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Coordenação: Daniela Ballão Ernlund e Graciela I. Marins A PROTEÇÃO À MULHER NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO A PROTEÇÃO À MULHER NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO Curitiba 2014 A Proteção à Mulher no Ordenamento Jurídico Brasileiro Todos os direitos reservados. A reprodução não-autorizada desta publicação, em todo ou em parte, constitui violação de direitos autorais (Lei nº 5.988). Editoração e Capa: Liquid Coordenação: Daniela Ballão Ernlund e Graciela I. Marins Editoração:Vinícius André Dias Os artigos publicados neste livro são de inteira responsabilidade de seus autores. As opiniões não representam, necessariamente, pontos de vista da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Paraná. Catalogação da Publicação na Fonte Bibliotecária: Rosilaine Ap. Pereira CRB-9/1448 Ordem dos Advogados do Brasil. Seção do Paraná P967 A proteção à mulher no ordenamento jurídico brasileiro / Coordenado por Daniela Ballão Ernlund, Graciela I. Marins. -- Curitiba: OABPR, 2014. (Coleção Comissões; v.17) 196 p. ISBN: 978-85-60543-08-3 (Versão eletrônica) Vários autores Inclui Bibliografia 1. Direito da mulher. 2. Mulher – mercado de trabalho. 3. Condição jurídica – mulher. 4. Violência de gênero. 5. Mulher – ordenamento jurídico. 6. Proteção legal. I. Ernlund, Daniela Ballão. II Marins, Graciela I. CDD: 342.1156 Índice para catálogo sistemático: 1. Mulher - Direitos civis 342.1156 4 ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - SEÇÃO DO PARANÁ Gestão 2013/2015 Juliano José Breda Presidente Cássio Lisandro Telles Vice-Presidente Eroulths Cortiano Junior Secretário-Geral Márcia Helena Bader Maluf Heisler Secretária-Geral em Exercício Iverly Antiqueira Dias Ferreira Secretária-Geral Adjunta Oderci José Bega Tesoureiro CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS ADVOGADOS Gestão 2013/2015 José Augusto Araújo de Noronha Presidente Eliton Araújo Carneiro Vice-Presidente Maria Regina Zarate Nissel Secretária-Geral Luis Alberto Kubaski Secretário-Geral Adjunto Fabiano Augusto Piazza Baracat Tesoureiro 5 ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - SEÇÃO DO PARANÁ Gestão 2013/2015 Conselheiros Federais Titulares Alberto de Paula Machado César Augusto Moreno José Lucio Glomb Suplentes Flávio Pansieri Hélio Gomes Coelho Júnior Manoel Caetano Ferreira Filho Conselheiros Esta duais Titulares Alexandre Hellender de Quadros Carlos Roberto Scalassara Celso Augusto Milani Cardoso Cicero José Zanetti de Oliveira Ciro Alberto Piasecki Claudionor Siqueira Benite Daniela Ballão Ernlund Edni de Andrade Arruda Elizandro Marcos Pellin Eunice Fumagalli Martins e Scheer Evaristo Aragão Ferreira dos Santos Fábio Luis Franco Gabriel Soares Janeiro Gilder Cezar Longui Neres Guilherme Kloss Neto Gustavo Souza Netto Mandalozzo Hélcio Silva Orane Ivo Harry Celli Júnior João de Oliveira Franco Júnior João Everardo Resmer Vieira José Carlos Cal Garcia Filho José Carlos Sabatke Sabóia 6 Juarez Cirino dos Santos Juliana de Andrade Colle Nunes Bretas Lauro Fernando Pascoal Lauro Fernando Zanetti Lúcia Maria Beloni Corrêa Dias Luiz Fernando Casagrande Pereira Márcia Helena Bader Maluf Heisler Marilena Indira Winter Marlene Tissei São José Neide Simões Pipa André Nilberto Rafael Vanzo Oksandro Osdival Gonçalves Paulo Charbub Farah Paulo Rogério Tsukassa de Maeda Rafael Munhoz de Mello Renato Cardoso de Almeida Andrade Rita de Cássia Lopes da Silva Rogel Martins Barbosa Rogéria Fagundes Dotti Rubens Sizenando Lisboa Filho Silvio Martins Vianna Vera Grace Paranaguá Cunha Wascislau Miguel Bonetti Suplentes Abner Wandemberg Rabelo Alaim Giovani Fortes Stefanello Alberto Rodrigues Alves Alessandro Panasolo Alexandre Salomão Aline Graziele de Oliveira Almir Machado de Oliveira Clodoaldo de Meira Azevedo Débora de Ferrante Ling Catani Dicesar Beches Vieira Júnior Edward Fabiano Rocha de Carvalho Emerson Gabardo Emerson Norihiko Fukushima Estefânia Maria de Queiroz Barboza Fábio Artigas Grillo 7 Fernando Previdi Motta Gilberto Tadeu Dombroski Gilvan Antonio Dal Pont Graciela Iurk Marins Henrique Gaede Joel Macedo Soares Pereira Neto Júlio Martins Queiroga Leila Cuellar Leonardo Ziccarelli Rodrigues Luiz Sérgio de Toledo Barros Mariantonieta Ferraz Portela Maurício Barroso Guedes Melissa Folmann Paulo Giovani Fornazari Pedro da Silva Queiroz Regiane de Oliveira Andreola Rigon Rodrigo Luís Kanayama Rodrigo Pironti Aguirre de Castro Valmir de Souza Dantas Verônica Matulaitis Ratuchenei Membros Nato s Alcides Bitencourt Pereira Antônio Alves do Prado Filho Eduardo Rocha Virmond José Cid Campêlo Mansur Theophilo Mansur Newton José de Sisti Membros Ho norários Vita lícios Alberto de Paula Machado Alfredo de Assis Gonçalves Neto Edgard Luiz Cavalcanti de Albuquerque José Lucio Glomb Manoel Antonio de Oliveira Franco 8 COMISSÃO DA MULHER ADVOGADA OAB /PR Gestão 2013/2015 Daniela Ballão Ernlund Presidente Graciela Iurk Marins Vice-Presidente Andréa Bahr Gomes Secretária Alice Bark Liu Secretária Adjunta Membros Ana Luiza Manzochi Ana Paula Zanatta Ariane Regis Silva Caroline Said Dias Christhyanne Regina Bortolotto Elaine Andretta Anzoategui Elaine Falcão Silveira Fernanda Barbosa Pederneiras Moreno Gabriele Pesch Garbin de Carvalho Jacqueline Campos Miranda Monteiro Rocha Julia Gladis Lacerda Arruda Juliane Mayer Grigoleto Julieta Graciela Meurgey Afara Saldanha Rocha Jussara Osik Karla Ferreira de Camargo Fischer Lilian de Fatima Taborda Ramos Luciana Sbrissia e Silva Luciane Aparecida de Abreu Manfron Márcia Helena Bader Maluf Heisler Maria de Lourdes Pereira Cordeiro Marinete Luiza Oro Miriam de Fatima Knopik Miriam Klahold Patricia Munhoz e Silva 9 Poliana Cavaglieri Saldanha dos Anjos Rafaela Marchiorato Lupion Mello Regina Elizabeth Coutinho Ribaric Regina Maria Bueno Bacellar Rita Maria Lamarao de Paula Soares Rosi de Oliveira Dequech Silvia Turra Grechinski Thainá da Silva Cavalcanti Valéria de Sousa Pinto Vânia Regina Silveira Queiroz Mensagem do Presidente Ao adotar os e-books como formato padrão para os livros gerados pelas diversas Comissões constituídas na nossa Seccional, a OAB/PR dá um passo adiante no sentido de permitir acesso à tecnologia mais avançada aos advogados e estudantes de Direito paranaenses. O que temos nesta coletânea é resultado do trabalho de um grupo de profissionais abnegados, advogados que não medem esforços para oferecer, gratuitamente, a visão doutrinária tão necessária ao aprimoramento da atividade. Em todo o Paraná, temos centenas deles destinando parcela fundamental de seu tempo e talento para prover os colegas de obras que traduzem o conhecimento jurídico privilegiado de quem as concebeu. Cada um dos e-books que editamos contém temas atuais, referentes aos mais diferentes ramos da advocacia, bem como as principais questões jurídicas, políticas e sociais em voga no país, franqueados à utilização pelos advogados em sua prática rotineira. Esta é a contribuição que a Ordem está sempre disposta a patrocinar, como objetivo permanente no sentido de gerar benefícios substanciais capazes de elevar ainda mais o nome dos advogados e da advocacia paranaenses no cenário jurídico brasileiro e internacional. Juliano Breda Presidente da OAB/PR 11 Sumário A EXIGÊNCIA DA INCLUSÃO FEMININA NOS PARTIDOS POLÍTICOS: REALIDADE OU UTOPIA Ana Paula Zanatta e Andrea Kugler Batista Ribeiro ..................................................................................................17 ALIMENTOS COMPENSATÓRIOS Andréa Bahr Gomes .....................................................................................................................................................................29 PRIVILÉGIO FEMININO DE FORO NO DIREITO DE FAMILIA- PROTEÇÃO OU DISCRIMINAÇÃO NEGATIVA? Caroline Said Dias...........................................................................................................................................................................39 A MULHER, O ORDENAMENTO JURÍDICO E O DESENVOLVIMENTO Daniela Ballão Ernlund ................................................................................................................................................................48 A AÇÃO DE SEPARAÇÃO DE CORPOS Graciela I. Marins .............................................................................................................................................................................59 DESAFIOS NO ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA DE GÊNERO PELA ADVOCACIA PARANAENSE Sandra Lia Leda Bazzo Barwinski e Helena de Souza Rocha ...............................................................................72 REFLEXÕES SOBRE O TRABALHO ESCRAVO FEMININO Jacqueline Campos Miranda Monteiro Rocha .............................................................................................................85 CONSIDERAÇÕES ACERCA DO FORO PRIVILEGIADO DA MULHER NAS AÇÕES QUE VERSAM SOBRE CASAMENTO COM ÊNFASE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E NA LEI MARIA DA PENHA Juliane Mayer Grigoleto .............................................................................................................................................................96 ADOÇÃO: OS DIREITOS DA MÃE ADOTIVA E O SEU ENFOQUE NOS NOVOS GRUPOS FAMILIARES Jussara osik e Márcia Helena Baderr Maluf Heisler .................................................................................106 O DIREITO DA MULHER E A BUSCA DA FELICIDADE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO Lúcia Maria Beloni Corrêa Dias ..............................................................................................................................................119 12 OS DIREITOS DA MULHER APÓS A CONSTITUIÇÃO DE 1988 Maria de Lourdes Pereira Cordeiro e Rosi de Oliveira Dequech .....................................................................128 O DIREITO DA MULHER AOS ALIMENTOS GRAVÍDICOS DENTRO DA LEI Nº 11.804/2008 EM FAVOR DO NASCITURNO Marinete Luiza Oro .......................................................................................................................................................................136 DO DIREITO DE SER MULHER, SIMPLESMENTE MULHER Regina Maria Bueno Bacellar..................................................................................................................................................152 MÁSCARAS SOCIETÁRIAS E A DESCONSIDERAÇÃO INVERSADA PERSONALIDADE JURÍDICA Rogéria Dotti ....................................................................................................................................................................................164 A OUTORGA CONJUGAL E A PROTEÇÃO PATRIMONIAL DA MULHER FRENTE AO AVAL E À FIANÇA Thainá da Silva Cavalcanti ......................................................................................................................................................174 O ASSÉDIO À MULHER NO AMBIENTE DE TRABALHO Vânia Regina Silveira Queiroz .................................................................................................................................................182 13 “Esta obra é dedicada a todos os Advogados e Advogadas do Paraná, que, mesmo após 25 anos de Constituição Federal, ainda lutam por uma sociedade mais justa e igualitária, mas, especialmente, àquelas Advogadas que venceram barreiras e não esmoreceram, fazendo do Direito o mais nobre instrumento de proteção da Mulher e promoção da paz. A essas Mulheres, nossos agradecimentos e reconhecimento de inspiração.” Daniela Ballão Ernlund Presidente Comissão da Mulher Advogada 14 Introdução A criatividade humana vai se aflorando e crescendo na medida exata em que lhe dada a oportunidade de expressão e na proporção ao reconhecimento do seu valor. Retrato da experiência profissional de brilhantes mulheres na área do Direito, esta obra oportunizará ao leitor, o compartilhamento dos conhecimentos adquiridos não só através de uma linha de pesquisa à ciência jurídica, mas, também por experiências vividas ao longo de suas carreiras nas lidas com a justiça, a política, os movimentos sociais e com a realidade diária de todo ente sujeito de direito. O enaltecimento da grandeza da alma e da riqueza do espírito se expressa nesta obra através do tema escolhido por cada autora. Numa síntese generalista, esta obra aborda em seus diversos temas, uma visão técnica sobre a proteção da mulher no ordenamento jurídico, o que, aliás, inspirou o título do livro. Mas é na grandiosidade do universo feminino, que o leitor poderá absorver e compartilhar parte desse conhecimento e experiências demonstrados nos artigos produzidos. A larga experiência trazida com os anos de profissão e a generosidade dessas autoras que, ao dedicarem seu tempo ao desenvolvimento de cada tema escolhido, desempenharam um papel de verdadeiras pesquisadoras, cientistas e educadoras do Direito. Apesar da evolução social e da prevalência do princípio constitucional da isonomia, a mulher ainda encontra dificuldades de inserção nos partidos políticos e também sofrem, ainda que de maneira camuflada, alguma forma discriminação no mercado de trabalho, seja na esfera salarial, nos cargos que lhe são destinados a ocupar ou através do assédio moral. A legislação brasileira reconhece à mulher alguns privilégios de foro em determinadas ações judiciais o que muitas vezes pode gerar uma falsa sensação discriminatória e, que na realidade nada mais é do que uma acomodação do sistema legal à realidade social. O importante é o destaque dado à necessidade de reconhecer que toda diversidade de gênero merece um tratamento especial, diferenciado, como, por exemplo, a existência dos alimentos compensatórios e gravídicos, o direito à licença especial à mãe adotiva e à necessidade da 15 outorga conjugal como forma de proteção ao patrimônio do casal frente o aval e à fiança. A mulher tem o direito de ser mulher, sem que isso gere para isso qualquer sensação de desconforto, um clima de hostilidade ou de rivalidade entre os gêneros, especialmente em uma sociedade já ambígua e repleta de diferenças sociais. O objetivo deste livro não é falar de discriminação, por isso, os temas escolhidos trazem o reconhecimento de suas autoras que o mundo mudou e mudou para melhor. Iverly Antiqueira Dias Ferreira. A EXIGÊNCIA DA INCLUSÃO FEMININA NOS PARTIDOS POLÍTICOS: REALIDADE OU UTOPIA 17 A EXIGÊNCIA DA INCLUSÃO FEMININA NOS PARTIDOS POLÍTICOS: REALIDADE OU UTOPIA Ana Paula Zanatta Andrea Kugler Batista Ribeiro A trajetória da mulher na política, além de ser fato historicamente recente, teve inicio de forma bastante tímida. Todavia, em que pese se viva em um sistema teoricamente livre e democrático, a verdade é que as mulheres ainda encontram-se galgando os primeiros passos na tentativa de alcançar uma verdadeira e igualitária participação dentro dos partidos políticos e conseqüentemente na representatividade popular. É provável que os muitos anos de história nos quais foram afastadas coercitivamente da vida política sejam a razão pela qual hodiernamente encontram imensa dificuldade, quiçá uma barreira, para nela ingressar de forma efetiva. Histórico da participação da mulher na vida política É milenar a luta das mulheres para o reconhecimento de seus direitos. As raízes históricas de discriminação remetem há tempos remotos, nos quais elas eram vistas apenas como reprodutoras, indignas dos bons sentimentos humanos, posicionamento fomentado por inúmeras religiões, que atribuem ao sexo feminino as mais variadas desgraças da humanidade. Há mais de dois séculos, com o surgimento das democracias ocidentais, nasceu tambéma busca pela efetiva aplicação do princípio da igualdade, na tentativa de diminuir, quiçá eliminar a imposição da hierarquia dos sexos. Notório é que durante muito tempo a política foi cenário restrito para poucos: homens, brancos e detentores de razoável poder aquisitivo. A luta da mulher pela sua inserção neste panorama é bastante antiga. Em 1789, após a Revolução Francesa, houve a promulgação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Ocorre que embora seja este documento o marco histórico da fundação 18 dos direitos de igualdade e liberdade, pode-se afirmar que não abraçou ele toda a população. Melhor dizendo: ao tratar de forma universal toda a coletividade, deixou de albergar uma gama de indivíduos que de fato clamavam por proteção, dentre eles as mulheres, que naquele momento da história além de não possuírem o status de cidadãs, laboravam em quantidade e em condições subumanas, cuidavam de casa e dos filhos e eram despidas de qualquer espécie de direito que as salvaguardassem. Em resposta à referida exclusão, em 1791, surgiu a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, elaborada por Olympe de Gouge, guilhotinada neste mesmo ano, acusada de esquecer as virtudes de seu sexo. Referida declaração, dentre outros temas, propunha uma participação da mulher no terreno político. Inúmeras lutas se sucederam e até nos dias atuais permanece a busca pela efetiva cidadania da mulher, bandeira esta dos movimentos feministas nacionais e internacionais. No cenário desenhado, as reivindicações começam a surtir efeitos, de modo que, mesmo de forma tímida, algumas mulheres passam a assumir posição de destaque nas sociedades. A primeira a ocupar o posto de Chefe de Estado no Brasil foi D. Maria I, então Rainha de Portugal, em 1815. A segunda foi D. Leopoldina, como Regente, em 1822. A terceira foi D. Isabel, Regente do país de 1870 a 1871, de 1876 a 1877 e de 1887 a 1888, a qual sancionou a Lei Áurea. Em 1880, em pleno Império, Isabel de Mattos Dillon, dentista, pleiteou seu alistamento eleitoral com fulcro na Lei Saraiva, a qual conferia direito de voto àqueles que possuíam título científico. No Brasil, mais precisamente no final do século XIX, o movimento feminista começou a tomar corpo e as brasileiras passaram a se posicionar pela concessão do voto feminino.1 A Constituição de 1981 em seu artigo 70 declarava que todos os cidadãos teriam direito a voto, embora apenas o homem fosse considerado como tal. Havia uma exclusão implícita do sexo feminino no texto constitucional. 1 Durante os debates para elaboração da Constituição de 1891, os Parlamentares nacionais ao se posiciona- rem contrários ao voto feminino, afirmavam ser ele uma “idéia anárquica, fatal, desastrada”, para tanto discorriam a respeito dos “cérebros infantis das mulheres, sua inferioridade mental e retardação evolutiva”. HAHNER, June E. A Mulher Brasileira e suas Lutas Sociais e Políticas: 1850/1937. São Paulo: Brasiliense, 1981, p.84-6. 