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Disciplina: Investigação, Compliance e Lei Anticorrupção Aula 3: Lei Anticorrupção – Parte II Apresentação Nesta aula, continuaremos o estudo da Lei Anticorrupção com foco nos programas de Compliance. Falaremos do conceito de Acordo de Leniência e sua relação com a Lei Anticorrupção. Este tema deve ser de alguma forma familiar para você, já que a imprensa noticia bastante tal nomenclatura em função da Operação Lava Jato, mas aqui daremos uma abordagem dentro da Lei Anticorrupção. Adiante, falaremos sobre o Processo Administrativo de Responsabilização – PAR, instrumento pelo qual as empresas exercem sua defesa e aplicam as sanções. Por último, abordaremos conceitualmente a figura do whistleblower. Esperamos que o assunto enriqueça você e ajude a raciocinar sobre o conceito de Compliance de maneira mais ampla. Objetivos Definir Acordo de Leniência; Definir whistleblower; Identificar o Processo Administrativo de Responsabilização – PAR. O que é Acordo de Leniência? Com a operação Lava Jato, muito se ouve falar do Acordo de Leniência. Veja a seguir uma definição elaborada por Oliveira e Rodas: Transação entre o Estado e o delator que, em troca de informações que viabilizem a instauração, a celeridade e a melhor fundamentação do processo, possibilita um abrandamento ou extinção da sanção em que este incorreria, em virtude de haver também participado da conduta ilegal. Gesner Oliveira e João Rodas. Tal acordo é possível em diversos contextos, tais como procedimentos conduzidos pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE para a apuração de condutas anticoncorrenciais (formação de cartéis, por exemplo) e Lei Anticorrupção. Não é algo exclusivo da Lei Anticorrupção, portanto. Aqui, ressalto que o Acordo de Leniência não é feito no âmbito criminal. Quando escutamos em noticiários que uma empresa firmou tal acordo no âmbito da Lava Jato, por exemplo, isso não quer dizer que tenha reflexo direto no processo criminal. Tecnicamente, não existe tal acordo para absolver o réu, por exemplo. Quando ouvimos isso, devemos entender que as empresas envolvidas celebrarão para benefícios fora do processo criminal. Os benefícios apenas reduzem punições na responsabilidade administrativa prevista na Lei do CADE ou da Lei Anticorrupção, por exemplo. Apenas a título de exemplificação, estes são possíveis benefícios para a empresa (e não para os funcionários envolvidos criminalmente), conforme o art. 40 do Dec. 8.420/2015: Artigo 40 do Decreto 8.420/2015 Art. 40. Uma vez cumprido o acordo de leniência pela pessoa jurídica colaboradora, serão declarados em favor da pessoa jurídica signatária, nos termos previamente firmados no acordo, um ou mais dos seguintes efeitos: I - Isenção da publicação extraordinária da decisão administrativa sancionadora; II - Isenção da proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicos e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo Poder Público; III - Redução do valor final da multa aplicável, observado o disposto no art. 23; ou IV - Isenção ou atenuação das sanções administrativas previstas nos art. 86 a art. 88 da Lei no 8.666, de 1993, ou de outras normas de licitações e contratos. Como funciona o Acordo de Leniência? Conforme vimos nas aulas anteriores, a empresa pode ser responsabilizada administrativamente por permitir condutas corruptivas em suas atividades. Vamos supor que uma empresa esteja envolvida em fraudes licitatórias, pagando propinas para funcionários públicos e falsificando documentos que comprovam a entrega de um produto. Tal prática, como já vimos, ensejará a punição da empresa segundo a Lei Anticorrupção, além da responsabilidade penal dos funcionários e servidores públicos envolvidos (a empresa não pode ser responsabilizada penalmente no Brasil por tais práticas atualmente). Após alguns anos dessa prática, a Corregedoria Geral da União – CGU inicia um procedimento administrativo para a apuração dessa infração. Neste procedimento administrativo, a empresa pode manifestar a vontade de firmar o Acordo de