Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
DESCRIÇÃO Solução de conflitos trabalhistas: da autotutela e greve à jurisdição estatal. PROPÓSITO Discutir mecanismos como a autotutela, a greve, a mediação, a arbitragem e a jurisdição estatal, a fim de compreender a dinâmica de surgimento e de resolução de conflitos trabalhistas. PREPARAÇÃO Antes de iniciar este estudo, tenha em mãos uma versão atualizada da Constituição Federal e da Consolidação das Leis do Trabalho, que podem ser obtidas no Portal da Legislação. OBJETIVOS MÓDULO 1 Identificar as formas legais de solução de conflitos trabalhistas MÓDULO 2 Reconhecer os movimentos de greve e paralisação INTRODUÇÃO No Brasil, não é tão raro ouvir queixas ou reclamações de trabalhadores porque os patrões exploraram sua mão de obra, deixaram de pagar salários, horas extras ou até mesmo praticaram assédio moral. Na mesma proporção, é comum que empregadores digam que fizeram de tudo para “ajudar” o trabalhador, que já pagaram muito para o prestador de serviços e que seria injusto terem que gastar mais recursos. É óbvio que razões culturais, sociais e econômicas explicam a grande litigiosidade no Brasil, o que inclui os conflitos decorrentes das relações de trabalho. Não se trata, entretanto, de uma exclusividade brasileira: ao menos no mundo ocidental (incluindo os Estados Unidos da América e países europeus e latino-americanos) há registros históricos e atuais de controvérsias individuais ou coletivas envolvendo trabalhadores e tomadores de serviço. Imagem: Shutterstock.com O típico conflito entre capital e trabalho pode ser assim sintetizado: o trabalhador deseja ganhar mais e trabalhar menos, enquanto o empregador almeja obter mais trabalho por menor valor. A legislação trabalhista existe justamente para estabelecer parâmetros mínimos a essa negociação, evitando, por exemplo, jornadas de trabalho extenuantes, que prejudiquem a saúde, ou o trabalho de menores de idade. Vamos estudar os mecanismos legais existentes para a solução de conflitos trabalhistas. Antes disso, entretanto, é necessário compreender com clareza a diferença entre conflitos individuais e coletivos de trabalho. MÓDULO 1 Identificar as formas legais de solução de conflitos trabalhistas CONFLITOS INDIVIDUAIS E CONFLITOS COLETIVOS DE TRABALHO O conflito trabalhista se caracteriza como individual quando envolve trabalhadores e empregadores isoladamente considerados. Perceba que isso pode ocorrer não apenas na evidente situação em que um trabalhador litiga contra um empregador, mas também quando ocorre o fenômeno processual do litisconsórcio. LITISCONSÓRCIO No Direito processual, corresponde à situação em que há mais de um autor da ação judicial, ou mais de um réu. EXEMPLO Suponha-se que João e José, dois empregados da empresa X, movam, em conjunto, ação trabalhista contra seu empregador. Aqui teríamos a figura de um litisconsórcio ativo, mas, ainda assim, verifica-se um conflito individual de trabalho, pois não se trata de uma coletividade percebida como uma unidade. Veja: apesar de se tratar de um único processo judicial, o julgamento de João pode ser diferente do de José. Pode ser, por exemplo, que um deles tenha razão no seu pedido, e o outro, não. Em tese, seria possível que fossem incluídos até mais trabalhadores no mesmo processo, digamos, quatro ou cinco. Ainda assim, estaríamos diante de um conflito individual de trabalho. LITISCONSÓRCIO ATIVO Pluralidade de autores da ação judicial. A qualificação do conflito como coletivo, de outro lado, parte de um critério qualitativo: o conflito coletivo versa sobre direitos essencialmente coletivos, vale dizer, direitos indivisíveis que javascript:void(0) javascript:void(0) pertencem a determinada categoria ou ao conjunto de trabalhadores de uma empresa (BERNARDES, 2021, p. 400). Imagem: Shutterstock.com Quando os trabalhadores de uma empresa decidem fazer greve, por não aceitarem a proposta de reajuste salarial ofertada pelo empregador, o conflito é coletivo, porque envolve todos os trabalhadores, que passam a ser vistos como um todo unitário. Assim, se a greve vier a ser declarada ilegal pela Justiça do Trabalho, a decisão vale para todo o grupo, indistintamente. Imagem: Shutterstock.com javascript:void(0) javascript:void(0) Outro exemplo: digamos que o Ministério Público do Trabalho (MPT) considere que determinada convenção coletiva de trabalho (CCT), da categoria dos bancários, contém uma cláusula ilegal. O MPT, então, decide ajuizar uma ação, na Justiça do Trabalho, em face dos sindicatos que pactuaram a CCT, postulando a nulidade da referida cláusula. O julgamento que vier a ser proferido valerá para toda a categoria dos bancários, ou seja, todos os empregados de bancos comerciais se sujeitarão à validade ou à anulação da cláusula. O CONFLITO ENVOLVE, POR ESSÊNCIA, A COLETIVIDADE DE TRABALHADORES, POIS DE DUAS, UMA: OU A CLÁUSULA É VÁLIDA PARA TODOS; OU NÃO É VÁLIDA PARA NINGUÉM. Agora que aprendemos a diferença entre conflitos individuais e coletivos de trabalho, estamos aptos a estudar os métodos de autocomposição e de heterocomposição, os quais apresentam peculiaridades justamente conforme se trate de conflitos individuais ou de conflitos coletivos. AUTOCOMPOSIÇÃO E HETEROCOMPOSIÇÃO DE CONFLITOS A autocomposição de um conflito acontece quando as partes resolvem, por si mesmas, o conflito; geralmente quando chegam a um acordo. Isso pode acontecer tanto em um conflito individual quanto em um conflito coletivo. Por exemplo, se o trabalhador João celebra um acordo com seu empregador X a respeito de horas extras que não foram quitadas, estaremos diante de autocomposição de um conflito individual de trabalho. Foto: Shutterstock.com Pode ocorrer, também, autocomposição de um conflito coletivo de trabalho. Imagine que, no curso de greve, os trabalhadores resolvam aceitar determinada proposta feita pelo empregador. Feito o acordo, encerra-se a greve e o conflito está resolvido. Como métodos de autocomposição de conflitos trabalhistas, temos: A AUTOTUTELA A MEDIAÇÃO A CONCILIAÇÃO A conciliação inclui as Comissões de Conciliação Prévia (CCP). Esses métodos serão estudados na sequência. Foto: Shutterstock.com Já a heterocomposição ocorre quando um terceiro, estranho ao conflito, resolve-o, atribuindo os direitos às partes envolvidas. Veja que na heterocomposição não há acordo, mas julgamento do conflito por um terceiro imparcial, que dirá aos conflitantes quem tem razão e como deve ser resolvido o conflito. O principal método de heterocomposição é a tradicional jurisdição. O conflito vai a julgamento pela Justiça do Trabalho. Podemos ter as figuras do: Dissídio individual Para solucionar o conflito individual de trabalho. Dissídio coletivo Para solucionar os conflitos coletivos. OUTRO IMPORTANTE MÉTODO DE HETEROCOMPOSIÇÃO É A ARBITRAGEM. AUTOTUTELA O primeiro método de autocomposição é a autotutela, que consiste na satisfação do direito pelo próprio interessado, à luz da “lei do mais forte”. Em regra, a autotutela é vedada, sendo inclusive crime o exercício arbitrário das próprias razões. Ou seja, é crime fazer justiça pelas próprias mãos, mesmo que legítima a pretensão, conforme menciona o art. 345 do Código Penal (BERNARDES, 2021, p. 116). HÁ SITUAÇÕES, ENTRETANTO, NAS QUAIS A LEGISLAÇÃO PERMITE A AUTOTUTELA, DE MODO QUE O PREJUDICADO RESOLVA O CONFLITO POR SI MESMO, SEM A INTERVENÇÃO DE UM TERCEIRO E SEM QUE HAJA ACORDO COM A OUTRA PARTE ENVOLVIDA. Pense, por exemplo, na hipótese em que o empregado João, num rompante de ira, de forma dolosa (intencional), destrua um equipamento da empresa (por exemplo, um computador jogado contra a parede). Nesse momento, surge um conflito entre João e seu empregador, pois este passa a ter a pretensão legítima de que o causador do dano ressarça os prejuízos causados. Nesse caso, o art. 462, § 1º, da Consolidação das Leis do Trabalho, admite que o empregador faça desconto salarial pelo dano causado dolosamentepelo empregado. Dessa forma, o valor do prejuízo pode ser descontado de forma unilateral, pela empresa, dos salários futuros do trabalhador. Em caso de dispensa do empregado, poderia haver compensação com as verbas rescisórias devidas. COMENTÁRIO