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Tumores e Lesões Semelhantes a Tumores da Lactância e da Infância Apenas 2% de todos os tumores malignos ocorrem na lactância e na infância; contudo, o câncer (incluindo a leucemia) conta com 9% das mortes nos Estados Unidos em crianças maiores do que 4 anos e até os 14 anos de idade, e somente os acidentes causam significativamente mais mortes. Os tumores benignos são ainda mais comuns do que os cânceres. A maioria dos tumores benignos não tem importância, porém, às vezes, causa complicações sérias em virtude da sua localização ou do rápido aumento de tamanho. Às vezes, é difícil separar, com base nos critérios morfológicos, as neoplasias ou tumores verdadeiros, das lesões semelhantes a tumores, no lactente e na criança. Nesse contexto, duas categorias especiais de lesões semelhantes a tumores deveriam ser diferenciadas dos tumores verdadeiros - O termo heterotopia (ou coristoma) é aplicado às células ou aos tecidos microscopicamente normais que estão presentes em localizações anormais. Exemplos de heterotopias incluem um resto de tecido pancreático descoberto na parede do estômago ou do intestino delgado, ou uma pequena massa de células adrenais encontrada nos rins, pulmões, ovários ou em outro lugar. Esses restos heterotópicos são usualmente de pequeno significado, porém eles podem ser confundidos clinicamente com neoplasias. Raramente, eles são sítios de origem de neoplasias verdadeiras, produzindo o paradoxo tal como um carcinoma suprarrenal surgindo no ovário - O termo hamartoma refere-se a um crescimento focal, excessivo, de células e tecidos nativos do órgão em que ele ocorre. Embora os elementos celulares sejam maduros e idênticos aos encontrados no resto do órgão, eles não reproduzem a arquitetura normal do tecido circundante. A linha de demarcação entre um hamartoma e uma neoplasia benigna é frequentemente não clara, já que ambas as lesões podem ser clonais. Os hemangiomas, linfangiomas, rabdomiomas do coração, adenomas do fígado e cistos do desenvolvimento dentro dos rins, pulmões ou pâncreas são interpretados por alguns como hamartomas e, por outros, como neoplasias verdadeiras. Suas inequívocas histologias benignas, entretanto, não excluem incômodos e raramente problemas clínicos com risco de morte em alguns casos. Hemangioma Os hemangiomas são os tumores mais comuns da lactância. Arquiteturalmente, eles não diferem daqueles que ocorrem nos adultos. Ambos os hemangiomas, cavernoso e capilar, podem ser encontrados, embora o último seja frequentemente mais celular do que nos adultos, um aspecto que é enganosamente preocupante. Nas crianças, a maioria está localizada na pele, particularmente na face e no couro cabeludo, onde produzem massas planas ou elevadas, irregulares, azul-avermelhadas; algumas das lesões planas maiores (consideradas por alguns como ectasias vasculares) são referidas como manchas vinho do Porto. Os hemangiomas podem aumentar juntamente com o crescimento da criança, porém, em muitos casos, eles regridem espontaneamente. Em adição aos seus significados estéticos, os hemangiomas podem representar uma faceta da desordem hereditária conhecida como doença de von Hippel-Lindau. Um subgrupo de hemangiomas cavernosos do SNC pode ocorrer em um contexto familiar; essas famílias são portadoras de mutações em um dos três genes da malformação cavernosa cerebral (MCC). Tumores Linfáticos Uma grande variedade de lesões é de origem linfática. Algumas delas — linfangiomas — são hamartomatosas ou neoplásicas, enquanto outras parecem representar dilatações anormais dos canais linfáticos preexistentes, conhecidos como linfangiectasias. Os linfangiomas são usualmente caracterizados por espaços císticos e cavernosos. Lesões dessa natureza podem ocorrer na pele, porém são mais frequentemente encontradas nas regiões mais profundas de pescoço, axila, mediastino, tecido retroperitoneal e outros lugares. Embora histologicamente benignos, eles tendem a aumentar de tamanho após o nascimento, por acúmulo de líquido e por brotamento dos espaços preexistentes. Desse modo, eles podem invadir estruturas vitais, tais como as do mediastino ou dos troncos nervosos na axila, gerando problemas clínicos. A linfangiectasia, em contrapartida, usualmente apresenta-se como uma tumefação difusa de parte ou de toda uma extremidade; consideráveis distorção e deformação podem ocorrer como consequência dos linfáticos subcutâneos mais profundos, dilatados e esponjosos. A lesão não é progressiva e não se estende além da sua localização original. Contudo, pode criar problemas estéticos que são frequentemente difíceis de corrigir cirurgicamente. Tumores Fibrosos Os tumores fibrosos que ocorrem na lactância e na infância variam desde proliferações esparsamente celulares de células fusiformes (chamadas de fibromatoses) a lesões ricamente celulares indistinguíveis dos fibrossarcomas ocorrendo em adultos (designados de fibrossarcomas congênito-infantis). Entretanto, o comportamento biológico não pode ser predito com base apenas na histologia, porque, apesar das semelhanças histológicas com os fibrossarcomas adultos, as variantes congênito-infantis têm um prognóstico excelente. Uma translocação cromossômica característica, t(12;15)(p13;q25) foi descrita nos fibrossarcomas congênito- infantis, a qual resulta na geração de uma transcrição fusionada ETV6-NTRK3. O produto normal do gene ETV6 é um fator de transcrição, enquanto o produto do gene NTRK3 (também conhecido como TRKC) é uma tirosina cinase. Como as outras proteínas de fusão tirosina cinases descobertas nas neoplasias humanas, o ETV6-TRKC é constitutivamente ativo e estimula a sinalização através das vias oncogênicas RAS e PI-3K/AKT. Entre os tumores de tecidos moles, a transcrição fusionada ETV6-NTRK3 é única nos fibrossarcomas infantis, tornando-a um marcador diagnóstico útil.* Teratomas É um tumor formado por vários tipos de células germinativas, isto é, células que, após se desenvolverem, podem dar origem a diferentes tipos de tecido do corpo humano. Assim, é muito comum que no tumor surjam cabelos, pele, dentes, unhas e até dedos, por exemplo. Os teratomas ilustram a relação entre a maturidade histológica e o comportamento biológico. Eles podem ocorrer como lesões benignas císticas bem-diferenciadas (teratomas maduros), como lesões com potencial indeterminado (teratomas imaturos), ou como teratomas inequivocamente malignos (usualmente misturados com outro componente de células germinativas tumorais, como o tumor do seio endodérmico). Eles exibem dois picos de incidência: o primeiro aproximadamente aos 2 anos de idade, e o segundo no final da adolescência ou no começo da vida adulta. O primeiro pico são as neoplasias congênitas; as lesões que surgem mais tarde também podem ter origem pré-natal, porém são de crescimento mais lento. Os teratomas sacrococcígeos são os teratomas mais comuns da infância, contando com 40% ou mais dos casos. Eles ocorrem com uma frequência de um em 20 mil a 40 mil nascimentos vivos, e são quatro vezes mais comuns nas meninas do que nos meninos. Tendo em vista a sobreposição dos mecanismos de teratogênese e de oncogênese, é interessante que aproximadamente 10% dos teratomas sacrococcígeos sejam associados com anomalias congênitas, primariamente defeitos do intestino posterior e da região cloacal e outros defeitos da linha média (p. ex., meningocele, espinha bífida), que se acredita não resultarem de efeitos locais do tumor. Aproximadamente 75% desses tumores são teratomas maduros, e cerca de 12% são inequivocamente malignos e letais. O restante é de teratomas imaturos; seus potenciais malignos correlacionam-se com a quantidade de tecido imaturo, usualmente elementos neuroepiteliais imaturos, que estão presentes. A maioria dos teratomas benignos é encontrada em lactentes jovens (< 4 meses), enquanto as crianças com lesões malignas tendem a ser um pouco mais velhas. Outrossítios de teratomas na infância incluem os testículos, ovários e várias localizações na linha média, como o mediastino, retroperitônio, cabeça e pescoço. Epidemiologia e Diagnóstico Precoce do Câncer na Criança Introdução O câncer é uma doença celular e de etiologia multifatorial, independentemente de sua histogênese e de sua localização anatômica. Na faixa etária pediátrica, o câncer representa apenas cerca de 2% de todos os casos diagnosticados. No entanto, do ponto de vista epidemiológico, o câncer pediátrico configura- se como uma das principais causas de óbito por doença, e a segunda maior causa de perda de potenciais anos de vida. Supostamente, a criança tem mais anos a perder, ou a ganhar, uma vez que sua expectativa de vida é maior que a do adulto. Atualmente, o índice de anos de vida ganhos por crianças com câncer só perde para o de mulheres com câncer de mama A extensão da disseminação do câncer depende de sua localização anatômica, do grau histológico, do tipo de diferenciação do tumor, de sua incidência na população, do grau de instrução e informação da população, da existência e da disponibilidade de exames ou técnicas válidas de detecção, capacitação e estado de alerta dos profissionais da saúde para a detecção e diagnóstico do câncer, além da acessibilidade das pessoas a esses exames, técnicas, programas e profissionais. O estadiamento clínico do câncer (extensão da doença) baseia-se no tamanho da lesão primária, em sua propagação para os linfonodos regionais e na presença ou ausência de metástases a distância O aumento de sobrevida da criança com câncer foi possível graças à disponibilidade de centros oncológicos pediátricos para realizar tratamento com equipe multidisciplinar e à existência de uma rede de investigadores e profissionais de saúde experientes que reconhecem a importância dos estudos clínicos randomizados como o melhor método para a identificação de estratégias terapêuticas