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Fadiga, perda de peso e anemias 1 Mírian Santos – 6° semestre. Problema 08 1. Compreender as leucemias (LLA, LLC, LMA, LMC): Definição Classificação Epidemiologia Fatores risco Etiologia Fisiopatologia Manifestações clínicas Complicações (neutropenia febril) Diagnóstico Diagnóstico diferencial Tratamento (manejo da leucemia e da neutropenia febril) Leucemia Leucemias são um grupo de doenças caracterizadas pelo acúmulo de leucócitos malignos na medula óssea e no sangue. Essas células anormais causam sintomas por insuficiência da medula (anemia neutropenia, trombocitopenia) e infiltração de órgãos (fígado, baço, linfonodos, meninges, cérebro, pele ou testículos). Elas são classificadas em 4 tipos – leucemias agudas e crônicas, que, por sua vez, se subdividem em linfoides ou mieloides. As leucemias agudas em geral são doenças agressivas nas quais a transformação maligna ocorre em células-tronco da hematopoese ou em progenitores primitivos. Acredita-se que o dano genético envolva vários passos bioquímicos básicos, resultando em aumento da velocidade de produção, diminuição da apoptose e bloqueio na diferenciação celular. Esses eventos causam um acumulo de células hematopoeticas primitivas, chamadas blásticas ou apenas blastos. O aspecto clinico dominante da leucemia aguda é a insuficiência da medula óssea causada pelo acumulo de blastos, embora também possa ocorrer infiltração tecidual. Se não forem tratadas, são muito fatais, porém, sãos mais fáceis de curar do que as leucemias crônicas. Leucemia aguda é definida pela presença de mais de 20% de blastos no sangue ou na medula óssea na apresentação clínica. Pode, entretanto, ser diagnosticada com menos de 20% de blastos no caso de haver anormalidades genético-moleculares especificamente associadas à leucemia. Leucemia Mielóide Aguda Definição Doença de curso agudo caracterizada pela proliferação na medula óssea de clone celular de origem mieloide que perdeu sua capacidade de diferenciação. Classificação Fadiga, perda de peso e anemias 2 Mírian Santos – 6° semestre. Epidemiologia A leucemia mielóide aguda (LMA) tem incidência de 3,4 por 100.000 habitantes, oscilando entre 1 e mais de 20 casos por 100.000, dependendo da idade, sendo mais freqüente nos idosos acima dos 70 anos. É a leucemia mais comum no mundo como um todo, devido à sua maior incidência em populações orientais. Constitui uma fraçáo pequena (10 a 15%) das leucemias na infância. As anomalias citogenéticas e a resposta ao tratamento inicial têm grande influência no prognóstico. Fatores risco A LMA está sendo cada vez mais diagnosticada em indivíduos que sobrevivem a outros cânceres e que foram previamente expostos a quimioterapia e radioterapia. Os agentes alquilantes, como o melfalano e o clorambucil, podem levar ao desenvolvimento de LMA, com tempo médio de início de 5 a 10 anos. O risco de leucemia é 20 vezes maior em pacientes com síndrome de Down. Etiologia Fisiopatologia Em geral, as leucemias agudas caracterizam- se pela proliferação rápida de um clone que também perde sua capacidade de diferenciação, com conseqüente acúmulo de células de aspecto citológico imaturo ou blastos no sangue periférico e na medula óssea. A proliferação exagerada do clone dentro da medula óssea leva a uma inibição da hematopoese normal, resultando em anemia, plaquetopenia e neutropenia e nos sintomas secundários a tais citopenias, como cansaço, fraqueza, síndrome purpúrica e febre. A biologia da doença depende da idade. Nos idosos, a doença é mais freqüentemente associada a síndromes mielodisplásicas, mieloproliferativas, cariótipos de mau prognóstico e à expressão de fenótipos de resistência a múltiplas drogas. Fadiga, perda de peso e anemias 3 Mírian Santos – 6° semestre. A fisiopatologia da leucemia mielóide aguda envolve grande quantidade de alterações moleculares que alteram os processos de regulação de proliferação, diferenciação, apoptose e reparo do DNA, entre outros. É possível encontrar mutações dos genes FLT- 3, Rãs, CKit, P53, fusão dos genes PML- RARalpha, CBFbeta-MYH11 e expressão exagerada de Bcl2, entre muitos outros. Estas alterações se traduzem na proliferação descontrolada de um clone de células de linhagem mielóide, com conseqüente infiltração da medula óssea à falência desta. Manifestações clínicas É decorrente de: Falência medular caracterizada por cansaço, fraqueza e palidez cutânea e de mucosas, decorrentes da anemia; quadro purpúrico caracterizado por petéquias, sangramento gengival e metrorragias; equimoses cutâneas secundárias a plaquetopenia; e processos infecciosos secundários a neutropenia; Infiltração de órgãos e tecidos pelo clone leucêmico, como discreta hepatoesplenomegalia, infiltração de gengivas com conseqüente hipertrofia gengival e, mais raramente, infiltração cutânea; Massa tumoral formada por mieloblastos acometendo coluna espinhal e órbita (evento raro); Leucostase, síndrome caracterizada por isquemia de múltiplos órgãos e por disfunção respiratória e do SNC. Associada a número elevado de blastos circulantes, habitualmente acima de 100.000/mm3. É fundamental que todo médico esteja familiarizado com o quadro clínico de apresentação de uma leucemia aguda! A evolução dos sintomas pode ser aguda (dias) ou subaguda (semanas), embora metade dos pacientes apresente queixas inespecíficas nos últimos três meses... A tríade sintomática da leucemia aguda é: (1) astenia; (2) hemorragia; e (3) febre, todos sintomas relativos à insuficiência hematopoiética medular. Essa tríade é a mesma da anemia aplásica, sendo este o diagnóstico diferencial mais importante, principalmente quando não houver leucocitose no hemograma. Doenças infecciosas graves, tais como a meningococemia, também podem se apresentar de forma semelhante. A astenia (ou fadiga) é o sintoma inicial em metade dos casos (nesse momento, o diagnóstico geralmente não é suspeitado, pela falta de outros comemorativos). A astenia, na verdade, é o principal componente da síndrome anêmica. Estes pacientes normalmente desenvolvem uma anemia moderada a grave de instalação rápida. Os outros comemorativos da síndrome anêmica também podem estar presentes: dispneia, cefaleia e tontura postural. Fadiga, perda de peso e anemias 4 Mírian Santos – 6° semestre. O sangramento reflete a plaquetopenia grave e, eventualmente, um distúrbio da coagulação (ex.: Coagulação Intravascular Disseminada (CIVD) na LMA M3 – promielocítica). Quando o distúrbio é secundário apenas à plaquetopenia, manifesta-se com sangramento cutâneo (petéquias, equimoses) e mucoso (sangramento gengival, epistaxe, metrorragia, hemorragia digestiva). Portadores de LMA M3 que cursam com CIVD podem manifestar sangramentos orgânicos graves (ex.: hemorragia intracraniana, pulmonar). Em alguns casos, a diátese hemorrágica é desproporcional ao grau de plaquetopenia, em razão da coexistência de disfunção das plaquetas circulantes... A febre pode ser decorrente de dois mecanismos: (1) neutropenia ou disfunção neutrofílica, que favorece infecções bacterianas e fúngicas sistêmicas – mecanismo mais comum; (2) febre neoplásica, consequente à rápida proliferaçãoclonal. Aqui vale ressaltar que, como regra geral, todo portador de leucemia aguda que se apresenta com febre deve ser avaliado e tratado – a princípio – como se possuísse uma infecção grave. Outros sinais e sintomas são decorrentes da infiltração leucêmica de órgãos e tecidos. A hepatoesplenomegalia é uma manifestação frequente e pode diferenciar clinicamente a leucemia aguda de uma anemia aplásica (que não cursa com hepatoesplenomegalia). A esplenomegalia das leucemias agudas não é tão proeminente quanto a da LMC... A linfadenopatia pode ocorrer, embora seja mais comum na LLA. A dor óssea (também mais comum na LLA) é um sintoma decorrente da expansão medular pela proliferação dos blastos ou da invasão do periósteo. Algumas manifestações infiltrativas são características de certos subtipos. O exemplo mais clássico é o da hiperplasia gengival, comum nos subtipos M4 e M5 (monocíticos). A infiltração cutânea pode levar ao aparecimento de placas eritematosas ou violáceas (leukemia cutis). O sarcoma granulocítico (cloroma) é uma tumoração extramedular de blastos, que pode se apresentar como um tumor de órbita ou em outros locais, como ossos, pulmões, SNC, ovário, útero etc. Esta última apresentação pode ocorrer em qualquer subtipo de LMA, embora seja mais frequente nos casos com a translocação t(8;21). Quando a leucometria alcança valores exorbitantes (> 50.000 ou > 100.000/mm3, dependendo da referência) – uma condição conhecida como hiperleucocitose, mais comum nos subtipos M4 e M5 – a síndrome da leucostase pode se instalar. Os leucócitos (neste caso, os blastos) aumentam