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1 Beatriz Machado de Almeida Acidente Vascular Encefálico Anatomia vascular encefálica • O encéfalo é irrigado por 2 sistemas arteriais: carotídeo (anterior) e vertebrobasilar (posterior). O primeiro começa na carótida interna e depois penetra no crânio formando um “S” (sifão carotídeo), passando a denominar-se artéria oftálmica, que se divide em artéria cerebral média, cerebral anterior e coroide anterior. ❖ Artéria Cerebral média: principal artéria cerebral e também é a artéria mais acometida nos AVCs). Emite os ramos lenticuloestriados (artérias perfurantes que irrigam o tálamo, gânglios da base e cápsula interna) em seu segmento proximal. Esses ramos que são acometidos pelo AVE lacunar. Após o primeiro segmento, a artéria verte-se para cima, bifurcando-se em: ➢ Ramo superior: irriga o córtex e substância subcortical (fibras) de quase todo o lobo frontal (córtex motor piramidal, pré-motor, área de Broca e área do olhar conjugado), todo o lobo parietal e parte superior do lobo temporal (área de Wernicke) ➢ Ramo inferior ❖ Artéria Cerebral anterior: irriga a porção anterior, medial e orbitária do lobo frontal. Seu segmento proximal (A1) emite ramos perfurantes para nutrir a porção anterior da cápsula interna, corpo amigdaloide, hipotálamo anterior e uma parte do núcleo caudado. ❖ Coroide anterior: irriga a porção posterior da cápsula interna (junto a cerebral média) • O sistema vertebrobasilar começa na artéria vertebral (origina da subclávia) -> se introduz nos forames laterais das vértebras cervicais -> penetra no forame magno, vascularizando o bulbo -> artéria cerebelar inferoposterior (PICA) -> une-se a artéria vertebral do lado oposto formando a artéria basilar -> ramos medianos e circunferenciais (curtos e longos) para irrigar a ponte. • A artéria basilar origina também a artéria cerebelar superior (principal artéria do cerebelo) e artéria cerebelar anterior. Na junção ponto mesencefálica ela se bifurca, originando a artéria cerebral posterior, uma de cada lado -> emitem ramos perfurantes de seu primeiro segmento para irrigar o mesencéfalo, tálamo e pedúnculos cerebelares superiores -> em seguida caminha para o lobo ocipital. Anatomia x clínica • Quando há alteração na artéria cerebral anterior → Déficit de força no MMII; • Quando há alteração na artéria cerebral média → Déficit de força no MMSS; • Quando há alteração na artéria cerebral posterior → perda de visão, alteração do equilíbrio, tontura, nistagmo; ❖ Apresentação de lesão medular X Encefálica: Quando a lesão é central, antes de cruzar, normalmente teremos uma hemiparesia contralateral à lesão. Se a lesão for na medula, vai ocorrer uma lesão ipsilateral a partir do nível onde ocorreu a lesão. ❖ Alterações de motricidade: toda vez que há um padrão central (acima da decussação das pirâmides) vai ocorrer uma hemiparesia, um lado paralisado. Geralmente, a paralisia da face é do mesmo lado da paralisia do resto do corpo, exceto se houver uma lesão ou AVC a nível da decussação das pirâmides, que aí pode ocorrer contralateral. Acidente Vascular Encefálico 2 Beatriz Machado de Almeida Acidente Vascular Encefálico Abordagem ao paciente neurológico Devemos procurar responder 4 perguntas iniciais: 1. Onde no neuroeixo está o problema? disfunção? Localização. EX. Alguns padrões comuns de nível de acometimento: ▪ A paresia unilateral do membro em um “padrão piramidal” → Sugere uma anormalidade do hemisfério cerebral, especialmente quando acompanhada de paresia facial, perda sensorial ou alteração do campo visual ipsilaterais. ▪ A paresia ascendente bilateral com perda sensorial e diminuição dos reflexos de estiramento muscular seriam sugestivos de neuropatia periférica. Tais pacientes devem ser triados e tratados com urgência, mas os exames laboratoriais confirmatórios apropriados, o manejo clínico e o prognóstico são bastante diferentes. ▪ Paresia do membro com padrão piramidal unilateral e envolvimento facial sugere uma disfunção do hemisfério cerebral contralateral. 