Perceba que, em qualquer caso, a situação pode ser judicializada: quer por aquele que poderia valer-se da autotutela, mas prefira submeter o conflito ao Judiciário; quer pela pessoa que se sinta prejudicada pelo ato de autotutela levada a efeito pelo lesado original. Neste último caso, pode-se dizer que a autotutela soluciona um conflito, mas gera outro (BERNARDES, 2021, p. 117). MEDIAÇÃO E CONCILIAÇÃO Por mais que exista alguma controvérsia entre os autores, a mediação e a conciliação devem ser consideradas métodos de autocomposição de conflitos, já que, em ambas, a participação do terceiro (juiz do trabalho, por exemplo) se dá sem caráter impositivo. O mediador ou conciliador apenas aproxima as partes, eventualmente sugerindo soluções, mas sem caráter de obrigatoriedade: os próprios interessados solucionam seu conflito (BERNARDES, 2021, p. 117). O Código de Processo Civil, em seu art. 165, estabelece a diferença entre a atividade do mediador e do conciliador nos seguintes termos: § 2º O CONCILIADOR, QUE ATUARÁ PREFERENCIALMENTE NOS CASOS EM QUE NÃO HOUVER VÍNCULO ANTERIOR ENTRE AS PARTES, PODERÁ SUGERIR SOLUÇÕES PARA O LITÍGIO, SENDO VEDADA A UTILIZAÇÃO DE QUALQUER TIPO DE CONSTRANGIMENTO OU INTIMIDAÇÃO PARA QUE AS PARTES CONCILIEM; § 3º O MEDIADOR, QUE ATUARÁ PREFERENCIALMENTE NOS CASOS EM QUE HOUVER VÍNCULO ANTERIOR ENTRE AS PARTES, AUXILIARÁ AOS INTERESSADOS A COMPREENDER AS QUESTÕES E OS INTERESSES EM CONFLITO, DE MODO QUE ELES POSSAM, PELO RESTABELECIMENTO DA COMUNICAÇÃO, IDENTIFICAR, POR SI PRÓPRIOS, SOLUÇÕES CONSENSUAIS QUE GEREM BENEFÍCIOS MÚTUOS. DE ACORDO COM A LEI, PORTANTO, O CONCILIADOR ATUARIA PREFERENCIALMENTE NOS CASOS EM QUE NÃO HAJA VÍNCULO ANTERIOR ENTRE AS PARTES. EXEMPLO Imagine um acidente de trânsito causado por culpa do motorista. A vítima e o motorista obviamente não tinham, antes do acidente, nenhuma relação jurídica. Ainda de acordo com o Código de Processo Civil, o conciliador poderia sugerir soluções para o litígio, indicando um valor razoável para a celebração de acordo entre as partes, por exemplo. Foto: Shutterstock.com Ainda conforme o Código de Processo Civil, a mediação seria pertinente preferencialmente quando já houvesse vínculo jurídico anterior entre as partes. Por exemplo, numa relação de família (pensão alimentícia). Esquematizando, temos: Mediador Há vínculo anterior entre as partes. Não sugere soluções para o litígio. Conciliador Não há vínculo anterior entre as partes. Sugere soluções para o litígio. Alguns tribunais trabalhistas, como o Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, instituíram Centros de Soluções Consensuais de Conflitos, em que servidores do tribunal, sob a supervisão do juiz, fazem a mediação entre as partes. 1ª REGIÃO A 1ª Região corresponde ao Estado do Rio de Janeiro. Apesar da linguagem e das definições utilizadas pelo Código de Processo Civil, a CLT utiliza, em diversas passagens, a expressão “conciliação” para se referir à atividade dos juízes do trabalho. Por exemplo, o art. 764 da CLT afirma que: ART. 764 – OS DISSÍDIOS INDIVIDUAIS OU COLETIVOS SUBMETIDOS À APRECIAÇÃO DA JUSTIÇA DO TRABALHO SERÃO SEMPRE SUJEITOS À CONCILIAÇÃO. § 1º – PARA OS EFEITOS DESTE ARTIGO, OS JUÍZES E TRIBUNAIS DO TRABALHO EMPREGARÃO SEMPRE OS SEUS BONS OFÍCIOS E PERSUASÃO NO SENTIDO DE UMA SOLUÇÃO CONCILIATÓRIA DOS CONFLITOS. Ora, como os conflitos submetidos à Justiça do Trabalho decorrem de relações de trabalho, é óbvio que se estará diante de situações em que havia relação entre as partes previamente ao javascript:void(0) conflito. Assim, o método preferencial, na linguagem do Código de Processo Civil, seria a mediação, e não a conciliação. Na verdade, a própria distinção entre mediação e conciliação estabelecida pelo CPC pode ser questionada e problematizada do ponto de vista da dogmática jurídica. Aqui, o mais importante é percebermos que, tanto na mediação como na conciliação, um terceiro imparcial intervém para aproximar as partes, de modo que elas mesmas possam compor seu conflito por meio de um acordo. SÃO POSSÍVEIS A CONCILIAÇÃO E A MEDIAÇÃO TANTO EM DISSÍDIOS INDIVIDUAIS QUANTO EM DISSÍDIOS COLETIVOS DE TRABALHO. No campo dos conflitos individuais trabalhistas, merecem destaque as Comissões de Conciliação Prévia, que são órgãos voltados especificamente à promoção da autocomposição de conflitos individuais trabalhistas. É o que estudaremos a seguir. COMISSÃO DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA As Comissões de Conciliação Prévia (CCPs) são órgãos não estatais, instituídos no âmbito de empresas ou de sindicatos. São órgãos colegiados de composição paritária, ou seja, há representantes de empregados e empregadores. As CCPs também podem ser constituídas por grupos de empresas ou ter caráter intersindical. De acordo com o art. 625-B da CLT, a Comissão instituída no âmbito da empresa será composta de, no mínimo, dois e, no máximo, dez membros, e observará as seguintes normas: I – A METADE DE SEUS MEMBROS SERÁ INDICADA PELO EMPREGADOR E OUTRA METADE ELEITA PELOS EMPREGADOS, EM ESCRUTÍNIO SECRETO, FISCALIZADO PELO SINDICATO DE CATEGORIA PROFISSIONAL; II – HAVERÁ NA COMISSÃO TANTOS SUPLENTES QUANTOS FOREM OS REPRESENTANTES TITULARES; III – O MANDATO DOS SEUS MEMBROS, TITULARES E SUPLENTES, É DE UM ANO, PERMITIDA UMA RECONDUÇÃO. Já a CCP instituída no âmbito do sindicato terá sua constituição e normas de funcionamento definidas em convenção ou acordo coletivo (art. 625-C, CLT). Ainda de acordo com o texto da CLT, qualquer demanda de natureza trabalhista será submetida à Comissão de Conciliação Prévia se, na localidade da prestação de serviços, houver sido instituída a Comissão no âmbito da empresa ou do sindicato da categoria. Contudo, o Supremo Tribunal Federal, na ação direta de inconstitucionalidade 2139, fixou o entendimento de que é facultativo o acionamento da CCP previamente ao ajuizamento de ação judicial na ação trabalhista. Se o trabalhador preferir, pode optar por ir diretamente à Justiça do Trabalho, sem a necessidade de passar previamente pela CCP. Foto: rafastockbr / Shutterstock.com UMA VEZ PROVOCADA A CCP, HÁ UM PRAZO DE 10 DIAS PARA REALIZAÇÃO DA SESSÃO DE TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO. Se as partes fizerem acordo na CCP, devem assinar termo de conciliação, que é considerado título executivo extrajudicial e tem eficácia liberatória geral, exceto quanto às parcelas expressamente ressalvadas (art. 625-E, CLT). O fato de ser título executivo judicial significa que, se o devedor (geralmente o ex-empregador) não quitar o acordo firmado voluntariamente na CCP, o credor (quase sempre o ex- empregado) pode mover diretamente execução na Justiça do Trabalho, partindo diretamente para a prática de atos de penhora e expropriação de bens do devedor, sem a necessidade de ter que ajuizar ação para discutir a existência de créditos. COMENTÁRIO A eficácia liberatória geral significa que, uma vez celebrado o acordo, as partes (inclusive o trabalhador) não poderiam rediscutir os valores devidos. Contudo, a partir da decisão do STF na ADI 2237, pode-se afirmar que “parcelas que não foram inseridas no acordo perante a CCP não estão abrangidas pela eficácia liberatória” (BERNARDES, 2021, p. 129). Assim, se o acordo na CCP menciona que as partes estão transacionando sobre férias vencidas, o termo de conciliação libera o empregador quanto a tal parcela, mas não impede, por exemplo, que o trabalhador discuta o FGTS (Default tooltip) que não foi depositado. HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO EXTRAJUDICIAL Foto: Shutterstock.com A Lei nº 13.467/2017 (chamada de Reforma Trabalhista) introduziu, na CLT, a possibilidade de homologação de acordo extrajudicial na Justiça do Trabalho. Trata-se de hipótese típica de jurisdiçãovoluntária na Justiça do Trabalho. A homologação de acordo extrajudicial é procedimento de jurisdição voluntária, pois não há conflito de interesses; o Judiciário irá apenas homologar ou deixar de homologar um acordo apresentado pelas partes (BERNARDES, 2021, p. 149). javascript:void(0) ACORDO EXTRAJUDICIAL Acordo feito fora do juízo e levado à homologação pelo juiz. Pode-se afirmar, entretanto, que a homologação