a viscosidade sanguínea e podem se aderir ao endotélio das vênulas pulmonares e outros órgãos, como o cérebro. O paciente apresenta sintomas neurológicos (cefaleia, borramento visual, Fadiga, perda de peso e anemias 5 Mírian Santos – 6° semestre. parestesias, torpor, coma, crise convulsiva), pulmonares (dispneia, taquipneia, insuficiência respiratória com hipoxemia grave) e geniturinários (priapismo, insuficiência renal aguda). Esta condição deve ser imediatamente tratada com leucoaférese (retirada de leucócitos do sangue) + quimioterapia. Diagnóstico O diagnóstico de leucemia mielóide aguda é feito pelo estudo do hemograma e do mielograma. O hemograma mostra anemia, plaquetopenia e habitualmente leucocitose às custas de blastos, ou número normal ou diminuído de leucócitos normais com a presença de blastos. O mielograma mostra uma medula inteiramente substituída por blastos. O diagnóstico deve sempre ser confirmado pelo mielograma (aspirado de medula óssea), obtido geralmente da crista ilíaca. É necessária a presença de mais de 20% de blastos (critério da OMS) entre as células nucleadas do aspirado. O aspirado deve ser analisado do ponto de vista morfológico, citoquímico, imunofenotípico (citometria de fluxo), citogenético (cariótipo, FISH) e molecular (RT-PCR). Logo, além de confirmar uma leucemia aguda, os exames devem tipar e subtipar a leucemia, definindo dados prognósticos. A biópsia de medula óssea também deve ser realizada para análise das alterações displásicas e do grau de mielofibrose associada. É importante a demonstração da origem mielóide do blasto, já que isso define o prognóstico e o tratamento a ser feito. Com este intuito, deve-se fazer imunofenotipagem dos blastos por meio de citometria de fluxo, na presença de certos marcadores ou antígenos de membrana, como CD13, CD14, CD33, que permitem definir a origem mielóide do blasto. Na ausência de citometria de fluxo, deve ser feita a citoquímica dos blastos, pois a presença de grãos peroxidasepositivos ou sudan black positivos ou uma reação de ANAE positiva permitem definir se o blasto é mieloide ou não, e ainda se há componente monocítico. Tratamento O tratamento da LMA pode ser dividido em três grandes etapas: 1) Tratamento de suporte. 2) Indução da remissão completa. 3) Tratamento pós-remissão. Tratamento de suporte: Verificar se existe acesso venoso adequado. Usualmente, os pacientes requerem o uso de cateteres de longa permanência para garantir que a terapia seja adequadamente administrada, nos horários certos e com a velocidade necessária, sendo bastante recomendável o uso de bombas de infusão. Se o paciente for um neutropênico febril, antes de começar a quimioterapia, é necessário iniciar antibióticos de amplo espectro. Para preservar a função renal, o Fadiga, perda de peso e anemias 6 Mírian Santos – 6° semestre. paciente deve ser adequadamente hidratado em forma endovenosa com 3.000 mL de soro/m2 em 24 horas e usar alopurinol 600 mg/dia VO. Para evitar náuseas e vômitos, usar ondansentrom na dose de 8 mg antes da quimioterapia e a cada 12 horas após o término desta. Fazer uso de concentrados de plaquetas em forma profilática se o nível destas cair abaixo de 10.000/mm3 no sangue periférico. O uso de fatores de crescimento, como G-CSF ou GM-CSF, está indicado em infecções fúngicas e é recomendado em pacientes neutropênicos que permanecem febris apesar do uso de antibióticos de amplo espectro. Terapia de indução de remissão completa: O objetivo primário desta etapa é diminuir a massa tumoral e restituir a hematopoese normal. Há várias décadas, a terapia-padrão para indução de todos os tipos de LMA, salvo a LMA M3, consiste no uso de daunorrubicina (45 a 60 mg/m2/dia durante 3 dias, EV, em 60 minutos) e citarabina (100 a 200 mg/m2/dia EV, de forma contínua durante 7 dias). Este ciclo pode ser repetido 14 a 28 dias após o início, se não for obtida uma remissão completa caracterizada por ausência de blastos, número normal de neutrófilos e plaquetas acima de 100.000/mm3 no sangue periférico, e presença de menos de 5% de blastos na medula óssea. A porcentagem de remissão completa obtida depende do cariótipo (Tabelas II e III). Para a LMA M3, a adição de ácido all-transretinóico (ATRA) ao tratamento quimioterápico é mandatória, já que melhora a porcentagem de remissão completa obtida e diminui as complicações hemorrágicas. Terapia pós-remissão: O objetivo desta terapia é, após ter alcançado a remissão completa, evitar a recidiva da doença. Para os portadores de anomalias cariotípicas de bom prognóstico, 3 ou mais ciclos mensais de quimioterapia com citarabina em doses elevadas (3 g/m2 a cada 12 horas nos dias 1, 3 e 5 do ciclo) é tratamento preconizado. Para os portadores de anomalias cariotípicas de prognóstico intermediário ou adverso, o tratamento de escolha nos menores de 60 anos de idade é um transplante alogênico com doador HLA-compatível na família ou, como segunda opção, um doador HLA-compatível não-relacionado. Nos maiores de 60 anos de idade, a melhor opção, independentemente do cariótipo, é usar citarabina em doses intermediárias (1,5 mg/m2 a cada 12 horas nos dias 1, 3 e 5 do ciclo) por mais de um ciclo, conforme tolerância. Nestes pacientes, é aconselhável fazer uso de GCSF ou GM-CSF após a quimioterapia para diminuir o número de dias em que o paciente fica neutropênico. Nos pacientes portadores de LMA M3, deve-se fazer uso de ATRA junto com a quimioterapia pelo menos durante 15 dias a cada 3 meses. Transplante de células-tronco O transplante de células-tronco alogênicas (TCT) reduz a frequência de recidiva da LMA Fadiga, perda de peso e anemias 7 Mírian Santos – 6° semestre. mas provoca risco de morbidade e mortalidade, demodo que não é indicado em casos de risco favorável, a menos que tenha havido recidiva. O TCT é utilizado para alguns pacientes com risco padrão ou de alto risco em primeira remissão. Há o desenvolvimento de trabalhos comparativos visando a criar diretrizes de indicação. Leucemia Mieloide Crônica Definição A leucemia mielóide crônica (LMC) é uma doença mieloproliferativa clonal, caracterizada pela presença do cromossomo Philadelphia (Ph) em células primordiais e suas descendentes. É um distúrbio clonal de uma célula-tronco pluripotente. como a hidroxiuréia (HU). Entretanto, com o passar do tempo, esse clone leucêmico perde essa capacidade, e a doença progride inexoravelmente para uma leucemia aguda denominada de crise blástica, resistente a terapia quimioterápica mais agressiva. Classificação Epidemiologia A doença é responsável por cerca de 15% das leucemias e pode ocorrer em qualquer idade. As leucemias são responsáveis por 3% de todos os cânceres humanos, com uma incidência de 5 a 10 casos por 100 mil habitantes por ano. Em adultos, a LMC tem uma incidência de 1 a 2 casos por 100 mil, e é responsável por 15- 20% de todas as leucemias. A média de idade do aparecimento da LMC é 53 anos na população geral, e 45 anos na população brasileira, mas todas as faixas etárias podem ser acometidas, incluindo crianças, apesar de ser bem mais raro. A LMC é ligeiramente mais freqüente em homens do que em mulheres, com uma prevalência de 1,4-2,2:1. Essa diferença também foi observada na população brasileira estudada. Etiologia Fadiga, perda de peso e anemias 8 Mírian Santos – 6° semestre. Fisiopatologia As síndromes mieloproliferativas formam um grupo de neoplasias hematológicas que se originam da célula-tronco (stem cell) ou de um progenitor próximo a esta em sua maturação. Porém, ao contrário das leucemias agudas, esse clone segue o curso normal de maturação até as células finais (granulócitos, hemácias, plaquetas) – logo, não há bloqueio de maturação! Essa anormalidade genética característica da LMC, o cromossomo Ph, resulta de uma translocação recíproca e equilibrada entre os braços longos dos cromossomos 9q23 e 22q11. A conseqüência molecular dessa translocação é a geração de uma proteína híbrida BCR-ABL de 210-Kd, com atividade tirosina-quinase aumentada, presente nos casos de LMC. A atividade da proteína BCR-ABL é necessária e suficiente para a atividade oncogênica da fase inicial da LMC1. A doença pode evoluir em três fases. Durante a fase crônica ocorre uma expansão clonal maciça de células mielóides, a qual mantém a capacidade de diferenciação e é bem controlada com terapias citorredutoras, Na LMC, a fusão dos genes BCR-ABL é a b2a2 ou b3a3, na qual se funde o exon 2 (b2) ou o exon 3 (b3) do BCR ao exon 2 (a2) do ABL gera uma oncoproteína de peso molecular de 210 kd (p210) na grande maioria dos casos. Essa oncoproteína tem uma atividade tirosina- quinase aumentada, fazendo que progenitores mielóides se expandam em vários estágios de maturação, sendo liberados prematuramente no sangue