19 Em 1989 o Brasil tornou-se uma República, na qual as mulheres foram absolutamente excluídas de todo e qualquer modo de participação política. Nos anos que se seguiram, surgiram inúmeras iniciativas voltadas a viabilizar o voto feminino. No ano de 1894 a cidade de Santos conferiu às mulheres o direito de votar, sendo a medida derrubada no ano posterior. Em 1905 três mulheres conseguiram o direito de votar no Estado de Minas Gerais e em 1928 o país teve a primeira Prefeita – Alzira Soriano de Souza, em Lages – RN. Em 1920, através da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino- FBPF, grupo liderado por Bertha Lutz, houve o fortalecimento pela conquista do voto feminino. O direito nacional de votar e ser votado somente foi conferido às mulheres em 1932, no curso do Governo de Getúlio Vargas, tendo se tornado constitucional somente em 1934. Todavia, ainda era facultativo, com exceção daquelas que já exerciam função remunerada pública, para as quais seria obrigatório. No ano de 1933 o país elege sua primeira Deputada Federal, pelo Estado de São Paulo, a médica Carlota de Queirós. A seletividade do voto só foi rompida com a Constituição de 1946, sendo que nos textos de 1967 e no atual de 1988, as mulheres permanecem com o reconhecimento formal de seus direitos políticos. Em 1958, no Município de Quixeramobim-CE, foi eleita a primeira mulher do Brasil através do voto popular, Aldamira Guedes Fernandes, que ocupou o cargo de Prefeita. Somente em 1979 foi eleita a primeira senadora do país, Eunice Michiles. A primeira mulher a ocupar o cargo de Ministra de Estado foi Esther de Figueiredo Ferraz, em 1982, como Ministra da Educação e Cultura. A primeira Governadora de Estado eleita foi Iolanda Fleming, no ano de 1986, para chefiar o Estado do Acre. No ano de 1989, Lívia Maria Pio, do Partido Nacional, foi a pioneira a concorrer ao cargo de Presidente da República no Brasil. Em 1996, a Bancada Feminina no Congresso Nacional lançou a campanha “Mulheres Sem 20 Medo do Poder”, impulsionando a discussão da representatividade feminina, agora prevista na Lei n. 9.100/1995, que exigia a presença de no mínimo 20% de candidatura à cada gênero para as eleições municipais. No ano de 2011 as mulheres angariaram grandes conquistas políticas. O Brasil elegeu sua primeira Presidenta pelo voto popular, Dilma Rousseff; o Senado e a Câmara dos Deputados elegeram suas primeiras Vice-Presidentas, Marta Suplicy e Rose de Freitas, respectivamente. O panorama internacional também revela cada vez mais mulheres ocupando altos cargos de governo. Neste diapasão, pode-se observar a doutora em física Angela Merkel que é a primeira mulher a chefiar o governo da Alemanha; a pediatra Michelle Bachelet, Presidente do Chile, primeira a dirigir um país latino-americano sem que tenha herdado tal poder do marido; a administradora, formada na universidade de Harvard, Helen Sirleaf, presidente da Libéria é a primeira eleita para presidir um país africano; a advogada Julia Gillard, eleita como a primeira Chefe de Governo na Austrália; Violeta Chamorro, Mireya Moscoso e Laura Chinchilla, eleitas presidentes da Nicarágua, Panamá e Costa Rica, respectivamente, são as três primeiras Chefes de Estado centro-americanas; entre outras grandes pioneiras na liderança política em seus territórios. Alguns expoentes femininos na política internacional merecem ser lembrados, tais como Margaret Thatcher – primeira-ministra do Reino Unido; Indira Gandhi – primeira-ministra da Índia; Golda Meir – primeira-ministra de Israel; Kim Campbell – primeira-ministra do Canadá; Edith Cresson – primeira-ministra da França; e Soon Ching-ling – Presidente da República Popular da China. A primeira mulher a ocupar o cargo de Presidente da República foi Anchimaa-Toka, no ano de 1940, na República de Tuva e a primeira representante do sexo feminino a sagrar-se primeira-ministra foi Sirimavo Bandaranaike, em 1960, no Sri Lanka. Importante fazer um breve adendo, sem muito fugir do tema, sobre grandes nomes que foram referência em outras áreas de atuação. No Brasil, em que pese as mulheres ocupem apenas 30% dos cargos na carreira da magistratura e cerca de 15% das vagas nos Tribunais Superiores, a tendência é a equiparação devido ao seu número já ter ultrapassado ao de homens no exercício da advocacia. Neste esteio, 21 impende comentar que Ellen Gracie Northfleet foi eleita no ano de 1996 como a primeira mulher Presidente do Supremo Tribunal Federal, órgão máximo do Poder Judiciário dentro do país. Dentro do cenário mundial, no panorama dos negócios, elas ocupam cerca de 24% dos cargos de chefia. No Brasil, em pesquisa realizada no ano de 2009, 21,43% dos cargos de chefia eram ocupados por mulheres. A revista latino-americana “América Economia” aponta uma brasileira em primeiro lugar dentre as gestoras de maior destaque no mundo dos negócios: Maria das Graças Foster, Diretora de Gás e Energia da Petrobras,que se encontra na posição da executiva mais poderosa dentro da América Latina.2 No cenário cultural merece destaque Kathryn Bigelow, que em 2010, foi a primeira mulher, em 82 anos do Oscar, a ganhar o prêmio de melhor diretora. Retornando ao panorama político dentro do cenário nacional, tem-se que, em que pese a mulher esteja angariando de forma bastante lenta seu lugar ao sol no cenário político, a sua exclusão completa durante tantas décadas colocou-a à margem do sistema eleitoral. Embora hodiernamente elas sejam a maioria da população votante, elas encontram imensa dificuldade para concorrer ao pleito de forma igualitária com os homens. Neste diapasão, a constatação desta complicada inserção política oriunda de uma questão cultural, fez com que o legislador se atentasse para a necessidade de criar uma legislação que conferisse certas vantagens ao sexo feminino com o escopo de fazer valer na prática o princípio da isonomia. Desta feita, conforme doravante mencionado, no ano de 1995 foi criada a Lei nº 9.100 que introduziu no Brasil as cotas eleitorais, estipulando o mínimo de 20% de mulheres para as disputas municipais. Em 1997 surge a Lei nº 9.504, que amplia o referido percentual para 30% e o estende para o pleito dos demais cargos de todas as esferas federativas. Todavia, a redação das duas últimas leis retro mencionadas não obrigavam o cumprimento dos percentuais nelas estipulados, de modo que os partidos políticos não eram forçados a preencher as vagas teoricamente destinadas às mulheres, podendo deixá-las em aberto, sem que isso lhes gerassem alguma penalidade. 2 Informação extraída da página http://forumdemulheres/o-cenario-politico-tendo-a-mulher-como-protagonista, em 13 nov. 2013. http://forumdemulheres/o-cenario-politico-tendo-a-mulher-como-protagonista 22 Das inovações teóricas e concretas trazidas pela lei 12.034/2009 De antemão impende frisar que a Lei 12.034/2009, ao tratar de cota eleitoral, traz a seguinte disposição em seu art. 3º, que altera o art. 10, § 3º, da Lei das Eleições: “Do número de vagas resultantes das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo.” Nota-se, assim, que a legislação não menciona percentagem reservada às mulheres, mas sim, fala em cotas para candidatura de cada sexo. Todavia, sabe-se que tal dispositivo é destinado, na prática, à população feminina, vez que é e sempre foi ela a excluída culturalmente do meio político. Diante do histórico acima resumido, a Lei nº 12.034/2009 surge com o escopo de conferir uma vantagem inicial às mulheres na busca por um mandato, no afã de reparar, de certa forma, os prejuízos decorrentes de sua entrada tardia no cenário político. Ela altera a redação da Lei nº 9.054/1997, retirando a expressão “deverá reservar”, substituindo-a pela palavra “preencherá”, o que torna obrigatório o preenchimento das vagas. Concomitantemente com esta alteração foram criadas outras duas medidas para incrementar a participação da mulher na política, quais sejam: a) a destinação de 10% do tempo de propaganda partidária para as candidatas do sexo feminino; e, b) a vinculação de 5% dos recursos do fundo partidário para incentivar a sua participação e para investir em sua formação política. No mesmo diapasão, foi alterado o artigo 20, parágrafo 2º, da Resolução 23.373/2011 do TSE, que passou a ter redação consonante com a Lei. Não há dúvida de que a simbologia existente por detrás da política de cotas trazida com a legislação de 2009 vai muito além do caráter distributivo que ela confere ao pleito, configurando- se em uma verdadeira tentativa de mudar a cultura política marcada pela segregação de gêneros, com o evidente intuito de minimizar a desigualdade histórica e mudar o arcaico machismo eleitoral que paira sobre o âmbito político. Assim, referida norma busca aumentar de forma efetiva os percentuais de mulheres candidatas ao pleito, e, sobretudo, incrementar a quantidade de eleitas. 23 Todavia, na prática, nenhuma das medidas foi de fato cumprida pelos partidos nas eleições de 2010, em que pese tenha existido decisão bastante firme por parte do TSE.3 Entretanto, muitos movimentos feministas e a pressão da própria Bancada Feminina por gestoras públicas acabaram por pressionar a concretização das medidas nas eleições de 2012, ano em que a lei foi aparentemente cumprida. Assim, as Cortes Eleitorais passaram a exigir de forma mais severa o cumprimento da lei, de modo que nos casos em que o partido ou coligação não atendam as condições de registrabilidade geral e compulsória, dentre as quais se encontra o respeito a cota para ambos os sexos, o Magistrado eleitoral fornecerá ao partido o prazo de 72 horas para que se adéqüe. Não havendo a regularização necessária ao percentual estipulado legalmente, toda a lista de candidatos será recusada. O respeito ao percentual estipulado configura-se cláusula geral e compulsória, de modo que o seu não cumprimento gera o indeferimento da globalidade dos registros intentados pelo partido ou coligação, inviabilizando o registro da chapa inteira. Caso o Magistrado não indefira o registro de ofício, pode qualquer candidato, partido político, coligação ou o Ministério Público proporem uma ação de impugnação de registro de candidatura. Contudo, a nova exigência legal vem preocupando os partidos políticos, onde, infelizmente, ainda impera o machismo. Eles se consternam com a divisão do tempo nas rádios e televisões e com o espaço político, tendo em vista que os grandes nomes dos partidos acabam tendo que dividir seu tempo e espaço com pessoas que de fato não entram no embate com chances reais de se elegerem. Assim, os partidos e coligações preenchem as suas vagas com 30% de candidatas do sexo feminino e depois se valem de artifícios para,“de forma legal”, desvirtuar a exigência das cotas. As duas estratégias utilizadas comumente pelos partidos políticos são a de preencher o 3 “AGRAVO REGIMENTAL. ELEIÇÕES 2010. REGISTRO DE CANDIDATOS. DRAP. DEPUTADO ESTADUAL. PERCENTUAIS PARA CADIDATURA DE CADA SEXO. NOVA REDAÇÃO DO ART. 10, § 3º, DA LEI DAS ELEIÇÕES. CARÉTER IMPERATIVO DO PRECEITO. DESPROVIDO. 