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UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL KARINA ALCÂNTARA DOS SANTOS DO ROTEIRO A PÓS-PRODUÇÃO: A PARTICIPAÇÃO FEMININA NO CINEMA E A AUSÊNCIA DE ESPAÇO NO CENÁRIO AUDIOVISUAL. BARREIRAS 2020 KARINA ALCÂNTARA DOS SANTOS DO ROTEIRO A PÓS-PRODUÇÃO: A PARTICIPAÇÃO FEMININA NO CINEMA E A AUSÊNCIA DE ESPAÇO NO CENÁRIO AUDIOVISUAL. Trabalho apresentado junto ao Curso de Licenciatura em Artes Visuais, da Universidade Cruzeiro do Sul como exigência parcial da disciplina Projeto Experimental I. BARREIRAS 2020 DO ROTEIRO A PÓS-PRODUÇÃO: A PARTICIPAÇÃO FEMININA NO CINEMA E A AUSÊNCIA DE ESPAÇO NO CENÁRIO AUDIOVISUAL. Karina Alcântara dos Santos Resumo Este artigo pretende apresentar o cenário atual da ausência da mulher nas produções cinematográficas em cargos técnicos (como operadoras de câmera), ou gerenciais (como produtoras e diretoras). A partir da problemática sobre o número de mulheres que atuam atrás das câmeras no setor audiovisual, que é extremamente baixo comparado ao número de homens, esta pesquisa traz considerações sobre o contexto histórico da trajetória da mulher nos bastidores cinema. Por meio da análise de duas obras de duas cineastas brasileiras, Elena da cineasta Petra Costa e Que horas ela volta, de Anna Muylart, este artigo discorre sobre o cinema produzido através de uma perspectiva feminina e a importância de incluir as mulheres nesse mercado de trabalho ainda predominantemente masculino. Palavras chaves: Mulheres no audiovisual, Cinema, Cinema brasileiro. INTRODUÇÃO As mulheres estão ocupando cada vez mais o seu espaço no mercado de trabalho, porém não é muito comum vê-las em posições de destaque nos bastidores da indústria cinematográfica. Em uma produção audiovisual, as funções são inúmeras e na grande maioria a mulher exerce apenas a função de atriz, sem ter a oportunidade de trabalhar em outros setores. É possível analisar essa desigualdade através dos créditos finais dos filmes: quantas mulheres estão na produção dos filmes? Quantas roteiristas? Cinegrafistas? Quantas editoras? Normalmente são poucas entre uma equipe composta, em sua maioria, por homens. Este artigo sugere um estudo sobre a falta de oportunidade da mulher nos bastidores dos sets de gravação e como isso afeta o modo em que a figura feminina é representada nas telas. A escolha das obras “Elena”, de Petra Costa e “Que horas ela volta”, de Anna Muylart, ilustram o cinema produzido por mulheres, em sua complexidade narrativa e profundidade da construção de personagens femininas sob a perspectiva de uma equipe feminina. Esta pesquisa foi dividida em duas partes: a primeira parte é voltada para a história da mulher no cinema, a partir a descoberta de que foram elas as pioneiras nas produções cinematográficas em Hollywood. A segunda parte é sobre a análise das obras das cineastas brasileiras do ponto de vista cinematográfico e social. 1. A INDÚSTRIA DO CINEMA E A DESIGUALDADE DE GÊNERO A desigualdade de gênero nas profissões é algo que vem sendo enfrentado com o passar dos tempos, havendo algum progresso em algumas áreas, mas ainda há discrepâncias entre diversos aspectos em diversas áreas de atuação, que ainda caminham em passos muitos lentos em relações a outras, como a indústria cinematográfica, que, atualmente, é um ambiente predominantemente masculino. Era assim no fim dos anos 1940 e 1950, não havia muitas mulheres trabalhando em Hollywood. Só nos anos 1970 e 1980 os números começaram a aumentar, mas nunca foi como antes. Em 2015, 6% das melhores 250 filmes foram dirigidos por mulheres, 12% editados por mulheres, 10% foram escrito por mulheres. É ridículo, pior que os números do congresso! Um dos piores exemplos de desigualdade de gênero em qualquer indústria hoje em dia é a indústria do cinema. (CARI, 2016) No Brasil, os números não são diferentes, a Agência Nacional do Cinema (ANCINE) realizou uma pesquisa com o tema “DIVERSIDADE DE GÊNERO E RAÇA NOS LANÇAMENTOS BRASILEIROS DE 2016”, e foi constatado que os homens brancos dominam as principais funções de liderança no cinema. Segundo o relatório apenas 12,4% mulheres assinam os roteiros ficcionais, 25% são responsáveis pelos documentários e 0% pelas animações brasileiras, 7,7% ocupam as funções de direção de fotografia e 5,6% ocupam cargos de direção de arte. Através desses dados percebe-se que os homens são os protagonistas dos bastidores do cinema e são responsáveis por desenvolver as narrativas a partir de seus pontos de vista. A presença ativa das mulheres nos bastidores das gravações cinematográficas, na