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DOENÇAS NEUROVASCULARES ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL ISQUÊMICO (AVCi) Trata-se de uma síndrome neurológica de início súbito, caracterizada de fluxo sanguíneo insuficiente em determinada região do SNC. É um importante problema de saúde pública mundial, sendo a principal causa de morte no Brasil e também a maior causa de incapacidade. Cerca de 80% dos casos levam ao óbito, apesar de que, atualmente, com os avanços da medicina e da telemedicina, essa mortalidade tem sido reduzida. Dos pacientes com mais de 65 anos que sobrevivem, 26% são dependentes para atividades diárias e 46% tem algum comprometimento cognitivo. Por outro lado, deve-se fazer a distinção do AVC para o ataque isquêmico transitório (AIT), o qual é caracterizado por sinais e sintomas neurológicos focais transitórios de origem vascular sem que ocorra uma lesão tecidual detectável, independente do tempo de duração dos sintomas. PATOGÊNESE O AVCi ocorre por meio da formação de uma lesão tecidual por falta de oxigênio e nutrientes com consequente diminuição das reservas de energia do tecido nervoso. Isso ocorre devido a uma trombose de um vaso, embolia ou da diminuição da perfusão cerebral. A sobrevivência desse tecido depende da duração da isquemia e da presença ou não de uma circulação colateral. Na região em que há redução crítica de fluxo sanguíneo, observa-se uma zona central de lesão irreversível (área de necrose). Em volta dela, há uma outra área denominada penumbra, em que há uma isquemia implantada, porém com tecido ainda viável de recuperação. A identificação desse tipo de tecido é importante para avaliação de tratamentos de recanalização de fase aguda. Uma complicação consequente do AVC é o edema citotóxico e o edema vasogênico, o qual causa compressão do tecido cerebral subjacente a lesão. FATORES DE RISCO FT NÃO MODIFICÁVEIS: FT MODIFICÁVEIS: - IDADE - HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA - ETNIA - DIABETES MELITUS - SEXO - DISLIPIDEMIA - GENÉTICA - FIBRILAÇÃO ARTERIAL - HISTÓRIA FAMILIAR DE - TABAGISMO E ETILISMO AVCi OU AIT - ESTENOSE DE CARÓTIDA - SÍNDROME DA APNEIA DO SONO - OBESIDADE E SEDENTARISMO ETIOLOGIAS A classificação das etiologias do AVCi é dividida em quatro grupos: • Aterosclerose das grandes artérias: a isquemia pode ser decorrente da ruptura e embolização da placa aterosclerótica, hemorragia da placa levando a estenose progressiva ou isquemia distal decorrente do estreitamento do vaso. Os principais locais para que ocorra a aterosclerose são: bifurcação carotídea, a aorta e as artérias vertebrais. Em pacientes com dor cervical e sintomas neurológicos, deve-se investigar AVCi decorrente de dissecção dos vasos cervicais. • Etiologia cardioembólica: as principais fontes emboligênicas são: trombo intracardíaco, fibrilação atrial, doença valvar reumática mitral ou aórtica, forame oval patente, acinesia apical, hipocinesia ventricular esquerda, IAM recente, MCP dilatada, endocardite infecciosa e doença chagásica. • Infarto lacunar: são lesões na microcirculação de 3 a 20 mm, decorrentes da oclusão de pequenas artérias originadas das artérias cerebrais médias, vertebrais, basilar ou demais vasos do polígono de Willis. Os principais fatores de risco são a DM e a HAS. • Outras causas: → vasculopatias não-ateroscleróticas: dissecção arterial, síndrome de Moyamoya, vasculites (varicela, meningites, lupus sistêmico, SAAF, arterites de grandes e pequenos vasos); → estado de hipercoagulabilidade: neoplasias, CIVD, uso de medicações (imunoglobulina humana, albumina); → doenças hematológicas: anemia falciforme etc. → Doenças genéticas: mutação no gene da protrombina, deficiência do fator V de Leiden, deficiência de proteína C, deficiência de proteína S, deficiência de antitrombina-III. QUADRO CLÍNICO • PELA ARTÉRIA ACOMETIDA: → A. oftálmica: amaurose fugaz. → A cerebral média: hemiparesia/hemiplegia e hipoestesia contralateral; hemianopsia homônima contralateral, disartria, afasia (hemisfério esquerdo), heminegligência (hemisfério direito). → A. cerebral