1. Esta Corte Superior, diante da nova redação do art. 10, § 3º, da Lei das Eleições, decidiu pela obrigatoriedade do atendimento ao0s percentuais ali previstos, os quais têm por base de cálculo o número de candidatos efetivamente lançados pelos partidos e coligações. 2. Agravo regimental desprovido. Processo: AgR – Respe 84672 PA. Relator (a): Min. Marcelo Hen- riques Ribeiro de Oliveira. Julgamento: 09/09/2010. Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Data 09/09/2010.” 24 percentual de 30% de candidatas e, após o registro ter sido deferido, realizam a renúncia destas, ou, forçam-nas a concordarem em não fazer campanha de modo a não atrapalhar os demais candidatos do partido.4 Todavia, a primeira estratégia revela-se inefetiva, pois o percentual de 30% deve sempre ser respeitado, sendo que, se após do deferimento do registro saírem mulheres de um partido cujo percentual feminino é de 30% de candidatas, essas vagas deverão ser ocupadas por outras pessoas do mesmo sexo, sob pena de surgir uma condição de inelegibilidade superveniente, a qual poderá ser combatida através de ação de impugnação de diplomação. Ademais, caso reste comprovado que o preenchimento do percentual de 30% das vagas foi meramente formal, o ato poderá configurar fraude eleitoral, que poderá ser combatida via ação de impugnação de mandato eletivo. Não obstante toda a conquista formal narrada, angariando a mulher o direito de votar e ser votada, até a data de hoje, não se verifica na prática a efetividade dos direitos conquistados, a representação política feminina é mínima, não trazendo a expressividade necessária da sua participação na escolha das políticas públicas.Panorama internacional da participação feminina na política As mulheres sempre sofreram uma exclusão da representação política, vista de forma amenizada pela sociedade, como forma de comportamento padrão feminino. Todavia, este fato vem sendo alterado no cenário mundial. A organização internacional denominada União Interparlamentar elaborou um ranking acerca da participação feminina no parlamento, envolvendo 192 países do globo. O Brasil ocupa somente o 146º lugar, contando o país com 9% de mulheres preenchendo as vagas da Câmara de Deputados.5 Tal fato revela que a proporção brasileira encontra-se aquém da média mundial, que é de 17,9%, bastante diminuta quando comparada com a média dos países americanos, que é de 20,7%, sendo inferior, inclusive, a média dos países árabes, que é de 9,6%. 4 Informação extraída da página http://www.conjur.com.br/2012-jun-29/percentual-candidaturas-mulheres-com- bate-machismo-politico, em 12 de nov. 2013. 5 Extraído de http://www.conjur.com.br/2012-jun-29/percentual-candidaturas-mulheres-combate-machismo-politi- co, em 13 nov 2013. http://www.conjur.com.br/2012-jun-29/percentual-candidaturas-mulheres-combate-machismo-politico http://www.conjur.com.br/2012-jun-29/percentual-candidaturas-mulheres-combate-machismo-politico http://www.conjur.com.br/2012-jun-29/percentual-candidaturas-mulheres-combate-machismo-politico, em 13 nov 2013 http://www.conjur.com.br/2012-jun-29/percentual-candidaturas-mulheres-combate-machismo-politico, em 13 nov 2013 25 Interessante trazer ao conhecimento a porcentagem de mulheres integrantes do parlamento nos países que ocupam os dez primeiros lugares do ranking:Ruanda – 48,8%; Suécia – 47%; Finlândia – 41,5%; Argentina – 40%; Holanda – 39,3%; Dinamarca – 38%; Costa Rica – 36,8%; Espanha – 36,6%, Noruega – 36,1%; e Cuba – 36%.6 Fato é que o Brasil se encontra em retardatária posição dentro do panorama mundial e tal situação revela uma involução política, alicerçada pela história do país. Muito foi feito para tentar aplacar o terrível sexismo histórico a partir da década de 90, quando eclodiram movimentos e foram tomadas ações concretas nos países latino-americanos para a criação de leis que estipulassem cotas para mulheres e consequentemente viabilizassem sua participação na política Na eleição de 2010 para o pleito de Deputado Federal, uma pesquisa realizada pela Folha de São Paulo revela que das doações recebidas pelos partidos, o repasse às candidatas mulheres, proporcionalmente, é bastante inferior ao dos homens. Nas 14 maiores siglas, em 2010, as mulheres somavam o percentual de 19,7% das candidaturas, sendo que lhes era repassado apenas 8% do recurso global.7 Tal fato conduz ao inequívoco raciocínio de que existe certa resistência entre as mulheres em se candidatar, pois são sabedoras de que os partidos políticos não dão suporte às candidaturas do sexo feminino. Interessante trazer à tona que “mesmo quando as mulheres lideram as pesquisas de intenção de votos, os partidos muitas vezes optam por apoiar candidatos homens, e na ausência destes, preferem apoiar candidatos de outros partidos”.8 De fato, os partidos políticos são controlados por homens, que acabam não dando chance para as mulheres estruturarem as suas campanhas. Sem o apoio necessário, a quantidade de candidatas eleitas, se comparada com o número de homens, é ínfima. 6 Extraído de http://www.conjur.com.br/2012-jun-29/percentual-candidaturas-mulheres-combate-machismo-politico, em 13 nov 2013 7 Extraído de http://www.conjur.com.br/2012-jun-29/percentual-candidaturas-mulheres-combate-machismo-politico, em 13 nov 2013 8 GOMES, Carla de Castro. Mulheres na Política: Igualdade de Gênero? Revista Sociologia, n. 41, 2012, Ed. Escala, p. 19. http://www.conjur.com.br/2012-jun-29/percentual-candidaturas-mulheres-combate-machismo-politico, em 13 nov 2013 http://www.conjur.com.br/2012-jun-29/percentual-candidaturas-mulheres-combate-machismo-politico, em 13 nov 2013 http://www.conjur.com.br/2012-jun-29/percentual-candidaturas-mulheres-combate-machismo-politico, em 13 nov 2013 http://www.conjur.com.br/2012-jun-29/percentual-candidaturas-mulheres-combate-machismo-politico, em 13 nov 2013 26 Conclusão Diante do quadro histórico apresentado, a entrada da mulher na política deve ser incentivada, visto que há uma hostilidade instalada no seio dos partidos políticos em relação às candidaturas femininas. Os grandes líderes partidários enxergam a obrigatoriedade da presença da mulher como um entrave aos interesses da legenda. Infelizmente, embora a norma relativa às cotas seja válida e necessária, as candidaturas femininas ainda não encontram grandes chances de prosperar, situação esta que acaba por não conceder o sucesso esperado da política pública de inclusão ora adotada. A obrigatoriedade do cumprimento de cotas de gênero é apenas um passo, dentre tantos outros que deverão ser tomados para que se efetive uma mais igualitária participação dos sexos no cenário político nacional. Sabe-se que dentre a população economicamente ativa no Brasil mais de 50% são mulheres, ao passo que menos de 20% das cadeiras do legislativo são por elas ocupadas.9 Com o máximo respeito aos partidos políticos nacionais, o que se verifica é que não há competitividade real entre os candidatos, situação esta que acaba por manter o quadro atual, qual seja, a ocupação da maioria das cadeiras por indivíduos do sexo masculino. Embora a política pública de cotas ainda não se aproxime do ideal, não há dúvidas que tem ela conseguido realizar, ainda que de forma bastante tímida, um recrutamento maior de mulheres para a vida política. Cabe agora a todos e em especial aos partidos conferirem ao sexo feminino um lugar de destaque no cenário político, aplicando de fato o princípio da isonomia entre os gêneros, com igualitária distribuição de recursos partidários e de apoios políticos, visando, na prática, a eleição de um maior número de mulheres, as quais, por enquanto e em sua grande maioria, servem apenas de “fantoches” nas mãos das legendas, ocupando, mais uma vez na história, a posição de coadjuvantes, vez que se prestam tão somente a formalmente legalizar as candidaturas masculinas. 9 BOLOGNESI, Bruno. A Cota Eleitoral de Gênero: política pública ou engenharia eleitoral. Paraná Eleitoral: revista brasile- ira de direito eleitoral e ciência política, v. I, n. 2, p. 113-129. 27 Assim, tem-se que a lei, embora exigida desde as eleições de 2010, ainda não consegue alcançar a ação afirmativa nela proposta, não garantido o acesso real às cadeiras legislativas no território nacional. O cumprimento pro forma da lei não viola apenas direitos fundamentais das mulheres, mas também traz prejuízo para todo o país, vez que exclui da tomada de decisões estatais a maior parcela da população nacional, retirando dos brasileiros a chance de um promissor caminho político e de uma verdadeira democracia.10 Outrossim, embora o sistema de cotas ainda não seja o ideal e sua aplicação pelos partidos políticos não seja a desejada, uma constatação do quadro atual não pode passar despercebida: seja pelo meio de cotas, seja pela força individual, a mulher vem, embora ainda poucas, galgando espaços antes exclusivamente masculinos. Referido fato é inquestionavelmente um avanço que não se deu pelo acaso, mas sim como uma resposta positiva aos anos de lutas feministas, estas validadas pela força, preparo, seriedade e competência das mulheres. A proteção aqui traduzida na ação afirmativa de imposição de cotas ultrapassa a sua própria essência feminina, configurando-se como forma de proteção da sociedade como um todo. Garantir a participação ativa das mulheres nas decisões das políticas públicas é a única forma lídima de realmente se realizar a democracia. 