Leniência, ocasião em que confessará a prática dos ilícitos e colaborará com as investigações. Quanto mais efetiva for essa colaboração, maiores serão os benefícios para a empresa. O Acordo de Leniência da Lei Anticorrupção exige os seguintes requisitos presentes no artigo 30 do Decreto 8.420/2015. Artigo 30 do Decreto 8.420/2015 Art. 30. A pessoa jurídica que pretenda celebrar acordo de leniência deverá: I - Ser a primeira a manifestar interesse em cooperar para a apuração de ato lesivo específico, quando tal circunstância for relevante; II - Ter cessado completamente seu envolvimento no ato lesivo a partir da data da propositura do acordo; III - Admitir sua participação na infração administrativa; IV - Cooperar plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo e comparecer, sob suas expensas e sempre que solicitada, aos atos processuais, até o seu encerramento; e V - Fornecer informações, documentos e elementos que comprovem a infração administrativa. Sobre estes requisitos, destaco alguns pontos importantes. No caso de várias empresas estarem envolvidas, somente a primeira que se apresentar para colaborar poderá firmar o acordo. Isto significa que as demais envolvidas, em um segundo momento, estarão inabilitadas para tanto. Essa colaboração também deve ser relevante, trazendo informações novas e não apenas confirmando o que já se sabe, por exemplo. Se não trouxer nada novo ou relevante, o acordo não se firmará. Afinal, por que os órgãos de fiscalização (CGU e outros) teriam interesse em beneficiar uma empresa que apenas informe o que as investigacões já descobriram? Por último, tudo o que for dito na colaboração deve ser comprovado por documentos ou elementos. Assim, não basta apenas dizer que isso ou aquilo ocorreu, mas comprovar documentalmente ou, ao menos, fornecer elementos para que isso seja provado (por exemplo: fornecimento de elementos como hora e local em que a propina foi entregue, de maneira que a CGU possa pegar as filmagens do local). Os resultados dessas informações/documentos devem resultar no seguinte: 01 A identificação dos demais envolvidos na infração, quando couber. 02 A obtenção célere de informações e documentos que comprovem o ilícito sob apuração. Aqui, cabe notar que não basta apenas dizer que isso ou aquilo ocorrera. Fica a cargo de a empresa comprovar ou, ao menos, auxiliar o órgão fiscalizador a comprovar. Isto porque uma informação sem comprovação é irrelevante para a investigação, já que, como se sabe, qualquer sanção judicial ou administrativa deve ser motivada em provas e não em informações ou suposições. Atenção Caso a empresa se interesse em realizar o Acordo de Leniência e, ao final, este acordo não for firmado, todos os documentos fornecidos serão devolvidos para a empresa. Da mesma forma, as informações compartilhadas com o órgão fiscalizador não poderão ser utilizadas para a responsabilização da empresa, exceto se aquele tiver acesso às informações por outro meio. Ou seja, ao entrar nas negociações para o acordo, a empresa está protegida quanto à utilização em seu prejuízo das informações passadas no caso do acordo não se firmado. Tal previsão está no artigo 35 do Decreto 8.420/2015. Caso o acordo não venha a ser celebrado, os documentos apresentados durante a negociação serão devolvidos, sem retenção de cópias, à pessoa jurídica proponente e será vedado seu uso para fins de responsabilização, exceto quando a administração pública federal tiver conhecimento deles independentemente da apresentação da proposta do acordo de leniência. Esta previsão é importantíssima, pois quem iria colaborar com o “inimigo” se soubesse que, caso não chegassem ao acordo, tudo o que foi compartilhado seria utilizado em seu desfavor sem nenhuma vantagem? Afinal, apenas para relembrar, o Acordo de Leniência é um jogo de interesses, de maneira que a empresa acusada ajuda oórgão fiscalizador em troca de alguns benefícios. A empresa não firma o acordo apenas na intenção de colaborar. Ela o faz com a única intenção de ter a sua sanção reduzida. Portanto, tal como ocorre em qualquer acordo e negociação