com maior probabilidade de sucesso. O tratamento dos adolescentes, por sua vez, não tem obtido tanto sucesso se atendidos em serviços de oncologia clínica, e não pediátrica. Principais Diferenças entre o Câncer da Criança e do Adulto As neoplasias malignas mais frequentes na criança diferem daquelas típicas do adulto do ponto de vista topográfico, histológico e de evolução clínica. Na criança, os tumores malignos tendem a apresentar menores períodos de latência, crescem quase sempre rapidamente, são geralmente invasivos e respondem melhor à quimioterapia Na faixa etária pediátrica, o câncer geralmente afeta as células do sistema hematopoiético e os tecidos de sustentação; no adulto, acomete células dos epitélios que recobrem os diferentes órgãos. Os tipos mais frequentes de câncer em criança são as leucemias, os tumores do sistema nervoso central e os linfomas. Observa-se, entretanto, que há considerável variação mundial nessa ocorrência, geralmente relacionada a fatores demográficos e socioeconômicos da área estudada. s e socioeconômicos da área estudada. Em relação à terapêutica a ser instituída, observa-se que a quimioterapia é mais frequentemente indicada na criança, e a cirurgia, no adulto. Na criança/adolescente, raramente é possível a prevenção primária do câncer, pois os fatores ambientais exercem pouca ou nenhuma influência. Portanto, não existem medidas efetivas de prevenção primária para impedir o desenvolvimento do câncer na faixa etária pediátrica, exceto a vacinação contra hepatite B e contra papilomavírus humano (HPV). É fundamental, no entanto, atuar na prevenção secundária nessa faixa etária, principalmente por meio do diagnóstico precoce da doença, objetivando detectar o câncer em seu estágio inicial de desenvolvimento. Considerações Epidemiológicas A incidência anual do câncer pediátrico é de aproximadamente 124 casos a cada milhão de habitantes brancos, e de 98 casos por milhão de habitantes negros. Estima-se, assim, que sejam diagnosticados, anualmente, 7 mil novos casos de câncer Estudos têm demonstrado que a frequência de todos os tipos de câncer combinados, na criança e no adolescente, é geralmente maior no sexo masculino, nas crianças com menos de 5 anos de idade e no grupo de adolescentes entre 15 e 19 anos Um aspecto peculiar do Sul e do Sudeste do Brasil é a maior incidência de tumor do córtex adrenal (TCA), se comparada a outras regiões do mundo. Enquanto nos Estados Unidos a incidência é de 0,3 por milhão de crianças com menos 15 anos de idade10, e na França, de 0,2 por milhão de crianças nessa mesma faixa etária11, estima-se que no Paraná a incidência seja de 3,5 por milhão, ou seja, de 12 a 18 vezes maior do que nos países citados. Essa maior incidência está relacionada à mutação TP53 R337H, encontrada em todas as crianças com TCA, que as recebem de um dos progenitores. Ao analisar 30 famílias de crianças com tumores de córtex adrenal, foi possível demonstrar que a penetrância nos portadores da mutação R337H é de 9,9% No Brasil, há poucos registros de câncer de base populacional consolidados cujos dados estejam sendo coletados regular e ininterruptamente há vários anos. Por outro lado, há registros de base hospitalar, os quais apresentam características específicas da instituição a que se referem, servindo como controle de qualidade para o diagnóstico e tratamento nela realizados. Fatores de Risco para o Câncer Os estudos epidemiológicos evidenciam que a interação entre os fatores genéticos e a exposição ambiental seja o fator crítico para o desenvolvimento do câncer. Pesquisas realizadas sobre tipos específicos de câncer possibilitaram a associação da ocorrência com sexo, faixa etária, estilo de vida, padrão alimentar e fatores genéticos. Esses estudos visam a estabelecer fatores de risco para o câncer na criança e no adolescente e consideram, também, a implantação de estratégias de prevenção e intervenção Entre os fatores de risco envolvidos no câncer na criança e no adolescente, destacam-se a predisposição constitucional, representada por síndromes (xeroderma pigmentoso, carcinoma de células nevoides, tricoepitelioma familiar, disceratose congênita, polipose do cólon, neurofibromatose, doença de Lindau-Von Hippel), anomalias cromossômicas (síndrome de Down, síndrome de Klinefelter, anemia de Fanconi, ataxia-telangiectasia, imunodeficiências), más- formações congênitas, irmãos de paciente com câncer e sobreviventes de neoplasia maligna prévia Em relação aos fatores ambientais, devem-se considerar a radiação ultravioleta, a radiação ionizante e não ionizante, a exposição ao asbesto durante a infância, o dietilestilbestrol, o cloreto de vinila, o vírus de Epstein-Barr e o HTLV1, entre outros. Na criança, o retinoblastoma (tumor maligno intraocular) pode ser de origem genética em 40% dos casos. Entretanto, na faixa etária pediátrica, o câncer raramente é hereditário, e na maioria dos casos não apresenta história familiar e/ou associações com alterações genéticas ou congênitas Aspectos Diagnósticos No Brasil, infelizmente, um grande número de crianças e adolescentes com câncer chega aos serviços de atendimento especializado com a doença localmente avançada ou disseminada, em virtude da desinformação dos pais e/ou médicos, em função do medo do câncer ser diagnosticado, por causa da inespecificidade dos sinais e sintomas, bem como dos problemas sociais, econômicos e culturais ou das questões relacionadas às características de determinado tipo de tumor. O alto nível de suspeição deve estar presente no raciocínio médico, o que permite uma atenção especial a determinados sinais e sintomas, promovendo, dessa maneira, reconhecimento mais rápido da enfermidade. É importante que os pais estejam alertas para o fato de que a criança não inventa sintomas, e ao sinal de alguma anormalidade, devem levar seus filhos ao pediatra para avaliação. É igualmente relevante saber que, na maioria das vezes, esses sintomas sãosimilares aos de doenças comuns na infância. Mas isso não deve ser motivo para que a visita ao médico seja descartada, pois o câncer é uma doença mimetizante. Se o pediatra não encontrar alterações no exame físico, deve orientar os pais a retornarem caso os sintomas persistam. Para que seja feito o diagnóstico precoce do câncer infantil, a criança deve ter um acompanhamento pediátrico adequado e rotineiro. Quando houver alguma dúvida a respeito dos sintomas apresentados, a orientação é para procurar um pediatra e, se necessário, ouvir uma segunda opinião. A falsa ideia de que o câncer não tem tratamento, infelizmente, ainda é bastante comum. Caso o quadro clínico seja consistente com um diagnóstico de neoplasia maligna, torna-se imperativo o encaminhamento a um centro especializado de diagnóstico e tratamento do câncer infantojuvenil. O diagnóstico do câncer principia com a história clínica e o exame físico. A história clínica, fundamentada principalmente na queixa principal, é o primeiro passo no processo de diagnóstico. A história familiar e a presença de doenças genéticas ou de doenças constitucionais podem, também, auxiliar nas orientações para o diagnóstico. Os sinais e sintomas do câncer podem ser decorrentes da massa tumoral, de sua relação com tecidos vizinhos e/ou de sua disseminação a distância ou, mais raramente, secundários a substâncias secretadas pelo tumor. Na Tabela 1.3, estão listados os sinais e sintomas de alerta para que o pediatra reconheça a possibilidade de câncer e faça o diagnóstico precoce. Alterações ao hemograma, como leucocitose ou leucopenia, associadas principalmente à presença de neutropenia, ou, ainda, pancitopenia (diminuição de todas as três linhagens de células sanguíneas), podem refletir infiltração de medula óssea por neoplasias, geralmente leucemias, linfomas, neuroblastoma e retinoblastoma (por ordem de frequência). Os exames complementares necessários para diagnóstico e avaliação da extensão clínica da doença (estadiamento) variam de acordo com o tipo histológico da neoplasia maligna primária. Considerações Terapêuticas Aliada ao diagnóstico precoce, a abordagem terapêutica adequada tem influenciado de forma direta a possibilidade de cura dos pacientes, assim como sua qualidade de vida. O arsenal propedêutico tem auxiliado a elevação dessas taxas de cura, uma vez que possibilita melhor avaliação da extensão da doença, tornando possível a individualização terapêutica e poupando o paciente de toxicidades secundárias a um tratamento desnecessário. Nas crianças e adolescentes com câncer, as taxas de mortalidade diferem consideravelmente das taxas de incidência, em decorrência do progresso médico no diagnóstico precoce e no tratamento em centros oncológicos especializados, com consequente melhora na expectativa de vida. Em diversos centros oncológicos pediátricos, observa-se uma diferença substancial nas taxas de sobrevida em participantes de ensaios clínicos terapêuticos quando comparados àqueles realizados em hospitais gerais de câncer. Nos Estados Unidos, por exemplo, foi constatado que a probabilidade de uma criança sobreviver cinco anos após o diagnóstico de neoplasia maligna passou de 28% em 1960 para aproximadamente 70% no final da década de 1980, em decorrência das estratégias anteriormente descritas. Na Alemanha, no período de 1987 a 1992, a taxa de sobrevida foi de 70%. No entanto, dependendo da história natural, da doença, do órgão afetado, do grau de disseminação e da diversidade de resposta à terapêutica antineoplásica, pode ocorrer acentuada variabilidade nas taxas de sobrevida entre crianças diagnosticadas com diferentes tumores. No Brasil, nos últimos anos, houve marcante melhora na sobrevida das crianças com câncer, decorrente da criação e do desenvolvimento, em 1981, da Sociedade Brasileira de Oncologia Pediátrica (Sobope) e do uso de protocolos cooperativos. Os resultados obtidos para a