2. Qual poderia ser o problema neste nível, neste paciente? (determina a causa mais provável e os diagnósticos diferenciais). • As considerações incluem infarto, infecção, inflamação, trauma ou metabólico. • Sua “adivinhação orientada” se baseará no perfil clínico do paciente e no histórico clínico em função do nível do sistema nervoso afetado. Esse passo em particular requer um pouco mais de experiência clínica e conhecimento, dependendo sempre da identificação acurada inicial do nível de disfunção (passo um). • Ex. Se esse padrão de achados ocorreu subitamente em um homem hipertenso de 70 anos, então o acidente vascular cerebral seria a prioridade no diagnóstico diferencial, e uma TC deve ser solicitada com urgência. • Do contrário, se o paciente for uma mulher de 20 anos e tiver achados similares que tenham progredido de forma mais lenta, então a esclerose múltipla deve ser o diagnóstico diferencial prioritário. Nesse caso, uma imagem de ressonância magnética (RM) cerebral deve ser a melhor opção. 3. Quais exames seriam úteis para confirmar essa impressão inicial? (confirmação) 4. A terapia está indicada ou disponível neste ponto para estre problema? (Tratamento) • Uma abordagem mais simples e eficaz à neurologia constitui-se em conceituar o sistema nervoso como um conjunto de áreas distintas com limites funcionais, com base na localização e na função, em vez de uma miríade de tratos e núcleos. Referimo- nos a isso como o neuroeixo. • O neuroeixo pode ser separado funcional e anatomicamente em 10 níveis distintos, porém interativos. 1) Hemisférios cerebrais; 2) Tronco cerebral; 3) Cerebelo; 4) Medula espinal; 5) Células do corno anterior/núcleo dos nervos cranianos; 6) Raízes nervosas; 7) Plexo; 8) Nervos periféricos (citado); 9) Junção neuromuscular; 10) Músculo • Sabe-se por experiência clínica que cada um dos 10 níveis do neuroeixo é responsável por uma certa quantidade e certo padrão de função neurológica. Portanto, a disfunção ou lesão de qualquer um desses níveis resulta em um padrão relativamente distinto de sinais e sintomas. • Um único sinal ou sintoma clínico pode servir como aliado na identificação do nível de neuroeixo afetado. Exemplos: ‘’De repente deixou de falar’’: Os centros da linguagem são localizados no hemisfério cerebral dominante, que é o esquerdo em 95% das vezes (à direita em pacientes canhotos). Alguém que, de repente, perde a capacidade de comunicar-se verbalmente quase com certeza apresenta um problema nessa região, sendo um acidente vascular cerebral a causa mais comum em pacientes mais velhos; Um problema no cerebelo está associado à ataxia (incoordenação dos movimentos), mas não à perda sensorial. Você, CLÍNICO GERAL não precisa definir o nível exato. Quando se souber o suficiente para suspeitar de um problema medular torácico devido a uma paresia bilateral das extremidades inferiores com incontinência, então um exame por imagem dessa área deve ser solicitado; Uma região diferente deve ser examinada por imagem caso haja suspeita de lesão do tronco cerebral, com base na presença de achados sensoriais ou motores cruzados (um lado da face e o lado oposto de corpo afetados). 3 Beatriz Machado de Almeida Acidente Vascular Encefálico Acidente Vascular Encefálico Conceito O AVE se caracteriza pela instalação de um déficit neurológico geralmente focal, de instalação súbita com rápida evolução e não convulsivo, determinado por uma lesão cerebral, secundária a um mecanismo vascular e não traumático. Podem ocorrer de fatores isquêmicos ou hemorrágicos. Epidemiologia • Atualmente, as doenças cardiovasculares e as cerebrovasculares ocupam o primeiro e o segundo lugar, respectivamente,no topo das doenças que mais acometem vítimas com óbitos no mundo. • Globalmente, a incidência de AVC devido a isquemia é de 68%, enquanto a incidência de AVC hemorrágico (hemorragia intracerebral e hemorragia subaracnóide combinadas) é de 32%, refletindo uma maior incidência de AVC hemorrágico em países de baixa e média renda. • Um estudo epidemiológico realizado em população brasileira revelou 156 casos/100.000 habitantes/ano. • Faixa etária avançada é o fator de risco de maior peso nas doenças cerebrovasculares: cerca de 75% dos pacientes com AVC agudo têm idade superior a 65 anos, e a sua incidência praticamente dobra a cada década a partir de 55 anos. • Há ligeiro predomínio do sexo masculino