periférico. A expansão desordenada dessas células progenitoras caracteriza a LMC como uma doença mieloproliferativa clonal. As células resultantes dessa mieloproliferação respondem menos aos sinais reguladores de crescimento tanto de citocinas como de microambiente da medula óssea. Esses fatores são responsáveis pela fase crônica da doença. O cromossomo Ph pode ser detectado por técnica de citogenética convencional na maior parte dos pacientes. Em alguns casos cuja citogenética é negativa para o cromossomo Ph, técnicas moleculares tais como hibridação in situ por fluorescência (FISH) ou reação em cadeia da polimerase (PCR) podem ser úteis na detecção do BCR-ABL. Além do cromossomo Ph, outra característica citogenética dos portadores de LMC é a presença de anormalidades clonais adicionais, presentes em 10-30% dos pacientes com LMC em fase crônica e em cerca de 80% dos portadores de LMC agudizada. Duas cópias do cromossomo 22q- ou duplo Ph, trissomia do cromossomo 8, isocromossomo 17q, trissomia do cromossomo 19, são consideradas anormalidades mais comuns, ou maiores. Fadiga, perda de peso e anemias 9 Mírian Santos – 6° semestre. Alterações menos comuns são perda do cromossomo Y, t(3;21)(q26;q22), monossomia do 7, monossomia e trissomia do 17 e trissomia do 21. Freqüentemente, é atribuído um prognóstico reservado à presença de uma dessas anormalidades quando detectadas durante o curso da doença. Entretanto, elas não parecem encerrar um pior prognóstico quando são evidenciados ao diagnóstico sem outros comemorativos de fases mais avançadas. Na crise blástica, o valor prognóstico é menos claro, estando relativamente bem estabelecido que não existe diferença prognóstica entre pacientes agudizados que apresentam ou não anormalidades citogenéticas adicionais. Ainda não está claro como exatamente ocorre a transformação da fase crônica para fases mais avançadas da doença. Parece haver uma cooperação entre o gene BCR-ABL e defeitos genéticos secundários. Essas células que carregam outros defeitos levariam uma vantagem proliferativa, dando início a uma fase mais avançada da doença. Manifestações clínicas Muitos pacientes com LMC são descobertos em uma fase assintomática da doença, através de exame físico mostrando esplenomegalia e/ou hemograma revelando leucocitose neutrofílica acentuada, com desvio para esquerda até mielócito ou mieloblasto. O marco da LMC é justamente a associação: A LMC é uma doença progressiva que evolui em fases, sendo o diagnóstico em geral feito na fase crônica, que é comumente caracterizada por um curso indolente e por um fácil controle terapêutico. Os sintomas mais comuns de apresentação da doença são decorrentes do estado hipercatabólico, da esplenomegalia, da anemia e/ou da disfunção plaquetária, tais como: febre, perda ponderal, astenia, sudorese noturna, desconforto abdominal no hipocôndrio esquerdo, saciedade precoce, palpitação, dispneia, equimoses... As infecções na LMC não são frequentes, nem caracterizam a doença. O clone neoplásico é capaz de se diferenciar até o neutrófilo maduro (segmentado). Este neutrófilo possui função normal ou levemente diminuída. Sudorese e perda de peso não são raras, enquanto febre é menos comum nessa fase, bem como sintomas relacionados à disfunção plaquetária, tais como sangramentos ou tromboses. Manifestações relacionadas à hiperviscosidade, como priapismo e distúrbios visuais, são raras. Contudo, em cerca de 20 a 30% dos casos o diagnóstico é feito em indivíduos assintomáticos após exames laboratoriais de rotina. Diagnóstico Fadiga, perda de peso e anemias 10 Mírian Santos – 6° semestre. O exame físico da LMC demonstra esplenomegalia em 60-80% dos casos, que pode ser de grande monta (> 5 cm do RCE), e algumas vezes com o baço palpável na fossa ilíaca esquerda. A esplenomegalia pode ser indolor ou dolorosa. Existem relatos de rotura esplênica espontânea, um quadro bastante dramático, capaz de levar rapidamente ao óbito por choque hemorrágico. Outros achados são muito pouco comuns (ex.: dor óssea por expansão da medula). Hepatomegalia indolor pode estar presente em até 50% dos casos. A característica fundamental dos exames laboratoriais no diagnóstico é a leucocitose com desvio escalonado encontradano hemograma (leucocitose neutrofílica + desvio para esquerda). A contagem de leucócitos geralmente está entre 100.000 e 300.000/mm3, podendo chegar a 500.000/mm3. Plaquetas acima de 700.000/mm3 são encontradas em cerca de 30% dos casos. Revela muitas formas jovens granulocíticas na periferia: bastões, metamielócitos, mielócitos e até mieloblastos. A contagem absoluta de eosinófilos e basófilos está tipicamente alta (eosinofilia e basofilia). A LMC é uma das poucas causas de basofilia proeminente e persistente. A anemia, resultado de uma eritropoese ineficiente e sobrevida eritróide diminuída por seqüestro esplênico, pode ser discreta com padrão normocrômico e normocítico. Raramente observa-se aumento da massa eritrocitária semelhante à vista na policitemia vera. Apesar da contagem de plaquetas alta, os pacientes estão propensos ao sangramento, pois existe disfunção plaquetária. Ao mesmo tempo, têm um risco aumentado de trombose, pela leucostase e pela trombocitose acentuada. Apesar da contagem total de leucócitos ser maior na LMC do que na LMA, a síndrome da leucostase é mais frequente nesta última. Os blastos aumentam mais a viscosidade sanguínea do que os neutrófilos maduros, considerando a mesma contagem na periferia (os blastos são “grandes” e “pouco deformáveis”)... Na LMC, como as células leucêmicas são relativamente maduras, a hiperleucocitose por si só não costumar causar sintomas! Sendo assim, a leucostase começa a ocorrer nessa doença apenas com leucometrias acima de 200.000/mm3, enquanto que na LMA a leucostase já pode ocorrer com leucometrias entre 50.000-100.000/mm3. Tal síndrome – vale lembrar – se caracteriza por dispneia, hipoxemia, sangramento, desorientação, cefaleia, borramento visual e ataxia, sendo ocasionada por uma lentidão do fluxo microvascular em múltiplos órgãos e tecidos, devido ao “entupimento” dos capilares pelas células malignas em grande número. Outros achados laboratoriais são: hiperuricemia (maior risco de gota); aumento dos níveis séricos de vitamina B12 (maior produção das Fadiga, perda de peso e anemias 11 Mírian Santos – 6° semestre. proteínas de transporte transcobalamina I e III); aumento de LDH e lisozima. O diagnóstico é inicialmente suspeitado diante da presença de leucocitose acentuada (>25.000-50.000/mm3) num paciente com esplenomegalia. A confirmação é dada pela detecção do RNAm da mutação bcr/abl, o que atualmente pode ser feito através da técnica de RT-PCR (Reverse Transcriptase Polymerase Chain Reaction) no sangue periférico. Logo, um aspirado/biópsia de medula óssea não é indispensável para o diagnóstico... No entanto, este último exame sempre acaba sendo realizado no portador de LMC, pois auxilia na estratificação prognóstica (ex.: ao permitir a identificação de outras anomalias como o aumento na contagem de blastos e a presença de alterações cromossômicas adicionais) e também no acompanhamento da resposta terapêutica. Na biópsia, observam-se intensa hipercelularidade com vários graus de proliferação reticulínica e fibrose. Histopatologicamente, a medula apresenta hiperplasia mieloide acentuada, com relação mieloide-eritroide entre 15:1 e 20:1 (o normal é de no máximo 3:1). Pode ocorrer algum grau de mielofibrose, que eventualmente pode ser acentuado. Em algum momento durante o curso da LMC, após um intervalo médio de 3 a 6 anos, ocorre uma mudança relativamente abrupta no curso da doença. Observa-se um acúmulo progressivo de elementos celulares imaturos (mieloblastos e promielócitos) no sangue periférico ou na medula óssea. Quando o número de blastos é superior a 30%, ou evidencia-se a presença de um sarcoma granulocítico, o diagnóstico de fase aguda ou crise blástica é estabelecido (Tabela I). Os blastos podem apresentar fenótipo mielóide (60 a 70% dos casos, incluindo as raras agudizações megacariocíticas, eritróide e basofílicas), linfóide (25 a 30%) ou mesmo serem bifenotípicas (5 a 10%). Cerca de 30% dos pacientes desenvolvem a crise blástica de maneira súbita a partir da fase crônica. Diferentemente da fase crônica, a crise blástica encerra prognósticos extremamente reservados, apresentando uma resposta precária às diversas manobras terapêuticas utilizadas. Apesar de, virtualmente, todos os portadores de LMC evoluírem para agudização, verifica-se uma grande heterogeneidade no tempo que se leva para atingi-la, ou seja, na duração da fase crônica. O diagnóstico diferencial deve ser feito com reação leucemoide, outras síndromes mieloproliferativas (P. vera, mielofibrose idiopática, trombocitemia