maioria dos tipos histológicos são similares aos de países desenvolvidos Em relação à conduta terapêutica, esta somente pode ser iniciada após a confirmação obtida pelo laudo citológico ou anatomopatológico e quando o estadiamento clínico da doença tiver sido avaliado pela realização de exames laboratoriais e de imagem. O tratamento é multimodal, variando de acordo com o tipo histológico e com o estadiamento. Pode incluir cirurgia, radioterapia, quimioterapia, imunoterapia e/ou transplante de medula óssea e de órgãos. O objetivo dos oncologistas pediátricos é a cura; porém, a qualidade de vida é um aspecto tão relevante a ser considerado no paciente com câncer quanto a sobrevida. Nesse sentido, é imprescindível encontrar tratamentos efetivos e menos tóxicos, sem, no entanto, diminuir as taxas de cura já alcançadas. É importante, também, enfatizar que quanto mais precoce for o diagnóstico, maior será a oportunidade de a doença se encontrar localizada e de o tratamento ser menos agressivo. Assim, a possibilidade de sequelas, a agressão emocional e um segundo câncer diminuirá consideravelmente. Cabe ressaltar, ainda, o papel do pediatra no acompanhamento de seu paciente junto à equipe da oncologia pediátrica, certificando-se do diagnóstico, tratamento e complicações e das condutas a serem adotadas durante e após a interrupção do tratamento. O pediatra deve continuar sendo sempre o vínculo entre a criança/ adolescente, a família e a equipe de oncologia pediátrica, beneficiando, desse modo, seus pacientes e evitando sobrecarga financeira e emocional para a família. Prevenção A prevenção primária em oncologia visa a interromper a evolução da doença por meio da ação antecipada com base no conhecimento de sua história natural. Na criança/ adolescente, raramente é possível fazer a prevenção primária do câncer. O risco de câncer em determinada população depende diretamente das características biológicas e comportamentais dos indivíduos que a compõem, bem como das condições sociais, ambientais, políticas e econômicas que os rodeiam. Considerando que a infância e a adolescência são períodos críticos do desenvolvimento, em que, além da formação de hábitos de vida, a exposição a fatores ambientais pode afetar a estrutura ou a função de órgãos, tecidos ou sistema corporal, comprometendo a saúde do adulto, é fundamental a orientação a fatores de risco conhecidos para o câncer, relacionados a exposições de longa duração. Portanto, a orientação em relação aos fatores de risco para a ocorrência do câncer na vida adulta pode e deve ser realizada pelo pediatra. As orientações para a prevenção de diferentes tipos de câncer secundários ao hábito de fumar, para uma alimentação adequada (alimentos pobres em gordura, ricos em fibras, isentos de aflatoxinas, nitritos, hidrocarbonetos aromáticos policíclicos), redução das infecções com agentes carcinogênicos (bactéria Helicobacter pylori, vírus da hepatite B, vírus Epstein-Barr, HPV tipos 16 e 18, HIV e HTLV1, entre outros), cuidados com o meio ambiente (evitar exposição excessiva ao sol e exposição a radiações), evitar o sedentarismo, a higiene precária e exposições ocupacionais (benzeno, amianto, agrotóxicos e outras), devem sempre ser realizadas pelo pediatra. Na criança é imprescindível atuar na prevenção secundária, principalmente pelo diagnóstico precoce da doença. Outra modalidade de prevenção secundária é o rastreamento, que nas crianças não se mostra efetivo ou é restrito a uma pequena porcentagem de pacientes, como aqueles com determinadas malformações e síndromes genéticas. Considerando que na criança o retinoblastoma pode ser hereditário, é importante, nesses casos, a realização do aconselhamento genético. Atualmente, o desenvolvimento de testes genéticos permite identificar mutações em genes supressores de tumor, identificando, assim, portadores de risco. No entanto, deve-se estar alerta para as possíveis consequências éticas, psicossociais e econômicas da identificaçãona criança/adolescente de um risco aumentado para o câncer na vida adulta. Assim, tão importante quanto o tratamento do câncer em si é a atenção dada aos aspectos sociais da doença, uma vez que a criança está inserida no contexto da família. A cura não deve se basear somente na recuperação biológica, mas também no bem-estar e na qualidade de vida do paciente, bem como em sua reinserção social. Por essa razão, o apoio psicossocial deve estar inserido no tratamento desde seu início. Chances de cura, a sobrevida, a qualidade de vida do paciente e a relação efetividade/custo da doença são maiores quanto mais precoce for o diagnóstico do câncer. O tratamento do câncer inicia-se com o diagnóstico e o estadiamento corretos. Deve ser efetuado em centro especializado pediátrico, por equipe multiprofissional, compreendendo diversas modalidades terapêuticas (quimioterapia, cirurgia, radioterapia, imunoterapia, transplante de célula-tronco hematopoética e/ou de órgãos), aplicadas de forma racional, individualizada e de acordo com o tipo histológico e a extensão clínica da doença. Dependendo da história natural, do órgão afetado, do grau de disseminação e da diversidade de resposta à terapêutica antineoplásica, pode ocorrer acentuada variabilidade entre as taxas de sobrevida nas crianças diagnosticadas com diferentes tumores. Leucemias Agudas A evolução do conhecimento sobre as drogas quimioterápicas, a biologia da leucemia e o manuseio dos eventos adversos da quimioterapia e radioterapia permitiram melhorar os resultados do tratamento da leucemia linfoide aguda (LLA). Dados de literatura mostram índices de cura para LLA de 70 a 80%. A análise da sobrevida livre de eventos (SLE) em 14 anos dos pacientes tratados no protocolo GBTLI-LLA (Grupo Brasileiro para o Tratamento da LLA Infantil) mostrou que a raça negra e o estado nutricional de subnutrição tiveram impacto negativo na SLE desses pacientes. Contudo, o prognóstico da leucemia mieloide aguda (LMA) precisa melhorar, já que, atualmente, encontram-se bons resultados em apenas 25 a 51% dos casos4,5, especialmente por conta da resistência a múltiplas drogas e da mortalidade relacionada ao tratamento. A LLA (leucemia linfática aguda) origina-se a partir de uma alteração somática em uma célula linfoide B ou T progenitora, levando ao crescimento desordenado e à proliferação clonal dessa célula (blasto), o que faz que as células normais da medula óssea tenham sua produção alterada, resultando em anemia, sangramento e infecções. O mesmo ocorre na LMA (leucemia mieloide aguda), porém as células afetadas são os precursores mieloides, eritroides ou megacariocíticos. Considerações epidemiológicas A leucemia aguda representa 25 a 30% dos casos de câncer em pediatria. A LLA responde por 80% dos casos; a LMA, por 15 a 20%, e a leucemia mieloide crônica (LMC), por 5%. Nos Estados Unidos, estima-se que ocorram 3 a 4 casos de LLA a cada 100 mil crianças brancas e 500 casos novos por ano de LMA. No Brasil, em cada 10 a 15 casos de câncer em menores de 15 anos de idade, 4 são de LLA, e os dados sobre LMA em pediatria são escassos. A LLA tem seu pico de incidência entre 2 e 4 anos de idade, com maior incidência para o sexo masculino e raça branca; na LMA, no entanto, ocorre maior acometimento em crianças com menos de 1 ano de idade e em adolescentes. A incidência da leucemia na infância está aumentando, conforme demonstrado no estudo europeu de base populacional (aumento de 1,4% de 1970 a 1999) e no estudo Great Britain, que observou incremento de 3,83 para 4,61 por 100.000 indivíduos, nos períodos de 1971- 975 e 1996- 2000, respectivamente. Em contraste, o estudo realizado nos quatro países nórdicos (Dinamarca, Finlândia, Noruega e Suécia) observou que a incidência da leucemia na infância permanece estável na taxa de aproximadamente 3,3 casos por 100.000 crianças abaixo de 15 anos no período de 1983 a 2002, após um aumento da incidência no período de 1975 a 1983. Considerações etiológicas Tanto a LLA como a LMA podem estar associadas a fatores ambientais ou genéticos. Radiação ionizante, quimioterapia, produtos químicos, fumo, ingesta de álcool materno e dieta com excesso de inibidores de topoisomerase II (frutas e vegetais com flavonoides; chá, vinho e chocolate com catequinas; cafeína) podem estar associados a um maior risco de LMA ou síndrome mielodisplásica. Várias síndromes estão associadas à LLA ou LMA, como as de Down e de Bloom, anemia de Fanconi, ataxia telangiectasia, entre outras; no entanto, essas síndromes respondem por menos de 10% de todos os casos de leucemia em pediatria. Observam-se também ocorrência de leucemia familiar e alta incidência de leucemia em gêmeos idênticos. Mutações no gene p53 podem estar relacionadas à LLA. Risco aumentado para LLA associado ao peso mais elevado de nascimento foi observado em estudo publicado por Hjalgrim e colaboradores. Considerações fisiopatológicas O conhecimento da citogenética permite reconhecer que a LLA é uma doença clonal originada a partir de um precursor da medula óssea, com os blastos leucêmicos de um mesmo paciente apresentando a mesma alteração cromossômica numérica ou estrutural. O rearranjo dos genes da imunoglobulina (Ig) e do receptor de célula T (TCR) são os mesmos em todas as células doentes. A LLA surge a partir de mutações espontâneas que podem ocorrer durante o desenvolvimento normal dos linfócitos, já que existe atividade mutagênica no processo de rearranjo gênico e a taxa de multiplicação dessas células é alta. As alterações podem estar na expressão de proteínas dos genes p53 (supressor de tumor), MDM2 (inativa p53), p16 ou p15, ou nos genes dos cromossomos 9p, WT1 (localizado 11p13), TEL e KIP1 (localizado em 12p12-p13). O gene p53 é importante na LLA; ele sofre mutações (deleções ou rearranjos gênicos) que levam à produção de proteína p53 alterada. Os blastos leucêmicos mantêm