quando se consideram pacientes com idade menor que 75 anos. O risco de AVC ao longo da vida para homens e mulheres adultos (25 anos de idade ou mais) é de aproximadamente 25%. • Indivíduos da raça negra têm praticamente o dobro de incidência e prevalência quando comparados com brancos de origem caucasiana. • Pacientes asiáticos e negros apresentam taxas elevadas de aterosclerose intracraniana. Grupos de risco G RUPO DE RISCOS NÃO MODIFICÁVEIS • Idosos; • Sexo masculino; • Baixo peso ao nascimento; • Negros (por associação com hipertensão arterial maligna); • História familiar de ocorrência de AVC; • História pregressa de Acidente Isquêmico Transitório; • Condições genéticas, como anemia falciforme. G RUPO DE RISCOS POTENCIAIS • Sedentarismo; • Obesidade; • Uso de contraceptivo oral; • Terapia de reposição hormonal pós-menopausa; • Alcoolismo; • Aumento da homocisteína plasmática; • Síndrome metabólica por aumento da gordura abdominal; • Uso de cocaína e anfetaminas. Outros fatores de risco: Hipertensão arterial, diabetes mellitus, hiperlipidemia, fibrilação atrial, tabagismo, etilismo, inatividade física. Classificação • A diferenciação do tipo de AVC é importante para manejo na fase aguda, prevenção secundária e prognóstico. • Apesar de vários sistemas de escore clínico terem sido criados para diferenciar o AVCI do AVCH, os exames de imagem, particularmente a TC, são imprescindíveis para esse fim. A TC sem contraste diferencia inequivocamente isquemia de hemorragia, além de permitir diagnósticos diferenciais com outras afecções, tais como neoplasias e processos inflamatórios. • As duas grandes categorias de derrame, hemorragia e isquemia, são condições diametralmente opostas: a hemorragia é caracterizada por muito sangue dentro da cavidade craniana fechada, enquanto a isquemia é caracterizada por muito pouco sangue para fornecer uma quantidade adequada de oxigênio e nutrientes a uma parte de o cérebro. AVE ISQUÊMICO ▪ TROMBOSE: Envolve os AVE de grandes e pequenas artérias (incluindo AVE lacunar). Geralmente refere-se à obstrução local in situ de uma artéria. A obstrução pode ser devido a doenças da parede arterial, como arteriosclerose, 4 Beatriz Machado de Almeida Acidente Vascular Encefálico dissecção ou displasia fibromuscular; pode ou não ser trombose sobreposta. ▪ EMBOLIA: Envolve os AVE Cardioembólico e Arterioembólico. Refere-se a partículas de detritos originários de outros lugares que bloqueiam o acesso arterial a uma determinada região cerebral. Como o processo não é local (como acontece com a trombose), a terapia local só resolve temporariamente o problema; outros eventos podem ocorrer se a fonte de embolia não for identificada e tratada. ▪ HIPOPERFUSÃO SISTÊMICA: É um problema circulatório mais geral, manifestando-se no cérebro e talvez em outros órgãos. AVE HEMORRÁGICO ▪ Hemorragia cerebral intraparenquimatosa (HIP); ▪ Hemorragia subaracnóide (HSA) ou meníngea. Diagnóstico • O diagnóstico de AVC depende fundamentalmente de uma anamnese acurada, obtida do próprio paciente ou de seus familiares e acompanhantes • Déficit neurológico focal, central, de instalação aguda, é apanágio de praticamente todo AVC. • Ocasionalmente, alguns pacientes poderão apresentar manifestações clínicas de difícil localização, tais como comprometimento de memória e rebaixamento do nível de consciência, além de sintomatologia progressiva em várias horas ou mesmo alguns dias. Tais exceções devem sempre ser acompanhadas de minuciosa investigação, visando excluir diagnósticos alternativos, tais como hipoglicemia, hiperglicemia, encefalopatia hepática, epilepsia ou hematoma subdural crônico. • Também devem ser consideradas no diagnóstico diferencial de AVC, por poderem se manifestar por meio de déficits neurológicos focais de rápida evolução: tumores e abscessos cerebrais, encefalite, enxaqueca, doenças desmielinizantes e paralisias periféricas agudas, tais como a síndrome de Guillain-Barré e a paralisia de Bell. • O exame do líquido cefalorraquiano (LCR) deve ser realizado apenas para a confirmação do diagnóstico de HSA (hemorragia subaracnóide) quando, ante um paciente com quadro clínico sugestivo, os resultados dos exames de imagem, particularmente