10 Em pesquisas divulgadas constatou-se que a maioria da população acredita que as mulheres são mais honestas que os homens. Outro ponto quenão pode deixar de ser aqui mencionado é o de que há estudos científicos que apontam a lider- ança superior das mulheres, tanto que nas mais variadas áreas de atuação se nota a presença cada vez maior do sexo feminino, sendo que as mulheres vem assumindo papéis de chefia e direção de forma mais freqüente. Todavia, na contramão do cenário mundial, a política brasileira se mostra reticente no que concerne à presença feminina - A pesquisa, que foi publicada no Journal of Applied Psychology, concluiu que as mulheres são consideradas mais eficientes para assumir cargos de liderança, e elas tam- bém sabem levar melhor os relacionamentos do que os homens. Extraído de http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia-tecnologia/ mulheres-sao-melhores-lideres-homens-559199.shtml, em 13/11/2013. http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia-tecnologia/mulheres-sao-melhores-lideres-homens-559199.shtml http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia-tecnologia/mulheres-sao-melhores-lideres-homens-559199.shtml ALIMENTOS COMPENSATÓRIOS 29 ALIMENTOS COMPENSATÓRIOS Andréa Bahr Gomes1 O tema escolhido, embora novo, vem sendo objeto de inúmeras discussões doutrinárias e aos poucos dá seus primeiros passos rumo à consolidação jurisprudencial. Quem inicialmente desenvolveu a tese no Brasil foi Rolf Madaleno, a partir de estudos do Direito Espanhol e do Direito Argentino. O referido doutrinador nos ensina que os alimentos compensatórios constituem “uma prestação periódica em dinheiro, efetuada por um cônjuge em favor do outro na ocasião da separação ou do divórcio vincular, onde se produziu um desequilíbrio econômico em comparação com o estilo de vida experimentado durante a convivência matrimonial, compensando deste modo a disparidade social e econômica com a qual se depara o alimentando em função da separação, comprometendo suas obrigações materiais, seu estilo de vida e sua subsistência pessoal”.2 A precípua finalidade dos alimentos compensatórios é evitar o desequilíbrio econômico decorrente do rompimento dos laços conjugais ou de união estável. A função dos alimentos familiares Os alimentos devidos entre familiares representam uma das maiores expressões do princípio da solidariedade em nosso ordenamento jurídico, eis que efetivam o necessário dever de cuidado e a responsabilidade de parente para com o outro. No mundo contemporâneo a família assumiu a feição de garantidora do pleno desenvolvimento da dignidade humana, prezando pela igualdade de seus integrantes. Como nos ensinam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald3, “é inegável que a multiplicidade e variedade de fatores (de diversas matizes) não permitem fixar um modelo familiar uniforme, sendo mister compreender a família de acordo com os movimentos que constituem sociais ao longo do tempo”. 1 Especialista em Processo Civil pela UFPR. Especialista em Direito Privado pelo IBEJ Pós-Graduação. Vice- Presidente da Comissão de Direito de Família da OAB/PR. Secretária do IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Família Seção Paraná. Secretária da Comissão da Mulher Advogada da OAB/PR. Advogada. 2 MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 725) 3 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson, Direito das Famílias. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p.3. 30 A concepção de família é um fenômeno dinâmico e espelha a realidade sociológica decorrente da evolução histórica, que deixou para trás o modelo de estrutura familiar patriarcal, assimilando o princípio de garantia constitucional de igualdade entre homens e mulheres (Art. 226, § 5º da Constituição Federal Brasileira). A família moderna é vista como um modelo descentralizado, democrático, igualitário e desmatrimonializado. Novamente citando Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald4, “é certo e incontroverso, nesse passo, que a família caracteriza uma realidade presente, antecedendo, sucedendo e transcendendo o fenômeno exclusivamente biológico (compreensão setorial) para buscar uma dimensão mais ampla fundada na busca da realização pessoal de seus membros”. O Código Civil de 2002 espelha esta transformação, inclusive no enfoque dado às relações patrimoniais após o desfazimento da relação conjugal ou da união estável. Em especial no que diz respeito aos alimentos, o artigo 1.566 do Código Civil expressa que são deveres de ambos os cônjuges a mútua assistência. De igual forma, no que diz respeito a União Estável, o artigo 1.724 do Código Civil estabelece que “as relações pessoais entre companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.” O que se busca analisar, no entanto, são as consequências do fim deste projeto de comunhão de vida e o papel de cada um dos integrantes do anterior núcleo familiar. Uma das consequências é o dever de mútua assistência decorrente da solidariedade existente entre os cônjuges e os companheiros. Com propriedade, Maria Berenice Dias5 nos ensina que: “Produzindo o fim da vida em comum desequilíbrio econômico entre o casal, em comparação ao padrão de vida que desfrutava a família, cabível a fixação de alimentos compensatórios. O cônjuge ou companheiro que sai da relação desfrutando de melhores condições econômicas deve garantir ao ex-consorte reequilibrar-se economicamente. Dos ensinamentos do Professor Yussef Said Cahali, nas palavras de José Fernando Simão6, 4 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson, Direito das Famílias. cit., p.5. 5 DIAS, Maria Berenice. Alimentos aos Bocados.São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p.112. 6 SIMÃO, José Fernando. Alimentos compensatórios: desvio de categoria e um engano perigoso. in www.professorsimao. com.br. 31 temos que “os alimentos são prestações devidas, feitas para que aquele que as recebe possa subsistir, isto é, manter sua existência, realizar o direito à vida, tanto física (sustento do corpo) como intelectual e moral (cultivo e educação do espírito, do ser racional). Assim constituem os alimentos uma modalidade de assistência imposta por lei, de ministrar os recursos necessários à subsistência, à conservação da vida, tanto física como moral e social do indivíduo”. Em suma, podemos dizer que o dever de prestar alimentos decorre das regras previstas no Código Civil (artigos 1.694 a 1.710) e tem por embasamento principiológico a solidariedade familiar, sendo esta última decorrente da solidariedade social (art. 3º, I da Constituição Federal). Esta solidariedade social busca estabelecer a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, sendo este um dos objetivos principais da República. É a expressão maior da busca da proteção da pessoa humana em detrimento da anterior proteção exacerbada do patrimônio que norteava o Direito Civil pátrio. É em decorrência então desta solidariedade e dos princípios acima ventilados, que se firmou doutrinária e jurisprudencialmente o conceito dos alimentos compensatórios. O que são então alimentos compensatórios? Compartilhamos aqui do entendimento do Professor Rolf Madaleno7, precursor do estudo sobre os alimentos compensatórios, que nos ensina: “A pensão compensatória resulta claramente diferenciada da habitual pensão alimentícia, porque põe em xeque o patrimônio e os ingressos financeiros de ambos os cônjuges, tendo os alimentos compensatórios o propósito específico de evitar o estabelecimento de um desequilíbrio econômico entre os consortes. Os alimentos compensatórios estão à margem de qualquer questionamento causal da separação, ou do divórcio dos cônjuges e da dissolução da união estável, e ingressam unicamente as circunstâncias pessoais da vida matrimonial ou afetiva, na qual importa apurar a situação econômica enfrentada com o advento da separação e se um dos consortes ficou em uma situação econômica e financeira desfavorável em relação à vida que levava durante o matrimônio, os alimentos compensatórios corrigem essa distorção e restabelecem oequilíbrio material”. Para Maria Berenice Dias8, “o propósito é de indenizar - por algum tempo ou não - o desnível econômico que resulta da separação de fato, do divórcio ou do fim da união estável”. O referido encargo independe da prova de necessidade. Necessário esclarecer também 7 MADALENO, Rolf. Responsabilidade civil na conjugalidade e alimentos compensatórios.in www.rolfmadaleno.com.br) 8 DIAS, Maria Berenice. Alimentos aos Bocados. cit. p. 113. 32 que não se propõe a igualar o patrimônio ou a renda. Seu fim precípuo é a tentativa de ressarcimento do prejuízo decorrente da disparidade econômica, atenuando perdas e oportunidades até então desfrutadas por apenas um dos consortes. Novamente trazemos as lições de Rolf Madaleno9: “A finalidade da pensão compensatória não é a de cobrir as necessidades de subsistência do credor, como acontece com a pensão alimentícia, regulamentada pelo artigo 1.694 do Código Civil e sim corrigir o desequilíbrio existente no momento da separação, quando o juiz compara o status econômico de ambos os cônjuges e o empobrecimento de um deles em razão da dissolução da sociedade conjugal, podendo a pensão compensatória consistir em uma prestação única, por determinados meses ou alguns anos, e pode abarcar valores mensais e sem prévio termo final”. Tem direito aos alimentos compensatórios quem não contar com bens suficientes para prover a sua subsistência de forma digna e condizente com o padrão de vida até então desfrutado, quer tal disparidade decorra do regime de bens adotado no casamento, quer decorra de acordo entre as partes ou ainda decorra da inexistência, até o momento,da concretização da partilha de bens. Neste sentido temos a seguinte decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal: “ALIMENTOS COMPENSATÓRIOS. MANUTENÇÃO DO EQUILÍBRIO ECONÔMICO- FINANCEIRO. Alimentos compensatórios são pagos por um cônjuge ao outro, por ocasião da ruptura do vínculo conjugal. Servem para amenizar o desequilíbrio econômico, no padrão de vida de um dos cônjuges, por ocasião do fim do casamento. Agravo não provido.” (6ª Turma Cível, Agravo de Instrumento 20090020030046AGI, Rel. Des. Jair Soares, j. 10/06/2009) Importante