algumas características das células normais, expressando moléculas receptoras de antígenos e glicoproteínas de superfície de membrana, refletindo o estágio de parada de maturação celular. O estudo imunofenotípico permite avaliar esse estágio. As alterações genéticas e de imunofenotipagem são importantes como fatores prognósticos para o tratamento e para a sobrevida. Aspectos clínicos A história e o exame físico de qualquer paciente devem ser minuciosos, uma vez que os sintomas da leucemia são inespecíficos, podendo mimetizar doenças comuns da infância. O quadro clínico depende do grau de infiltração da medula óssea e de extensão de doença extramedular, e geralmente resulta de anemia, plaquetopenia e neutropenia, podendo estar presente há dias ou meses. Portanto, deve-se atentar a palidez, fadiga, anorexia, sangramentos, febre, hepatoesplenoadenomegalia e, especialmente, dor óssea, artrite e artralgia. A linfonodomegalia está presente em aproximadamente 50% das crianças com LLA. Distúrbios de coagulação são mais frequentes na LMA6. Muitas vezes, as crianças queixam-se de dores em membros ou artralgia, cuja causa geralmente é benigna. Deve-se ter em mente que a leucemia pode principiar com alterações ósseas e articulares, às vezes com hemograma ainda normal. Assim, é imperativo que esses pacientes sejam acompanhados regularmente pelo pediatra, para que a diferenciação entre leucemia e doenças não malignas – como artrite reumatoide juvenil, osteomielite ou pioartrite – seja feita o mais rápido possível, evitando, desse modo, equívocos ou atrasos no diagnóstico e tratamento. Barbosa e colaboradores13 encontraram, no momento de diagnóstico de leucemia, 62% dos casos com presença de dor musculoesquelética e 13% com artrite. Na suspeita de doença reumática ou púrpura trombocitopênica, deve-se coletar o mielograma antes do início do tratamento com corticosteroide Os sintomas gastrintestinais, como dor abdominal, náusea e vômito, distensão abdominal, obstipação, diarreiae hemorragia digestiva, quando de etiologia desconhecida, também podem entrar no diagnóstico diferencial das leucemias em pediatria. Podem ocorrer infiltração leucêmica extramedular no sistema nervoso central (SNC), gânglios, fígado, baço, rins, testículos, ovários, olhos e pele. Na LMA, os mais comuns são em SNC e pele – cloroma, o qual acomete mais a região periorbitária. Alguns subtipos de LMA estão associados à hipertrofia gengival. A infiltração clínica do testículo é rara, unilateral, com dor e aumento de volume. Geralmente, o comprometimento de SNC é assintomático. Quando ocorre sintomatologia em SNC, o paciente pode apresentar cefaleia, náuseas, vômitos, letargia, irritabilidade, papiledema ou rigidez de nuca. O comprometimento isolado de nervos cranianos (VII, III, IV e VI) pode indicar a presença de leucemia em SNC. A obesidade pode ser uma rara manifestação de doença em SNC por infiltração do hipotálamo, causando hiperfagia e ganho de peso patológico. O exame do líquor coletado por punção lombar revela aumento de pressão, de celularidade e de proteínas. No paciente assintomático, encontram-se apenas blastos leucêmicos no líquor, com ou sem pleocitose Qualquer número de linfoblastos encontrados no líquor de LLA está associado a prognóstico pior, diminuindo a sobrevida do paciente. Atualmente, classifica- -se a leucemia em SNC na LLA como SNC-1 (sem linfoblastos), SNC-2 (< 5 leucócitos/mm3, com blastos) e SNC-3 (≥ 5 leucócitos/mm3 com blastos, massa cerebral ou paralisia de nervo craniano). Leucemia Mieloide Crônica Caracteristicamente uma doença que surge entre a quarta ou quinta décadas de vida, a leucemia mieloide crônica (LMC) raramente ocorre na faixa etária pediátrica. No entanto, apresenta aspectos biológicos e quadro clínico semelhantes aos dos adultos. Foi a primeira doença neoplásica a ser descrita com um marcador citogenético característico, o cromossomo Filadélfia (cromossomo Ph). Posteriormente, esse cromossomo foi identificado como resultado da translocação entre o cromossomo 9 e o 22. Portanto, a LMC é uma desordem mieloproliferativa associada ao cromossomo Ph e/ou à fusão do gene BRC-ABL (BCR no cromossomo 22 e ABL no 9).* Em comum com as leucemias agudas, sua biologia tem a origem clonal e a presença de rearranjo cromossômico específico no estágio primitivo da maturação da célula-tronco hematopoiética. Essa leucemia se distingue das leucemias agudas por manter sua capacidade de maturação com acúmulo de células com características maduras, geralmente granulócitos e plaquetas, aparentando processo crônico. Dessa forma, ao contrário das leucemias agudas, nas quais ocorrem sinais de falência medular, a LMC apresenta- -se como síndrome mieloproliferativa crônica, oligo ou assintomática na fase crônica. Os sintomas dessa fase são relacionados à contagem leucocitária alta e à proliferação mieloide extramedular, com hepatoesplenomegalia. A LMC tem curso clínico trifásico, sendo que a fase crônica está presente ao diagnóstico em aproximadamente 85% dos casos. Na fase acelerada ocorre falha progressiva na diferenciação neutrofílica, e a contagem de leucócitos é mais difícil de ser controlada. Na agudização ou crise blástica, há falta de diferenciação dos blastos mieloides ou linfoides, uma condição que lembra a leucemia aguda. Considerações epidemiológicas A LMC representa 5% das leucemias diagnosticadas em crianças até 15 anos de idade e é relatada em todos os países. Não há fator etiológico determinado, porém a exposição à radiação ionizante, como a que ocorre em acidentes atômicos, aumenta a frequência da LMC. Aspectos clínicos Esse tipo de leucemia apresenta nenhum ou poucos sintomas. Quando presentes, estão relacionados à alta LEUCEMIAS contagem leucocitária e à hepatoesplenomegalia, a qual também pode ser de pequena monta, mas com capacidade de atingir grandes proporções, com comprometimento da expansibilidade torácica. Pode haver sintomas inespecíficos, como mal-estar, sudorese, cansaço fácil, inapetência, emagrecimento e aumento do volume abdominal, com plenitude pós-prandial.* A proliferação de células precursoras hematopoiéticas fora da medula óssea é responsável pelo aumento do fígado e do baço. Mais raramente pode haver infiltração de outros tecidos, ocasionando verdadeiras massas tumorais, chamadas de cloroma. Quando essa proliferação acomete órgãos nobres, como o canal medular ou o SNC, o diagnóstico e as medidas terapêuticas podem exigir ações emergenciais para preservar as funções vitais. Trata-se, portanto, de urgência oncológica. A fase em que os sintomas são escassos e o hemograma não apresenta células imaturas ou blásticas é denominada de fase crônica. Geralmente, o diagnóstico é suspeitado pelo achado de hepatoesplenomegalia e o hemograma mostra leucocitose acentuada, podendo chegar a mais de 100.000 leucócitos/mm3, com predomínio de neutrófilos maduros. Nas fases acelerada e de agudização, ocorre aumento da contagem de células imaturas (blastos), podendo haver anemia e plaquetopenia. Na evolução, o quadro assemelha-se ao das leucemias agudas, com sinais de falência medular. Na leucemia aguda secundária, a linhagem da célula blástica é mieloide em 70% dos casos, mas em 25% das vezes pode ser linfoide. Resumo A detecção correta da leucemia é importante, uma vez que a chance de cura do paciente está na presteza do diagnóstico e tratamento por médico especialista e experiente. Um diagnóstico inadequado de púrpura trombocitopênica imunológica (PTI) ou artrite reumatoide juvenil (ARJ), com uso de corticosteroide, é suficiente para interferir no prognóstico de cura da criança. A história clínica e o exame físico devem ter achados decorrentes de anemia, plaquetopenia e neutropenia. O hemograma pode apresentar leucopenia à hiperleucocitose, com neutropenia, anemia e plaquetopenia. O aspirado de medula óssea fornece informações sobre a morfologia, imunologia e citogenética da leucemia. O tratamento será definido pelo hematologista ou oncologista pediátrico. Linfoma não Hodgkin A evolução da oncologia permitiu que cerca de 75% dos casos de linfoma não Hodgkin (LNH) pediátricos fossem curados. Esses linfomas são neoplasias do sistema linfoide que se originam a partir de células imaturas linfoides T ou B; mais de 90% dos casos apresentam alto grau de malignidade Classificação - neoplasia de precursor de células B, incluindo leucemia- linfoma linfoblástico de precursor B; - neoplasia de precursor de células T, incluindo leucemia- linfoma linfoblástico de precursor T; - neoplasia madura ou periférica de células B, incluindo leucemia-linfoma de Burkitt, linfoma B de alto grau Burkitt- like, linfoma B de grandes células difuso e subtipo linfoma B de grandes células mediastinal (tímico); - neoplasia madura ou periférica de células T e natural killer (NK), incluindo linfoma de grandes células anaplásico, CD30+, células T e null cell Considerações epidemiológicas A terceira causa de câncer em pediatria é o linfoma (DH e LNH), principalmente em menores de 20 anos de idade, respondendo por 15% das neoplasias em pediatria. O LNH acomete qualquer faixa etária, especialmente em torno dos 10 anos de idade, e é mais comum em meninos e em brancos. Vale ressaltar que, na África Equatorial, 50% dos casos de câncer em pediatria são linfomas, em especial o de Burkitt, em razão da alta incidência de infecção pelo EBV que ocorre nessa população. Nas síndromes de imunodeficiência congênita (síndrome de Wiskott-Aldrich, síndrome linfoproliferativa ligada ao X, ataxia-telangiectasia) ou adquirida (imunossupressão pós-transplante de medula óssea, HIV), há maior chance de desenvolvimento do LNH.