na vida, o acordo de leniência é uma via de mão dupla, em que cada um busca interesses próprios. Por último, destaco dois pontos. Primeiro, todo o procedimento e negociações para o acordo de leniência são sigilosos. Desde o momento em que é feita a proposta pela empresa até a assinatura do acordo (ou não), ninguém pode ter acesso às tratativas. Se alguém vazar tais informações, isso pode até configurar crime (na aula 10, falaremos um pouco mais sobre isso). De fato, isso proporciona uma situação confortável para a empresa. Segundo, o momento final para manifestar interesse no acordo de leniência é a confecção do relatório do Processo Administrativo de Responsabilização. Após este momento, qualquer colaboração restará inócua para a empresa, já que, em tese, não poderá gozar de nenhum benefício previsto na Lei de Anticorrupção (art. 30, §2º, do Dec. 8.420/2015). Importância do programa de Compliance para o Acordo de Leniência Com um bom programa de Compliance, a empresa terá uma série de informações que poderá fornecer aos órgãos de investigação dentro do acordo. Tal como vimos, o acordo de leniência somente será válido se os requisitos previstos no art. 16 forem preenchidos. Como regra geral, quanto mais colaborativa for a empresa, mais efetivo será o acordo e maior será a redução da punição. Essa colaboração efetiva fica bem fácil quando uma empresa tem um programa de Compliance bem instituído. Por exemplo, tal programa pode ser eficaz em levantar outras empresas envolvidas ou mesmo identificar os servidores e funcionários protagonistas. Mais do que isso, o programa de Compliance ajuda a comprovar as informações que a empresa passar ao órgão fiscalizador (CGU, no nosso exemplo). Como dito anteriormente, a colaboração tem que ser comprovada. Não basta apenas mencionar que fulano estava envolvido e recebeu propina: a empresa tem que estar apta a informar como isso aconteceu, quando e, se for possível, comprovar documentalmente. Na prática, é comum as empresas apenas mencionarem uma série de situações para as autoridades fiscalizatórias, mas, ao final, restarem incapazes de comprovar ou mesmo informar detalhes que possam produzir provas documentais que ratifiquem a informação. De fato, uma maneira de trazer mais robustez à colaboração pode advir de um programa de Compliance bem estruturado. PAR e o setor de Compliance Quando uma empresa comete um ilícito previsto na Lei Anticorrupção, ela não é punida automaticamente. Inicialmente, é instaurada uma investigação preliminar e, posteriormente, um Processo Administrativo de Responsabilização – PAR. A investigação preliminar se presta apenas para produzir indícios suficientes de que houve a infração e de quem supostamente a cometeu. Veja que esta etapa preliminar não visa à produção de provas. Visa apenas à produção de indícios, de maneira que não se forma nenhum juízo de valor sobre a autoria da infração ou mesmo a sua existência. Portanto, o objetivo é produzir elementos que possam sustentar uma acusação e a instauração do PAR. Cometido o ilícito e verificados indícios suficientes durante a investigação preliminar, instaura-se o PAR. A grande importância do PAR é que é este o momento em que a empresa poderá se defender, apresentar provas em seu favor, confessar o ilícito, exercer o contraditório etc. Como se nota, a defesa não é feita apenas com argumentos jurídicos, mas, principalmente, com provas e elementos que possam inocentar o réu ou mesmo implicar em penas menores. Apenas a título didático, o PAR é como se fosse o processo criminal que o réu responde perante o juiz. Durante o processo criminal, o réu tem várias oportunidades para se defender, podendo requerer a elaboração de um laudo pericial, arrolar testemunhas em seu favor, ser interrogado para dar a sua versão pessoal dos fatos etc. Portanto, devemos entender o PAR como o momento em que a empresa pode se defender amplamente. Whistleblower Como regra geral, a prática de atos ilícitos é descoberta e investigada a partir de pessoas que resolvem denunciar aquela prática. Whistleblower é na verdade aquele que