essencial) e LMMC (Leucemia Mielomonocítica Crônica – um tipo de síndrome mielodisplásica). Tratamento O principal objetivo do tratamento da LMC é a supressão do clone Ph ainda na fase crônica, pois a redução desse clone está relacionado ao aumento da sobrevida. Fadiga, perda de peso e anemias 12 Mírian Santos – 6° semestre. Inibidores da tirosinoquinase (TKI) Imatinibe (Glivec) foi desenvolvido como um inibidor específico da proteína de fusão BCR- ABLI e bloqueia a atividade da tirosinoquinase por competir com a ligação de trifosfato de adenosina (ATP) ele atua apenas nas células neoplásicas, bloqueando o estímulo hiperproliferativo, o que evita seu acúmulo no organismo. É o fármaco de primeira linha no tratamento da fase crônica da doença, ficando o transplante alogênico de células hematopoiéticas em segundo plano. Na dose de 400 mg/dia, produz uma resposta hematológica completa em quase todos os pacientes. Efeitos colaterais incluem exantema, retenção de liquido, caibras musculares e nauseas. O principal objetivo da terapia com Gleevec é a obtenção de uma RESPOSTA CITOGENÉTICA COMPLETA. Esta é definida pelo desaparecimento das células carreadoras do cromossomo Filadélfia no estudo citogenético do aspirado de medula óssea (isto é, “0% de células Ph+ no AMO”), o que em geral ocorre após 12-18 meses de tratamento. Monitoração da resposta ao imatinibe: O imatinibe é altamente eficaz na redução do número de células leucêmicas na medula óssea e pode ser monitorado por análise cariotípica da medula óssea junto com análise PCR para transcritos BCR-ABLI na medula óssea ou sangue. Avaliação da resposta começa com exames regulares (a cada 3-6 meses) da medula óssea para evidenciar a citogenética das metáfases. Define-se resposta citogenética completa (CCyR) como ausência de metástases Ph- positivas na medula; uma vez atingida a CCyR, a monitoração continua com quantificação por PCR dos transcritos BCR-ABLI no sangue em intervalos regulares. A resposta ao imatinibe pode ser definida como ðtima, subótima ou insatisfatória ao tratamento. Uma resposta ótima define-se por: • Resposta hematológica completa (hemograma normal) e, pelo menos, resposta citogenética mínima (CyR) (Ph+ < 95%) aos 3 meses; • CyRparcial (Ph+ < 35%) aos 12 meses; CYR completa aos 12 meses; e • Grande resposta molecular com ao menos uma redução de 3-log nos transcritos BCR-ABLI aos 18 meses. Outros parâmetros também devem ser monitorados, e geralmente acompanham a resposta citogenética completa: (1) “Resposta Hematológica Completa” = normalização do hemograma e da esplenomegalia; (2) “Resposta Molecular”= redução do número de transcritos do gene bcr-abl conforme avaliação por PCR quantitativa no sangue periférico. Resposta insatisfatória define-se por: • Resposta hematológica incompleta aos três meses; • Falta de CYR (Ph+ > 95%) aos 6 meses; • CyRmenos do que parcial (Ph+ > 35%)aos 12 meses; • CYR menos do que completa aos 18 meses; e Fadiga, perda de peso e anemias 13 Mírian Santos – 6° semestre. • Perda de resposta hematológica completa ou citogenética prévias. Nas demais situações, a resposta é definida como subótima. Pacientes com resposta ótima continuam recebendo imatinibe, enquanto pacientes com resposta insatisfatória passam a tratamento com uma tirosinoquinase de segunda geração (TKl) ou transplante de células-tronco (TCT). Em pacientes com resposta subótima, pode se tentar um aumento de dose de imatinibe para 600 ou 800 mg/dia, mudança no tratamento com TKl ou TCT precoce. Em casos de intolerância ou falência terapêutica devemos trocar o Gleevec por outro inibidor de tirosina-quinase mais potente, ou então, encaminhar o paciente para o transplante de células hematopoiéticas. Se decidirmos pela troca do medicamento, é preciso antes realizar uma análise mutacional do bcr/abl, a fim de identificar a melhor opção farmacológica. Em geral, a escolha recai sobre algum dos inibidores de tirosina-quinase de 2a geração, como o dasatinibe (Sprycel, 300-400 mg/2x dia) ou o nilotinibe (Tasigna, 100 mg/dia). Tais drogas são bem mais potentes que o Gleevec (30-300x mais), sendo capazes de “salvar” até 90% dos pacientes em falência terapêutica... Outro inibidor de tirosinaquinase de 2a geração (de desenvolvimento mais recente), o bosutinibe (Bosulif, 500 mg/ dia), vem sendo empregado em pacientes que não respondem ou não toleram o dasatinibe e o nilotinibe. Com o tempo alguns pacientes tornam-se refratários a todos os inibidores de tirosina- quinase de 1a e 2a geração, e raros pacientes já se mostram refratários desde o início do tratamento... Tais indivíduos geralmente possuem a mutação T315I no gene bcr/abl, o que acarreta resistência cruzada a todas essas drogas! Felizmente, para estes casos já foi desenvolvida uma droga de 3a geração: o ponatinibe (Iclusig, 45 mg/dia). O grande problema do ponatinibe é que ele aumenta o risco de trombose arterial (ex.: IAM, AVC)... Por fim, pacientes que não respondem a nenhum inibidor de tirosina-quinase – evoluindo com progressão da doença – devem ser avaliados para o transplante alogênico de células hematopoiéticas. Transplante Como vimos, o transplante alogênico de células hematopoiéticas é indicado para portadores de LMC que falham na terapia com inibidores de tirosina-quinase. Um pré-requisito básico para se considerar esse tratamento é a idade < 55- 60 anos. Idealmente, devemos buscar um doador “aparentado” HLA compatível (ex.: irmão). A chance de cura nesta situação oscila em torno de 50-60%, aumentando para 70-80% em pacientes < 50 anos quando o transplante é realizado dentro do primeiro ano do diagnóstico... Para os pacientes sem irmãos HLA compatíveis, existe a alternativa do transplante alogênico de um doador não aparentado HLA Fadiga, perda de peso e anemias 14 Mírian Santos – 6° semestre. compatível, localizado no “banco de medula” nacional. Os resultados têm se mostrado semelhantes ao transplante de doador aparentado em pacientes com menos de 30 anos, mas não naqueles com mais de 30 anos, quando o risco de doença enxerto-versus-hospedeiro aguda é maior. Nestes últimos, a sobrevida livre de doença em cinco anos oscila entre 30-40%... Terapia paliativa As drogas mielossupressoras, em especial o bussulfan e a hidroxiureia, são capazes de promover a remissão hematológica (diminuir a contagem leucocitária e plaquetária) e controlar os sintomas e a esplenomegalia. Estudos comparativos entre o bussulfan (historicamente a primeira droga utilizada com eficácia na LMC) e a hidroxiureia revelaram uma importante vantagem desta última (dose 15 mg/kg/dia, via oral), com menos toxicidade, menor chance de transformação para crise blástica e maior sobrevida média. A remissão citogenética quase nunca é atingida e, portanto, os agentes mielossupressores não modificam a história natural da doença. O alopurinol é utilizado como medida de prevenção da gota e da nefropatia por deposição de urato (síndrome de lise tumoral). Leucemia Linfoide Aguda Definição A leucemia linfóide aguda (LLA) se caracteriza pela proliferação clonal e pelo acúmulo na medula óssea e no sangue periférico de células imaturas denominadas linfoblastos. Essas células proliferam e ocupam a medula óssea inibindo o crescimento e a maturação normal dos precursores hematopoéticos da série vermelha, granulocítica e megacariocítica. Epidemiologia A leucemia linfóide aguda é a neoplasia mais freqüente na infância – 90%. Acomete principalmente crianças entre 2 e 10 anos, maior dos 3-4 anos. A LLA infantil responde muito bem à quimioterapia, com chance de cura em torno de 90%. É mais comum no sexo masculino e raça branca. A LLA também pode ocorrer no adulto. Nesse No adulto, sua incidência é menor, aumentando após os 40 anos de idade. Nos Estados Unidos, são diagnosticados mil casos novos por ano. Se não tratada, o paciente evolui para óbito rapidamente. Na década de 1980, era uma doença raramente curável, com sobrevida < 10%. Com a utilização de protocolos agressivos (pediátricos), a sobrevida em adultos está em torno de 30-40%. Com o aprimoramento no diagnóstico e as novas modalidades terapêuticas, a resposta completa (RC) chega a ser de 84% e a sobrevida global, de 35%. Classificação Fadiga, perda de peso e anemias 15 Mírian Santos – 6° semestre. Etiologia 1. Contato com agentes químicos (benzeno, agrotóxicos, tintas, solventes). 2. Exposição a radiações ionizantes ou tratamento com quimioterapia por neoplasias prévias. 3. Vírus (EBV, HIV, HTLV1) podem estar presentes na etiologia das leucemias agudas. 