* Nos países desenvolvidos, cerca de 40% dos LNH são do tipo Burkitt, 35% são linfoblásticos, 10 a 15% são de grandes células (anaplásico ou difuso) e o restante de outras histologias raras. O LNH tipo Burkitt é o subtipo histológico maiscomum em Recife e na África Equatorial17. No estudo realizado no Instituto Materno-Infantil Professor Fernando Figueira (IMIP), de Recife, observaram-se 78,2% dos casos como LNH Burkitt, 10% como LNH linfoblástico e 11,8% como LNH de grandes células. O LNH Burkitt pode ser endêmico (associado ao EBV), esporádico ou associado à imunodeficiência.* Considerações fisiopatológicas O LNH e a leucemia linfoide aguda (LLA) representam diferentes estágios de evolução de uma mesma doença, de modo que a terapia para ambos pode ser semelhante. Aspectos clínicos No LNH Burkitt esporádico, é possível haver tumor abdominal com dor, sinais de intussuscepção, alteração do hábito intestinal, náuseas, vômitos e sangramento gastrintestinal. Cerca de 25% dos casos aparecem como massa em fossa ilíaca direita, o que pode ser confundido com apendicite. Pode- se encontrar envolvimento de rins, pâncreas, gânglios, ovários, derrame pleural e ascite. O comprometimento isolado das amígdalas pode ocorrer e ser diagnosticado após amigdalectomia. No LNH Burkitt endêmico é comum o comprometimento das mandíbulas ou maxilas, mas também pode manifestar-se com massa abdominal. O comprometimento do SNC é mais comum do que nos casos esporádicos. No LNH linfoblástico de células T, ocorre massa mediastinal em 50 a 70% dos casos, geralmente com derrame pleural. Tosse, cansaço, dispneia e desconforto respiratório grave por compressão direta de vias aéreas, além de compressão da veia cava superior (VCS), levando à síndrome da VCS, podem indicar a presença de massa mediastinal importante. Entre 50 e 80% dos pacientes apresentam adenomegalia cervical, supraclavicular ou axilar e há possibilidade de se encontrar derrame pericárdico, chegando a ocorrer sinais de tamponamento cardíaco. No entanto, quando há comprometimento de células B, observa-se doença mais limitada, comprometendo ossos, gânglio ou pele. Quando o caso for de LNH anaplásico de grandes células, espera-se encontrar sintomas sistêmicos, como febre e perda de peso. A massa pode ser ganglionar, mediastinal ou abdominal. Comprometimento de pele, ossos e hepatoesplenomegalia também podem ser encontrados. Pode haver infiltração de medula óssea com pancitopenia e dor óssea, esta última também presente em doença óssea. O comprometimento do SNC é mais comum no LNH tipo Burkitt e no linfoma linfoblástico, podendo manifestar-se por meio de cefaleia, distúrbios visuais ou paralisia de nervos cranianos Linfomas não Hodgkin raros em pediatria Os linfomas não Hodgkin indolentes de células B maduras são raros nas crianças, incluindo o linfoma folicular, e tendem a se apresentar com envolvimento de linfonodos cervicais. Há relato desse tipo de linfoma também com apresentação testicular. O linfoma da zona marginal é também um linfoma indolente de célula B e pode se apresentar como uma doença nodal ou uma doença extranodal. O linfoma de célula B extranodal da zona marginal cresce na mucosa associada ao tecido linfoide (MALT) e tem sido relatado em crianças. Usualmente se apresentam como uma doença localizada e são associados ao Helicobacter pylori e requer não mais do que terapia local, cirurgia e ou radioterapia, para a cura. Os linfomas de células T madura (periférica) e de células NK são um grupo heterogêneo de linfomas, agressivos, e que respondem mal ao tratamento. A micose fungoide é a forma mais comum de linfoma cutâneo de células T ocorrendo em adultos e aproximadamente 4% a 5% dos casos são diagnosticados em pacientes menores de 20 anos. Crianças e adolescentes com micose fungoide têm forma de apresentação clínica diferente dos adultos. O estadiamento do LNH obedece à classificação de Murphy: - estádio I: tumor único extranodal ou que envolve uma única estrutura anatômica (nodal), excluindo mediastino e abdome; - estádio II: tumor único extranodal com envolvimento de gânglios regionais. Acometimento de duas ou mais áreas nodais de um mesmo lado do diafragma. Dois tumores extranodais, com ou sem gânglios regionais, de um mesmo lado do diafragma. Ocorrência de tumor primário de trato gastrintestinal (geralmente ileocecal), com ou sem envolvimento de gânglios mesentérios associados, completamente ressecado; - estádio III: dois tumores extranodais de lados opostos do diafragma. Duas ou mais áreas nodais de lados opostos do diafragma. Tumor primário intratorácico (mediastino, pleura, timo). Doença primária abdominal extensa. Qualquer tumor paraespinal ou epidural; - estádio IV: envolvimento de medula óssea e/ou de SNC.Diagnóstico diferencial Deve ser feito com infecções e outras neoplasias de células pequenas, redondas e azuis (tumor de Ewing, neuroblastoma (NB), rabdomiossarcoma. Em pediatria, a adenomegalia é comum e pode ser um problema de diagnóstico, já que várias patologias podem se manifestar com essa sintomatologia. A etiologia mais comum é infecciosa, secundária a Staphylococcus aureus, Streptococcus beta-hemolítico, doença da arranhadura do gato, micobactéria não tuberculosa, toxoplasmose, mononucleose, CMV e HIV. Levantamento realizado no Instituto de Clínicas Pediátricas Bolívar Risso (ICPBR)25 mostrou que, de 80 pacientes com adenomegalia avaliados entre 1997 e 2003, 29% apresentavam gânglios com mais de 2 cm de diâmetro (entre 2, 5 e 16 cm). Desses, 10 (43%) tiveram diagnóstico de neoplasia. Foram indicadas 10 biópsias, sendo confirmada neoplasia em 8 delas. Dos casos com menos de 2 cm, todos eram de etiologia benigna. A presença de massa mediastinal também é um desafio diagnóstico, obrigando o médico a realizar melhor investigação. Estima-se que cerca de 40% delas sejam neoplasias, especialmente LNH, DH, leucemias e NB. Outro levantamento do ICPBR26 mostrou que, em 23 pacientes com massa mediastinal avaliados entre 1996 e 2003, 16 (69,5%) apresentavam patologias oncológicas (7 com DH, 5 com LNH, 3 com NB e 1 com LLA). A hiperplasia tímica foi observada em 7 pacientes (30,5%), com as seguintes características: idade entre 2 meses e 13 anos; quadro clínico variável, desde pacientes assintomáticos com achado de imagem ao raio X de tórax até cansaço ao mamar, refluxo gastroesofágico, dispneia e pneumonias de repetição; 1 caso foi efeito rebote após quimioterapia para LNH, em paciente fora de terapia por sete meses. A biópsia foi realizada em 3 casos que apresentaram massa importante, incluindo o paciente fora de terapia para LNH. O tratamento recomendado foi conservador. Aspectos gerais O conhecimento da história natural de cada subtipo de LNH, associado a melhores técnicas diagnósticas, tem permitido tratamento mais específico a cada subtipo. Os fatores prognósticos importantes dependem do estádio da doença e do DHL. Pacientes com doença limitada (estádios I e II) têm prognóstico melhor do que aqueles com doença avançada (estádios III e IV). Assim, instituiu-se tratamento quimioterápico mais agressivo para doença avançada, de modo que os resultados em termos de sobrevida tornaram-se iguais aos em fase inicial, apesar de apresentar toxicidade maior. O tratamento mais intensivo para LNH tipo Burkitt com infiltração no SNC ou na medula óssea também melhorou o prognóstico. DHL elevado está relacionado a um pior prognóstico. O manuseio do LNH exige cuidados especiais. Nos casos de massa mediastinal anterior, levando a desconforto respiratório grave, deve-se iniciar logo a quimioterapia ou, caso não se tenha ainda o diagnóstico, utilizar uma dose baixa de radioterapia. O linfoma de Burkitt, principalmente quando disseminado, tem o risco de causar síndrome de lise tumoral, à semelhança das leucemias agudas. No caso de massa epidural com sinais de compressão medular, se ainda não houver diagnóstico, deve-se iniciar a quimioterapia ou a radioterapia para rápida descompressão do canal medular. A sobrevida livre de eventos de pacientes tratados para LNH na infância variou entre 63 e 91%27-30. No Brasil, a maioria dos casos do IMIP(90, 9%) foi diagnosticada em estádio avançado (III ou IV). Mesmo assim, a sobrevida global em 5 anos (70+/-4%) e a sobrevida livre de doença em 5 anos (68, 4+/-4%) encontradas são semelhantes aos países desenvolvidos20. O diagnóstico precoce pode melhorar esses resultados, uma vez que pacientes em estádios iniciais têm melhor prognóstico. Resumo A adenomegalia pediátrica é comum e pode ser um problema diagnóstico, já que várias patologias podem manifestar-se com essa mesma sintomatologia. Geralmente, gânglios que sugerem neoplasias são aqueles maiores que 2 cm, endurecidos, fixos, indolores e sem sinais flogísticos. Vale ressaltar que gânglios retroauriculares, supraclaviculares e epitrocleares devem ser investigados, independentemente de suas características iniciais. O conhecimento das adenomegalias é importante para a determinação da conduta diagnóstica e terapêutica adequada para cada paciente. Apesar de a maioria das crianças apresentar doenças benignas, é importante que o pediatra também inclua em seu diagnóstico diferencial as doenças neoplásicas, já que, nesses casos, o diagnóstico deve ser precoce para que o tratamento correto seja instituído, permitindo obtenção de chance de cura. O diagnóstico é baseado na história clínica e exame físico, devendo-se lançar mão, quando indicado, de exames complementares, como hemograma, culturas, sorologias, derivado proteico purificado (PPD), raio X de tórax e biópsia. Diagnóstico Diferencial dos Tumores Sólidos Um tumor é uma massa constituída pela multiplicação das células de um tecido, sem a estrutura dos processos inflamatórios ou parasitários conhecidos. Pode ser definido simplesmente como qualquer aumento de volume desenvolvido em uma parte qualquer do corpo. De acordo com seu comportamento e características biológicas, pode ser maligno ou benigno, conforme apresentação ou não da tendência a estender-se, a fazer metástase e cursar com recidiva após ablação. Os tumores sólidos representam