de acordo extrajudicial constitui justamente uma forma de evitar o surgimento do conflito trabalhista; daí a pertinência do estudo desse instituto jurídico ao tratarmos dos métodos de solução de conflitos. SAIBA MAIS Acordos extrajudiciais entre patrões e empregados são celebrados amplamente na realidade trabalhista brasileira. Contudo, em geral, muitos desses acordos podem ter sua validade jurídica questionada, em função da assimetria negocial existente entre as partes da relação de trabalho. Além disso, muitas vezes, a transação versa sobre direitos indisponíveis dos trabalhadores. Imagem: Shutterstock.com A homologação judicial de um acordo extrajudicial funciona como uma espécie de “chancela” do Poder Judiciário quanto à validade do acordo, de modo que ficam dissipadas quaisquer dúvidas possivelmente existentes a respeito. As partes, então, passam a ter segurança jurídica. De acordo com o art. 855-B da CLT, o processo de homologação de acordo extrajudicial terá início por petição conjunta, sendo obrigatória a representação das partes por advogado. Nesse procedimento, portanto, não se aplica o chamado “jus postulandi”. Ainda conforme regramento legal, as partes não poderão ser representadas por advogado comum, facultando-se ao trabalhador ser assistido pelo advogado do sindicato de sua categoria. JUS POSTULANDI A possibilidade de que trabalhador e empregador atuem na Justiça do Trabalho sem a presença de advogado os assistindo. É preciso, portanto, que haja um advogado para o empregado e outro advogado para o empregador; e não apenas um para ambos, por mais que não exista conflito entre as partes. Isso ocorre porque pode existir um potencial conflito de interesses para o patrono. Se o mesmo advogado representasse as duas partes, potencialmente haveria conflito de interesses, já que o advogado sempre procura o melhor para o seu cliente. Um único advogado representando duas partes não conseguiria defender satisfatoriamente os interesses de ambos os envolvidos. Em virtude disso, a lei exige que cada parte esteja representada por seu próprio advogado (BERNARDES, 2021, p. 150). javascript:void(0) Imagem: Shutterstock.com Embora não conste do texto legal, deve-se interpretar que a petição de homologação de acordo extrajudicial não pode também ser subscrita por advogados diferentes, mas que integrem o mesmo escritório de advocacia, tendo em vista o potencial conflito de interesses (BERNARDES, 2021, p. 151). Conforme o art. 855-C da CLT, a formulação de pedido de homologação de acordo extrajudicial não prejudica os prazos previstos para quitação de verbas rescisórias pelo empregador (art. 477, §§ 6º e 8º, CLT). Assim, as verbas rescisórias a que o empregado fizer jus devem ser pagas no prazo de 10 dias após a comunicação de dispensa, quer tenha sido trabalhado ou indenizado o aviso prévio, conforme nova redação (Default tooltip) do art. 477, § 6º, da CLT. Se tal prazo não for observado, será devida multa no valor de um salário deste empregado. ASSIM, O FATO DE HAVER OU NÃO A HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO EXTRAJUDICIAL LEVADO PELAS PARTES NÃO AFETA, EM PRINCÍPIO, O DIREITO DO TRABALHADOR DE COBRAR A MULTA DE UM SALÁRIO (ART. 477, § 8º, CLT). EXEMPLO O empregado e o empregador levam petição a Juízo, requerendo a homologação do acordo extrajudicial, 30 dias após a data da comunicação da dispensa. Nessa hipótese, o prazo de pagamento da rescisão terá sido extrapolado, por já haver decorrido mais de 10 dias. Nesse tipo de situação será necessário analisar os termos do acordo. Se, no acordo entre empregado e empregador, houver previsão de que o empregado dá quitação plena e irrestrita com relação ao extinto contrato de trabalho, posteriormente o empregado não pode ingressar com reclamação trabalhista postulando a multa do art. 477, § 8º, da CLT, já que tal parcela decorre da extinta relação de trabalho, que foi quitada sem quaisquer ressalvas. No entanto, se a petição de homologação de acordo extrajudicial discriminar quais são as parcelas a que o empregado dá quitação (exemplo: aviso prévio, 13º salário e FGTS, mas não houve pagamento, nem discriminação de saldo de salário e férias proporcionais), a eficácia de coisa julgada abrange apenas os direitos que foram objeto da transação, não havendo quitação das demais parcelas, inclusive da multa do art. 477, § 8º, da CLT, que pode eventualmente ser postulada em Juízo. Logo, é preciso diferenciar as duas situações: O acordo extrajudicial dá quitação total quanto ao extinto contrato de trabalho, hipótese em que o empregado não pode cobrar a multa. O acordo não dá quitação total, em que se especificam as parcelas e, entre essas, não está a multa do art. 477, de modo que o empregado pode ajuizar reclamação trabalhista para cobrar referida multa. O ART. 855-D, DA CLT, PREVÊ UM PRAZO DE 15 DIAS PARA QUE O JUIZ APRECIE A PETIÇÃO CONJUNTA DE ACORDO. O ART. 855-E, DA CLT, PREVÊ QUE, UMA VEZ QUE AS PARTES AJUÍZEM A PETIÇÃO PARA HOMOLOGAÇÃO DO ACORDO EXTRAJUDICIAL, FICA SUSPENSO O PRAZO PRESCRICIONAL QUANTO AOS DIREITOS NELA ESPECIFICADOS. Ressalte-se que não se trata de suspensão da prescrição de todos os direitos que decorram daquele contrato de trabalho, mas tão somente no que tange aos direitos especificados no acordo. EXEMPLO A petição do acordo declara que se está a negociar a respeito de aviso prévio e FGTS; nesse caso, ficará suspensa a prescrição apenas com relação a esses temas. Quanto a eventuais horas extras pretendidas pelo empregado, não se tem a suspensão da prescrição; o prazo prescricional vai fluir normalmente, mesmo que esteja pendente uma homologação de acordo extrajudicial. Logo, o prazo prescricional de 5 (cinco) anos ou de 2 (dois) anos somente deixa de fluir com relação àquelas parcelas objeto do acordo, e nunca com relação às parcelas que não são objeto. HETEROCOMPOSIÇÃO: ARBITRAGEM E JURISDIÇÃO Além dos métodos autocompositivos já estudados, os conflitos trabalhistas individuais e coletivos podem ser solucionados por métodos heterocompositivos, em que um terceiro imparcial decide o conflito, dizendo o direito no caso concreto e estabelecendo um comando que deve ser cumprido pelas partes. O MÉTODO HETEROCOMPOSITIVO MAIS TRADICIONAL É A JURISDIÇÃO, QUE CONSISTE NA ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO NA SOLUÇÃO DO CONFLITO. O juiz, na fase de conhecimento do processo, resolve a controvérsia entre as partes, tirando-as da incerteza ao determinar a norma jurídica aplicável ao caso concreto. Se o comando judicial for descumprido pelo réu, passa-se à fase de execução, em que são praticados atos materiais com o objetivo de transformar o mundo fenomênico, adequando-o à sentença, notadamente por meio de atos de expropriação (alienação forçada) de bens do devedor. ALÉM DA JURISDIÇÃO, EXISTE OUTRO MÉTODO DE HETEROCOMPOSIÇÃO DE CONFLITOS: A ARBITRAGEM, QUE SE ASSEMELHA EM MUITOS PONTOS À JURISDIÇÃO. Por esse motivo, comumente a arbitragem é referida como sendo um “equivalente jurisdicional”. Realmente, jurisdição e arbitragem têm em comum o fato de que, em ambas, um terceiro imparcial (juiz ou árbitro) decide a controvérsia entre as partes, de forma vinculante, ou seja, os litigantes se submetem ao que for decidido e devem cumprir a decisão (sentença ou laudo arbitral). Contudo, há algumas diferenças significativas: O juiz é uma autoridade pública, ao passo que o árbitro, geralmente, é uma pessoa desvinculada do Estado. A exceção consiste na possibilidade de que membros do Ministério Público do Trabalho atuem como árbitros em conflitostrabalhistas, quando solicitado pelas partes, conforme previsto na Lei Complementar nº 75/98, art. 83, XI. O árbitro é escolhido de comum acordo pelas partes, por meio da cláusula compromissória ou de compromisso arbitral (conforme explicado a seguir), enquanto o julgamento de ações judiciais é feito por juiz regularmente investido e com critérios preestabelecidos de competência jurisdicional. Cabe recurso da decisão judicial, mas não cabe recurso contra laudo arbitral. O juiz pode executar suas próprias decisões. Ao contrário, o laudo arbitral, quando descumprido, será executado perante o Poder Judiciário. Pela lei, sentença arbitral