a TC, forem negativos ou duvidosos. Avaliação inicial no AVCi TEMPO É CÉREBRO A redução do aporte sanguíneo para uma determinada região encefálica leva à formação de uma área menor de tecido infartado (cuja função é comprometida de forma irreversível), e uma área maior de penumbra isquêmica adjacente (cuja função pode ser recuperada caso seja obtida a reperfusão tecidual). Estima-se que a cada minuto que se passa, o paciente perde 1,9 milhão de neurônios. Suspeita clínica e diagnósticos diferenciais • A suspeita de AVCi deve ser levantada quando da ocorrência de qualquer déficit neurológico de início súbito. • É importante enfatizar que nas fases iniciais do AVCi a TC de crânio pode não evidenciar sinais de isquemia. Porém, existem algumas alterações precoces: apagamento de sucos, cerebral média hiperdensa, alteração de substância branca e cinzenta. • De fato, 20 a 25% das suspeitas clínicas iniciais de AVC não se confirmam após a investigação. • A vertigem e/ou tontura, mesmo quando isoladas, podem ser provocadas pelo AVCi. • A avaliação e a estabilização clínicas e a coleta dos exames iniciais devem ser realizadas concomitantemente. 5 Beatriz Machado de Almeida Acidente Vascular Encefálico Avaliação clínica inicial • Obter a anamnese do paciente na presença de familiares e acompanhantes que preferencialmente tenham presenciado. • Questionar: 1. Quando foi o último momento em que o paciente estava assintomático. É importante enfatizar que a decisão por instituir ou não as estratégias de reperfusão leva em consideração o tempo desde a última vez que o paciente estava assintomático e não o momento em que o déficit foi percebido. 2. Obter dados sobre antecedentes mórbidos e medicações em uso. Se o paciente fizer uso de anticoagulantes, questionar quando ele fez uso da última dose. 3. Avaliar a presença de contraindicações para trombólise endovenosa (TEV). 4. Exame físico direcionado: a. Monitorização dos sinais vitais e coleta da glicemia capilar. b. Aferição da PA em quatro membros. A assimetria significativa da PA entre membros superiores, ou entre membros superiores e inferiores, pode sugerir dissecção aórtica. c. Realizar exame neurológico sucinto e calcular o NIHSS. NIHSS 6 Beatriz Machado de Almeida Acidente Vascular Encefálico Estabilização clínica inicial • Se, durante a avaliação, for observado que um Glasgow ≤ 8 ou risco de aspiração significativo, deve-se considerar a IOT. Ademais, a saturação de oxigênio deve ser mantida em ≥ 94%. • Se indicação de trombólise IV, recomenda -se manter a PA < 180 x 105 mmHg até 24 h após a infusão do trombolítico. • Quando não há indicação de trombólise e a PA ≥ 220 x 110 mmHg, recomenda-se almejar a redução de 15% dapressão arterial nas primeiras 24 h. • A hipotensão não é um achado frequente no paciente com AVCi. Se presente, deve-se investigar: sepse, infarto agudo do miocárdio, dissecção da aorta, entre outros. Além do mais, a hipotensão deve ser corrigida com expansão volêmica e, se necessário, vasopressores. • Corrigir hipoglicemia se < 60 mg/dL e obter ao menos um acesso venoso periférico adequado. Acidente vascular cerebral isquêmico Episódio de disfunção neurológica decorrente de isquemia focal cerebral ou retiniana, com sintomas típicos que duram mais do que 24 horas e com lesão em exames de imagem, como TC ou RM de crânio. A suspeita clínica rápida de AVC (FAST) do AVCi envolve: F (face) – alguma alteração na face (pedir para sorrir); A (Arms) – diferença entre a altura dos braços elevados; S (Speak) – alteração na fala; T (Time) – horário do início dos sintomas (agir rápido). Fisiopatologia: redução do fluxo sanguíneo → isquemia → necrose → perda tecidual. • Maior predominância, cerca de 80 a 85% das doenças vasculares cerebrais são isquêmicas. Fatores de risco Entre as várias causas cardíacas relacionadas com o risco de AVCI de origem embólica, a fibrilação atrial é das mais importantes. • Não modificáveis: idade mais avançada; sexo masculino; negros; presença de história familiar materna ou paterna. • Modificáveis: são 10 os que explicam 90% dos AVCs! HAS, tabagismo atual, obesidade abdominal (relação cintura-quadril), dieta inadequada, inatividade física, diabetes mellitus, uso