4. Alterações cromossômicas, como a observada em crianças com síndrome de Down (+21), oferecem 20 vezes mais risco de o indivíduo desenvolver leucemia aguda em relação a outras crianças (4:1). A associação de um ou mais fatores induzem a uma desregulação do ciclo celular. Os protooncogenes podem sofrer mutações transformando-se em oncogenes devido a falhas nos sinais de transdução a partir do DNA. A translocação t(9;22) que surge da fusão dos oncogenes bcr e abl e a t(4;11), em que o oncogene acometido é o MLL do cromossomo 11, conferem mau prognóstico. A translocação t(8;14) observada na LLA tipo Burkitt está associada à desregulação do oncogene c-myc. Fisiopatologia A patogênese é variada. Certos polimorfismos da linha germinal em um grupo de genes envolvidos no desenvolvimento de células B (p. ex., IKZFI) são mais comuns em pacientes com LLA-B do que em controles. Curiosamente, IKZFI também é deletado nas células leucêmicas em 30% dos casos de LLA- B de alto risco e em 95% dos casos de LLA-B BCR-ABLI positivos. Em certo número de casos, o evento inicial ocorre no feto, in utero, com um evento secundário possivelmente desencadeado por uma infecção na infância. O primeiro evento é uma translocaçáo (p. ex., t[12; 21]), ou uma mutação pontual. O segundo evento envolve alterações no número de cópias em todo o genoma, sendo que algumas codificam funções relevantes à leucemogênese. Em outros casos, a doença parece surgir como uma mutação pós-natal em uma célula precursora linfoide primitive. Manifestações clínicas Os sintomas estão relacionados com o grau de infiltração da medula óssea e a diminuição da produção dos precursores normaisdas séries eritrocítica, granulocítica e megacariocítica, Fadiga, perda de peso e anemias 16 Mírian Santos – 6° semestre. assim como da intensidade com que as células anômalas infiltram outros órgãos. O quadro clínico se caracteriza por palidez cutâneo-mucosa, fadiga, cansaço, palpitações, dispnéia relacionadas com o grau de anemia; febre e quadros infecciosos (do trato urinário, trato respiratório) devido à diminuição do número absoluto de neutrófilos, variando de gravidade quanto menor o número (< 500/mm3 ou < 100/mm3); aparecimento de petéquias, equimoses espontâneas, gengivorragia e epistaxe por causa da diminuição do número de plaquetas (< 30.000/mm3). O quadro clínico da LLA é muito semelhante ao da LMA. Contudo, algumas diferenças devem ser destacadas: (1) a dor óssea é muito frequente – 80% dos casos; (2) adenomegalia cervical ou generalizada é mais frequente – 75% dos casos; (3) podem ocorrer massas mediastinais no subtipo de células-T do timo; (4) o acometimento do sistema nervoso central e dos testículos (especialmente na recidiva) é mais comum; (5) a febre neoplásica é mais comum – 70% dos casos; (6) a hiperplasia gengival não faz parte do quadro clínico. Ao exame físico, os pacientes podem apresentar adenomegalias, hepatomegalia e esplenomegalia. Infiltração do sistema nervoso central (SNC) pode ser observada ao diagnóstico ou em razão da iatrogenia após acidente de punção liquórica em pacientes com leucocitoses acentuadas ao diagnóstico. Nesse caso, os pacientes podem apresentar cefaléia, parestesias ou paralisia dos pares cranianos (VII, III, VI) e sintomas de hipertensão intracraniana. Também pode ser vista infiltração testicular. A infiltração desses dois sítios, considerados santuários, confere pior prognóstico à doença, sendo locais de recidiva freqüente, uma vez que a quimioterapia sistêmica não os atinge adequadamente. Pacientes com LLA-T podem apresentar sintomas relacionados à massa mediastinal volumosa, como tosse seca, dispnéia e sintomas de compressão de veia cava superior. Sintomas de leucostase: tonturas, visão turva, zumbidos nos ouvidos, cefaléia podem ser relatados pelos pacientes, se houver leucocitose > 100.000/mm3. A infiltração maciça da medula óssea pode provocar dores ósseas intensas espontâneas e à compressão do esterno (sinal de Kraver). Em crianças, é freqüente a presença de dores articulares com sinais flogísticos (artrite), podendo erroneamente ser diagnosticados como portadores de febre reumática, devido à infiltração óssea das epífises, próximo à cartilagem de crescimento. Diagnóstico É realizado na medula óssea seguindo critérios morfológicos, citoquímicos, imunofenotípicos, citogenéticos e moleculares. Estes dois últimos para caracterizar fatores de prognóstico. Classificação citológica e citoquímica FAB: para o diagnóstico de leucemia aguda é necessário o encontro de > 30% de blastos na medula óssea, caracterizados pela ausência de Fadiga, perda de peso e anemias 17 Mírian Santos – 6° semestre. grânulos no citoplasma das células, e <3% desses blastos positivos na reação de peroxidase (Px) e/ou Sudan Black (SBB). Nesses casos, é fundamental o estudo imunofenotípico para distingui-la de leucemia mielóide, com diferenciação mínima, ou de leucemia bifenotípica. A partir de 1995, foi introduzida a imunofenotipagem das células leucêmicas para sua melhor caracterização (classificação EGIL). A classificação FAB subdivide os blastos linfóides em três tipos do ponto de vista morfológico: LLA tipo L1: blastos pequenos, homogêneos, alta relação núcleo- citoplasmática, citoplasma escasso, nucléolo pouco evidente (80% dos casos infantil) melhor prognóstico e resposta terapêutica. LLA tipo L2: blastos de tamanho variável, relação núcleo-citoplasmática menor, citoplasma basofílico sem grânulos, núcleo com membrana nuclear irregular, cromatina frouxa com nucléolo proeminente (70% dos casos nos adultos). LLA tipo L3: blastos de grande porte, com citoplasma intensamente basofílico e com vacúolos – menos comum. A classificação OMS (1999)7 para diagnóstico de leucemia aguda estabelece ser necessária a presença de >20% de blastos na MO. A diferenciação é feita observando-se o grau de maturação dos precursores linfóides B e T. A diferenciação citomorfológica entre L1 e L2 não mostrou ter relevância clínica nem prognóstica. Essa classificação subdivide as leucemias linfóides em: leucemia linfoblástica de precursores B/linfoma linfoblástico; leucemia linfoblástica de precursores T/linfoma linfoblástico e leucemia de células maduras B: leucemia/linfoma Burkitt. Exames laboratoriais: Hemograma completo em que, geralmente, se observa anemia normocítica normocrômica, mais freqüentemente leucocitose, com presença de blastos circulantes, neutropenia e plaquetopenia. Mielograma, geralmente, hipercelular em razão dos blastos (>30%), com hipocelularidade em maior ou menor grau que as outras séries. Imunofenotipagem dos blastos da medula óssea e/ou sangue periférico. Liquor cefalorraquidiano (presença de linfoblastos no SNC). O diagnóstico diferencial inclui LMA, anemia aplástica (a LLA às vezes é precedida de curto período de aplasia), infiltração da meduIa óssea por outras células malignas (p. ex., rabdomiossarcoma, neuroblastoma e sarcoma de Ewing), infecções como mononucleose infec ciosa e coqueluche, artrite reumatoide infantil e púrpura trombocitopênica imunológica. Tratamento A terapia de suporte é exatamente a mesma descrita para a LMA. A diferença é a menor Fadiga, perda de peso e anemias 18 Mírian Santos – 6° semestre. mielotoxicidade do esquema indutor de remissão da LLA infantil com critérios prognósticos favoráveis (não usa antraciclinas nem ara-C), e a necessidade de profilaxia com sulfametoxazol-trimetoprim contra a pneumocistose, devido ao uso de altas doses de corticoide. Terapia Específica Aqui vamos abordar a terapia específica, que é totalmente diferente da terapia da LMA. A quimioterapia da LLA divide-se em quatro fases: 1. Indução da remissão 2. Profilaxia do SNC 3. Consolidação da remissão 4. Manutenção Indução da remissão O esquema padrão para induzir a remissão da LLA infantil é composto por pelo menos três drogas: corticosteroide, em três tomadas diárias por via oral (prednisona 40 mg/m2/dia ou dexametasona 8 mg/m2/dia) por 28 dias + vincristina 1,5 mg/m2 IV semanal por 4 doses + L-asparaginase 6.000 U/m2 3x/semana por 12 doses. O esquema dura 4 semanas. Esse esquema é utilizado para a LLA infantil com prognóstico favorável. No adulto e nas crianças com prognóstico desfavorável, deve-se acrescentar uma antraciclina ao esquema, como a daunorrubicina 30-50 mg/m2 IV semanal por quatro doses. Nos esquemas que usam antraciclina, é controversa a necessidade da L-asparaginase. O esquema mais usado nos adultos (HyperCVAD) acrescenta também a ciclofosfamida 300 mg/m2 12/12h nos primeiros três dias (seis doses). As altas doses de prednisona levam a uma deficiência parcial da imunidade celular, predispondo à pneumocistose; a vincristina é neurotóxica, podendo causar neuropatia periférica sensitiva altamente sintomática; a L- asparaginase pode provocar reação anafilática, sintomas neurológicos e trombose; a daunorrubicina e a ciclofosfamida são mielotóxicas; essa combinação exige o acréscimo do G-CSF para reduzir o período de neutropenia...Com a terapia de