é título executivo judicial (art. 515, VII, CPC), cuja efetivação se dá através de processo autônomo de execução. Sempre foi muito polêmica a possibilidade de uso da arbitragem para solução de conflitos individuais trabalhistas, considerando que a usual fragilidade econômica do trabalhador, e até mesmo sua falta de conhecimento jurídico, tendem a fazer com que ele não compreenda adequadamente ou que não possa se opor à estipulação de arbitragem. A pessoa desempregada, em situação de necessidade, provavelmente concordaria em levar o conflito à arbitragem, ainda que isso lhe fosse extremamente danoso. CONFLITOS COLETIVOS DE TRABALHO CONFLITOS INDIVIDUAIS DE TRABALHO CONFLITOS COLETIVOS DE TRABALHO Não há maiores dificuldades. Antes mesmo da modificação legal empreendida em 2017 (referida a seguir), já se admitia (e continua sendo admitida) a arbitragem para solução de conflitos coletivos trabalhistas, pois se cuida de conflito entre sindicato e empresa, ou entre sindicatos entre si, de modo que não há a assimetria e o desconhecimento jurídico inerentes às relações individuais de trabalho. CONFLITOS INDIVIDUAIS DE TRABALHO A Lei nº 13.467/2017 introduziu na CLT o art. 507-A, segundo o qual nos contratos individuais de trabalho cuja remuneração seja superior a duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social, poderá ser pactuada cláusula compromissória de arbitragem, desde que por iniciativa do empregado ou mediante a sua concordância expressa, nos termos previstos na Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996. Na interpretação do dispositivo, é preciso levar em conta a hipossuficiência (Default tooltip) do trabalhador, que geralmente está em situação de inferioridade no plano econômico e jurídico; enquanto o empregador detém maior conhecimento e, principalmente, dita as regras do contrato de trabalho (poder diretivo do empregador), o empregado é subordinado e deve cumprir ordens do empregador. Nesse cenário, seria muito fácil para o empregador inserir uma cláusula de arbitragem no contrato de trabalho do empregado, de modo que qualquer conflito seria levado para o árbitro, e não para o Poder Judiciário. O empregado pouco ou nada poderia fazer a respeito: sua negativa em aderir à arbitragem resultaria presumidamente na perda do emprego (BERNARDES, 2021, p. 921). PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR Essa subordinação ocorre por meio do contrato de trabalho entre as partes, o que permite ao empregador o direito de dirigir as funções do empregado e como ele tem que se portar dentro da empresa. javascript:void(0) Imagem: Shutterstock.com A Reforma Trabalhista prevê, aparentemente, a possibilidade irrestrita de arbitragem desde que o empregado tenha remuneração superior a duas vezes o teto dos benefícios do INSS (Default tooltip) . Assim, quando da entrada em vigor da Lei nº 13.467/2017, a se adotar interpretação literal, poderia ser estabelecida cláusula compromissória arbitral desde que a remuneração fosse superior a aproximadamente R$11 mil reais. No ano de 2021, a arbitragem, pelo texto legal, pode ser aplicada quando o salário mensal superar o valor aproximado de R$13 mil reais. A pactuação ou convenção de arbitragem é o negócio jurídico por força do qual as partes de determinada relação jurídica resolvem submeter o conflito dela decorrente a um árbitro. Trata- se de gênero que abrange duas espécies: Cláusula compromissória firmada preventivamente, ou seja, antes de haver qualquer litígio, convenciona que eventual conflito será submetido à arbitragem; Compromisso arbitral, que se refere a litígio já existente. O texto do art. 507-A da CLT não é tão claro e comporta duas interpretações possíveis: Primeira interpretação Somente será possível o uso da arbitragem se a iniciativa de levar o conflito para o árbitro for do trabalhador, ou se este concordar expressamente com a instauração de procedimento arbitral. Segunda interpretação A iniciativa do trabalhador seria necessária apenas para firmar a cláusula compromissória, mas, uma vez surgido o conflito, o empregador poderia levar a questão ao árbitro para decisão. Nos dois casos, frise-se, a arbitragem só será válida para empregados cuja remuneração supere duas vezes o teto dos benefícios previdenciários. Se a remuneração for inferior, será inviável a utilização da arbitragem. ARBITRAGEM TRABALHISTA O especialista Felipe Bernardes discorre sobre a possibilidade e os requisitos da arbitragem trabalhista. VERIFICANDO O APRENDIZADO 1. ANO: 2020 - BANCA: FGV (FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS) - PROVA: FGV - OAB - ADVOGADO -XXXI EXAME DE ORDEM UNIFICADO (ADAPTADA) JOSÉ DA SILVA, QUE TRABALHOU EM DETERMINADA SOCIEDADE EMPRESÁRIA DE 20/11/2018 A 30/04/2019, RECEBEU, APENAS PARCIALMENTE, AS VERBAS RESCISÓRIAS, NÃO TENDO RECEBIDO ALGUMAS HORAS EXTRAS E REFLEXOS. A SOCIEDADE EMPRESÁRIA PRETENDE PAGAR AO EX-EMPREGADO O QUE ENTENDE DEVIDO, MAS TAMBÉM QUER EVITAR UMA POSSÍVEL AÇÃO TRABALHISTA. SOBRE A HIPÓTESE, NA QUALIDADE DE ADVOGADO(A) DA SOCIEDADE EMPRESÁRIA, ASSINALE A AFIRMATIVA CORRETA. A) Deverá ser indicado e custeado um advogado para o empregado, a fim de que seja ajuizada uma ação para, então, comparecerem para um acordo, que já estará previamente entabulado no valor pretendido pela empresa. B) Deverá ser instaurado um processo de homologação de acordo extrajudicial, proposto em petição conjunta, mas com cada parte representada obrigatoriamente por advogado diferente. C) Deverá ser instaurado um processo de homologação de acordo extrajudicial, proposto em petição conjunta, mas cada parte poderá ser representada por advogado, ou não, já que, na Justiça do Trabalho, vigora o jus postulandi. D) Deverá ser instaurado um processo de homologação de acordo extrajudicial, proposto em petição conjunta, mas com advogado único representando ambas as partes, por se tratar de acordo extrajudicial. E) A empresa deverá ajuizar reclamação trabalhista a fim de obter a quitação total do extinto contrato de trabalho. 2. ANO: 2019 - BANCA: FGV (FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS) - PROVA: FGV - OAB - ADVOGADO (ADAPTADA) JOSUÉ GOMES TRABALHOU PARA A EMPRESA BVN LTDA., SENDO DISPENSADO APÓS 3 ANOS, SEM JUSTA CAUSA, EM 2019. AMBOS ENTABULARAM UM ACORDO EXTRAJUDICIAL PARA COLOCAR FIM À RELAÇÃO EMPREGATÍCIA E PROTOCOLARAM AS PETIÇÕES DO REFERIDO ACORDO, SEPARADAMENTE, POIS O ADVOGADO ENTENDEU POR BEM QUE CADA UM FIZESSE SUA PETIÇÃO. NESSE CASO: A) Agiu corretamente o advogado, pois ambos devem peticionar, separadamente, conforme legislação em vigor. B) Agiu incorretamente o advogado, pois a legislação trabalhista não admite essa hipótese de jurisdição voluntária. C) Agiu corretamente o advogado, pois os processos serão reunidos pela conexão. D) Agiu incorretamente o advogado, pois deveriam ter dado início ao processo por petição conjunta. E) Agiu incorretamente o advogado, pois esse tipo de ação somente pode ser movido na Justiça Comum Estadual. GABARITO 1. Ano: 2020 - Banca: FGV (Fundação Getulio Vargas) - Prova: FGV - OAB - Advogado - XXXI Exame de Ordem Unificado (Adaptada) José da Silva, que trabalhou em determinada sociedade empresária de 20/11/2018 a 30/04/2019, recebeu, apenas parcialmente, as verbas rescisórias, não tendo recebido algumas horas extras e reflexos. A sociedade empresária pretende pagarao ex-empregado o que entende devido, mas também quer evitar uma possível ação trabalhista. Sobre a hipótese, na qualidade de advogado(a) da sociedade empresária, assinale a afirmativa correta. A alternativa "B " está correta. De acordo com o art. 855-B, caput e § 1º, da CLT, o processo de homologação de acordo extrajudicial terá início por petição conjunta, sendo obrigatória a representação das partes por advogado, visto que ambas as partes não poderão ser representadas por advogado comum. É fundamental que o advogado do trabalhador seja independente em relação à empresa, para poder avaliar de forma isenta os interesses de seu cliente; daí não cabe indicação e custeio, pelo empregador, do advogado do trabalhador. 