de álcool, estresse psicossocial e depressão, doenças cardíacas e níveis elevados de apolipoproteína. Morfofisiologia • O fluxo sanguíneo cerebral (FSC) pode ser calculado por meio da seguinte fórmula: • FSC = pressão de perfusão cerebral (PPC)/resistência cerebrovascular (RCV), em que a PPC representa a pressão arterial média (PAM) menos a pressão intracraniana (PIC). • A auto regulação do FSC permite que o fluxo permaneça constante em situações de queda ou elevação da PPC através da vasodilatação ou vasoconstrição das arteríolas cerebrais, respectivamente, dentro de determinados limites da PAM, situada entre 60 e 140 mmHg. • Quando a PAM ultrapassa 140 mmHg – como pode ocorrer na encefalopatia hipertensiva – a auto regulação deixa de existir e o FSC sofre elevação, com subsequente quebra da barreira hematoencefálica e edema cerebral. • Em situações de queda da PPC abaixo de 60 mmHg, a máxima vasodilatação das arteríolas cerebrais não consegue compensá-la, com consequente redução do FSC. • Sintomatologia clínica de isquemia cerebral focal se manifesta com reduções do FSC abaixo de 20 mL/100 gramas/minuto. Fisiopatologia • Na maior parte dos pacientes, há oclusão arterial tromboembólica. No AVCI, a severidade da redução 7 Beatriz Machado de Almeida Acidente Vascular Encefálico do FSC depende do grau de oclusão arterial, se parcial ou total, e da potência da circulação colateral. • O comprometimento cerebral isquêmico agudo, mediante interrupção total do fluxo sanguíneo de determinada artéria cerebral, se traduz em duas áreas de comportamentos distintos localizadas no seu território de irrigação: a região de infarto cerebral e a região de penumbra isquêmica. • A primeira se caracteriza como uma zona central isquêmica, onde ocorre redução drástica do fluxo sanguíneo cerebral (FSC) a níveis abaixo do seu limiar de falência de membrana, com consequente morte neuronal irreversível. • Uma vez ocorrido o infarto neuronal (isquemia irreversível), instala-se o edema citotóxico (aumento do volume dos neurônios) acompanhado de edema vasogênico (acúmulo de líquido no interstício). • O pico de edema é entre 3-4 dias, e, nas primeiras 48 horas, há migração de neutrófilos para o local, seguida pela migração de monócitos e células gliais fagocitárias. • Em volta dessa área isquêmica central, pode ser individualizada uma região onde o FSC situa-se entre os limiares de falência elétrica e de membrana, denominada penumbra isquêmica. • Na região de penumbra isquêmica os neurônios ali situados podem encontrar-se funcionalmente comprometidos, mas ainda estruturalmente viáveis por período limitado, pois a penumbra isquêmica é rapidamente incorporada à área isquêmica central. • A isquemia cerebral desencadeia, em questão de segundos a poucos minutos, uma cascata de complexos eventos bioquímicos. ❖ Com 20 segundos de interrupção do FSC (pressão de perfusão cerebral), a atividade eletrencefalográfica cessa por causa do comprometimento do metabolismo energético cerebral e da glicólise aeróbica, com consequente elevação dos níveis de lactato. ❖ Com 5 minutos de isquemia, observa-se depleção significativa de ATP, e alterações marcantes no equilíbrio eletrolítico celular se iniciam: potássio é liberado rapidamente do compartimento intracelular e ocorre acúmulo intracelular de íons de sódio e cálcio. ❖ O influxo de sódio resulta em grande aumento no conteúdo de água intracelular (edema citotóxico), ocorrendo também liberação de neurotransmissores excitatórios, produção de radicais livres, ativação de lipases e proteases, culminando na morte celular. • Além da necrose celular, a apoptose também faz parte desse processo, mediada por proteases denominadas caspases. • Mediadores inflamatórios e componentes do sistema imunológico são ativados durante a isquemia cerebral, contribuindo de forma significativa para a lesão neuronal secundária e para o tamanho final do infarto cerebral. • A terapêutica trombolítica tem o objetivo de reperfundir a zona de penumbra isquêmica e consequentemente salvar os neurônios ali situados. Ela baseia-se nesse curto intervalo de tempo (de poucas horas) denominado janela terapêutica. • A reperfusão cerebral realizada até 4 horas e 30 