prisional do Complexo Prisional 
de Gericinó no Rio de Janeiro. 
19Para ver mais sobre documentação, reconhecimento facial, identidade/identificação Cf. Peirano (2011; 
2009; 2006). 
http://www.aberta.senad.gov.br/medias/original/201704/20170424-094213-001.pdf
28 
 
Entendi naquele momento que contrariá-lo seria o pior a fazer, fui procurar o 
documento na bolsa e não encontrei, informei que não tinha. Imediatamente ele me disse 
sem constrangimentos: então a senhora vai pra delegacia. Argumentei que não entendia 
o motivo de ir para delegacia, afinal eu não estava recusando a me identificar. Fui 
respondida que o fato de eu ter filmado a abordagem e estar sem documento seria 
imperativo para que eu fosse para a delegacia. 
Apesar do medo que comecei a sentir a partir daquele momento, já que os dois 
policiais agora se voltavam contra mim como se eu tivesse cometido algo ilícito, usei 
termos técnico-jurídicos para informar que os agentes públicos em exercício de sua 
função constitucional podem sim ser filmados, considerando que ali havia dois agentes 
de Estado e, portanto, guardado o dever de publicidade da atividade pública previsto na 
Constituição Federal de 1988, não haveria nenhum ilícito no ato de acompanhar e 
registrar a ação20. Outro argumento que utilizei tratou do fato de eu não ter me recusado 
a apresentar informações que me identificassem, uma vez que nãohá obrigatoriedade 
legal de apresentar cédula de identidade, bastava o policial me solicitar o número de 
algum documento válido para que pudesse me identificar pelos meios cabíveis, somente 
em caso de recusa de minha parte, e só nesse caso, o policial poderia me “enquadrar” 
neste tipo de contravenção penal21. 
De nada adiantou eu ter essas informações, o policial seguia gritando que iria me 
levar para a delegacia. O outro policial com ar irônico, afirmou que o fato de eles não 
saberem o motivo da minha filmagem, os colocava em risco e, por isso, eu deveria ter 
documento de identidade ou ir para a delegacia. Afirmou ainda que se algum crime 
estivesse acontecendo ali eu seria testemunha, etc. Perdi a paciência, me senti insegura, 
mas perguntei se eles tinham dúvida sobre o seu papel enquanto agentes públicos e que 
ali havia uma cidadã, fiscalizando o trabalho de dois policiais e os mesmos em tese 
fazendo seu trabalho e que eu sabia do que estava falando principalmente porque eu 
ocupava naquele período o lugar de coordenadora do Comitê Estadual de Prevenção e 
Combate à Tortura do estado do Rio de Janeiro (CEPCT-RJ), pensei ser esta uma cartada 
que permitiria ficar segura diante daquele absurdo (absurdo pra quem, se essa é uma 
 
20Cidadão tem o direito de filmar abordagem policial. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2017-
out-03/academia-policia-cidadao-direito-filmar-abordagem-policial. Acesso em: 30 out.2018. 
21Artigo 68 da Lei das Contravenções Penais – Decreto de Lei 3688/41. Disponível 
em:https://www.jusbrasil.com.br/topicos/11735804/artigo-68-do-decreto-lei-n-3688-de-03-de-outubro-
de-1941. Acesso em: 30 out. 2018. 
https://www.conjur.com.br/2017-out-03/academia-policia-cidadao-direito-filmar-abordagem-policial
https://www.conjur.com.br/2017-out-03/academia-policia-cidadao-direito-filmar-abordagem-policial
https://www.jusbrasil.com.br/topicos/11735804/artigo-68-do-decreto-lei-n-3688-de-03-de-outubro-de-1941
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prática que faz parte da atuação policial em Manguinhos e outras regiões periféricas da 
cidade). 
A última fala foi o suficiente para que o policial de fato gritasse me ameaçando 
dizendo que se não tivesse um documento eu iria para a delegacia nem que fosse 
arrastada. Naquele momento o pânico tomou conta do meu corpo, eu fiquei apavorada e 
eu liguei para amigos pedindo ajuda. 
Para uma mulher negra no Rio de Janeiro, ser arrastada pelas ruas durante 
abordagem policial já não se trata de figura de linguagem, é uma ameaça real após o caso 
de Cláudia Silva Ferreira: mulher negra, favelada e mãe de família, arrastada por uma 
viatura da PMERJ em uma manhã de domingo(16 de março de 2014), após ser baleada 
no Morro da Congonha no bairro de Madureira quando voltava da padaria com um copo 
de café e pães para os filhos22. 
Após a ameaça, pessoas que não sabiam que eu não morava mais em Manguinhos 
se juntaram em volta da situação oferecendo para ir à casa dos meus pais, inclusive de um 
rapaz branco que afirmava que os rapazes do carro e eu éramos “gente de bem” que “não 
precisava daquilo [o comportamento agressivo em relação a nós]”.. Por fim, amigos 
chegaram e um grande bate-boca se fez, mas diante de dois homens brancos, um de olhos 
azuis com fala mansa e outro de grande porte físico tudo terminou em ironia. O policial 
liberando a todos ameaçando os rapazes do carro que se os “pegasse” ouvindo aquela 
música chula de novo, os levaria em cana. 
A parte engraçada foi que um dos meus amigos ao perguntar ironicamente o que 
era “música chula” ouviu a seguinte frase do agente da lei: procura no Google meu 
senhor! 
Essa e outras histórias vividas por mim e por muitas moradoras de favelas no Rio 
de Janeiro às quais tenho acesso não apenas pelos jornais, mas pela experiência como 
ativista do movimento social e pesquisadora de Violência Institucional e Segurança 
Pública de uma organização de direitos humanos, me levaram querer compreender os 
processos sociais que na atualidade fazem com que a vida das pessoas nas favelas, assim 
como não importam os títulos que por ventura tenham ou o conhecimento sobre leis e 
seus direitos, diferentemente do que acontece em outros lugares da cidade a depender de 
quem questiona, a própria abordagem policial. Os termos utilizados e a criminalização a 
 