2. Ano: 2019 - Banca: FGV (Fundação Getulio Vargas) - Prova: FGV - OAB - Advogado (Adaptada) Josué Gomes trabalhou para a empresa BVN Ltda., sendo dispensado após 3 anos, sem justa causa, em 2019. Ambos entabularam um acordo extrajudicial para colocar fim à relação empregatícia e protocolaram as petições do referido acordo, separadamente, pois o advogado entendeu por bem que cada um fizesse sua petição. Nesse caso: A alternativa "D " está correta. De acordo com o art. 855-B, caput e § 1º, da CLT, o processo de homologação de acordo extrajudicial terá início por petição conjunta. Trata-se de hipótese de jurisdição voluntária (em que não há conflito) expressamente admitida na Justiça do Trabalho. MÓDULO 2 Reconhecer os movimentos de greve e paralisação O QUE DIFERENCIA GREVE DE PARALISAÇÃO? Foto: Ververidis Vasilis / Shutterstock.com O contrato de trabalho é uma relação jurídica de trato continuado, de modo que, dia após dia, o trabalhador presta serviços, mas, evidentemente, há paralisações (compreendido aqui o termo de forma ampla) no trabalho – já que somente uma máquina (e talvez nem uma máquina!) poderia funcionar 24 horas por dia e 7 dias por semana. PODE-SE DIZER, ASSIM, QUE A PARALISAÇÃO OCORRE SEMPRE QUE O TRABALHADOR NÃO ESTIVER PRESTANDO SERVIÇOS, APESAR DE O RESPECTIVO CONTRATO DE TRABALHO ESTAR VIGENTE (ATIVO). Isso nos remete ao tema da suspensão e interrupção do contrato de trabalho. Suspensão do contrato de trabalho Não há prestação de serviços e também não há recebimento de salário pelo empregado. É o que acontece, por exemplo, com os intervalos para alimentação (intrajornada) e sono (interjornadas). Explicaremos essa questão com mais detalhes a seguir. De acordo com o regramento da CLT (art. 71), em todo trabalho contínuo, cuja duração exceda de 6 horas, é obrigatória a concessão de um intervalo para repouso ou alimentação, o qual será, no mínimo, de 1 (uma) hora e, salvo acordo escrito ou contrato coletivo em contrário, não poderá exceder de 2 (duas) horas. Tradicionalmente, esse intervalo é tratado como pausa para refeição. Foto: Shutterstock.com ATENÇÃO Perceba que, durante o intervalo intrajornada, o empregado evidentemente não está trabalhando e, igualmente, também não está sendo remunerado. O período de intervalo não é computado na jornada de trabalho. Da mesma forma, a CLT (art. 66) estabelece que entre 2 (duas) jornadas de trabalho haverá um período mínimo de 11 (onze) horas consecutivas para descanso. Trata-se do intervalo entre jornadas, ou interjornadas, associado ao sono e repouso do trabalhador. O período entre uma jornada de trabalho e a jornada seguinte evidentemente não é computado como hora de trabalho, logo não são pagos, apesar de o contrato de trabalho permanecer vigente no período. Outros exemplos de suspensão do contrato de trabalho, em que não há prestação de serviços e tampouco recebimento de salários, são: Imagem: Shutterstock.com Recebimento de benefício previdenciário por incapacidade temporária. Falta injustificada do trabalhador. Suspensão disciplinar (penalidade aplicada ao empregado em decorrência do cometimento de uma infração). Interrupção do contrato de trabalho Foto: Shutterstock.com Não há prestação de serviços, mas, mesmo assim, o trabalhador continua recebendo os salários. É o que ocorre, por exemplo, nas férias: ao usufruir do seu justo descanso anual, o trabalhador permanece com contrato de trabalho ativo, embora não trabalhe e receba a devida remuneração. Outras situações de interrupção do contrato de trabalho: afastamento por doença durante os 15 primeiros dias, pois somente no 16º dia é possível o afastamento pelo INSS; ausências justificadas, como aquelas decorrentes de casamento (até 3 dias consecutivos) ou de doação de sangue (no máximo 1 dia em cada 12 meses de trabalho). A caracterização de uma hipótese fática de paralisação como suspensão (Default tooltip) ou interrupção (Default tooltip) depende do que a legislação prevê. Ou seja, é a lei que dirá se determinada paralisação da prestação de serviços deve ou não ser remunerada. Feitas essas explicações, é fácil perceber que a greve é um tipo, uma espécie do gênero paralisação. DAÍ, PODEMOS DIZER QUE TODA GREVE É UMA PARALISAÇÃO, MAS NEM TODA PARALISAÇÃO É UMA GREVE. Mas o que caracteriza a greve? Quais os seus requisitos? É o que estudaremos na sequência GREVE: CONCEITO, HISTÓRICO E REQUISITOS Foto: Joa Souza / Shutterstock.com O art. 9º da Constituição Federal (CF) estabelece ser assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender. Ainda de acordo com o texto constitucional, a lei definirá os serviços ou as atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, sendo que os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei. O Direito brasileiro (Lei nº 7.783/1989, art. 2º) conceitua como legítimo exercício do direito de greve a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a empregador. O conceito legal demonstra que a greve é considerada como forma de suspensão do contrato de trabalho, daí decorrendo o entendimento majoritário segundo o qual, durante a greve, não há prestação de serviços, mas também não são devidos os salários, embora exista certa discussão a respeito na literatura jurídica. Do ponto de vista da teoria geral do Direito, pode-se dizer que a natureza jurídica da greve é de fato jurídico, pois se trata de acontecimento que sofre a incidência de normas jurídicas e que, por isso, gera efeitos no plano do direito. Além disso, a doutrina é, atualmente, unânime em enunciar a greve como direito, tal como proclamado no art. 9º da CF. Nem sempre foi assim. Na metade do século XX, renomados juristas, como Carnelutti e Couture, ainda relutavam em caracterizar a greve como direito. Relatos históricos demonstram que na Europa do século XVIII, e em parte do XIX, a coalizão de trabalhadores era criminalizada. São marcantes os exemplos da Lei Le Chapelier (1791), editada no contexto da Revolução Francesa (1789-1799); e da lei inglesa de 1779, que proibia, sob penas severas, a associação profissional. Foto: Luxardo / Radiocorriere / Wikimedia Commons / Domínio Público Francesco Carnelutti No Brasil, a greve, na Primeira República (1889-1930), era mero fato social não regulamentado pelo Direito; a partir da Constituição de 1937, a greve foi reputada como fato ilegal e até mesmo foi criminalizada em algumas hipóteses. NA CONSTITUIÇÃO DE 1946, FOI TRATADA COMO DIREITO TRABALHISTA; MAS, DURANTE O REGIME MILITAR, FOI SEVERAMENTE RESTRINGIDA. Esse brevíssimo escorço permite concluir que, ao menos no caso brasileiro, o estabelecimento de restrições mais intensas à greve se associa a regimes ditatoriais e autoritários (Estado Novo e ditadura civil-militar). De outro lado, os movimentos e as greves de trabalhadores no final dos anos 1979 e nos anos 1980 foram fundamentais para a redemocratização do país. É importante ter sempre em mente que a greve, embora possa parecer recurso “antipático” à sociedade – por poder afetar aspectos relacionadosao consumo e aos empregadores, pelos imediatos e evidentes prejuízos que gera –, é instrumento que permite avanços no campo social, democratiza as relações de trabalho e apresenta o potencial de trazer reflexos positivos para toda a coletividade. ATENÇÃO É preciso deixar claro, ainda, que, uma vez deflagrada a greve pela categoria, os trabalhadores que a integram não têm o direito de seguir trabalhando normalmente. Se a greve é, por definição legal, o direito coletivo de suspensão de prestação de serviços, a prática de “furar a greve” é clara violação a esse direito, cabendo destacar que os benefícios obtidos pela categoria alcançarão todos os trabalhadores. De acordo com a Lei de Greve (Lei nº 7.783/1989), são requisitos para deflagração da greve (também chamada de movimento paredista): Frustração de negociação ou impossibilidade de uso da via arbitral. Comunicação à entidade patronal correspondente ou aos empregadores diretamente envolvidos, com antecedência mínima de 48 (quarenta e oito) horas, acerca da paralisação. Caso se trate de greve em atividade essencial, esse prazo aumenta para 72 (setenta e duas) horas. Realização de assembleia geral que definirá as reivindicações da categoria e deliberará sobre a paralisação coletiva da prestação de serviços. DIREITOS E DEVERES DOS GREVISTAS De acordo com