minutos pode reduzir, intensamente, as sequelas neurológicas. AVEI TROMBÓTICO • São aqueles em que o processo patológico que dá origem à formação de trombos em uma artéria produz um derrame, seja por redução do fluxo sanguíneo distal (baixo fluxo) ou por um fragmento embólico que se rompe e viaja para um vaso mais distante (embolia arte-artéria). • O curso da fraqueza do membro direito em um paciente com AVC trombótico revela sintomas flutuantes, variando entre normais e anormais, progredindo de forma gradativa ou gagueira com alguns períodos de melhora. TIPO CARDIOEMBÓLICA OU ATEROSCLEROSE DE GRANDES ARTÉRIAS ▪ Patologias das artérias de grande calibre extracranianas e intracranianas, levando a embolia vaso-vaso, que á a principal causa, ou hipofluxo. A artéria mais acometida é a carótida interna, principalmente por aterosclerose na sua origem, na região cervical. 8 Beatriz Machado de Almeida Acidente Vascular Encefálico ▪ Os grandes vasos acometidos incluem o sistema arterial extracraniano (carótidas comuns e internas, vertebral) e intracraniano (Círculo de Willis e ramos proximais). ▪ A aterosclerose de grandes artérias era classificada como AVC aterotrombótico. ▪ Lesões intrínsecas em grandes artérias extracranianas e intracranianas causam sintomas ao reduzir o fluxo sanguíneo além das lesões obstrutivas e por servir como fonte de êmbolos intra-arteriais. ▪ Seu mecanismo mais comum compreende oclusão distal por embolia artério-arterial a partir de trombos fibrinoplaquetários sediados em lesões ateromatosas proximais extra ou intracranianas, mais frequentemente situadas em bifurcações de grandes artérias cervicais supraórticas (carótidas e vertebrais). ▪ Os trombos de fibrina-plaquetária branca e fibrina-eritrocitária vermelha são frequentemente sobrepostos às lesões ateroscleróticas ou podem se desenvolver sem doença vascular grave em pacientes com estados hipercoaguláveis. As patologias que afetam os grandes vasosextracranianos incluem: Aterosclerose; disseção; arterite de Takayasu; arterite de células gigantes; displasia fibromuscular (arteriopatia incomum). As patologias que afetam os grandes vasos intracranianos incluem: aterosclerose; disseção; arterite/vasculite (causa extremamente rara de derrame trombótico); vasculopatia não inflamatória; síndrome de Moyamoya; vasoconstrição. • A aterosclerose, principalmente placas ateromatosas móveis e salientes na aorta descendente e no arco é de longe a causa mais comum de doença local in situ nas grandes artérias extracranianas e intracranianas que irrigam o cérebro. • A vasoconstrição (por exemplo, com enxaqueca) é provavelmente a segunda mais comum, seguida em frequência por dissecção arterial (um distúrbio muito mais comum) e oclusão traumática. • A identificação da lesão vascular focal específica, incluindo sua natureza, gravidade e localização, é importante para o tratamento, uma vez que a terapia local pode ser eficaz (ex.: cirurgia, angioplastia, trombólise intra arterial). • Os pacientes acometidos habitualmente têm apresentação clínica e imagem exibindo estenose significativa (> 50%) ou oclusão de uma grande artéria cervicocefálica, extra ou intracraniana, ou mesmo um ramo arterial cortical, presumivelmente em razão da aterosclerose. • Suas principais manifestações clínicas envolvem comprometimento cortical (afasia, negligência, envolvimento motor desproporcionado) ou disfunção do tronco encefálico ou cerebelo. • História de claudicação intermitente, ataque isquêmico transitório (AIT) no mesmo território vascular, sopro carotídeo ou diminuição de pulsos ajudam a firmar o diagnóstico clínico. • Geralmente há coexistência de múltiplos e importantes fatores de risco vascular, podendo haver evidências de envolvimento aterosclerótico da circulação coronariana e periférica. • O diagnóstico de AVC decorrente de aterosclerose de grandes vasos não pode ser feito se o duplex, a angiotomografia, a angiografia por RM ou mesmo a angiografia digital forem normais ou exibirem alterações mínimas. TIPO AVE LACUNAR/OCLUSÃO DE PEQUENA ARTÉRIA • Afeta o sistema arterial intracerebral, especificamente as artérias penetrantes que surgem da artéria vertebral distal, da artéria basilar, da artéria