indução, cerca de 90-95% das crianças e 75% dos adultos atinge a remissão completa, cuja definição é a mesma para a LMA. Profilaxia do SNC Ao contrário da LMA, a LLA possui grande tendência à recidiva no SNC (meningite leucêmica) após a quimioterapia. O SNC funciona como um “santuário” para os linfoblastos, pois os quimioterápicos da indução e consolidação não passam pela barreira hematoencefálica. A profilaxia é iniciada junto com o esquema de indução, sendo feita com metotrexate (MTX) intratecal (infundido por punção lombar), na dose 10 mg/m2 a cada 20 dias por 8 doses (duração do tratamento: 3-6 meses). Alguns protocolos utilizam um esquema intratecal triplo com MTX + ara-C + prednisona, ou MTX + ara- C + dexametasona (MADIT). Fadiga, perda de peso e anemias 19 Mírian Santos – 6° semestre. A radioterapia craniana com 12 Gy (1.200 rads) é acrescentada no 8o mês de tratamento nos pacientes de alto ou intermediário risco de recidiva. A radioterapia com 24 Gy (2.400 rads) tem sido abandonada pelo maior risco de sequelas neuropsiquiátricas e tumor intracraniano. Antes de se iniciar a profilaxia, deve-se colher o liquor para avaliar a presença de leucemia meníngea (observada em 5% dos casos e definida como presença de mais de 5 blastos/mcL de liquor), pois neste caso, deve- se fazer radioterapia craniana com 24 Gy. Consolidação da remissão Sem esta fase, virtualmente todos os casos recidivam em poucos meses... A consolidação da remissão é realizada com esquemas contendo drogas diferentes das utilizadas na indução, geralmente MTX em doses intermediárias (1-2 g/m2 IV quinzenal). O uso do metotrexato exige o chamado “resgate” com ácido folínico (leucovorin), para diminuir a toxicidade medular (pancitopenia) e mucosa (mucosite e translocação bacteriana). Outras drogas utilizadas são: ciclofosfamida, ara-C, doxorrubicina, dexametasona, vincristina, L-asparaginase, 6-mercaptopurina, 6-tioguanina, etoposídio, vindesina. Os esquemas de consolidação costumam durar 2-8 meses, e são divididos em (1) intensificação precoce; (2) ínterim; e (3) intensificação tardia. O esquema mais usado em crianças é o do grupo BFM (Berlin-Frankfurt-Munster), com uma intensificação precoce de 4 semanas com ciclofosfamida (2 doses de 1.000 mg/m2 IV) + ara-C (75 mg/m2 por 4 dias semanal) + 6- mercaptopurina (60 mg/m2/dia VO), um ínterim de 8 semanas com MTX venoso quinzenal (com ou sem 6-mercaptopurina) e uma intensificação tardia com uma espécie de “reindução” de 4 semanas (dexametasona, vincristina, L- asparaginase, doxorrubicina) e uma “reintensificação” de 4 semanas com ciclofosfamida, ara-C e 6-tioguanina). Total = 5 meses. Nos adultos, um esquema muito usado é o Hyper-CVAD, alternando ciclos de ciclofosfamida (300 mg/m212/12h por 6 doses) + vincristina (2 mg IV 1x) + doxorrubicina (50 mg/m2 1x) + dexametasona (40 mg/dia por 14 dias) com ciclos de MTX (1g/m2 IV 1x) + ara-C (3 g/m2 12/12h por 4 doses) + metilprednisolona (50 mg 12/12h por 3 dias), vincristina, doxorrubicina ou adriamicina (curso completo com 14 dias). Total = 8 ciclos ou 6 meses. Manutenção Deve ser feita com 6-mercaptopurina 50 mg/ m2/dia, via oral + metotrexate 30 mg/m2 semanal num período total de 2-3 anos. Muitos protocolos acrescentam pulsos mensais de vincristina (uma dose) + prednisona (por 5 dias). Chance de cura com a quimioterapia Com as quatro fases da quimioterapia, a LLA pode ser curada em 90% das crianças e em cerca de 30-40% dos adultos. A chance de cura depende dos fatores prognósticos (ver adiante). Recidiva da LLA Fadiga, perda de peso e anemias 20 Mírian Santos – 6° semestre. É observada em 15-30% dos casos de LLA em crianças e em 60-70% dos adultos. Cerca de 25% dos adultos com LLA não atingem a remissão completa com a primeira quimioterapia. A maioria das recidivas ocorre na medula óssea... Um novo curso de quimioterapia pode curar as recidivas que ocorreram após dois anos da primeira quimioterapia. Entretanto, se ocorreram nos primeiros dois anos (durante a terapia), especialmente se durante a fase de consolidação, as chances de cura com uma nova quimioterapia são precárias... Nas recidivas precoces (geralmente a regra em adultos) e nos casos de não remissão, a melhor terapia é o transplante alogênico de células hematopoiéticas, com chance de cura entre 20- 40%, em alguns centros. Na ausência de irmãos HLA-compatíveis, deve-se tentar o transplante alogênico não aparentado HLA compatível. O transplante alogênico também tem sido indicado como terapia de consolidação primária na LLA em lactentes, ou com translocação t(9;22) ou t(4;11), subgrupos de prognóstico bastante reservado. Transplante de células hematopoiéticas Transplante alogênico: o doador é outro ser humano, considerado o melhor tipo de transplante para se obter a cura de uma neoplasia hematológica! O ideal é que seja um parente de primeiro grau (irmão) com HLA totalmente compatível, mas quando isso não é possível, pode ser um doador aparentado com HLA parcialmente (50%) compatível ou não aparentado HLA totalmente compatível (da mesma raça), selecionado no Registro Nacional de Doadores de Medula Óssea (REDOME). Quando o doador é um irmão gêmeo univitelino, chamamos o transplante de “singênico”. A grande vantagem do transplante alogênico é que ele propicia o efeito enxerto-versus- neoplasia; suas grandes desvantagens, em contrapartida, são os riscos de “falha de enxertia” (rejeição do hospedeiro ao enxerto) e doença enxerto-versus-hospedeiro (rejeição do enxerto ao hospedeiro). Transplante autólogo: o doador é o próprio paciente. A extração é realizada e as células- tronco são criopreservadas para serem infundidas após a quimiorradioterapia mieloablativa. Essa forma de transplante não acarreta risco de falha da enxertia nem doença enxerto-versus- hospedeiro, porém, seu grande problema é a maior chance de recidiva da leucemia (contaminação da coleta com células neoplásicas + ausência do efeito enxerto- versus-neoplasia). O objetivo do transplante de células hematopoiéticas é CURAR a neoplasia hematológica. O principal mecanismo para erradicar o clone neoplásico é a quimiorradioterapia mieloablativa, capaz de exterminar todas ou quase todas as células hematopoiéticas do paciente que, em seguida, recebe células novas para garantir a recuperação hematológica. Fadiga, perda de peso e anemias 21 Mírian Santos – 6° semestre. Um segundo mecanismo, específico do transplante alogênico, é o efeito enxerto- versus-neoplasia, no qual as células-T citotóxicas do doador destroem imunologicamente as células neoplásicas. Leucemia Linfoide Crônica Definição A leucemia linfóide crônica (LLC) é uma proliferação clonal de um linfócito B maduro com uma importante heterogeneidade nas suas manifestações clínicas e biológicas. A LLC e o linfoma linfocítico de células pequenas são diferentes manifestações da mesma doença, e, conseqüentemente, são conduzidos da mesma maneira. Classificação Epidemiologia A LLC é a mais comum das leucemias, constituindo 30% de todos os casos, e representa cerca de 7% das neoplasias crônicas de células da linhagem B, T e NK1. É bastante rara antes da 4a década de vida, e a incidência aumenta com a idade. A mediana de idade ao diagnóstico é de 65 anos; 20% dos pacientes têm idade inferior a 55 anos e de 10 a 15% apresentam a doença com menosde 50 anos. A LLC é mais freqüente no sexo masculino, com uma razão de 2:11. A LLC ocorre principalmente nos países ocidentais, e é infreqüente no Japão e em outros países asiáticos. Fatores de risco Ao contrário das demais leucemias, a incidência não aumenta com exposição a benzeno, ionizante, radioterapia e quimioterapia prévias. O risco de apresentá-la é várias vezes maior em familiares próximos de pacientes com a doença, o que indica uma predisposição genética. Fisiopatologia A célula tumoral é um linfócito B relativamente maduro bloqueado em uma fase de diferenciação que impede a sua transformação em plasmócito, com fraca expressão de imunoglobulina IgM ou IgD de superfície. As células acumulam-se no sangue, na meduIa óssea, no fígado, no baço e nos linfonodos como resultado de sobrevida prolongada com diminuição da apoptose. Linfocitose B monoclonal Células B clonais com o mesmo fenótipo da LLC são encontradas em pequeno número no sangue de muitas pessoas idosas, cerca de 3% já a partir dos 50 anos. Fadiga, perda de peso e anemias 22 Mírian Santos – 6° semestre. Acredita-se que a LLC clínica desenvolva-se a partir desse estágio; os linfócitos monoclonais têm alterações genéticas similares às da LLC. Ao contrário da LMC, não existe uma única anomalia cromossomial típica da LLC, apesar de existirem algumas alterações que modificam o prognóstico da doença (ex.: del 11q, del 17p conferem pior prognóstico por baixa resposta às drogas