a Lei de Greve, são assegurados aos grevistas, entre outros direitos: I. O EMPREGO DE MEIOS PACÍFICOS TENDENTES A PERSUADIR OU ALICIAR OS TRABALHADORES A ADERIREM À GREVE; II. A ARRECADAÇÃO DE FUNDOS E A LIVRE DIVULGAÇÃO DO MOVIMENTO. EM NENHUMA HIPÓTESE OS MEIOS ADOTADOS POR EMPREGADOS E EMPREGADORES PODERÃO VIOLAR OU CONSTRANGER OS DIREITOS E AS GARANTIAS FUNDAMENTAIS DE OUTREM. O TEXTO LEGAL ESTATUI, AINDA, QUE AS MANIFESTAÇÕES E OS ATOS DE PERSUASÃO UTILIZADOS PELOS GREVISTAS NÃO PODERÃO IMPEDIR O ACESSO AO TRABALHO NEM CAUSAR AMEAÇA OU DANO À PROPRIEDADE OU À PESSOA. Assim, estritamente à luz da lei infraconstitucional, seria possível que os trabalhadores realizassem os chamados “piquetes” em frente aos locais de trabalho, desde que não impedissem o acesso ao local de trabalho por parte de clientes ou até mesmo de trabalhadores que desejassem continuar trabalhando. Do ponto de vista da doutrina jurídica, entretanto, essa assertiva é questionável, pois a greve é um direito coletivo de não trabalho com o objetivo de obter melhores condições de vida e de trabalho para toda a categoria. Se alguns trabalhadores resolvem “furar a greve”, isso pode comprometer a eficácia do movimento. O DIREITO COLETIVO AO NÃO TRABALHO, PORTANTO, DEVERIA SE SOBREPOR AO DIREITO INDIVIDUAL AO TRABALHO. A Lei de Greve estatui ser vedado às empresas adotar meios para constranger o empregado ao comparecimento ao trabalho, bem como capazes de frustrar a divulgação do movimento. Observadas as condições previstas em lei, a participação em greve suspende o contrato de trabalho, devendo as relações obrigacionais, durante o período, ser regidas por acordo, convenção, laudo arbitral ou decisão da Justiça do Trabalho. Imagem: Shutterstock.com Isso significa que a greve, por força de lei, é tratada como uma hipótese de suspensão do contrato de trabalho. Daí decorre que os trabalhadores não prestam serviços, mas também não recebem, em princípio, os salários. Contudo, é possível que acordo, convenção coletiva, laudo arbitral ou decisão da Justiça do Trabalho resolvam a situação em sentido contrário, ou seja, estipulando que os salários serão devidos (por exemplo, mediante compensação das horas não trabalhadas). De acordo com a Lei nº 7.783/1989, é vedada a rescisão de contrato de trabalho durante a greve, bem como a contratação de trabalhadores substitutos, exceto nas seguintes situações: Quando não houver acordo com a entidade patronal ou diretamente com o empregador, com o objetivo de manter em atividade equipes de empregados com o propósito de assegurar os serviços cuja paralisação resultem em prejuízo irreparável, pela deterioração irreversível de bens, máquinas e equipamentos, bem como a manutenção daqueles essenciais à retomada das atividades da empresa quando da cessação do movimento. No caso de manutenção da paralisação após a celebração de acordo, convenção ou decisão da Justiça do Trabalho. A Lei nº 7.783/1989 estabelece, ainda, um rol de atividades consideradas essenciais, a saber: I Tratamento e abastecimento de água. II Produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis. III Assistência médica e hospitalar. IV Distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos. V Funerários. VI Transporte coletivo. VII Captação e tratamento de esgoto e lixo. VIII Telecomunicações. IX Guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares. X Processamento de dados ligados a serviços essenciais. XI Controle de tráfego aéreo e navegação aérea. XII Compensação bancária. XIII Atividades médico-periciais relacionadas com o regime geral de Previdência Social e a assistência social. XIV Atividades médico-periciais relacionadas com a caracterização do impedimento físico, mental, intelectual ou sensorial da pessoa com deficiência, por meio da integração de equipes multiprofissionais e interdisciplinares, para fins de reconhecimento de direitos previstos em lei, em especial na Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência). XV Outras prestações médico-periciais da carreira de Perito Médico Federal indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. XVI Atividades portuárias. Nos serviços ou nas atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. javascript:void(0) Na greve em serviços ou atividades essenciais, ficam as entidades sindicais ou os trabalhadores, conforme o caso, obrigados a comunicar a decisão aos empregadores e aos usuários com antecedência mínima de 72 (setenta e duas) horas da paralisação. NECESSIDADES INADIÁVEIS São necessidades que, se não atendidas, colocam em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população. DIREITOS E DEVERES DOS GREVISTAS O especialista Felipe Bernardes define o que é a greve e analisa os direitos e deveres dos grevistas. TIPOS DE GREVE A greve se diz abusiva quando não são atendidas as determinações legais pertinentes. Prefere-se tal nomenclatura – em vez de se falar em “greve ilegal” – porque a greve é um direito, de modo que não há um “direito ilegal”, mas, no máximo, um exercício abusivo de direito. A ABUSIVIDADE DA GREVE PODE DECORRER DE VÁRIOS FATORES, TAIS COMO: FALTA DE CONCESSÃO DE AVISO AO EMPREGADOR COM ANTECEDÊNCIA DE 72 HORAS (ATIVIDADES ESSENCIAIS) OU DE 48 HORAS (DEMAIS ATIVIDADES), CONFORME DEFLUI DOS ARTS. 3º, PARÁGRAFO ÚNICO, E 13, DA LEI Nº 7.783/1989; NÃO REALIZAÇÃO DE ASSEMBLEIA PARA DELIBERAÇÃO DOS TRABALHADORES; NÃO ATENDIMENTO DAS NECESSIDADES INADIÁVEIS DA COMUNIDADE, NOS SERVIÇOS ESSENCIAIS, ENTRE OUTROS. De acordo com a Lei nº 7.783/1989, constitui abuso do direito de greve a inobservância das normas contidas na Lei, bem como a manutenção da paralisação após a celebração de acordo, convenção ou decisão da Justiça do Trabalho. Contudo, na vigência de acordo, convenção ou sentença normativa, não constitui abuso do exercício do direito de greve a paralisação que: I. TENHA POR OBJETIVO EXIGIR O CUMPRIMENTO DE CLÁUSULA OU CONDIÇÃO; II. SEJA MOTIVADA PELA SUPERVENIÊNCIA DE FATOS NOVO OU ACONTECIMENTO IMPREVISTO QUE MODIFIQUE SUBSTANCIALMENTE A RELAÇÃO DE TRABALHO. (LEI 7.783/1989) A responsabilidade pelos atos praticados, ilícitos ou crimes cometidos, no curso da greve, será apurada, conforme o caso, segundo a legislação trabalhista, civil ou penal. A declaração judicial de abusividade da greve trará a consequência de que, a partir de então, as ausênciasao trabalho se considerarão injustificadas. O Judiciário não pode impor coercitivamente, sob pena de multa, o retorno às atividades, exceto se for com o objetivo de permitir o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade (e não do empregador) em serviços essenciais. Trata-se de seguir estritamente o texto constitucional e legal aplicável. ATENÇÃO Embora a greve, desde seu início, suspenda o contrato de trabalho, tornando indevido, em princípio, o pagamento de salário – conforme entendimento majoritário exposto no tópico anterior –, não se pode considerar que se trata de faltas injustificadas ao trabalho até o momento em que o Judiciário declare a abusividade do movimento. Essa conclusão é válida inclusive se a greve for declarada abusiva pela Justiça do Trabalho. O caráter de falta injustificada somente se configura a partir da decisão judicial que declarar a abusividade da greve, independentemente do respectivo trânsito em julgado. A decisão, portanto, tem caráter ex nunc. ALÉM DISSO, DEVE-SE LEVAR EM CONTA QUE, CONFORME SÚMULA 316 DO STF, A SIMPLES ADESÃO À GREVE NÃO CONFIGURA FALTA GRAVE. O entendimento doutrinário, bem como a jurisprudência atual dos Tribunais Regionais do Trabalho, são firmes no sentido de que, ainda que a greve seja declarada abusiva, descabe cogitar de aplicação de justa causa decorrente da mera participação do trabalhador. De acordo com o seu objeto, a greve pode ser classificada em: ECONÔMICA A greve econômica é a paralisação típica, em que os trabalhadores buscam o aumento de remuneração ou a concessão de benefícios como auxílio-alimentação, garantias de emprego etc. AMBIENTAL A greve ambiental tem o objetivo de pleitear a melhoria da situação do meio ambiente de trabalho, seja pela caracterização de insalubridade ou periculosidade passíveis de neutralização ou minimização pelo empregador, seja