22Denunciados PMs envolvidos na morte de Cláudia Ferreira arrastada por viatura. Disponível em: 
https://www.geledes.org.br/denunciados-pms-envolvidos-na-morte-de-claudia-ferreira-arrastada-por-
viatura. Acesso em: 30 out.2018. 
https://www.geledes.org.br/denunciados-pms-envolvidos-na-morte-de-claudia-ferreira-arrastada-por-viatura
https://www.geledes.org.br/denunciados-pms-envolvidos-na-morte-de-claudia-ferreira-arrastada-por-viatura
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priori, são a norma como é possível identificar na sistematização de “tipos de violações 
de direitos”, identificada pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPERJ) 
em seu relatório do Circuito Favela Por Direitos23. 
O elemento fundamental que identifico analisando meu próprio relato é que neste 
local, onde os direitos podem ser suspensos e o exercício do monopólio da violência é o 
elemento chave para a mobilização de mulheres que buscam enfrentar essas violências 
seja pela memória de seus filhos mortos, seja pela segurança de seus filhos criminalizados 
ou pela garantia da vida que ainda existe e que está por chegar ou pela sua própria 
dignidade no enfrentamento ao discurso que censura, recrimina e desqualifica a 
capacidade das mulheres negras de agenciar , formular e conduzir projetos de sociedade 
incluindo a procriação e outras possibilidades humanas (WERNEK, 2017). 
Como relatei, várias dimensões de um problema marcam o cotidiano da favela e 
aparecem no momento em que um policial afirma que eu não posso filmar uma 
abordagem policial e que eu tenho que ter documentos para não ser obrigada a ir à 
delegacia e que caso eu me recusasse a ir, iria arrastada. Vários direitos meus foram 
violados naquele momento e a ação policial, de uma abordagem violenta poderia ter se 
tornado um Registro de Ocorrência (R.O) na delegacia policial. Contudo, tais questões 
se apresentam como um emaranhado complexo de múltiplas dimensões que envolvem a 
segurança de várias pessoas, inclusive da luta política que realizamos todos os dias nesse 
território. 
Baseando-me no pensamento de Luciane Rocha me coloco como uma intelectual 
orgânica (GRAMSCI apud ROCHA, 2014) falando “de dentro” não só do território, mas 
a partir do entendimento de que como Mulher negra minha contribuição se faz para além 
do papel de “apoiadora das Mães”, também como parte desse movimento mais amplo que 
atua nos círculos dos Movimentos Negros de luta pela vida e pelo reconhecimento de 
nossa humanidade e construção de estratégias de resistência à violência de Estado ao 
lado das mulheres negras (ROCHA, 2014, p.21). 
Assim, interessa analisar nesta dissertação, quais elementos podem ser acionados 
em relação ao lugar a partir de onde as mulheres-mães se organizam e para onde também 
voltam suas ações que se conformam em luta em nome de alguém, que pode não estar 
 