anterior: défict crural contralateral, alteração da marcha e incontinência urinária. → A. cerebral posterior: hemianopsia homônima contralateral, deficit sensitivo contralateral. → A. vertebral: vertigem, paresia de nervos cranianos ipsilateral, ataxia, hemiparesia contralateral. → A. basilar: rebaixamento do nível de consciência, tetraparesia ou tetraplegia, síndrome do cativeiro (paralisia de todos os músculos do corpo, exceto da pálpebra e dos olhos), hipoestesia e hemianopsia. • PELA CLASSIFICAÇÃO DE BAMFORD: → TACS (Síndrome da Circulação Anterior Total): hemiparesia + hemi-hipoestesia + hemianopsia + afasia. → PACS (Síndrome da Circulação Anterior Parcial): ausência de pelo menos 1 dos componentes observados na TACS. → LACS (Síndrome Lacunar): síndrome motora pura, síndrome sensitiva pura, síndrome sensitivo-motora, disartria isolada, hemiparesia atáxica. → POCS (Síndrome da Circulação Posterior): diversas síndromes de acordo com a região do tronco cerebral acometido: - Paresia de nervo(s) craniano(s) ipsilateral à lesão + déficit sensitivo-motor contralateral; - Déficit sensitivo-motor ipsilateral; - Ataxia cerebelar ipsilateral à lesão; - Diplopia por alteração da conjugação dos movimentos oculares; - Hemianopsia isolada ou cegueira cortical. DIAGNÓSTICO CLÍNICA: • Anamnese: a anamnese é importante para avaliar a intensidade do quadro, se foi um início súbito e para descartar outras condições. A informação mais importante, necessária para conduzir o tratamento, é sabe quando os sintomas começaram. Caso essa informação não possa ser colhida, é considerado que o início dos sintomas foi a última vez que o paciente foi visto acordado ou sem déficits. Também é importante avaliar os fatores de risco que podem estar associados ao quadro. • Exame físico: avaliação dos sinais vitais, oximetria de pulso e temperatura; além disso, o exame mais importante e indispensável na emergência é a glicemia capilar, pois a partir dela é possível avaliar a possibilidade de administrar a terapia trombolítica • Exame neurológico: deve ser rápido, mas preciso (10 minutos). Para tanto, usa-se a Escala de NIHSS, que pontua de 0 a 45 e descreve com aptidão o paciente em AVCi. • Outros exames: assim que o paciente já estiver estabilizado, são necessários os seguintes exames: glicemia, hemograma completo, coagulograma, eletrólitos, enzimas cardíacas, função renal, radiografia de tórax e eletrocardiograma. Exames secundários, geralmente dependentes de um indicativo clínico para serem pedidos, são a função hepática, toxicologia e líquido cefalorraquidiano. EXAME DE IMAGEM: • Tomografia de crânio (TC): não é o método de imagem mais preciso para a avaliação de AVCi, principalmente pois possui baixa sensibilidade para AVCs lacunares e os que ocorrem na fossa posterior. No entanto, por ser mais rápido que a RM (esta mais precisa), é o mais indicado para que se possa iniciar a terapia de urgência. É sempre realizado sem contraste (o contraste iodado pode atrapalhar a identificação de eventual hematoma intracraniano/hemorragia subaracnóidea). Os sinais precoces de isquemia que podem estar presentes na TC de crânio, na fase aguda, são: → SINAL DA ARTÉRIA HIPERDENSA →PERDA DA DIFERENCIAÇÃO ENTRE CÓRTEX E A SUBSTÂNCIA BRANCA E O APAGAMENTO DOS SULCOS E GIROS: O Score de ASPECTS é um método importante para avaliar o grau de acometimento encefálico pelo alastramento da isquemia pelo acometimento da artéria cerebral média (MCA). De acordo com ele, quanto menor o valor da pontuação, mais grave é a lesão isquêmica: • Angiotomografia de crânio e vasos cervicais: é importante para avaliar a obstrução arterial e/ou locais de estenose arterial que provavelmente causaram o quadro isquêmico. Com isso, é possível iniciar a abordagem terapêutica. Também permite avaliar os vasos intracranianos. • Tomografia com estudo de perfusão: permite diferenciar a área de penumbra da área de isquemia formada. É relevante para se avaliar o tecido acometido e indicar o melhor tratamento para pacientes que não foram capaz de identificar o tempo de sintomas. • Ressonância Magnética (RM): apesar