em função do risco acentuado de acidentes de trabalho ou de doenças ocupacionais que também se apresentam como evitáveis pelo empregador. POLÍTICA Pode-se conceituar a greve política como sendo “aquela dirigida contra os poderes públicos, tendo como objetivo protestar contra decisões do governo ou pressionar órgãos governamentais para que tomem ou deixem de tomar determinada decisão” (BABOIN, 2013, p. 56). Como exemplo, pode-se figurar uma paralisação de trabalhadores em protesto contra a tramitação de determinado projeto de lei, ou para pressionar o presidente da República a vetar determinado projeto aprovado pelo parlamento e contrário ao interesse dos trabalhadores. DE SOLIDARIEDADE Já as greves de solidariedade são aquelas em que uma categoria paralisa suas atividades em apoio a reivindicações de outra categoria profissional. É mais provável que isso ocorra em se tratando de uma categoria forte (mais organizada e com alto poder de reivindicação) que resolva apoiar uma categoria fraca. Por exemplo: a categoria de petroleiros entra em greve para apoiar os empregados terceirizados, os quais, por hipótese, não receberam reajuste salarial nos últimos dois anos. A Constituição Federal, no seu art. 9º, estabelece claramente que a greve é um direito e que compete aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender. Depreende-se que não há qualquer restrição no texto da Lei Maior quanto à possibilidade das greves políticas e de solidariedade. Nem mesmo o texto infraconstitucional da Lei nº 7.783/1989 contém semelhante restrição. Contudo, é importante registrar que a tendência que veio a se consagrar e a se tornar francamente majoritária na jurisprudência e na doutrina trabalhistas é no sentido da abusividade das greves políticas e das de solidariedade. Nessa ótica, somente seriam permitidas as greves econômica e ambiental. Também se incluem na categoria de greve política os movimentos paredistas dirigidos “contra o próprio empregador, mas em protesto a decisões que não tenham ligação direta com o contrato de trabalho” (BABOIN, 2013, p. 56). Exemplo: paralisação em protesto a uma política de escolha de reitor de universidade privada, antes eleito democraticamente pela comunidade acadêmica, e que passa a ser indicado unilateralmente pelo mantenedor. SAIBA MAIS A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (TST) firmou-se no sentido da abusividade das greves políticas sob o fundamento de que elas inviabilizam o atendimento dos requisitos da Lei de Greve, notadamente a necessidade de negociação prévia com o empregador, o qual não tem como atender às reivindicações, que se direcionam ao Poder público. Quanto às greves de solidariedade, não há julgados representativos da posição do TST, mas, caso seja adotada a mesma lógica relativa às greves políticas, a conclusão seria pela possibilidade apenas quando as reivindicações pudessem ser atendidas pelo empregador ou pela categoria econômica (solidariedade interna). Sucede que há importantes manifestações doutrinárias favoráveis às greves políticas e de solidariedade. Mas não é só. A interpretação finalística do dispositivo constitucional impõe a mesma conclusão. Trata-se de reconhecer o caráter democrático da Constituição Cidadã, sendo certo que a greve é um importante mecanismo de exercício dos direitos de reunião e de manifestação do pensamento. Como visto, a greve gera diversos ônus aos trabalhadores, os quais ficam privados, inclusive, dos salários – conforme entendimento que vem prevalecendo na doutrina e na jurisprudência, mas que, corajosamente, decidem realizar uma pacífica luta coletiva em prol da sociedade. Não se pode conceber que se trate de abuso de direito. CONSTITUIÇÃO CIDADà Forma como também é conhecida a Constituição de 1988. javascript:void(0) ATENÇÃO O fato de que o empregador não pode atender às reivindicações não impressiona, porque as greves políticas e de solidariedade somente se materializam quando estão envolvidos grandes empregadores, ou atividades em que o interesse social envolvido sirva para despertar a consciência coletiva a respeito do tema que pauta a greve. Nesse contexto, o próprio empregador e a sociedade como um todo podem acabar se mobilizando em prol dos mesmos objetivos. DISSÍDIOS COLETIVOS NA JUSTIÇA DO TRABALHO Como visto, a greve é uma tentativa de pressão, feita pela classe trabalhadora, no sentido de obter melhores condições de trabalho e de remuneração frente ao empregador. A GREVE NÃO SOLUCIONA O CONFLITO COLETIVO, MAS PODE ESTIMULAR NEGOCIAÇÕES QUE RESULTEM EM ACORDO – E ESTE, SIM, RESOLVERÁ O CONFLITO. Pode ocorrer, ainda, que, mesmo com a greve, as negociações não cheguem a bom termo, e as partes não consigam solucionar, por si mesmas, o conflito. Em tais casos, pode ser crucial que um terceiro imparcial e desinteressado auxilie as partes a resolver a controvérsia, de modo que os trabalhadores retomem suas atividades. A ATUAÇÃO DO TERCEIRO PODE OCORRER ANTES MESMO DA GREVE, COM O OBJETIVO DE EVITÁ-LA; OU APÓS SUA ECLOSÃO, COM A FINALIDADE DE FAZÊ-LA CESSAR. Esse terceiro pode ser um simples mediador, sem poder decisório, que apenas tentará aproximar as partes; um árbitro, eleito de comum acordo pelo sindicato profissional e pela empresa (ou sindicato patronal) e que terá poder decisório sobre as reivindicações dos trabalhadores; ou a Justiça do Trabalho, por meio de um procedimento chamado de dissídio coletivo de trabalho. Há três espécies de dissídios coletivos: Dissídio coletivo de natureza econômica É ação regida por procedimento especial, que tramita na Justiça do Trabalho com o objetivo de criar ou modificar condições de trabalho, solucionando um conflito coletivo de trabalho. O dissídio de natureza econômica tem por objeto justamente a criação de normas jurídicas genéricas e abstratas que se aplicarão no âmbito de determinada empresa ou categoria profissional. A decisão do dissídio consiste em sentença normativa, que consubstancia o exercício do poder normativo da Justiça do Trabalho. Trata-se defunção anômala do Poder Judiciário, que inova no ordenamento jurídico, com eficácia prospectiva e erga omnes semelhante à das leis em geral. Por essa razão, e sobretudo para prestigiar a autocomposição pelos interessados, o poder normativo foi restringido pela EC 45/2004, sendo que o art. 114, § 2º, da CF, passou a exigir o comum acordo para o ajuizamento do dissídio coletivo. Isso significa que o dissídio coletivo de natureza econômica somente pode ser processado se as duas partes (sindicato profissional e empresa ou sindicato patronal) concordarem com o processamento. Foto: Shutterstock.com Dissídio de natureza jurídica O dissídio de natureza jurídica também é ação coletiva que versa sobre direito coletivo em sentido estrito, mas seu objetivo é apenas interpretar normas específicas que já existem e que se aplicam no âmbito de determinada categoria. Doutrina e jurisprudência entendem que leis específicas de certas categorias ou grupo de pessoas podem ser objeto de dissídio coletivo de natureza jurídica. NO ENTANTO, LEIS DE CARÁTER GERAL NÃO PODEM TER A INTERPRETAÇÃO DEFINIDA EM DISSÍDIOS DE NATUREZA JURÍDICA. Exemplos: Lei geral Controvérsia quanto a determinado dispositivo da CLT ou do Código Civil: nessa hipótese, não será cabível o dissídio coletivo de natureza jurídica. Lei municipal Que preveja o regime celetista para os seus servidores e estabeleça alguns direitos específicos – nesse caso, é possível o dissídio coletivo de natureza jurídica. No caso de categorias profissionais que possuam regulamentação especial em lei – tais como engenheiros e médicos –, se houver controvérsia jurisprudencial no que tange à aplicação de algum dispositivo dessa lei, será possível ajuizar o dissídio coletivo de natureza jurídica, pois não se trata de uma lei geral, mas de lei específica que versa sobre determinada categoria. Ademais, os instrumentos coletivos (gênero que abrange o acordo coletivo de trabalho, a convenção coletiva de trabalho e a sentença normativa) também são passíveis de interpretação em dissídios coletivos de natureza jurídica. Dissídio de greve A terceira espécie de dissídio coletivo é o dissídio de greve, por meio do qual se discute