delata, denuncia e relata a prática de algum ato ilícito dentro da empresa. Ele é peça fundamental dentro de um programa de Compliance, pois, sem colaboradores internos, as atividades do programa tendem a ser limitadas e, muitas vezes, infrutíferas. Por conta disso, é imprescindível que os gerenciadores e profissionais que atuam nesta área desenvolvam mecanismos internos para a proteção dos whistleblowers. De fato, seja na Administração Pública, seja na iniciativa privada, os whistleblowers estão passíveis de sofrer ameaças ou retaliações por conta dessa conduta nobre. E digo isso porque, se não houver mecanismos para a proteção do whistleblower, a prevenção e investigação interna na empresa pode enfrentar diversos obstáculos. Como exemplo, cito o hotline, o qual é comumente usado para proteger a identidade dessas pessoas. Contudo, nem sempre isso é possível ou mesmo recomendável. Invariavelmente, você precisará que o denunciante venha prestar depoimento ou mesmo formalize sua denúncia. Se isso não ocorrer, num eventual acordo de leniência, por exemplo, a empresa ficará impossibilitada de apresentar provas e elementos para colaborar com as investigações. E, como já vimos, palavras são insuficientes para que o acordo seja firmado e a empresa goze dos benefícios. Essa proteção ou mesmo estímulo ao whistleblower pode ocorrer de diversas formas. Vou, agora, apenas mencionar duas, já que este ponto será melhor desenvolvido na segunda metade desta disciplina. 01 O primeiro seria a previsão no Código de Ética da empresa de sigilo total da pessoa denunciante e com garantias específicas, tais como: impossibilidade de demissão involuntária por parte do empregador nos próximos dois anos e impossibilidade de transferência de setor ou região involuntariamente. 02 Como estímulo, cito uma recompensa em dinheiro. Aliás, isso já é bem comum em investigações policiais e tem sido bastante eficaz. Atividade 1. O que é Acordo de Leniência? 2. Cite dois benefícios do Acordo de Leniência. 3. Até que momento é possível celebrar o Acordo de Leniência? 4. Mencione ao menos dois requisitos para que a empresa possa celebrar o Acordo de Leniência. 5. Em sua opinião, qual é a importância do programa de Compliance para uma empresa que tenha interesse em celebrar um Acordo de Leniência? 6. O que é whistleblower? Referências BRASIL. Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União. Manual para Implementação de Programas de Integridade: Orientações para o Setor Público. Disponível em: <http:// www.cgu .gov.br/ Publicacoes/ etica-e-integridade/ arquivos/ manual_profip .pdf <http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/etica- e-integridade/arquivos/manual_profip.pdf> >. Acesso em: 10 jul. 2018. OLIVEIRA, G.; RODAS, J. G. Direito e Economia da Concorrência. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. Souza, Jorge M. S. de; Queiroz, Ronaldo P. de. Lei anticorrupção e temas de Compliance. 1. ed. Salvador: Juspodivm, 2017. Próximos Passos http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/etica-e-integridade/arquivos/manual_profip.pdf Compliance nos Estados Unidos; Análise dos principais elementos das Sentencing Guidelines. Explore mais Pesquise na internet, sites, vídeos e artigos relacionados ao conteúdo visto. Em caso de dúvidas, converse com seu professor online por meio dos recursos disponíveis no ambiente de aprendizagem. Neste site, você encontrará o Guia de Compliance do Conselho Administrativo de Defesa Econômica: Guia de Compliance do CADE <http://www.cade.gov.br/acesso-a- informacao/publicacoes-institucionais/guias_do_Cade/guia- compliance-versao-oficial.pdf> . Confira o Decreto 8.420/2015, que regulamenta o Processo Administrativo de Responsabilização – PAR:Decreto 8.420/2015 <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015- 2018/2015/Decreto/D8420.htm> . http://www.cade.gov.br/acesso-a-informacao/publicacoes-institucionais/guias_do_Cade/guia-compliance-versao-oficial.pdf http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Decreto/D8420.htm
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