cerebral média e das artérias do círculo de Willis. As artérias penetrantes penetram em ângulos retos para suprir as estruturas mais profundas do cérebro. • Infartos pequenos e profundos (menores que 15 mm de diâmetro) têm como substratos principais a lipohialinose e lesões microateromatosas. • Os infartos lacunares preferencialmente se localizam no território dos ramos lenticuloestriados da artéria cerebral média, dos ramos talamoperfurantes da artéria cerebral posterior e dos ramos paramedianos pontinos da artéria basilar. • Essas artérias trombosam devido a: ❖ Lipo-hialinose (um acúmulo de lipídio hialino secundário à hipertensão e degeneração 9 Beatriz Machado de Almeida Acidente Vascular Encefálico fibrinóide. Causa mais comum de obstrução das pequenas artérias e artérias penetrantes. ❖ Formação de ateroma em sua origem ou na grande artéria parental. • O paciente deve exibir uma das cinco clássicas síndromes lacunares, a saber: hemiparesia motora pura, hemiparesia atáxica, AVC sensitivo puro, AVC sensitivo motor e disartria-mão desajeitada, não podendo, sob nenhuma hipótese, apresentar sinais de disfunção cortical (afasia, apraxia, agnosia e negligência). • As oclusões das artérias penetrantes geralmente causam sintomas que se desenvolvem durante um curto período de tempo, horas ou no máximo alguns dias, em comparação com a isquemia cerebral relacionada às grandes artérias, que pode evoluir por um período mais longo. • Pode ocorrer um curso de gagueira, como ocorre com a trombose de grandes artérias. Aqui o paciente apresenta hemiparesia motora pura. • DIAGNÓSTICO: Além da suspeita pelos sinais e sintomas, a história de HAS (principalmente) ou DM e o envelhecimento podem reforçar esse diagnóstico clínico e o paciente deve ter TC ou RM normais ou com lesão isquêmica relevante no tronco cerebral ou na região subcortical, desde que com diâmetro menor que 15 mm. • Potenciais fontes cardioembólicas devem estar ausentes, e a investigação por imagem das grandes artérias extra e intracranianas deve excluir estenose significativa no território arterial correspondente. • Estado lacunar (état lacunaire) é a denominação para múltiplos infartos lacunares que se caracterizam clinicamente por distúrbios de equilíbrio com marcha a pequenos passos, sinais pseudobulbares como disartria e disfagia, declínio cognitivo e incontinência urinária. Hipoperfusão sistêmica • A redução da perfusão pode ser decorrente de falha no bombeamento cardíaco causada por parada cardíaca ou arritmia, ou redução do débito cardíaco relacionada à isquemia miocárdica aguda, embolia pulmonar, derrame pericárdico ou sangramento. • A maioria dos pacientes afetados apresenta outras evidências de comprometimento circulatório e hipotensão, como palidez, sudorese, taquicardia ou bradicardia grave e pressão arterial baixa. • Os sinais neurológicos são tipicamente bilaterais, embora possam ser assimétricos quando há doença oclusiva vascular craniocerebral assimétrica preexistente. • A isquemia mais grave pode ocorrer nas regiões da zona de fronteira (divisor de águas) entre as principais artérias de suprimento cerebral, uma vez que essas áreas são mais vulneráveis à hipoperfusão sistêmica. • Os sinais que podem ocorrer com o infarto da zona fronteiriça incluem cegueira cortical ou, pelo menos, perda visual bilateral; estupor; e fraqueza dos ombros e coxas com poupar o rosto, mãos e pés (um padrão semelhante a um "homem em um barril"). • No AVEI por hipoperfusão sistêmica, os sintomas de disfunção cerebral geralmente são difusos e não focais, em contraste com as outras duas categorias de isquemia. Quadro clínico AVC isquêmico • O sistema arterial carotídeo (ou anterior) é acometido em cerca de 70% dos casos de AVCI, sendo o território vertebrobasilar (ou posterior) envolvido nos 30% restantes. • Sua apresentação clínica vai depender do sítio lesional isquêmico: ❖ SE HEMISFÉRICO: 2/3 anteriores irrigados pelo sistema carotídeo e 1/3 posterior pelo sistema vertebrobasilar. ❖ SE INFRATENTORIAL: irrigado pelo sistema vertebrobasilar, este abrangendo estruturas do tronco encefálico e cerebelo. • A isquemia frequentemente acomete apenas parte de determinado território arterial pela presença de circulação colateral eficaz. Aliás, circulação colateral adequada pode até prevenir a instalação de lesão isquêmica decorrente de oclusão arterial focal. • As síndromes arteriais carotídeas compreendem o acometimento dos seus principais ramos, a saber: oftálmica, coroidéia anterior, cerebral anterior e cerebral média. 