23Relatório Parcial do Circuito Favelas por Direitos. Disponível em: 
https://drive.google.com/file/d/14Qy6yleYpugnSF3MrBpKhIpu0QmiyYV9/view. Acesso em: 30 
out.2018. 
https://drive.google.com/file/d/14Qy6yleYpugnSF3MrBpKhIpu0QmiyYV9/view
31 
 
mais no plano terreno, mas que é evocado como força para seguir vivendo, transformando 
luto em luta. 
Ainda que o objeto de pesquisa desta dissertação não seja diretamente o Serviço 
Social, é importante destacar que se trata da principal forma de ação estatal que hoje se 
volta à classe trabalhadora em sua multidiversidade. Sujeitas são as mulheres na luta que 
se discute neste trabalho, aquelas responsáveis objetivamente pela manutenção da vidaque são, como é de conhecimento notório, as usuárias fundamentais das políticas públicas 
do país. A relevância deste trabalho para os assistentes sociais está, especialmente, em 
trazer elementos para a categoria profissional que permita conhecer sua população 
usuária, onde a luta pela vida está marcada pela morte em suas diversas espacialidades, 
que ao fim e ao cabo serão levadas ao serviço social nas várias instituições as quais nós, 
assistentes sociais, atuamos. 
Esta dissertação está dividida em quatro partes. Esta introdução, em que busquei 
apresentar minha entrada no campo como pesquisadora e o reconhecimento da 
importância de refletir e analisar processos que me afetam diretamente como mulher 
negra e moradora da favela. 
No capítulo 1, intitulado A construção do território da favela e seus dilemas na 
democracia brasileira, tratarei da relação entre a conformação histórica da favela como 
território e o porquê do uso desse conceito para delimitar espacialmente o alvo da 
necropolítica brasileira, de onde surge o movimento das Mulheres-Mães e para apresentar 
para onde se volta a sua atuação como resistência enquanto guardiãs das memórias. 
No capítulo 2, Estratégias de ocupação colonial tardo-moderna segurança 
pública e a necropolítica materializada nos territórios favelados, busco apresentar como 
é implementada a necropolítica nas favelas a partir das estratégias de ocupação colonial 
tardo-modernas, discutidas a partir de Mbembe (2016; 2017), ao passo que apresento 
elementos que visam demonstrar como essa necropolítica se materializa nas favelas, para 
analisar os casos dos filhos das Mães de Manguinhos. 
No capítulo 3, A resistência das Mulheres-Mães guardiãs da memória, analiso 
como as Mulheres-Mães se tornam sujeitas políticas no processo de luta fazendo uso da 
memória como ferramenta de luta e denúncia para fora, ao passo que (re)constroem a 
resistência para dentro. 
Nas considerações finais retomo o caminho traçado que aponta para as 
possibilidades futuras de pesquisa, que por sua vez dizem respeito à possível relação entre 
32 
 
o desenvolvimento do Estado Democrático de Direito no Brasil e suas bases racistas, 
patriarcais e heterossexistas e o ataque organizado às resistências femininas negras. 
33 
 
CAPÍTULO 1 
Construção do território da favela e seus dilemas na democracia brasileira 
 
Os princípios democráticos conquistados ao longo dos séculos, desde que foram 
forjados pelos pensadores clássicos, são caros para as inúmeras democracias em todo o 
mundo. Países como o Brasil, os chamados “países em desenvolvimento” possuem 
princípios que forjam e representam instrumentos que podem ser utilizados para a 
garantia da sobrevivência das populações, principalmente daquelas caracterizadas como 
minorias. Contudo, a reflexão que se busca fazer neste capítulo passa justamente por 
identificar algumas peculiaridades da democracia brasileira que poderiam nos permitir 
afirmar que existe uma espécie de estado de exceção (Agamben, 2004) colocado para 
determinadas populações concretizando-se em prisões arbitrárias, mortes e violações dos 
direitos humanos em suas múltiplas dimensões e que é exacerbado na 
contemporaneidade. 
Interessa refletir sobre as peculiaridades da democracia no Brasil, marcadas pela 
forma como se desenvolveu o Estado brasileiro, que visa compreender os processos 
sociais que fazem das favelas e periferias locais onde a população vive em cotidiana 
suspensão de direitos, suspensão essa que reverbera no número de homicídios cometidos 
por agentes de Estado. As hipóteses compartilhadas aqui são fruto da pesquisa realizada 
no mestrado, que teve por objetivo compreender como as mulheres-mães de vítimas do 
terrorismo de Estado traduzem em seus repertórios discursivos e manifestações públicas 
os efeitos das violências sofridas por seus filhos. 
A principal hipótese parte da fragilidade da democracia brasileira, baseada na 
desigualdade racial – que fomenta a desigualdade social no Brasil24 – que permite que 
favelas e periferias vivam sob o modus operandi do estado de exceção discutido por 
Agamben (2004), baseado por sua vez na racionalidade colonial difundida a partir da 
Europa, na qual se assenta o poder político no país em suas diversas “fases” pós-coloniais 
e que se concretiza especialmente no uso da força letal nos territórios favelados 
(SANTOS, 2007; 1998). 
 