tradicionais). Diferente das outras leucemias, a LLC é uma doença “cumulativa”, e não “proliferativa”. Os linfócitos B neoplásicos CD5+ são células de turnover lento, com uma meia-vida bem superior a do linfócito B normal, provavelmente pelo fato de apresentarem um bloqueio de maturação. A evolução da doença é o acúmulo desses linfócitos clonais na medula óssea, passando em seguida para o sangue periférico e atingindo os linfonodos, baço e fígado. O paciente vai se tornando debilitado e extremamente propenso a morrer de infecções bacterianas, pois os linfócitos neoplásicos não desenvolvem competência imunológica. Pacientes com LLC têm uma maior incidência de outras neoplasias não hematológicas, principalmente Ca de pulmão e gastrointestinal. Manifestações clínicas A maioria são assintomáticos. A adenomegalia cervical é o achado mais comum, presente em 2/3 dos pacientes na apresentação da doença. Os linfonodos aumentados inicialmente são inferiores a 2 cm, móveis e de consistência elástica, sugerindo benignidade. Posteriormente, evoluem para um aumento de tamanho e confluência, podendo se apresentar como grandes massas cervicais. A adenomegalia pode se generalizar, acometendo inclusive linfonodos viscerais. O marco da LLC é a associação. Os sintomas da LLC podem ser: febre, sudorese noturna, astenia, fadiga, perda ponderal e queda do estado geral. Esses sintomas são mais comuns nas fases mais avançadas da doença, e geralmente indicam a ocorrência de complicações, como infecção e anemia. Os fenômenos auto-imunes decorrentes de uma alteração no sistema imune e de uma perda dos mecanismos regulatórios das células T ocorrem em cerca de 20 a 30% dos pacientes com LLC. Deve ser investigada a ocorrência de anemia hemolítica auto-imune (AHAI) e púrpura trombocitopênica imunológica (PTI). Aplasia pura da série vermelha, caracterizada pelo aparecimento de anemia importante, sem aumento do número de reticulócitos e na ausência de neutropenia e plaquetopenia, é rara. AHAI e PTI podem também ser desencadeadas pelo tratamento, após o uso de análogos da purina. Além disso, outras alterações auto- imunes estão associadas com o tratamento com análogos da purina, como o pênfigo paraneoplásico, que inclui o penfigóide bolhoso e o angioedema adquirido. Diagnóstico Fadiga, perda de peso e anemias 23 Mírian Santos – 6° semestre. Muitos pacientes são diagnosticados na fase assintomática da doença, pelo encontro de uma linfocitose expressiva no hemograma. A LLC é caracterizada pela linfocitose em sangue periférico, geralmente acima de 5.000/mm3, mas geralmente se encontra entre 25.000-150.000/mm3 (podendo ultrapassar até 500.000/mm3 em alguns casos). O esfregaço do sangue periférico mostra que esses linfócitos são morfologicamente idênticos aos linfócitos normais – são pequenos, com núcleo arredondado, cromatina condensada e citoplasma escasso. Uma alteração que pode chamar atenção é o encontro de linfócitos destruídos ou “amassados” – denominados smudge cells ou manchas de Gumprecht. Além disso, o número de prolinfócitos (linfócitos de tamanho médio com citoplasma mais abundante, cromatina densa e nucléolo evidente) é menor do que 10%. Esses casos são classificados como formas típicas da LLC. Em alguns casos, a morfologia pode ser atípica, e esses incluem dois grupos: LLC atípica e LLC com aumento de prolinfócitos (LLC/PL). Na LLC atípica, linfócitos maiores e mais pleomórficos são visualizados e essa entidade é definida pela presença de mais de 15% de células com núcleo clivado e/ou células com diferenciação plasmocitóide, com citoplasma abundante e basófilo. Esses casos correspondem à forma mista da LLC, designada pelo grupo FAB8. A LLC/PL caracteriza-se pela presença de uma porcentagem de prolinfócitos que varia entre 10 e 55%, ao lado dos linfócitos típicos da LLC. Essa forma da LLC pode ser identificada ao diagnóstico ou manifestar-se durante o curso da doença. A imunofenotipagem dos linfócitos mostra que são células B (CD 19+ na superfície) expressando fracamente imunoglobulina de superfície (IgM ou IgD). A proliferação linfocítica é monoclonal, pois há expressão de apenas um tipo de cadeia leve. Caracteristicamente, as células também são CD5+ e CD23+, mas são CD79b (maioria dos casos) e FMCT. A aspiração da medula óssea mostra substituição dos elementos mieloides normais por linfócitos, que compreendem 25 a 95% de todas as células. A biópsia de medula óssea mostra uma infiltração linfocítica que pode ser nodular, difusa ou intersticial. A dosagem de imunoglobulinas pode ser informativa em pacientes que apresentam infecções recorrentes. Em pacientes anêmicos, uma contagem de reticulócitos e teste de Coombs direto devem ser realizados para avaliar uma possível anemia hemolítica. Diagnóstico: Resumo. (1) Linfocitose persistente > 10.000/mm3 + aspirado de medula óssea com > 30% de linfócitos (normal: até 10%), ou; (2) Linfocitose persistente > 5.000/mm3 + aspirado de medula óssea com > 30% de linfócitos + imunofenotipagem revelando marcadores de linfócito B maduro em conjunto com o marcador CD5. Como diagnóstico diferencial - A mononucleose infecciosa e a coqueluche Fadiga, perda de peso e anemias 24 Mírian Santos – 6° semestre. também são causas de linfocitose acentuada, porém, além de cursarem com comemorativos característicos (ex.: febre, cefaleia, tosse, faringite, mialgia), costumam acometer pessoas jovens, ao contrário da LLC, que acomete idosos... Outras causas de adenomegalia generalizada podem se confundir com a LLC. Uma delas é a infecção pelo HIV, levando ao quadro de linfadenopatia generalizada persistente. Colagenoses, neoplasias não hematológicas e sarcoidose também entram no diagnóstico diferencial. Certas neoplasias hematológicas podem igualmente se confundir com a LLC, como a leucemia de células pilosas (abordada adiante), os linfomas não Hodgkinindolentes (folicular, linfocítico pequeno, células do manto) e a leucemia prolinfocítica crônica. Estadiamento O estadiamento da LLC é fundamental para determinar a história natural da doença, orientando o hematologista quanto à melhor estratégia terapêutica. Baseia-se no exame físico e hemograma. Os elementos utilizados são: (1) linfadenopatia; (2) hepatoesplenomegalia; (3) anemia; (4) plaquetopenia. O mais utilizado é o estadiamento de Rai (Tabela 2), embora também exista o estadiamento de Binet (Tabela 3). A sobrevida média da LLC é de 4-5 anos, totalmente dependente do estágio, sendo bem documentada pelo estadiamento de Rai. A maioria dos pacientes morre de seu estado debilitado associado a infecções bacterianas, que se transformam rapidamente em sepse. Tratamento Pacientes com LLC em estágios iniciais (Rai “zero” ou I), assintomáticos, não necessitam de tratamento específico, apenas acompanhamento: é o chamado “watch and wait”. Em tal contexto, a sobrevida média relacionada à doença é longa e, como em geral se tratam de indivíduos idosos, a morte acaba ocorrendo por causas não diretamente relacionadas à LLC... Os efeitos adversos da quimioterapia Fadiga, perda de peso e anemias 25 Mírian Santos – 6° semestre. não compensam os potenciais benefícios, e nenhuma evidência na literatura comprova que pacientes assintomáticos com LLC inicial tenham qualquer ganho de sobrevida com o tratamento. A indicação de tratar a LLC passa a existir quando o paciente desenvolve um ou mais dos seguintes: (1) fadiga progressiva; (2) linfadenopatia sintomática; (3) anemia; (4) trombocitopenia. De um modo geral, tais indicações se farão presentes ao longo do estágio Rai II e, por definição, nos estágios Rai III e IV. Pacientes com < 70 anos de idade, sem comorbidades significativas, têm como esquema de primeira escolha na atualidade a combinação de Fludarabina + Rituximab (esquema FR), podendo ou não associar Ciclofosfamida (esquema FCR). A adição de ciclofosfamida aumenta a eficácia anti-leucêmica, particularmente em portadores de fatores de mau prognóstico como a deleção 11q, porém aumenta também a toxicidade, acarretando, por exemplo, uma maior incidência de infecções oportunistas. Outra opção nestes indivíduos seria a associação de Bendamustina + Rituximab, mas muitos preferem reservá-la como “resgate” para os pacientes com as características citadas que recidivam ou não respondem ao esquema inicial contendo fludarabina... Usuários de esquemas contendo fludarabina devem receber quimioprofilaxia contra infecções oportunistas, como pneumonia por Pneumocystis jiroveci, infecções por Herpesvirus e infecções fúngicas invasivas, até que haja indícios de recuperação da função linfocitária. Já os pacientes com > 70 anos de idade, ou com comorbidades significativas, têm como esquema de primeira escolha na atualidade a combinação de Clorambucil + Obinutuzumab (ou