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Amor Líquido e Medianeiras

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MEDIANEIRAS: BUENOS AIRES DA ERA DO AMOR LÍQUIDO
Bauman analisa a sociedade atual – pautada nas tecnologias que perpassam o nosso cotidiano e nas diretrizes do sistema capitalista vigente – como uma sociedade perpassada pela liquidez da modernidade. Sendo assim, os relacionamentos que são criados e articulados nessa era também sofrem influência dessa liquidez, principalmente nos grandes centros urbanos. Estes estão repletos de pessoas, com diversas conexões e consequentemente também estão repletos de possíveis perigos, muitas vezes apresentados de maneira sensacionalista pelos governos e pela própria mídia. Essa exposição dos riscos da vida nesses centros urbanos lotados de estímulos diversificados pode, algumas vezes, desenvolver o que Bauman chama de mixofobia, a tensão resultando da estranheza frente a este cenário moderno (Bauman, 2001, p.101). 
No filme Medianeiras: Buenos Aires da era do amor virtual, um dos protagonistas, Martin, pode ser identificado como “portador” dessa fobia. A personagem é diagnosticada com agorafobia, uma psicopatologia que desencadeia a fobia de ambientes externos e muito movimentados, podendo esta ser encarada como uma manifestação da mixofobia, da aversão por essa movimentação constante dos grandes centros. Devido essa dificuldade em participar do mundo externo ao seu apartamento, Martin consegue com o advento da tecnologia, também característico do mundo moderno, ter uma vida de certa forma comum, mesmo não interagindo pessoalmente com muitas pessoas. Bauman (2001, p.63) exprime essa marca da modernidade quando diz que a “proximidade não exige mais a contiguidade física”, mesmo não estando em constante interação física com o mundo exterior, Martin consegue estar a par das notícias, alimenta-se normalmente, mantem contato com outras pessoas e trabalha. Outra representação dessa conexão estabelecida com a tecnologia é utilização desta na busca por novas conexões com outros sujeitos. Não se recorre ao contato físico, aos encontros face a face, aquilo que é conhecido através das telas é suficiente, as relações são mais fáceis e os términos mais acessíveis. 
Além desse afastamento físico, também pode ser observado um afastamento emocional por parte da personagem, assim como também é notado na segunda protagonista, Mariana. Ambos escolhem viver fora da efervescência da grande cidade em que vivem, assim como também o fazem com as pessoas que vivem nesta. Suas relações são poucas, as duas personagens já estiveram em relacionamentos, mas seus parceiros colocaram fim as suas relações, o que ajudou no afastamento de Martin e Mariana da busca por novas conexões. Esses rompimentos exemplificam a vulnerabilidade que está implicada no ato de amar e que, não são poucas as vezes, apresenta uma dificuldade no estabelecimento de novos relacionamentos (Bauman, 2001, p.20), visto que apresentar-se dessa maneira para outra pessoa – principalmente na modernidade – é encarada como um sinal de fraqueza ou de exposição a o que o outro desejar. 
Outro ponto próprio da modernidade líquida caracterizada e discutida por Bauman que pode ser observada no filme são as relações estabelecidas por Martin com o decorrer da trama. Este passa procurar nas redes sociais por parceiras, com as quais ele relaciona-se sexualmente algumas vezes. Esses encontros são exemplos dos “relacionamentos de bolso” discutidos pelo autor, seno estes baseados na conveniência, no controle que pode ser exercido pelo sujeito. Levando em consideração a imagem problemática em que o estabelecimento de um compromisso é envolto, a definição de relacionamentos rasos e visando a obtenção do prazer instantâneo é mais proveitoso e menos problemático (Bauman, 2001, p.31,32,56). O prazer relacionado apenas a sua existência, não a como ele é alcançado também pode ser identificado na trama do filme, por exemplo, quando a personagem Mariana estabelece algumas relações com um dos manequins com que trabalha. Mais uma vez, o que realmente importa é a obtenção de prazer, não sendo relevante os meios utilizados para que este possa ser obtido, esses aspectos também podem ser observados em algumas das relações estabelecidas por Martin. 
Devido essa busca momentânea por satisfação, o “amor”, Eros, “pode ser encontrado em toda parte, mas não permanecerá por muito tempo em lugar nenhum” (Bauman, 2004, p.45). As relações, quando ocorrem de ser estabelecidas, são frágeis e momentâneas, especialmente aquelas que envolvem o possível compartilhamento de sentimentos como o amor. Novamente pode ser associada a aversão a vulnerabilidade intrínseca desses envolvimentos, estes não são como o mercado consumidor, assim como Bauman exemplifica. No mundo capitalista, as opções e probabilidades são avaliadas de maneira metódica e minuciosa, as chances de efetividade são avaliadas, assim como os benefícios a serem obtidos são estimados. No campo dos relacionamentos essas análises não são possíveis, é necessária a abertura para o que puder acontecer e a responsabilidade de arcar com as consequências. A modernidade líquida não apresenta espaço para que compromissos sejam firmados com estes riscos os acompanhando. Assim, “fluidez, fragilidade e transitoriedade [...] marcam todas as especies de vínculos sociais” que passam a ser estabelecidos (Bauman, 2004, p.85).
Acerca dos grandes centros urbanos, cenários da modernidade, também pode ser observada essa liquidez, uma desconexão local, estes tornam-se apenas um grande aglomerado de pessoas que não possuem relações significativas, nem mesmo se conhecem mesmo estando, de certa forma, confinadas em um espaço próximo (Bauman, 2004, p.90). Martin e Mariana, as personagens do filme, apresentam essa ausência de conhecimento do outro e entre si. Eles vivem em prédios quase vizinhos, se cruzam por diversas vezes, no entanto não se conhecem e não tomam ciência da existência do outro. A liquidez que perpassa esse não-relacionamento mantém-se, até que diferentes circunstâncias da vida de cada um deles levem ao encontro. Porém, com o término do longa as questões levantadas por seu enredo permanecem sobre esse novo encontro, a dúvida acerca da duração e do desenrolar do relacionamento – que pode ter se desenvolvido – entre as personagens permanece. Será que esta nova relação, esta nova conexão, seguirá o roteiro da moderninha líquida ou a história será traçada de maneira diferente? 
 
REFERÊNCIAS
BAUMAN, Z. Amor líquido: Sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 2004. Disponível em: <http://lelivros.love/book/download-amor-liquido-zygmunt-bauman-em-epub-mobi-e-pdf/>. Acesso em. 06 jun. 2019. 
Medianeiras: Buenos Aires da era do amor virtual. Direção: Gustavo Taretto. Eddie Saeta S.A., Instituto Nacional de Cine y Artes Audiovisuales, Pandora Filmproduktion, Rizoma Films, Televisió de Catalunya. 2011.

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