destacar também que há quem defenda a tese de que os alimentos compensatórios não teriam por origem tão somente o empobrecimento de um dos consortes, mas sim decorreriam de expressa disposição de Lei, nos termos do disposto no parágrafo único do art. 4º da Lei 6.478/68 (Lei de Alimentos), que assim determina: “Art. 4º As despachar o pedido, o juiz fixará desde logo alimentos provisórios a serem pagos pelo devedor, salvo se o credor expressamente declarar que deles não necessita. Parágrafo único. Se se tratar de alimentos provisórios pedidos pelo cônjuge, casado pelo regime da comunhão universal de bens, o juiz determinará igualmente que seja entregue ao 9 MADALENO, Rolf. Responsabilidade civil na conjugalidade e alimentos compensatórios. cit. 33 credor, mensalmente, parte da renda líquida dos bens comuns, administrados pelo devedor.” Nesta esteira de raciocínio foram proferidas algumas decisões judiciais, dentre as quais destacamos: “Correta a decisão que estabeleceu uma espécie de indenização provisória pela exploração do patrimônio comum enquanto não ultimada a partilha de bens, conforme precedentes da Corte.” (TJRS, AI 70034501189, Oitava Câmara Cível, Relator Desembargador Alzir Felippe Schmitz, j. 29.04.2010) “APELAÇÃO E RECURSO ADESIVO. SEPARÇÃO. ALIMENTOS COMPENSATÓRIOS. CABIMENTO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. Cabe a fixação de alimentos compensatórios, em valor fixo, decorrente da administração exclusiva por um dos cônjuges das empresas do casal.Caso em que os alimentos podem ser compensados, dependendo da decisão da ação de partilha de bens, bem como não ensejam a possibilidade de execução pessoal sob o rito de prisão. O deferimento dos alimentos não implica na conclusão de que as cotas sociais das empresas do casal devem ser partidas em 50% para cada cônjuge. matéria essa que deverá ser julgada de forma autônoma na ação de partilha de bens. Considerando que o valor dos honorários advocatícios está abaixo do complexidade da demanda, devem ser majorados os honorários. DERAM PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO E PROVIMENTO AO RECURSO ADESIVO.”(TJRS, Apelação Cível nº 70026541623, Oitava Câmara Cível, Relator Desembargador Rui Portanova, j. 04.06.2009) “AÇÃO DE DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. ALIMENTOS COMPENSATÓRIOS. PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 4º DA LEI 5.478/68 C/C art. 7º DA LEI 9.278/96. VEROSSIMILHANÇA DAS ALEGAÇÕES. LESÃO GRAVE E DE DIFÍCIL REPARAÇÃO. Se os documentos juntados com a petição inicial parecem efetivamente indicar que as partes conviveram em regime de união estável e que pode haver efetivo desequilíbrio na partilha do patrimônio, isso é suficiente para dar suporta ao pedido de fixação de alimentos que a doutrina vem chamando de ‘compensatórios’, que visam a correção do desequilíbrio existente no momento da separação, quando o juiz compara o status econômico de ambos os cônjuges e o empobrecimento de um deles em razão da dissolução da sociedade conjugal. A própria tese acerca da possibilidade de fixação de alimentos compensatórios - bem como da prevalência do 34 princípio da dignidade da pessoal humana sobre o da irrepetibilidade dos alimentos - insere-se no contexto da verossimilhança, emprestando relevância aos fundamentos jurídicos expendidos na peça de recurso. 2. A alegação de ocorrência de desequilíbrio na equação econômico financeira sugere, de forma enfática, a potencialidade de causação de lesão grave e de difícil reparação, a demandar atuação jurisdicional positiva e imediata por meio do recurso de agravo. 3. Demonstrada a verossimilhança dos fatos alegados na petição do agravo, com como o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, deve ser mantida a liminar deferida. 4. Recurso provido.” (TJDF, AI 20110020035193, 4ª T. Cív., Rel. Des. Arnoldo Camanho de Assis, j. 25.05.2011) Vislumbra-se então a possibilidade de fixação dos chamados Alimentos Compensatórios tanto para evitar o empobrecimento de um dos cônjuges quanto na hipótese da administração dos bens comuns por apenas um dos consortes. De toda sorte, a grande crítica da doutrina recai sobre a denominação “ALIMENTOS”. O Professor José Fernando Simão10 entende que: “Em se tratando de valor pago para que não haja empobrecimento de um dos cônjuges ou companheiros essa importância pode ser cedida, pois se trata de crédito pecuniário como qualquer outro; pode ser transmitida, como qualquer outra dívida do falecido, pode ser objeto de renúncia, pois não tem qualquer relação com o direito à vida; pode ser compensada em sendo líquida, vencida e fungível; sofre os efeitos da supressio, ou seja o tempo impede o exercício do direito em decorrência do abandono da posição jurídica; e, também, o valor pode ser penhorado pelos credores do cônjuge que o recebe. Por fim, caso o valor seja fixado pelo juiz, a pretensão de cobrança prescreve em 10 anos conforme o caput do art. 205 do Código Civil, e não no prazo especial do parágrafo segundo do art. 206. Alimentos que não tem nenhuma característica de alimentos não são alimentos.” E conclui: “Em se tratando de valor pago porque um dos cônjuges está administrando os bens comuns e recebendo seus frutos, essa importância segue exatamente o dito anteriormente: pode ser cedida, pode ser transmitida, pode ser objeto de renúncia, pode ser compensada, sofre os efeitos da supressio, e, também, o valor pode ser penhorado pelos credores do cônjuge que o recebe. Por fim, caso o valor seja fixado pelo juiz, a pretensão de cobrança prescreve em 3 anos conforme o caput do art. 206, parágrafo 3º do Código Civil, que cuida do enriquecimento sem causa e não no prazo especial do parágrafo segundo do art. 206.” Talvez nesta última hipótese o termo mais correto a ser empregado seja mesmo o da renda dosbens comuns, conforme conceitua o já citado artigo 4º da Lei de Alimentos. 10 SIMÃO, José Fernando. Alimentos compensatórios: desvio de categoria e um engano perigoso. in www.professorsimao. com.br. 35 A ideia central, de toda forma, é evitar que o cônjuge que administra os bens fique com os frutos que pertencem ao outro, seguindo assim as mesmas regras que regem as relações condominiais. Em síntese, o que se busca é a igualdade entre os consortes e a vedação do enriquecimento sem causa. Importante destacar que na maioria dos casos, infelizmente, os alimentos (quer os propriamente ditos quer os compensatórios) serão pleiteados por mulheres, em que pese a emancipação da condição feminina, sua crescente inserção no mercado de trabalho e o percentual de 40% de famílias que são sustentadas por mulheres no Brasil. Isto porque se vislumbra ainda um resquício da família patriarcal, com a supremacia da vontade do marido sobre os demais membros da família, o que acaba por se prorrogar para depois do fim da comunhão de vida. Perfeitamente insertas neste contexto as palavras de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald11 sobre o tema: “Se, de um lado, observa-se um notável (e justo) avanço da liberdade comportamental feminina, ocupando diversas posições sociais, de outra banda, ainda se tem relacionamentos afetivos em que a insegurança e a vaidade masculinas (que beiram a burrice emocional) terminam por subjugar a mulher nas situações mais cotidianas e banais, que vão desde a imposição do sobrenome até o uso de símbolos da superioridade do homem (não custa lembrar a frase muito usada para identificar os núcleos brasileiros, ‘Fulano de tal e Família’, como se a esposa estivesse submetida a um chefe da família)” Mais do que uma discussão acerca da natureza de tais verbas (se alimentares ou não), o que deve ser almejado é a efetiva igualdade entre os consortes ou companheiros, com a completa aplicação do princípio da solidariedade, em nome da dignidade da pessoa humana. É inadmissível que o projeto de vida comum que ruiu sirva de amparo a desigualdades e opressões, com a supremacia financeira e consequentemente emocional de um dos cônjuges ou companheiros sobre o outro. A parte economicamente mais favorecida tem a responsabilidade de garantir a dignidade daquele com o qual manteve uma história de cumplicidade e companheirismo ao longo da vida em comum. Registre-se aqui que a dignidade, nesse caso, não está atrelada somente à sobrevivência, mas também à manutenção do padrão econômico financeiro usufruído 11 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. cit. p. 695. 