cerca de metade das neoplasias pediátricas. Entre eles, o do sistema nervoso central (SNC) e as massas abdominais – representadas principalmente pelo tumor de Wilms e pelo neuroblastoma – são os tumores sólidos que, com maior frequência, acometem a infância. Outros tumores sólidos encontrados na faixa infantojuvenil são o retinoblastoma, os tumores ósseos, os sarcomas de partes moles, os tumores gonadais e outros menos frequentes. Tumores Abdominais Os tumores abdominais em crianças apresentam etiologia variada, cujo comportamento depende da sua histogênese, localização e relações com órgãos vizinhos. Sua avaliação requer urgência para determinar se a massa é maligna, se comprime órgãos vitais ou se há hemorragia. A história clínica e o exame físico, feitos com rigor, fornecem subsídios sobre a natureza do tumor. A idade é um fator importante para nortear o raciocínio diagnóstico. Tumores ou massas que são detectados no período neonatal são, na grande maioria das vezes, de natureza benigna, correspondendo na sua quase totalidade a malformações e defeitos do desenvolvimento embrionário. Conforme se afasta do período neonatal, maior a chance de malignidade da lesão. No lactente e na criança, existe um aumento significativo dos tumores malignos, sendo que sua localização no abdome já sugere malignidade. A frequência de massas retroperitoneais e aproxima-se de 80%, traduzindo um aumento das lesões não renais, enquanto a frequência de lesões renais permanece a mesma. Indícios da localização da massa no abdome são mostrados na Tabela 4.2. Os dois tumores abdominais malignos mais comuns na criança são o tumor de Wilms e o neuroblastoma. Além desses, são vistos tumores da adrenal — com maior frequência no Sudeste e no Sul do Brasil (São Paulo, Curitiba e Florianópolis) — tumores hepáticos e massas gonadais, representadas por tumores de células germinativas. Esses últimos podem ser gonadais (ovário ou testículo) ou extragonadais (mediastino, sacrococcígeo e intracraniano) e correspondem a um grupo heterogêneo de doenças com achados clínicos e histológicos distintos que influenciam o prognóstico. A remoção cirúrgica é curativa para teratomas maduros, teratomas imaturos de baixo grau e para os de ovário e testículos estádio I, que apresentem normalização dos marcadores no período pós-operatório. Nos tumores ovarianos, deve ser considerada, durante o ato cirúrgico, a retirada de amostras do ovário contralateral e dos linfonodos retroperitoneais. Em relação à orquiectomia, esta deve ser realizada após a ligação do cordão superior por acesso inguinal. O prognóstico dos tumores de células germinativas depende da localização primária da doença e da extensão ao diagnóstico. Tumor de Wilms - Epidemiologia Também conhecido como nefroblastoma, é o tumor maligno primário do rim mais comum e o segundo tumor maligno do retroperitônio na infância. A incidência é de 7 por 1 milhão de crianças com menos de 16 anos de idade, parecendo ser menor no Japão e em Cingapura e maior na Escandinávia, na África e no Brasil. A frequência desse tumor é igual entre os sexos, e cerca de 78% dos casos ocorrem na faixa etária entre 1 e 5 anos, com pico de incidência entre 3 e 4 anos. Geralmente ocorre de forma esporádica, mas 1% é de origem familiar. Algumas anomalias e síndromes genéticas têm sido associadas ao risco aumentado de tumor de Wilms, como a síndrome de Beckwith-Wiedemann (11p15.5), a síndrome WAGR, a síndrome de Denys-Drash e anomalias do trato geniturinário (criptorquidia, hipospadia, pseudo- hermafroditismo, disgenesia gonadal, malformações renais e do sistema coletor). A aniridia e hemi-hipertrofia são anomalias congênitas mais raras, que se associam ao tumor de Wilms, orientando para a necessidade de exame clínico mais frequente. Alguns genes supressores estão reconhecidamente envolvidos na gênese do tumor de Wilms, entre eles o WT1, que codifica um fator de transcrição importante para o desenvolvimento normal do rim e das gônadas; a deleção 11p13, onde se localiza esse gene, determina o aparecimento do tumor de Wilms. Tem sido identificado nas síndromes WAGR e Denys-Drash e em alguns casos de tumor bilateral. Mutações específicas do WT1 têm sido descritas em apenas 10% ou menos dos casos esporádicos desse tumor. A deleção 11p15.5, associada ao gene supressor WT2, é vista em associação à síndrome de Beckwith-Wiedemann. A cópia do 11p15 perdida é derivada da mãe, sugerindo que o lócus 11p15 está sujeito ao fenômeno de imprint genômico. Cerca de 20% das síndromes associadas ao tumor de Wilms têm perda de alelo no braço longo do cromossomo 16. - Manifestações clínicas O tumor de Wilms é assintomático ou oligossintomático e, na maioria dos casos, descoberto pelos familiares ao acariciar, brincar ou banhar as crianças. Outra porcentagem desse tumor é vista pelo pediatra durante o exame físico de rotina. Por ser de crescimento insidioso, é comum que os pais não notem a presença da massa e achem que a criança está apenas engordando. As manifestações clínicas, em ordem de frequência, são: massa palpável (60%), hipertensão arterial (25%), hematúria (15%), dor abdominal (8%), obstipação intestinal (4%), perda de peso (4%) e infecção do trato urinário (3%) - Diagnóstico A avaliação inicial é feita com a realização de raio X simples do abdome, nas incidências posteroanterior e de perfil, para avaliar a localização da massa e a presença de calcificação. Outro procedimento importante no diagnóstico do tumor de Wilms é a realização de ultrassonografia abdominal, que fornece informações sobre tamanho, localização, presença de trombo em vasos renais e possibilidade de lesão no rim contralateral. É um exame de baixo custo, mas deve ser realizado por profissionais que tenham experiência em oncologia. De forma complementar, é necessária a realização da TC do abdome, para detectar lesões menos visualizadas, relações com órgãos vizinhose proceder ao estadiamento da doença. A radiografia de tórax ou a TC de tórax devem ser realizadas para verificar a presença de metástases pulmonares. - Tratamento O tratamento é constituído de cirurgia, quimioterapia e/ou radioterapia dependendo do estadiamento, e sempre deve ser feito em serviço especializado no diagnóstico e no tratamento do câncer infantojuvenil. Neuroblastoma - Epidemiologia É um tumor complexo, com comportamento biológico diverso, e ainda é um desafio para o pediatra oncologista. Esse tumor se origina nas células primordiais da crista neural que formam a medula adrenal e gânglios simpáticos. É o tumor mais comum entre os lactentes, correspondendo a 7% de todas as malignidades. Possui pico de incidência por volta dos 2 anos de idade. Cerca de 75% dos pacientes com essa neoplasia possuem menos de 4 anos de idade e 90% têm menos de 10 anos. Raramente é visto em adolescentes com mais de 14 anos. Existe um risco aumentado de neuroblastoma em pacientes com neurofibromatose, doença de Hirschsprung, heterocromia da íris, síndrome hidantoíno-fetal e síndrome álcool-fetal. Da mesma forma, tem sido relatada maior frequência em portadores da síndrome de Beckwith- Wiedemann. De acordo com a localização, 40% estão presentes na adrenal, seguidos da cadeia paraespinhal (25%), tórax (15%), pescoço (5%) e pelve (5%). - Manifestações clínicas As manifestações clínicas desse tumor diferem de acordo com sua localização, mas existe uma série de sinais e sintomas sistêmicos, além de síndromes paraneoplásicas associadas. O achado mais comum é o de massa palpável com origem ao longo da cadeia simpática periférica, sendo na maioria das vezes assintomática ou oligossintomática. A presença de metástases ao diagnóstico ocorre em 75% dos casos. Quando presentes, os sintomas relacionados às metástases determinam os achados clínicos. É comum encontrarem-se sintomas referentes à liberação de catecolaminas produzidas pelo tumor, como sudorese, hipertensão arterial, irritabilidade, rubor e palpitação*. A doença metastática determina queixa de dor óssea, achados de anemia decorrente da infiltração da medula óssea, proptose e equimose palpebral nos casos com metástase orbitária. Ptose palpebral (síndrome de Horner) pode ocorrer no neuroblastoma cervical. Em lactentes, são comuns as metástases hepáticas e a presença de nódulos subcutâneos, encontrados no grupo estadiado como IV S (de special), e que apresentam grande probabilidade de remissão espontâne. A presença de febre é um relato constantemente associado a esse tumor (37%). Manifestações neurológicas decorrentes da síndrome de compressão medular são observadas nos casos de neuroblastoma de localização paraespinhal (19%), chamando a atenção para queixas de fraqueza, formigamento, alterações no tônus muscular e dificulade para andar. Trata-se de uma emergência oncológica, necessitando intervenção cirúrgica descompressiva nas primeiras 24 horas do bloqueio medular sob o risco de irreversibilidade do quadro. Outra manifestação vista em neuroblastoma é a síndrome da opsomioclonia, também conhecida como síndrome da dança dos olhos, secundária ao comprometimento cerebelar, causada por anticorpos direcionados aos epítopos das células dessa região. Crianças que apresentam essa lesão possuem melhor prognóstico se tratadas com quimioterapia que aquelas que não são submetidas a essa modalidade terapêutica. Neuroblastoma associado à diarreia crônica e intratável, resultante da produção de um peptídeo vasoativo intestinal (VIP) pelo tumor, constitui a síndrome de Kerner- Morrison; a remoção do tumor primário e o controle da doença são essenciais para a resolução da diarreia. - Diagnóstico Quanto aos exames diagnósticos, além dos de imagem já referidos para o tumor de Wilms, indica-se a RNM para os casos de tumor paraespinhal que necessitem de intervenção neurocirúrgica. O mapeamento de corpo inteiro com cintilografia utilizando metaiodobenzilguanidina (MIBG) é