de mais específico, não é muito utilizado na urgência, dada falta de material e a demora que pode levar. No entanto, quando feito, prioriza-se as sequências de FLAIR e de Difusão: → Sequência de difusão (DWI e ADC): indicam restrição a difusão por água pela membrana do neurônio insquemiado, portanto já demonstrado na imagem precocemente (segundos). Ou seja, em DWI se encontra branco; se houver a restrição da difusão (por causa de células mortas por isquemia, por exemplo), em ADC essa região estará preta. → Sequência FLAIR: indica morte neural e edema vasogênico (lesão demonstrada na imagem após 4,5h de lesão): DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS: Ataque isquêmico transitório, hipoglicemia, Paralisia de Todd (pós-ictal comum de crise epiléptica tônus-clônica generalizada), paralisia episódica hipocalêmica. Além disso, é importante diferenciar o AVC isquêmico do AVC hemorrágico, que apresentam-se diferentemente na tomografia. O AVCi, como dito, tem apresentação pouco aguda; quando se manifesta, apresenta-se por áreas hipoatenuantes (mais escuras). O AVCh, por outro lado, apresenta áreas hiperatenuantes (mais brancas): TRATAMENTO • CUIDADOS GERAIS: manutenção das vias aéreas, com ventilação adequada e manutenção da circulação; realizar acesso venoso; manter monitorização do paciente, principalmente o glicêmico e o cardíaco por meio de ECG (pelo menos 24 horas). • CONTROLE PRESSÓRICO: → Hipotensão: é incomum na fase aguda e, quando presente, sugere sepse, IC, IAM ou hipovolemia. → Hipertensão permissiva: trata apenas se > 220/120 mmHg (sem tratamento trombolítico) ou > 185/110 mmHg (com tratamento trobolítico). • CONTROLE GLICÊMICO: → Hipoglicemia: deve ser investigada logo que o paciente é admitido, pois a hipoglicemia pode mimetizar um quadro clínico de AVCi e deve ser corrigida prontamente com a administração de glicose endovenosa. → Hiperglicemia: ocorre em grande parte dos pacientes na fase aguda. O tratamento deve ser feito em níveis > 180 mg/dL. • CONTROLE TÉRMICO: → Hipotermia: não há indicação de tratamento. → Hipertermia: deve ser rigorosamente tratada com antitérmico, justamento por estar associada a isquemia secundária a endocardite infecciosa ou em complicações do próprio AVC, como pneumonia aspirativa. • TROMBÓLISE QUANDO SE SABE O INÍCIO DOS SINTOMAS! A janela terapêutica é de < 4,5 horas do início dos sintomas (ictus). Nesse cenário, há dois tratamentos possíveis; → Trombólise endovenosa padrão: administração de Alteplase em 0,9 mg/Kg (dose máxima de 90 mg) em 60 minutos. → Trombólise mecânica: retirada do coágulo com cateterismo. OBS: contraindicações para trombólise endovenosa: TCE ou AVI nos últimos 3 meses; punção arterial em local não-compressível nos últimos 7 dias; história prévia de hemorragia intracraniana; neoplasia, malformação vascular ou aneurisma intracraniano; cirurgia intracraniana ou espinal recente; descontrole pressórico (acima de 185/110 mmHg); hemorragias ativas; discrasias sanguíneas (plaquetas < 100.000; INR > 1,7, heparina há 48h com elevação do TTPa) ou uso de anticoagulantes orais; hipoglicemia < 50mg/dL; TC com área de infarto extenso (AVC maligno), com isquemia > 1/3 do território da art. cerebral média. • QUANDO ESTÁ FORA DA JANELA TERAPÊUTICA OU NÃO SE SABE O INÍCIO DOS SINTOMAS: Caso não haja TC de crânio com estudo de perfusão ou RM de fase aguda disponíveis na emergência (importantes para avaliar a área isquemiada e tentar inferir o tempo dos sintomas), as medidas cabíveis são: → Controle de PA, glicemia e térmico. → Iniciar profilaxias secundárias com antiagregantes plaquetários + estatinas (evitar novos casos de aterosclerose). → Endarterectomia ou angioplastia por via percutânea se for identificada estenose > 50%, cerca de 2 semanas após o AVCi; caso a estenose for > 70%, o tratamento deve ser mais precoce. • PROFILAXIA SECUNDÁRIA Qual tratamento fazer? → Antiagregantes plaquetários (AAS 75-300 mg/dia ou clopidogrel 75 mg/dia) em casos de AVC não cardioembólico ou AIT ou em AVC cardioembólico com risco elevado de queda com possibilidade de TCE. → Anticoagulantes