a validade ou abusividade de movimento paredista. O OBJETO DO DISSÍDIO DE GREVE É A DECLARAÇÃO DE SUA ABUSIVIDADE OU LICITUDE. O interesse nessa declaração é a possibilidade de responsabilização dos sujeitos envolvidos, como um sindicato que realiza greves com piquetes, ou nas quais se danifica o patrimônio do empregador, entre outros exemplos. A declaração de abusividade da greve gera diversos efeitos, entre os quais se destacam: Os trabalhadores terão que voltar a trabalhar, e se não voltarem, terão faltas injustificadas; Durante a greve, a empresa está proibida de contratar trabalhadores substitutos, mas, se a greve for declarada abusiva e os trabalhadores continuarem a faltar, o empregador poderá contratar substitutos, sem que isso configure um ato antissindical. A principal discussão envolvendo o dissídio coletivo de greve diz respeito à possibilidade, ou não, de o Tribunal Trabalhista decidir o conflito econômico entre as categorias (ou entre a categoria profissional e a empresa), independentemente de haver comum acordo entre as partes do dissídio coletivo. COMENTÁRIO Perceba que a Constituição não exige comum acordo para o ajuizamento de dissídios de greve, e realmente não poderia fazê-lo, já que a declaração de abusividade do movimento paredista obviamente não pode se sujeitar à concordância dos envolvidos. Sobre o tema, há duas vertentes de pensamento: (i) A primeira vertente considera que não é possível que o Tribunal Trabalhista decida o conflito econômico se não houver o comum acordo, exigido pela Constituição para o processamento do dissídio econômico, para que se possa ter uma decisão a respeito das reivindicações econômicas da categoria. Entender diferentemente faria com que o requisito constitucional do comum acordo fosse facilmente burlado: bastaria, para tanto, deflagrar greve e, em seguida, ajuizar dissídio coletivo de greve, fazendo com que o Tribunal decidisse as reivindicações econômicas da categoria. No entanto, decidir as reivindicações da categoria constitui objeto específico do dissídio de natureza econômica. A PRIMEIRA CORRENTE É PREFERÍVEL PORQUE O PODER NORMATIVO VEM SENDO RESTRINGIDO CADA VEZ MAIS, POR SER UM RESQUÍCIO ANTIDEMOCRÁTICO DO CORPORATIVISMO ITALIANO. (ii) A segunda linha doutrinária sustenta ser possível ao Tribunal apreciar as reivindicações econômicas da categoria, em dissídio de greve, sem a exigência do comum acordo. O fundamento dessa posição é a necessidade de pacificação do conflito coletivo de trabalho. Foto: rafastockbr / Shutterstock.com Isso ocorre porque, de fato, em muitos casos, há greves mais longas e/ou em categorias que podem gerar prejuízo ao interesse público, tais como a greve nos Correios ou a greve dos bancários. O impasse no comum acordo pode acabar gerando danos ao interesse coletivo. Por isso que, nesses casos, o TST – ao menos nas situações de deflagração de greve superveniente ao ajuizamento de dissídio coletivo econômico – tem entendido que o Tribunal pode, no dissídio de greve, julgar as reivindicações econômicas sem que haja o comum acordo. Embora sólidos os fundamentos da segunda corrente, o fato é que tal entendimento acaba burlando, por via oblíqua, a exigência do comum acordo para o processamento de dissídio coletivo de natureza econômica e faz com que o Estado traga para si o conflito, retirando a responsabilidade dos entes coletivos envolvidos. Trata-se de viés autoritário, por meio do qual o Estado impõe a solução aos atores sociais, sem considerar, muitas vezes, o que realmente seja melhor para a categoria ou qual a realidade financeira da empresa etc. De acordo com a jurisprudência mais recente do TST, a celebração de acordo no curso de dissídio coletivo de greve implica a extinção do processo sem resolução de mérito, a menos que o acordo seja celebrado com a ressalva de interesse no exame da legalidade da greve. VERIFICANDO O APRENDIZADO 1. PROVA: MPT – MPT – PROCURADOR DO TRABALHO (ADAPTADA) SOBRE O DIREITO DE GREVE, É INCORRETO AFIRMAR QUE: A) A greve deflagrada com o objetivo de exigir o cumprimento de cláusula ou condição de norma coletiva não é considerada abusiva. B) São considerados serviços ou atividades essenciais o atendimento a todas as atividades relacionadas ao regime geral de Previdência Social e à assistência social. C) A Constituição de 1988 assegura o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender. D) Segundo o entendimento majoritário atual do Tribunal Superior do Trabalho, são consideradas abusivas as greves com caráter político. E) É assegurado aos grevistas o emprego de meios pacíficos tendentes a persuadir ou aliciar os trabalhadores a aderirem à greve. 2. ANO: 2018 - BANCA: FCC (FUNDAÇÃO CARLOS CHAGAS) - PROVA: FCC - TRT 15 - ANALISTA JUDICIÁRIO - ÁREA APOIO ESPECIALIZADO - ESPECIALIDADE: OFICIAL DE JUSTIÇA AVALIADOR. O DIREITO DE GREVE, ASSEGURADO CONSTITUCIONALMENTE, NÃO É ABSOLUTO. OS SERVIÇOS E AS ATIVIDADES ESSENCIAIS SÃO DEFINIDOS POR LEI, QUE TAMBÉM DISPORÁ SOBRE O ATENDIMENTO DAS NECESSIDADES INADIÁVEIS DA COMUNIDADE. NESSE SENTIDO, NOS SERVIÇOS E NAS ATIVIDADES ESSENCIAIS: A) Caso empregadores e trabalhadores não cumpram a exigência de prestação, durante a greve, dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, o Poder público deverá assegurar tal prestação. B) Os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação de pelo menos 70% dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. C) São necessidades inadiáveis da comunidade aquelas que, se não atendidas, trazem prejuízos financeiros às empresase à população. D) As entidades sindicais ou os trabalhadores, conforme o caso, ficam obrigados a comunicar a decisão de deflagração da greve aos empregadores e aos usuários com antecedência mínima de 48 horas da paralisação. E) As entidades sindicais são responsáveis por comunicar a decisão de deflagração da greve aos empregadores, aos usuários e ao Ministério do Trabalho com antecedência mínima de 72 horas da paralisação. GABARITO 1. Prova: MPT – MPT – Procurador do Trabalho (Adaptada) Sobre o direito de greve, é incorreto afirmar que: A alternativa "B " está correta. De acordo com a Lei nº 7.783/1989, art. 10, XII, apenas atividades médico-periciais relacionadas com o regime geral de Previdência Social e a assistência social são consideradas atividades essenciais. Daí a incorreção da assertiva B. 2. Ano: 2018 - Banca: FCC (Fundação Carlos Chagas) - Prova: FCC - TRT 15 - Analista Judiciário - Área Apoio Especializado - Especialidade: Oficial de Justiça Avaliador. O direito de greve, assegurado constitucionalmente, não é absoluto. Os serviços e as atividades essenciais são definidos por lei, que também disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. Nesse sentido, nos serviços e nas atividades essenciais: A alternativa "A " está correta. De acordo com o art. 11 da Lei nº 7.783/1989, nos serviços ou nas atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. CONCLUSÃO CONSIDERAÇÕES FINAIS Identificar e compreender os métodos de solução de conflitos individuais e coletivos de trabalho, não só diferenciando as formas de solução de conflito, é dizer – por meio de autocomposição ou heterocomposição – como também delineamos os traços fulcrais, sobretudo de abusividade ou não, sobre os movimentos de greve e paralisação. Portanto, procuramos aqui solidificar o entendimento dos meios de solução dos conflitos trabalhistas – quer seja conflito individual, quer seja coletivo –, por meio de uma construção dogmática e prática e dos conceitos básicos de disputas legais trabalhistas. AVALIAÇÃO DO TEMA: REFERÊNCIAS BABOIN, J. C. G. O tratamento jurisprudencial da greve política no Brasil. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. BERNARDES, F. Manual de processo do trabalho. 3. ed. Salvador: Juspodivm, 2021. EXPLORE+ Para maior aprofundamento dos métodos de solução de conflito, leia a obra coletiva Soluções de Conflitos Trabalhistas: Novos Caminhos (Editora LTR, 2018). E, para uma análise detida sobre os movimentos de greve, consulte o Manual Prático das Relações Trabalhistas, de Cláudia Salles Vilela Vianna (Editora LTR, 2017). CONTEUDISTA Felipe Bernardes CURRÍCULO LATTES javascript:void(0);
Compartilhar