24A pobreza no Brasil tem cor, e é preta. Disponível em:https://www.nexojornal.com.br/ensaio/2017/A-
pobreza-brasileira-tem-cor-e-%C3%A9-preta. Acesso em: 21 Fev. 2019. 
https://www.nexojornal.com.br/ensaio/2017/A-pobreza-brasileira-tem-cor-e-%C3%A9-preta
https://www.nexojornal.com.br/ensaio/2017/A-pobreza-brasileira-tem-cor-e-%C3%A9-preta
34 
 
A despeito de ser 54% do total da população25,pessoas negras seguem 
desproporcionalmente fora dos bancos escolares26, sendo morta pela violência letal das 
polícias e forças militares27 e sendo colocada no trabalho informal, na linha dos menores 
salários, etc.28. Estes indicadores apresentam um quadro bastante dramático construído a 
partir de uma história de escravização e espoliação do trabalho de pessoas trazidas a força 
para o Brasil entre os séculos XVI e XIX (MOURA, 1983; 1994).Isto parece significar 
que mesmo na democracia, não puderam ser reparadas econômica e politicamente, 
fazendo assim com que a maior parte da população brasileira esteja fora das decisões que 
estruturam os grandes pactos pela democracia. 
Há um elemento fundamental que atravessa as discussões colocadas como dados 
de pesquisa nesta dissertação, que é o fato de as populações negras e indígenas no Brasil 
seguirem em luta pelo direito primordial à vida e pelo reconhecimento de sua humanidade 
e dignidade. 
A igualdade jurídica formal comtemplada pela Constituição Cidadã não reverbera 
na vida cotidiana das pessoas que mal têm condições materiais de se desenvolver e que 
são impedidas por forças estatais e privadas do exercício da cidadania prevista na Carta 
Magna brasileira por se basearem em outros lugares do mundo que em nada se 
assemelham ao Brasil. 
[...] Ao elaborar o seu texto [da CF88] o legislador constituinte brasileiro 
encabeçou o artigo referente aos direitos fundamentais com o princípio da 
igualdade jurídica, assim como elegeu a república e a federação como forma 
adotada pelo Estado brasileiro. Declarou ainda no mesmo artigo primeiro, ser 
a República Federativa do Brasil um Estado Democrático de Direito. Tais 
características fazem com que a doutrina jurídica brasileira tome o discurso de 
doutrinas oriundas de outros contextos sociais como apropriada para o nosso 
sistema, desconsiderando completamente as peculiaridades de nossa 
sociedade. (MELLO, 2011, p.3) 
 
Como é de notório conhecimento acerca da história do Brasil, nosso território foi 
inicialmente dividido nas chamadas capitanias hereditárias (1548-1759) onde o donatário 
recebia da Coroa dois importantes documentos: a Carta de Doação e o Foral. O primeiro 
estabelecia a doação da terra a um particular, geralmente membro da pequena nobreza, e 
 
25Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a partir da realização do censo em 2010. 
26Educação reforça desigualdade entre brancos e negros, diz estudo. Disponível em: 
http://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2016-11/educacao-reforca-desigualdades-entre-brancos-
e-negros-diz-estudo. Acesso em: 22 Fev.2019. 
27Atlas da Violência. 2018. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/download/9/atlas-2018. 
Acesso em: 21 Fev. 2019. 
28IBGE mostra as cores da desigualdade. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-
noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/21206-ibge-mostra-as-cores-da-desigualdade. Acesso em: 21 
Fev. 2019. 
http://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2016-11/educacao-reforca-desigualdades-entre-brancos-e-negros-diz-estudo
http://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2016-11/educacao-reforca-desigualdades-entre-brancos-e-negros-diz-estudo

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