orais (varfarina, rivaroxaban, dabigatran, apixaban, edoxaban) em casos de AVC cardioembólico por fibrilação atrial ou presença de trombo intracardíaco. MANEJO DE COMPLICAÇÕES DO AVCI • EDEMA CEREBRAL: é a principal complicação do AVC, tendo incidência máxima entre 3 e 5 dias do ictus. Ocorre divido a edema citotóxico por perda da integridade de transporte da membrana celular. → Sintomas: rebaixamento do nível de consciência, piora do déficit neurológico e possível herniação cerebral. → Infarto Maligno da ACM: é caracterizado por isquemia em 50% do território da ACM na TC de crãnio ou 145 cm³ na RM, sendo um grande causador de edema cerebral. → Tratamento: elevação da cabeceira da cama em 30°, terepia hiperosmolar com manitol EV e hiperventilação. O tratamento cirúrgico é feito por meio da hemicraniectomia descompressiva, a qual é seletiva nas seguintes indicações: AVC < 48h de déficits neurológicos, idade entre 18 e 60 anos, pontuação de NIHSS > 15 com presença de rebaixamento do nível de consciência. • TRANSFORMAÇÃO HEMORRÁGICA; • CRISES EPILÉPTICAS. TROMBOSE VENOSA CEREBRAL Apesar de o sistema venoso conter 70% do volume sanguíneo cerebral, a Trombose Venosa Cerebral é bem mais rara do que o AVC, cuja etiologia é arterial. Os fatores de risco para o desenvolvimento da doença são preciosos na avaliação médica e há pelo menos um em 85% dos casos. Os principais são: • Fatores gerais: mulheres; jovens com < 40 anos, tabagistas. • Em mulheres: gravidez e puerpério; uso de anticoncepcionais orais; fertilização in vitro. • Trombofilias: deficiência de antitrombina III, proteína C ou S; mutação do fator V; mutação do gene da protrombina; Síndrome do anticorpo anti-fosfolípide. (SAAF) etc. • Infecções: principalmente de cabeça e pescoço; meningites bacterianas. • Doenças inflamatórias: Lúpus eritematoso sistêmico, vasculites em geral. • Doenças hematológicas: policitemia vera, trombocitose essencial; hemoglobinúria paroxística noturna; síndrome nefrótica etc. • Traumas. • Mal formações e anomalias vasculares venosas. QUADRO CLÍNICO O quadro TVC tem, na grande maioria dos casos, início subagudo, bem diferente do AVC. A cefaleia é o sintoma mais recorrente, estando presente em 80% dos casos, mas podem haver outras manifestações clínicas, como, por exemplo: papiledema, déficit motor e sensitivo, convulsões, rebaixamento do nível de consciência, afasia, coma ou estupor, paralisia do nervo oculomotor, déficit visual, diplopia etc. Esses sintomas podem se organizar em 4 grandes síndromes que aparecem nesse tipo de manifestação: • Síndrome de hipertensão intracraniana; • Síndrome de déficit focal; • Crises epilépticas; • Encefalopatia e coma. DIAGNÓSTICO ANGIOTOMOGRAFIA DE CRÂNIO: É muito utilizadana fase aguda e subaguda quando se há forte suspeita de TVC. Há dois principais achados na TC que indicam uma TVC: • Hiperdensidade na área de um seio venoso ou veia cortical – “Sinal da Corda”: • Sinal do delta vazio: alteração visualizada apenas na fase após injeção do contraste iodado, consiste na imagem do seio hiperdenso, pelo preenchimento do contraste, com uma area hipodensa central, correspondendo ao trombo. ANGIORRESONÂNCIA DE ENCÉFALO: O trombo venoso em fase subaguda fica com um hiperssinal em todas as sequências da RM. Possui sensibilidade maior do que a TC. OBS: caso a TC ou a RM sejam inconclusivas no diagnóstico, lança-se mão da Angiografia Cerebral, uma técnica invasiva útil para diagnosticar dissecção arterial, aneurismas, fistulas durais e malformações arteriovenosas. TRATAMENTO • Anticoagulação plena: → Heparina ou enoxaparina SC 1mg/kg duas vezes ao dia. → Antiguagulação oral preventiva com Warfarina por um período de 6 a 12 meses. Caso seja diagnosticada alguma alteração hemofílica de fatores de coagulação, pode-se remanejar essa terapia por tempo prolongado. • Em casos refratários e mais graves de TVC: → Trombólise venosa; → Trombectomia mecânica; → Craniectomia descompressiva; → Tratamento de complicações, como hipertensão intracraniana. Algorítimo de manejo da TVC:
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