útil para estadiamento, pois as células do neuroblastoma apresentam afinidade pelo MIBG, detectando-se, assim, locais com atividade da doença. O hemograma com contagem de plaquetas é importante na avaliação, em decorrência da invasão da medula óssea por essa doença, estando indicada por ocasião do estadiamento a realização de vários aspirados e ao menos duas biópsias de medula óssea. Em todas as crianças com suspeita de neuroblastoma, devem ser dosados os produtos da degradação das catecolaminas, a dopamina, o ácido vanilmandélico e o ácido homovanílico, na urina ou no sangue. Essas substâncias funcionam como marcador biológico da doença, normalizando com o seu controle e voltando a apresentar concentrações elevadas quando a doença recidiva. Chama a atenção que nem todos os pacientes apresentam alteração nesses marcadores biológicos ao diagnóstico, mas é imperativa sua dosagem nessa fase, a fim de orientar o acompanhamento da doença - Tratamento O tratamento envolve cirurgia, quimioterapia e utilização de modificadores da resposta biológica, devendo ser feito em centros especializados para tratamento do câncer infantojuvenil. O prognóstico depende de variáveis específicas, entre as quais estão a idade, o estadiamento, a determinação da expressão da amplificação do oncogene MYCN, a histologia e a determinação da ploidia do DNA, para classificar o grupo de risco. Vale ressaltar que esse tumor ainda apresenta resultados pouco alentadores para pediatras oncologistas, pois a maioria das crianças apresenta doença metastática ao diagnóstico. Chama-se a atenção para a possibilidade de amadurecimento desse tumor, que, em alguns casos, pode evoluir para cura espontânea. Tumores hepáticos - Introdução Os tumores hepáticos na infância podem ser classificados como malignos ou benignos, primários ou metastáticos. Na faixa etária pediátrica, aproximadamente 2/3 de todas as massas hepáticas são malignas. Entre os tumores primários do fígado, os mais comuns são: hepatoblastoma (43%), hepatocarcinoma (23%), tumores vasculares benignos (13%), hamartoma mesenquimal e sarcoma (6% cada), adenoma e hiperplasia nodular focal (2% cada) e outros tumores (5%). Uma lista com os vários tipos de neoplasias, tanto malignas quanto benignas, distribuídas pela idade de apresentação, pode ser visualizada na Tabela 4.3 - Epidemiologia Após neuroblastoma e tumor de Wilms, os tumores epiteliais do fígado, hepatoblastoma (HBL) e hepatocarcinoma (HC) são a terceira neoplasia intra-abdominal mais comum na infância, correspondendo a cerca de 1% dos cânceres pediátricos13. Enquanto nos países ocidentais o HBL é o tumor hepático mais frequente, na Ásia e na África, o HC predomina, provavelmente por causa da grande prevalência de hepatite B nesses continentes. O HBL afeta principalmente lactentes e pré-escolares entre 6 meses e 3 anos de idade, embora neonatos e adolescentes com HBL já tenham sido descritos. Há predomínio do sexo masculino na taxa de 2:1, e o tumor ocorre tipicamente em pacientes da raça branca e no lobo direito do fígado. O HC ocorre principalmente após os 10 anos de idade e é o tipo mais comum de câncer hepático em adolescentes e adultos. - Etiologia O HBL tem sido associado com prematuridade ou baixo peso ao nascimento. Além disso, ocorre com maior frequência em indivíduos com polipose adenomatosa familiar e síndrome de Beckwith-Wiedemann, o que sugere um papel dos cromossomos 5 e 11 na sua patogênese. A perda da heterozigosidade no 11p15, observada em até 1/3 dos pacientes com HBL, é típica da síndrome de Beckwith- Wiedemann, caracterizada por macroglossia, hipoglicemia neonatal por hiperinsulinismo, onfalocele, visceromegalia e hemi-hipertrofia. Assim como na população adulta, o HC na infância tem forte associação com o vírus da hepatite B. Indivíduos com doenças hereditárias, como tirosinemia do tipo 1, deficiência de alfa-1-antitripsina e cirrose biliar, tambémapresentam incidência aumentada de HC. - Patologia O HBL é um tumor embrionário composto por células epiteliais hepáticas com ou sem componente mesenquimal. Atualmente, a maioria dos patologistas distingue apenas dois tipos morfológicos de HBL: o tipo epitelial e o tipo misto com seus respectivos subtipos: padrão misto sem e com características teratoides. Considera-se que a histologia puramente fetal está associada a um bom prognóstico, enquanto o subtipo indiferenciado de pequenas células prevê um prognóstico desfavorável. A histologia do HC em crianças e adolescentes é a mesma desse tumor em adultos. A variante fibrolamelar, que ocorre mais comumente em adolescentes e adultos jovens, nasce em fígado previamente normal, ao contrário da maioria do HC que cresce predominantemente em fígado cirrótico ou afetado pelo vírus da hepatite B ou C. Manifestações clínicas e exames complementares Tanto o HBL quanto o HC apresentam-se, geralmente, como uma massa abdominal assintomática. Perda de peso, anorexia, vômitos e dor abdominal indicam doença avançada. Icterícia, raramente encontrada em pacientes com HBL, é mais comum em indivíduos com HC, especialmente naqueles com doença hepática prexistente. Metástases a distância são encontradas em aproximadamente 20% dos pacientes com HBL e ocorrem principalmente nos pulmões. Disseminações para o SNC, ossos e outros órgãos são raras, mas têm sido descrita. São achados laboratoriais comuns em pacientes com HBL: anemia leve, normocrômica e normocítica, e trombocitose, que ocorre em 20% dos casos, secundária à produção de trombopoetina. Enzimas hepáticas e bilirrubinas estão geralmente normais nos pacientes com HBL, ao contrário do que ocorre em indivíduos com HC. Aproximadamente 90% das crianças com HBL e mais de 70% dos pacientes com HC têm níveis bastante elevados de alfafetoproteína (AFP), sendo este marcador muito utilizado clinicamente para monitorar a efetividade do tratamento e recorrência do tumor. As técnicas de imagem ocupam um papel importante no diagnóstico, estadiamento e tratamento dos pacientes com tumores hepáticos. Retinoblastoma - Epidemiologia É a neoplasia maligna intraocular mais comum em crianças; acomete cerca de 1 em cada 20.000 nascidos vivos. A incidência anual, nos Estados Unidos da América, é de 3,58 por milhão de crianças até a idade de 15 anos. O retinoblastoma pode comprometer somente um olho (unilateral) ou ambos (bilateral). Em países desenvolvidos, a doença unilateral é diagnosticada durante o segundo ou terceiro ano de vida, enquanto a bilateral se manifesta mais precocemente, sendo diagnosticada no primeiro ano. A apresentação após os 5 anos de idade é rara - Manifestações clínicas A apresentação mais comum é a do reflexo ocular branco, ou sinal do “olho do gato”. Segue-se, em frequência, o estrabismo, o eritema conjuntival e a diminuição da acuidade visual. Tumores localizados próximos à mácula podem ser visualizados mais precocemente que aqueles localizados na periferia. Menos comumente, o retinoblastoma pode se manifestar por celulite orbitária, dilatação unilateral da pupila, heterocromia, nistagmo e atraso de crescimento. Embora a maioria das crianças com retinoblastoma tenha inteligência normal, até 5% podem apresentar retardo mental Com frequência, o tumor é inicialmente identificado pelos pais, que consultam, então, o oftalmologista. Fotografias feitas com flash podem salientar a mancha branca nos olhos, facilitando o diagnóstico. O pediatra deve estar atento para pesquisar o reflexo do “olho do gato” em consultas de rotina. O tumor pode se estender além do globo ocular através do nervo óptico, para o espaço subaracnóideo e para o cérebro. Por via hematogênica, causa metástases em ossos, medula óssea e fígado. Linfonodos regionais também podem ser comprometidos. Tumores de Partes Moles - Introdução e epidemiologia Os tumores de partes moles na criança constituem um grupo heterogêneo de doenças, frequentemente malignas e de origem mesenquimal ou de seus derivados (músculos, tecidos conectivos, fibroso e adiposo, tecidos de suporte e vascular). Nos Estados Unidos da América, a incidência anual dos sarcomas de partes moles é de 11 por um milhão de crianças e adolescentes com idade inferior a 20 anos, representando 7,4% das malignidades primárias dessa faixa etária. Os sarcomas de partes moles apresentam incidência discretamente mais elevada no sexo masculino e na raça negra. Esses estão associados a distintas alterações cromossômicas, contrastando, assim, com a raridade de translocações observadas nos adultos. O rabdomiossarcoma (RMS) origina-se na musculatura estriada e é o sarcoma mais frequente entre crianças e adolescentes até os 14 anos de idade. Corresponde a aproximadamente 5% de todos os casos de câncer em pacientes com menos de 15 anos de idade, e cerca de 2/3 dos casos ocorrem em crianças até 6 anos de idade. Outros tipos de sarcomas são raros e apresentam maior incidência em adolescentes. Histologicamente, o RMS pode ser classificado como embrionário, alveolar, indiferenciado e pleiomórfico. Os dois principais subtipos – o embrionário e o alveolar – apresentam alterações moleculares distintas que atualmente estão sendo utilizadas para diagnóstico e seguimento da doença. O subtipo embrionário é o mais frequente em crianças, correspondendo a cerca de 60 a 70% dos casos. Esse subtipo geralmente localiza-se na região da cabeça e pescoço, trato geniturinário ou paratesticular. O subtipo alveolar corresponde a 20% de todos os RMS. É mais frequente em adolescentes e geralmente acomete as extremidades, tronco e períneo. Os subtipos pleiomórfico e indiferenciado são raros e correspondem a cerca de 5% dos casos. - Manifestações clínicas As manifestações clínicas variam de acordo com a localização do tumor primário e com a presença ou ausência de metástases. Os tumores de cabeça e pescoço podem aparecer na órbita, região oral, nasofaringe, seios paranasais, ouvido médio