Ofatumumab). Tal esquema é mais bem tolerado neste subgrupo de doentes (em comparação com o FCR), e seus resultados são bastante satisfatórios. A taxa de resposta “parcial” é de 78%, e a resposta “completa” é vista em cerca de 21% dos pacientes. TERAPIA DE RESGATE Uma nova medicação vem sendo empregada na vigência de uma ou mais das seguintes situações: (1) Recidiva da LLC após o tratamento inicial. (2) Refratariedade ao tratamento inicial. (3) Presença de fatores de prognóstico altamente adverso, como a del 17p. Trata-se do Ibrutinib, um inibidor de tirosinaquinase específico de linfócitos B, ministrado por via oral (420 mg/dia). Este fármaco inibe a tirosina-quinase de Bruton, uma enzima citoplasmática que exerce importante papel nos processos de sinalização intracelular exclusivos dos linfócitos B... Quando utilizado de forma isolada nesses doentes, o ibrutinib produz respostas hematológicas em até 75% dos casos, sendo que nos portadores da del 17p (historicamente um subgrupo de péssimo prognóstico, com sobrevida de poucos meses e refratariedade Fadiga, perda de peso e anemias 26 Mírian Santos – 6° semestre. habitual a todas as formas de tratamento) a sobrevida média é prolongada para mais de dois anos, uma verdadeira “revolução” na abordagem desses pacientes... Um dos maiores efeitos colaterais do ibrutinib é o agravamento transitório da linfocitose durante o início do tratamento, o que é explicado por uma “mobilização” dos linfócitos neoplásicos presentes no interior dos linfonodos para a circulação periférica... Outra opção para o tratamento da LLC recidivada é o idelalisib (inibidor de uma enzima intracelular chamada PI3-delta-quinase). Neutropenia Febril A neutropenia é uma manifestação comum de defeitos da medula óssea associados com a redução de eritrócitos e plaquetas, tendo como possíveis causas a anemia aplásica, leucemia, mielodisplasia, anemia megaloblástica e tratamentos quimioterápicos, dentre outras. Estima-se que 10-50% dos pacientes com tumores sólidos, e >80 % dos portadores de neoplasias hematológicas, desenvolverão febre em pelo menos um episódio de neutropenia ao longo do tratamento quimioterápico. Nos últimos 40 anos, grandes esforços foram feitos no sentido de sistematizar a prevenção e tratamento das infecções nos pacientes neutropênicos com câncer. A base de tais condutas consiste no uso empírico de antimicrobianos de amplo espectro, levando em conta os germes mais provavelmente envolvidos. Segundo os guidelines atuais, neutropenia é uma contagem de neutrófilos 38.3°C(medida única) ou ≥38°C por mais de 1h. Como a temperatura oral é 3 a 4 décimos maior do que axilar, podemos aceitar como limiar de febre uma temperatura axilar >37,8ºC para o diagnóstico. Contudo, mesmo na ausência de febre, alguns pacientes netropênicos devem ser abordados como se estivessem com neutropenia febril, desde que existam indícios clínicos de infecção (ex.: dispnéia, hipotensão arterial, hipotermia etc.), demandando o imediato início de antibioticoterapia empírica. Pelo rastreio microbiológico, apenas 10-25% têm hemocultura positiva (bacteremia).1 Atualmente, as bactérias mais encontradas são os Staphylococcus coagulase-negativos. No Brasil existe uma tendência ao predomínio de infecções por Gram-negativos (E.coli, Klebsiella sp., Enterobacter sp., Pseudomonas aeruginose, entre outras). Na neutropenia prolongada (>7 dias), o risco de infecções fúngicas aumenta, inicialmente por “leveduras” da microbiota intestinal, como Fadiga, perda de peso e anemias 27 Mírian Santos – 6° semestre. Cândida sp.,e posteriormente “bolores” inalados, como Aspergillus e Fusarium. Na história clínica e o exame físico é particularmente importante o exame da pele, orofaringe, região perianal, pulmão, abdome, sítios cirúrgicos e de venóclise. 1. Pelo menos 2 sets de hemocultura de sítios diferentes (cada set de 20ml divididos em 1 frasco para aeróbio e outro para anaeróbico). Coletar um set de cada lúmen de cateter venoso profundo e pelo menos um set de veia periférica. 2. Hemograma, Uréia, Creatinina, eletrólitos, Aminotrasferases e Bilirrubinas. Exames adicionais, como raios X de tórax e culturas específicas deverão ser solicitados se houver sinais e sintomas sugestivos de infecções nesses locais. Atualmente, se recomenda que o primeiro passo na abordagem do neutropênico febril seja a estratificação de risco. Esta pode ser feita por um métodopuramente clínico ou por um escore de risco MASCC, especificamente projetado e validado para tal. Estratificação Clínica: Alto Risco: QUALQUER UM dos critérios abaixo. Tais indivíduos devem ser internados no hospital para tratamento IV. 1. Expectativa de neutropenia por mais de 7 dias; 2. Disfunções orgânicas crônicas, DPOC, IRC, cirrose hepática, etc; 3. Alterações agudas da homeostase; 4. Sintomas gastrointestinais compatíveis com mucosite intensa; 5. Sinais de infecção em cateter venoso profundo; Baixo risco: deve preencher TODOS os requisitos listados abaixo. Tais indivíduos podem ser manejados com tratamento VO ou IV. 1. Expectativa de neutropenia inferior a 7 dias; 2. Ausência de todos os critérios listados no Alto Risco. Tratamento Antimicrobiano Empírico Esquema Terapêutico Inicial: O esquema terapêutico inicial deve sempre prover cobertura antipseudomonas. Apesar da semelhante eficácia entre monoterapia e tratamento com agentes combinados, a última opção é preferível em casos de instabilidade clínica inicial, em infecções complexas (pneumonia, infecções perirretais, pielonefrite, enterocolite, celulite extensa), infecções polimicrobianas e em instituições onde germes multirresistentes são encontrados com freqüência. A antibioticoterapia oral é segura e eficaz para o tratamento dos pacientes de baixo risco. Atualmente, cefepime, carbapenêmicos (imipenem e meropenem), piperacilina- tazobactam e ceftazidime podem ser usados com segurança na terapia empírica da NF. O uso da ceftazidime vem sendo desencorajado devido à crescente incidência de germes multirresistentes, além da modesta atividade do mesmo contra determinados patógenos Gram-positivos (Streptococcus Fadiga, perda de peso e anemias 28 Mírian Santos – 6° semestre. viridans e enterococos) e Gram-negativos produtores de betalactamases. Embora a monoterapia seja eficaz na maioria dos casos, o uso de combinações de beta- lactâmicos ou carbapenêmicos com aminoglicosídeos devem ser considerados em infecções causadas por germes relativamente resistentes, como a P.aeruginosa, ou em pacientes com um alto risco de complicações. O uso de Vancomicina no tratamento inicial é reservado para pacientes com: - Infecção clinicamente aparente e relacionada a cateter; - Cultura positiva para germes Gram-positivos, antes da identificação do agente; e da sua sensibilidade aos antimicrobianos; - Colonização por MRSA ou pneumococo resistente à penicilina/cefalosporina; - Instabilidade hemodinâmica ou choque séptico. Alguns autores preconizam o uso inicial da vancomicina também para pacientes com alto risco para infecção por estreptococos do grupo viridans (usuários de antibioticoprofilaxia com quinolonas e portadores de mucosite oral grave). Se houver suspeita de superinfecção intestinal por Clostridium Difficile podemos associar metronidazol ou vancomicina oral ao esquema empírico. Situações que modificam o esquema terapêutico no decorrer do tratamento. Se as hemoculturas positivarem, o tratamento deve ser ajustado conforme o antibiograma. Se o foco infeccioso for identificado, deve-se manter o tempo de tratamento usual da infecção ou, alternativamente, até neutrófilos >500cél/microL. Caso contrário, o esquema empírico deve ser mantido até neutrófilos >500cél/microL, com tendência a subir,e paciente afebril por mais de 48h. Se a vancomicina foi iniciada no esquema terapêutico inicial, esta deve ser retirada se nenhum Gram-positivo for isolado após 48h. Persistência de febre: Baixo risco: A persistência de febre após o 2°dia de tratamento em pacientes inicialmente considerados de baixo risco, obriga o médico a tratar o paciente como de alto risco, iniciando a terapia IV (ex.: trocar ciprofloxacino + amoxacilina/clavulanato VO por betalactâmico antipseudomonas IV). Alto Risco A persistência de febre nos primeiros 2-4 dias de tratamento em um paciente ESTÁVEL não indica troca do esquema empírico. O reajuste antimicrobiano só deverá ser feito se houver isolamento bacteriano e/ou diagnóstico clínico de uma infecção específica. Se o paciente estiver clinicamente INSTÁVEL, está indicado o acréscimo de cobertura contra germes multirresistentes(tanto Gram-positivos quanto Gram-negativos), além de cobertura antifúngica empírica. Fadiga, perda de peso e anemias 29 Mírian Santos – 6° semestre.
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