construção da narrativa é importante devido a uma questão de representatividade do gênero nas produções, a figura feminina e suas questões são construídas a partir das vivências e experiência das próprias mulheres, resultando em enredos mais profundos, que fogem aos esteriótipos do sistema patriarcal. Segundo Ann algumas mulheres externaram sua insatisfação com teorias que eram, elas mesmas, originariamente desenvolvidas por homens, e com preocupações de mulheres em como fomos vistas/colocadas/posicionadas pela ordem dominante masculina. Segundo Ann Kaplan (1995) “algumas mulheres externaram sua insatisfação com teorias que eram, elas mesmas, originariamente desenvolvidas por homens, e com preocupações de mulheres em como fomos vistas/colocadas/posicionadas pela ordem dominante masculina”. 2. A TRAJETÓRIA DA MULHER NO CINEMA Há uma parte da história do cinema que não é muito popular, contemporânea à história dos irmãos Lumière. Em 1985, a cineasta Ally Acker estava produzindo uma série sobre mulheres com autoridade nos sets de gravações e ao procurar fotos históricas para ilustrar as entrevistas encontrou nos arquivos de Hollywood uma caixa que reunia uma série de fotos sem identificação de mulheres em cargos importantes nos bastidores dos filmes. A partir dessas pesquisas surgiram diversas indagações sobre quem eram essas mulheres e porque não se falava sobre elas nas classes de cinema e não havia nada nos livros. Para Ally Acker (2016) “Os livros continham a história de Hollywood escrita nos anos 1940 por homens que não sabiam dessas mulheres”. Tais observações levaram-na a questionar se havia mais mulheres cineastas antes de 1920 do que nos dias atuais. A primeira pessoa que conseguiu viver de cinema foi de fato uma mulher, a francesa Alice Guy-Blaché, que não só foi a primeira diretora de cinema como também a pioneira a dirigir e roteirizar filmes de ficção. Em 1984 Alice foi trabalhar em uma empresa de vendas de equipamentos de fotografia, a Gaumont Film Company e através desse trabalho foi convidada para a exibição dos irmãos Lumière, que seria a primeira exibição pública de um filme. A partir disso, ela percebeu que poderia começar a criar narrativas e produzir filmes. Alice trabalhava como secretária durante o dia e produzia os filmes após o expediente. Em 1910 ela fundou o próprio estúdio nos Estados Unidos, o Solax e chegou a fazer centenas de filmes por ano. No início, o cinema ainda não era a grande indústria que é atualmente, e sim um projeto experimental que não era considerado “uma profissão de verdade”, então a força de trabalho vinha das mulheres e dos judeus, que frequentemente não eram bem-vindos em outras profissões. Para a roteirista e cineasta americana Robin Swicord (2016) “As mulheres tinham acabado de começar a trabalhar, podiam escolher entre ser estenógrafa, num escritório com várias mulheres ou ir a Califórnia e fazer filmes.” Nessa época, os bastidores dos sets de filmagens eram compostos, em sua maioria, por mulheres, recrutadas para funções primárias, como diretoras, roteiristas e cortadoras (costureiras responsáveis por juntar as partesdos filmes em uma sala de edição). Muitos filmes produzidos antes de 1925 tiveram mulheres em posição de autoridade nos bastidores, que produziam e escreviam roteiros de todos os gêneros e prosperavam com isso. Nomes como Lois Weber, Mary Pickford, Lilian Gish e Frances Marion trabalhavam em funções de liderança nos sets de gravação, como diretoras, produtoras, editoras e atrizes com voz ativa que exigiam o controle sobre os filmes. Mas depois de todos esses anos das mulheres a frente dos filmes, após uma crise econômica mundial e a chegada dos filmes falados, que alavancou o conceito de cinema, elas começaram a perder o espaço. Segundo Ally Acker (2019) “Assim que Hollywood virou um grande negócio, no final dos anos 1920, os sindicatos surgiram e as mulheres foram deixadas de lado.” Elas já não eram bem-vindas pois a indústria estava faturando alto, o trabalho era então respeitado e bem remunerado, então foram substituídas por homens que não possuíam nenhum conhecimento sobre cinema. Durante todo esse período a presença feminina acontecia nos sets de forma indireta, nos detalhes dos figurinos, na maquiagem, pois não podiam mais tomar decisões, nem fazer contratações e o papel da mulher no cinema foi se encaixando apenas no papel de atriz e o número de mulheres nos bastidores foi reduzido. E até os dias atuais as mulheres lutam para conquistar seu espaço na indústria cinematográfica.
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