e região cervical. Esses tumores podem estender-se até o SNC por invasão direta, causando paralisia dos nervos cranianos, sintomas meníngeos e dificuldade respiratória, quando invadem o tronco cerebral. Os tumores localizados em tronco e extremidades são mais frequentes em adolescentes e ocorrem mais nas porções proximais dos membros inferiores. Queixas de hematúria, sangramento vaginal, massas polipoides exteriorizadas na vagina ou na uretra, obstrução urinária, obstipação intestinal e na presença de massa testicular ou paratesticular devem levantar suspeita para possibilidade diagnóstica de sarcoma em aparelho geniturinário. Os sarcomas de partes moles podem também ser encontrados no abdome e sua sintomatologia depende do local primário do tumor. Esses tumores podem, também, apresentar-se em outras localizações, porém com menor frequência. As metástases ocorrem mais frequentemente no pulmão, em osso e na medula óssea. A invasão do SNC pode ser observada nos tumores de cabeça e pescoço. Considerando que a presença de tumoração local é a manifestação mais encontrada da doença, é importante enfatizar ao pediatra a importância do monitoramento de qualquer tumoração em partes moles e indicar sua ressecção completa em caso de dúvidas em relação ao diagnóstico. Tumores do Córtex Supra-adrenal - Epidemiologia Os tumores do córtex adrenal (TCA) são raros e sua incidência é semelhante na maioria dos países, variando de 0,2, na França, a 0,38 para cada milhão de crianças até 15 anos de idade, na Inglaterra. Os Estados Unidos da América representam 1,3% dos carcinomas encontrados em crianças e adolescentes de até 20 anos de idade. No Sul e Sudeste do Brasil, contudo, há uma incidência aumentada desses tumores. A primeira evidência desse fato foi reportada por Marigo, Muller e Davies54, com relação às crianças de São Paulo. No Paraná, com base nos dados do Hospital de Clínicas da UniversidadeFederal do Paraná (HC- UFPR) e levando em conta que outras instituições paranaenses atenderam crianças com TCA, foi possível estimar uma incidência de 3,4 casos novos para cada milhão de crianças de até 15 anos de idade55. Esse cálculo foi realizado para uma população paranaense total estimada em 10 milhões de pessoas, sendo 3.500.000 desse total crianças com menos de 15 anos de idade, e mostra uma incidência aumentada de TCA no estado do Paraná, entre 10 e 15 vezes mais que a dos países com registros consolidados sobre câncer. Um trabalho recente corrobora essa primeira impressão, com dados de base populacional para a região metropolitana de Curitiba, permitindo inferir que a incidência de TCA é de 3,5 por milhão de crianças de até 15 anos de idade. Liou e Kay57, em revisão sobre TCA na criança, referem que “a literatura apresenta dois grandes grupos de populações de TCA pediátricos: o primeiro vem do sul do Brasil (Curitiba), onde a alta incidência rivaliza com taxas locais de tumor de Wilms, neuroblastoma e linfoma não Hodgkin. O segundo grupo de pacientes vem do restante do mundo”. De fato, quando se analisa a distribuição das neoplasias da criança no HC-UFPR, observa-se que, nos últimos 10 anos, foram atendidas 585 crianças com neoplasias, das quais 7% eram TCA, 5,8% eram neuroblastomas e 4,1% eram tumores de Wilms (dados não publicados). Embora já tenham ocorrido avanços no conhecimento da base molecular dos TCA, sua origem e sua progressão ainda não estão totalmente esclarecidas. Um achado importante nos casos de TCA do Paraná foi o da mutação no gene de supressão tumoral, encontrada na linhagem germinativa (TP53 R337H), em 97,2% das crianças avaliadas. Trata-se de uma mutação de ponto, cujo códon resultante (CAC) codifica o aminoácido histidina em vez de arginina (CGC). Esse estudo mostrou, também, que a perda somática do segundo alelo do gene TP53 tem sido documentada em quase todos os casos. Além disso, 432 indivíduos sem TCA do sul do Brasil foram avaliados e nenhum deles era portador da mutação TP53 R337H, o que sugere ser essa a principal alteração responsável pela incidência aumentada de TCA nessa região. Essa mutação altera as propriedades funcionais da proteína sob determinadas circunstâncias. Quanto maior o pH intracelular – acima de 7 – ou a temperatura – acima de 36,5oC – maior será a perda da função da proteína p53, o que justifica o grande acúmulo dela no núcleo da célula de TCA. Durante os primeiros 8 meses de vida, o volume da adrenal humana é reduzido de 70 a 3%, e a contagem das células parenquimatosas do córtex adrenal, de 40 a 5% do total apresentado ao nascimento. A situação de hiperproliferação e hipertrofia seguida de morte celular programada das células da zona fetal (ZF) torna o córtex adrenal mais propício à formação do TCA, seja por falha no mecanismo de proliferação, seja por morte celular, na ZF, na zona reticular ou em uma das outras duas camadas. Alterações genéticas ocorridas nesse momento podem ser responsáveis pelo desenvolvimento de tumores, especialmente na faixa etária que abrange crianças de até 4 anos de idade. Em termos moleculares, outras anormalidades já foram encontradas, além do alelo mutante TP53 R337H, sendo uma delas a amplificação da região 9q34-9q33 e o correspondente aumento no número de cópias do gene SF- 161,62. A proteína SF-1 tem importante participação na esteroidogênese, levando à produção de cortisol e outros esteroides adrenais. Uma consequência da amplificação do gene SF-1, associada à alta expressão da proteína SF-1, pode ser a atividade esteroidogênica aumentada, com consequente aumento da produção de esteroides. A recente revisão de características de 254 crianças com TCA, incluídas no Registro Internacional de Tumores Adrenocorticais Pediátricos (IPACTR), mostrou que sinais de virilização foram encontrados em 84,2% dos pacientes, concordante com relatos referentes a casuísticas de outros continentes. A virilização foi observada isoladamente ou acompanhada por manifestações clínicas de produção aumentada de outros hormônios adrenocorticais, além de androgênios, incluindo glicocorticosteroides, aldosterona ou estrogênios. No córtex adrenal, a proteína mutante TP53 R337H poderia exercer um efeito no tecido específico, induzindo instabilidade genômica. Nesse contexto, células que apresentam amplificação do gene SF-1 poderiam adquirir vantagem seletiva de crescimento, escapando, assim, dos mecanismos normais de controle da proliferação celular e acumulando lesões genéticas que levariam à formação do tumor. Estudos posteriores são necessários para esclarecer se a mutação TP53 R337H e a amplificação 9q34, incluindo amplificação do SF-1, são parte de uma cascata de eventos que conduz à oncogênese dos TCA, similar àquelas descritas em outros tumores, como a progressão de múltiplos passos no desenvolvimento do câncer colorretal. Por todas essas evidências, acredita-se que alguns TCA sejam de origem embrionária, período no qual a participação de SF-1 é intensa. - Manifestações clínicas A distribuição dos TCA quanto à idade é bimodal, com um pico na primeira e outro na quinta década de vida; o comportamento biológico do tumor nas crianças parece ser diferente daquele no adulto. Entretanto, em ambos os casos há maior frequência no sexo feminino. Pacientes com TCA podem apresentar-se clinicamente com uma das quatro associações de sinais e sintomas descritas a seguir; - síndrome de Cushing: obesidade centrípeta, facies de “lua cheia”, giba, pletora, retardo do crescimento, hipertensão arterial, hipotrofia muscular, acne ou abdome proeminente; - síndrome virilizante: meninas apresentando clitorimegalia, pubarca precoce ou hirsutismo, voz grave, hipertrofia muscular, crescimento acelerado e acne; meninos com pseudopuberdade precoce, com os típicos sinais de aumento da pilificação púbica, aumento de tamanho do pênis sem aumento concomitante do tamanho testicular, crescimento acelerado, hipertrofia muscular; - forma mista: combinação de sinais clínicos de virilização e síndrome de Cushing ou associação de síndrome de Cushing e hiperaldosteronismo; - forma não funcionante: na ausência de manifestações clínicas ou laboratoriais de aumento de produção hormonal adrenocortical. No sul e sudeste do Brasil, puberdade precoce é igual a tumor de córtex adrenal, até que se prove o contrário. Com a finalidade de conhecer as características clínicas e biológicas dos TCA em crianças, foi feita análise dos dados coletados pelo IPACTR, vinculado ao International Outreach Program do St. Jude Children´s Research Hospital de Memphis, Tennessee. Nesse registro, foram incluídos, de janeiro de 1990 a dezembro de 2001, 259 pacientes com menos de 21 anos de idade, sendo 79,5% provenientes de São Paulo e do sul do Brasil65. Quase 60% tinham menos de 4 anos. A porcentagem de formas clínicas funcionantes foi de 90%. Virilização isolada ou em combinação com aumento da secreção de cortisol ou de outros hormônios ocorreu em 84,3% dos casos, e tumores não produtores de hormônios representaram apenas 10% do total. TCA em crianças que se apresentam clinicamente apenas com síndrome de Cushing é raro65. Em contraste, menos de 50% dos tumores são funcionantes nos adultos, e a maioria apresenta síndrome de Cushing isolada ou hiperaldosteronismo Quanto ao sexo, nos casos do IPACTR, a relação feminina:masculino global foi de 1,6:1, mas variou de acordo com grupos etários. Houve predomínio de meninas no grupo etário de até 3 anos e no de idade igual ou superior a 13 anos; a distribuição quanto ao sexo foi similar nas idades de 4 a 12 anos. A análise dos pacientes registrados no IPACTR identificou os seguintes fatores: pacientes com características clínicas de Cushing (puro ou misto) tiveram pior prognóstico, confirmando os achados anteriores de Bergada et al. Pacientes com tumores não funcionantes, ao contrário do que referem alguns
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