36 na constância do casamento ou união estável, para o qual ele também contribui, ainda que indiretamente. A contribuição indireta deve ser entendida pelas funções domésticas cotidianas, a criação e educação dos filhos, assim como o apoio psicológico e emocional, que possibilita o crescimento do casal e da família. Finalmente, sob o ponto de vista prático, os alimentos compensatórios, com as celeumas e contradições já apontadas, devem ser fixados de forma equilibrada e coerente, pois não se pode também permitir o enriquecimento sem causa daquele que pleiteia os alimentos compensatórios. Não possuem necessariamente caráter permanente, eis que, desaparecendo as desigualdades criadas pelo rompimento da vida em comum, desaparece também o fundamento de sua fixação. Isto pode ocorrer devido à capacitação profissional do credor, à efetiva partilha dos bens comuns, ao recasamento, ao empobrecimento do devedor, dentre outras situações dinâmicas da vida. Para a fixação dos alimentos compensatórios é desnecessária a discussão sobre a culpa pelo rompimento da união, uma vez que o único fundamento aqui presente é o desequilíbrio econômico entre o ex-casal. Quanto à forma do pagamento dos alimentos compensatórios, ele pode ocorrer numa única parcela ou ainda ser pago através de um valor determinado por um certo período de tempo. Considera-se também possível a instituição de usufruto ou a cessão de crédito. Conclusão Deve ser buscado, de forma incansável, o respeito, a valorização e a dignidade da pessoa humana. Se a família tem como função basilar a realização pessoal e a felicidade do indivíduo, é dela também a primordial função de assistência e solidariedade. O fim da comunhão de vida faz com que vários sonhos e projetos comuns sejam também abandonados ou impossibilitados. Esta vida em comum, representada pelo casamento ou pela união estável, é revestida pelos princípios da solidariedade entre os cônjuges e companheiros e se consubstancia em 37 diversas normas estabelecidas pelo Código Civil, tais como a assistência moral e material recíproca (arts. 1.566 e 1.724), a colaboração de ambos na direção familiar (art. 1.567), pela contribuição concorrente proporcional para o sustento no sustento da família (art. 1.568), a presunção de participação na aquisição do patrimônio comum (arts. 1.640 1.725) e o dever de prestar alimentos (art. 1.694). Este desdobramento patrimonial das relações familiares deve ser considerado sob a perspectiva da valorização da dignidade de cada um de seus membros e também da solidariedade familiar. Por este motivo admite-se a configuração de deveres no pós-casamento ou união estável. Nesta esteira, destacamos então os alimentos compensatórios como uma forma de amenizar o descompasso financeiro entre os ex-pares, independentemente do regime de bens ou da análise do binômio necessidade x possibilidade. Pautada nos princípios da solidariedade, responsabilidade, igualdade e dignidade da pessoa humana, os alimentos compensatórios visam reparar o prejuízo financeiro causado a um dos cônjuges pela separação, quando a desigualdade econômica escondida anteriormente pela dinâmica da sociedade conjugal acaba por se tornar evidente. Aquele que se mostra privilegiado economicamente tem o dever jurídico e moral de manter a dignidade do seu ex-consorte, com quem teceu projetos de uma vida e de quem obteve cooperação para a criação de um patrimônio comum. Esta dignidade se consubstancia não somente na prestação de valores necessários à subsistência de seu ex-consorte ou companheiro, mas também na manutenção do padrão de vida desfrutado pelo casal até o rompimento dos laços afetivos. Embora aspectos específicos de cada dinâmica familiar devam ser respeitados, cabe ao operador do direito a tarefa da busca da efetividade do direito, com a aplicação de seus princípios mais basilares e que permeiam o direito de Família, de forma a preservar a dignidade da pessoa humana, a boa-fé entre os cônjuges e os companheiros, a impossibilidade do enriquecimento sem causa e a preservação da justa expectativa criada pelos pares ao longo da vida comum. PRIVILÉGIO FEMININO DE FORO NO DIREITO DE FAMILIA - PROTEÇÃO OU DISCRIMINAÇÃO NEGATIVA? 39 PRIVILÉGIO FEMININO DE FORO NO DIREITO DE FAMILIA - PROTEÇÃO OU DISCRIMINAÇÃO NEGATIVA? Caroline Said Dias Desde o advento da Constituição de 1988 os juristas passaram a questionar a constitucionalidade ou não do privilégio de foro, estabelecido pelo Código de Processo Civil para a mulher. Muito já se discutiu doutrinariamente e pelos tribunais sobre eventual infração ao tratamento isonômico entre homens e mulheres, contudo a análise que se pretende fazer neste artigo é no sentido de que se este favorecimento hoje deve ser visto por tratamento discriminatório negativo ou efetiva proteção à mulher. Análise do privilegio de foro pelo supremo tribunal de federal Prevê o artigo 100, I do Código de Processo Civil: “Art. 100. É competente o foro: I - da residência da mulher, para a ação de separação dos cônjuges e a conversão desta em divórcio, e para a anulação de casamento;” Assim, fazendo diferença óbvia entre os gêneros, o legislador previu em 19731, já herança do Código de 1939, que a mulher deveria ter foro privilegiadopara tais demandas, o que significa que as mulheres poderão ver seus processos tramitando no lugar de sua moradia, mesmo sendo Autoras, diferindo da regra geral do artigo 94, que é do domicílio do Réu. A justificativa para o tratamento diferenciado, concedido pelo legislador em 1939 e 1977, foi a fragilidade da posição da mulher. Mas o questionamento que hodiernamente paira, e foi utilizado por muitos após o advento da Constituição de 1988, que trouxe como dogma constitucional a isonomia de tratamento entre homens e mulheres, é exatamente se nos dias atuais, a justificativa da fragilidade 1 Em 1977, a com a lei do divórcio, alterou a redação do artigo, mantendo o privilégio de foro. 40 e hipossuficiência existente desde 1939 pode substituir. O Supremo Tribunal Federal se manifestou sobre o assunto em 2011, no recurso extraordinário 227.114-SP2, tendo como relator o Ministro Joaquim Barbosa, sendo que após citar brevemente as três principais correntes doutrinárias3 sobre o tema, optou por considerar constitucional a disposição de privilégio de foro feminino. Importante destacar que a matéria foi tratada pela Suprema Corte em acórdão com pouquíssima profundidade, que se espera não revele o mesmo de reflexão utilizada ao decidir. Assim é que sem adentrar minuciosamente a qualquer fundamento sócio jurídico ou político, sem mencionar dados estatísticos e, não seria demais afirmar, sem relevar a importância filosófica da questão, a decisão do Supremo Tribunal Federal, rasamente mantém a constitucionalidade do artigo 100, I do Código de Processo civil utilizando o argumento de que a mulher ainda seria, sempre, a parte mais frágil a ser protegida pelo ordenamento jurídico. O fundamento fornecido pelo Ministro Relator ainda é o mesmo do legislador de 1939, 1973 ou 1977, ou seja, conferir a parte menos favorecida privilégio de foro, sendo que neste caso, como na maioria, o julgador prefere utilizar somente o critério econômico-financeiro como ponto de referência para o que seria “menos favorecido”. 2 “DIREITO CONSTITUCIONAL. PRINCÍPIO DA ISONOMIA ENTRE HOMENS E MULHERES. AÇÃO DE SEPARAÇÃO JUDICIAL. FORO COMPETENTE. ART. 100, I DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ART. 5º, I E ART. 226, § 5º DA CF/88. RECEPÇÃO. RECURSO DESPROVIDO.~ O inciso I do artigo 100 do Código de Processo Civil, com redação dada pela lei 6.515/1977, foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988. O foro especial para a mulher nas ações de separação judicial e de conversão da separação judicial em divórcio não ofende o princípio da isonomia entre homens e mulheres ou da igualdade entre os cônjuges. Recurso extraordinário desprovido.” STJ RECURSO EXTRAORDINÁRIO 227.114 SÃO PAULO, Relator Ministro Joaquim Barbosa, 22/11/2011 3 As principais correntes doutrinárias sobre o tema são: 1- Pela não recepção do artigo 100, I do Código de Processo Civil pela Constituição Federal de 1988 – CAHALI, Yussef Said. Divórcio e Separação, 1992, BARBI. Celso Agrícola. Comentários ao Código de Processo Civil – arts. 1º a 153. 13ª ed. ver. e atual. por Eliana Barbi Botelho e Bernardo Pimentel Sousa. Rio de Janeiro: Forense, 2008. 2 - Pela recepção irrestrita do artigo 100, I do Código De Processo Civil pela nova Constituição Federal de 1988 – NERY, Rosa Maria de Andrade. NERY JR, Nelson. Código de processo civil comentado e legislação extravagante, 2006, Costa Machado Código de Processo Civil Anotado e Comentado, 2ª Ed. Villela, João Batista. Direitos de Família e do Menor, Del Rey, 1992; Antônio Cláudio da Costa Machado, in “Código de Processo Civil Interpretado, artigo por artigo, parágrafo por parágrafo”, Editora Manole, 4ª Edição 3- É pela recepção do artigo 100, I do Código de Processo Civil, contudo havendo prova em contrário da hipossuficiência da mulher caberia a alteração da competência, para a regra geral do Código. - FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008 - GAGLIANO, Pablo Stolze. FILHO, Rodolfo Pamplona. O Novo Di- vórcio. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010 4 - É de se ver que o Min. Joaquim Barbosa coloca que esta corrente seria de “recepção condicionada” o que, com o devido respeito, não seria correto, eis que a norma ou é recepcionada como constitucional ou não, não havendo como condicionar a recepção constitucional caso a caso. A condição que o mesmo menciona, para aplicação do foro privilegiado, na realidade é da situação fática, diante do entendimento de que o artigo estaria trazendo uma presunção relativa, que poderia ser derrubada pelo contexto fático, desde que havendo impugnação. http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91735/c%C3%B3digo-processo-civil-lei-5869-73 41 Certamente que instado a manifestar-se sobre a constitucionalidade da norma, teria difícil tarefa de adequar parcialmente a mesma, “condicionando sua constitucionalidade” caso a caso, contudo, poderia ter optado, pela “interpretação conforme”, ressaltando a relatividade da presunção estabelecida pelo artigo 100, I do Código de Processo Civil. Situação jurídica atual Alguns julgadores, mesmo diante do posicionamento da Corte Máxima, estão a entender o artigo 100, I do Código de Processo Civil por inconstitucional e outros ainda, não adentrando diretamente na constitucionalidade, optam pela saída, de que a presunção é relativa, e assim sendo, havendo exceção de competência e comprovada a inexistência de hipossuficiência, o privilégio de foro não pode subsistir. O Tribunal de Santa Catarina, em 2013, pelo relator Des. Ronei Danielli asseverou: “... Porém, diante da igualdade preconizada em sede constitucional, ainda que do ponto de vista estritamente formal, deve-se, na análise do caso a caso, apreciar o privilégio de foro sob o enfoque da confirmação da presunção legal. Reforça essa diretriz a lição de Cássio Scarpinella Bueno: A melhor interpretação para o dispositivo, de acordo com o “modelo constitucional do direito processual civil”, é a que permite ao juiz de cada caso concreto confirmar a presunção assumida pelo legislador de maior debilidade da mulher e, consequentemente, a necessidade de ela litigar no foro do seu domicílio para não violar os princípios já colocados em destaque. (Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. V.2, Tomo I. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 36) ...” 4 No direito internacional, após investigar legislação e jurisprudência de diversos países, como Estados Unidos da América, Canadá, Inglaterra, França, Nova Zelândia, Austrália, Argentina, México, Chile, Peru, República Dominicana, África do Sul, Espanha5, Noruega6, Suíça7, Itália, Inglaterra, 4 TJ-SC - AC: 20120238936 SC 2012.023893-6 (Acórdão), Relator: Ronei Danielli, Data de Julgamento: 27/02/2013, Sexta Câmara de Direito Civil Julgado) 5 Na Espanha, em razão da lei de proteção contra violência de gênero, se nos casos de divórcio houver também de- núncias de violência envolvidas, a competência de toda causa familiar é alterada para o juízo competente para a causa de violência, o que em tese pode ser considerado como privilégio de foro, contudo condicionado a condições específicas que já demonstram a necessidade da proteção processual. Ley Orgánica1/2004 – Medidas de Protección Integral contra La Violencia de Género 6 Na Noruega 93.8 % dos divórcios são processados administrativamente pelo governo municipal, com base em se- paração prévia, sendo que não há regras de competência pré definidas, sejam para requerer a competência administrativa seja para a judicial. Geralmente, o pedido é feito no domicílio do Autor. 7 Na Suíça a regra é de competência no domicílio do Réu, ou na residência do Autor, desde que este esteja vivendo na Suíça ou seja nacional Suíço _ (Código Suiço de procedimentos Civis 2011) 42 Áustria e Portugal, não se pode encontrar em qualquer destes países disposição parecida que tenha como foro de competência o da mulher, simplesmente pelo gênero feminino, sendo que a definição da competência usualmentese alterna entre o último domicílio do casal, domicílio do Autor ou do Réu.8 Na ilha caribenha de Santa Lucia, há previsão no “divorce act” s. 18, de que para a competência jurisdicional seja fixada no País, a mulher tenha que estar domiciliada lá, há mais de três anos antes do divórcio, contudo as decisões dos tribunais estendem as regras de competência tanto para o homem quanto para a mulher.9 A regra territorial interna não faz menção a privilégio de foro feminino. Logo, parece que o Brasil esteja na contra mão de toda comunidade internacional, inclusive de países com realidade social bastante parecida, inclusive pior. O privilégio de foro não é encontrado em legislações alienígenas, sendo mais uma das ações afirmativas de gênero existentes no sistema jurídico brasileiro.10 Brevissima descrição da situação da mulher no brasil Não se pode negar que o Brasil, assim como o mundo em geral, evoluiu bastante no que diz respeito a igualdade de gêneros. Claramente não se atingiu ainda a igualdade pretendida, sendo que os piores cenários em geral estão ligados a questão social em si. De acordo com Síntese dos Indicadores Sociais a mulher ainda trabalha o dobro de tempo do que os homens nos afazeres domésticos, independente do trabalho fora de casa ou de serem provedoras principais ou não da família.11 No que tange ao mercado de trabalho, muito embora as mulheres representem 41% da força de trabalho, ocupam somente 24% dos cargos de gerência. Contudo, o que não implica 8 Nos países latinos a tradição tem sido o domicílio do Réu, a não ser quando haja conflito de competência entre juris- dicionais internacionais. Argentina e Peru tem previsões de último domicílio do casal. 9 http://www.thevoiceslu.com/features/2011/january/22_01_11/Its_just_a_matter_of_jurisdiction.htm 10 As ações afirmativas de gênero são medidas protecionistas legais estabelecidas em razão simplesmente do sexo, e que no Brasil, muitas trazidas na Constituição Federal, como licença maternidade, tutela ao mercado de trabalho,etc. 11 DOWBOR, Ladislau. Evolução recente da situação social no Brasil. Economia Global e Gestão, Lisboa, v. 13, n. 1, abr. 2008 . Disponível em <http://www.scielo.gpeari.mctes.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S087374442008000100010&ln- g=pt&nrm=iso>. 43 imediatamente em conclusões discriminatórias negativas, devendo se levar em consideração o papel da mulher na família e na casa, que muitas vezes por sua própria vontade12, resta incompatível com alguns cargos de maior responsabilidade no trabalho. A mulher em geral ainda exerce jornada de 27 horas semanais de trabalhos domésticos, quando os homens dificilmente ultrapassam as 10 horas. As mães com filhos menores de dois anos em geral gastam mais de 35 horas semanais nas atividades de família e casa, e as com filhos até quatro anos quase 32 horas.13 Quanto isso é uma escolha feminina, quanto é uma indisponibilidade masculina, quanto é uma formatação cultural ou biológica, são questões de difícil resposta, as quais vem sendo pesquisadas pela comunidade científica em geral, contudo, o fato é que a mulher, exatamente por este papel mais preponderante ainda na vida familiar, ou tem uma jornada de trabalho fora e dentro de casa perto do insuportável, ou sacrifica um a favor do outro. Contudo, é inegável que as condições de 2013 não são as de 1939 1973 ou 1977, e que hoje em dia, muitas mulheres possuem capacidade financeira igual ou melhor que as dos homens, e se mantem mais estáveis nos cargos de trabalho. É de se ver a tabela abaixo, onde não se pode negar a alteração da situação fática feminina atual: 12 Neste aspecto interessante citar a resposta da presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, que ao ser perguntada sobre a existência ainda da discriminação contra a mulher assim respondeu:” Infelizmente, ainda existe dis- criminação sim. Não gosto de acreditar nisso, mas acontece. Agora, pior é própria discriminação da mulher, que se bloqueia e não se permite ser mais agressiva no sentido de almejar determinados cargos e ir à luta. Há um estigma, mas acho que isso está mudando. Qualquer mudança é lenta. Eu gostaria que fosse mais rápida.” http://ultimosegundo.ig.com.br/ciencia/presidenta- da-sbpc-a-pior-discriminacao-e-a-da-propria-mulher/n1597402584341.html 13 BRUSCHINI, Maria Cristina Aranha. Trabalho e gênero no Brasil nos últimos dez anos. Cad. Pesquisa. São Paulo, v. 37, n. 132, Dec. 2007 <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010015742007000300003&lng=en&nrm=iso 44 Pela tabela acima se vê que desde 1996 até 2009 os números participativos femininos no mercado de trabalho, seja em cargos diretivos ou não, tiveram crescimento substancial. Segundos dados do Seade a diferença nos salários vem diminuindo rapidamente, sendo que já em 2000, os salários das mulheres correspondiam a 71% dos salários masculinos, e hoje a diferença está ainda menor, embora ainda subsista. Todos estes dados comprovam de maneira inegável, a alteração drástica condição feminina no Brasil. Proporcionando igualdade com o privilégio de foro? No contexto das fortes mudanças de estrutura familiar e social que ocorreram desde 1939, o questionamento que se faz é se a interpretação da lei não deveria se adaptar as alterações fáticas, para conduzir a uma maior sensação de igualdade e não criar, tentando consertar a distorção, desigualdades de mesma pujança. Discriminar não é um verbo por sua concepção básica de conduta com carga negativa, eis que discriminar significa diferenciar, discernir, distinguir, mas pode também significar separar, afastar, colocar a parte, e pior pode traduzir tratamento de maneira injusta em razão da distinção feita. Assim ver as diferenças ou identifica-las deve servir para tratamento igualitário e não ao 45 contrário. E mais, há de se relevar o quanto os favorecimentos da mulher em detrimento dos homens, acaba por criar mais injustiça e isolamento social, inclusive dentro da análise jurídica dos processos. Ou seja, as diferenças ao invés de trazer proteção acabam por atingir a mulher desfavoravelmente, desenvolvendo discriminações negativas e afastando a isonomia pretendida.14 A máxima sempre utilizada é de tratar os iguais de forma igual e os desiguais na medida de sua desigualdade. Portanto, se assim o é, parece que não mais ter lugar negar ao homem questionar o foro privilegiado quando, hoje, por muitas vezes, a condição da mulher de hipossuficiência é inexistente. O favorecimento é ao hipossuficiente, ao mais frágil, independa ele de ser mulher ou homem. A competência territorial é relativa, sendo que em respeito ao tratamento isonômico, acolher o fundamento da inexistência da presunção de hipossuficiência em caso concreto, após é claro, análise dos fatos e provas, é a única medida que parece adequada. Isso porque nos dias modernos, a desigualdade financeira, não pode mais simplesmente ser presumida como o foi em 1939. Alguns doutrinadores, conforme já citado anteriormente neste artigo, já se posicionaram 14 Professor Argentino Mario E Akerman, exemplifica diversas situações onde as ação afirmativas acabam por criar dis- criminação indireta: “a) ao se diferenciar o tempo de aposentadoria em relação ao homem, pela motivação de que a mulher exerce múltiplas funções domésticas, está-se afastando o homem destas múltiplas responsabilidades. Por outro lado, desestimula a contratação e capacitação de mulheres, já que seu tempo de trabalho é menor relativamente ao tempo produtivo para recuperar o investimento feito em eventual formação profissional; b) a proteção à maternidade, sem a correspondente proteção à paternidade de forma a permitir ao homem exercer a paternidade responsável e não somente com os trâmites administrativos relacionados com o nascimento; c) proibição do trabalho da mulher em determinados lugares, tarefas e condições de trabalho, sendo óbvio que o trabalho perigoso,
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