10 Beatriz Machado de Almeida Acidente Vascular Encefálico • Nas síndromes vertebrobasilares, pode ocorrer envolvimento das artérias vertebral basilar, cerebral posterior e cerebelares póstero- inferior, ântero-inferior e superior. Classificação de TOAST O sistema TOAST tenta classificar os derrames isquêmicos de acordo com os principais mecanismos fisiopatológicos que são reconhecidos como a causa da maioria dos derrames isquêmicos. Investigação laboratorial • A investigação de um paciente com AVCI pode ser dividida em três fases: básica, complexa e de risco. • Os exames básicos, aplicáveis a todo paciente admitido na fase aguda do AVCI, compreendem hemograma, uréia, creatinina, glicemia, eletrólitos, coagulograma, radiografia do tórax, eletrocardiograma (ECG) e TC do crânio sem contraste. • A TC do crânio pode ser normal em até 60% dos casosde AVCI, quando realizada nas primeiras horas de instalação do quadro. Pode revelar, também nessa fase, alterações isquêmicas sutis, tais como perda da diferenciação córtico- subcortical em nível da ínsula, discreto apagamento dos sulcos corticais, perda da definição dos limites do núcleo lentiforme e hiperdensidade na topografia da artéria cerebral média (trombo intraluminal). • Na fase complexa, vários exames adicionais podem ser incluídos, na medida em que os dados clínicos aventarem a possibilidade de alguma causa subjacente. • A RM é superior à TC na avaliação de isquemia cerebral aguda e, ao contrário da TC, não emite radiação ionizante. A RM constitui técnica preferida para identificar infartos de tronco cerebral e cerebelo, visto que as estruturas da fossa posterior são mal visualizadas na TC. 11 Beatriz Machado de Almeida Acidente Vascular Encefálico • A sequência difusão na RM, aliada ao mapa de coeficiente de difusão aparente (ADC), permite detecção precoce (poucos minutos) da isquemia cerebral, sendo útil para diferenciar lesões agudas de crônicas. • O exame do LCR deve ser solicitado quando houver suspeita de vasculite, infecciosa ou não. • O ecocardiograma, transtorácico ou transesofágico, deve ser indicado se o quadro clínico ou os exames complementares básicos sugerirem o coração como fonte embólica. • O Doppler transcraniano pode ser realizado se houver suspeita clínica de estenose arterial intracraniana e na pesquisa de microêmbolos em pacientes com possível embolia paradoxal, e o duplex de artérias carótidas e vertebrais continua sendo o exame subsidiário mais importante para selecionar os pacientes que devem ser submetidos à investigação angiográfica, como angiografia por RM e angiotomografia helicoidal, ou mesmo à angiografia digital, está fazendo parte da investigação denominada invasiva ou de risco. • Quanto à angiografia cerebral, é importante salientar que tal exame está associado a risco de 1% de AVC ou óbito, ocorrendo tais complicações com maior frequência em pacientes idosos e com severo comprometimento vascular cerebral e coronariano. Condutas na fase aguda • A partir da comprovação, há pouco mais de uma década, dos benefícios da trombólise endovenosa no tratamento do AVCI agudo, desde que com janela terapêutica de 3 horas, podendo impedir a transformação da penumbra isquêmica em infarto cerebral. • Os sinais vitais devem ser aferidos e, se o paciente estiver torporoso ou comatoso, na vigência de instabilidade respiratória, deve ser intubado e colocado em ventilação mecânica (esta última situação é mais frequente no AVE hemorrágico). A hipotensão arterial deve ser tratada agressivamente com soro fisiológico 0,9%. • Deve-se considerar a doença cerebrovascular isquêmica uma emergência médica plenamente tratável, necessitando, dessa forma, de cuidados imediatos e intensivos à semelhança do que ocorre com as síndromes coronarianas agudas. • Paralelamente, vários estudos demonstraram que pacientes admitidos em centros estruturados para o tratamento específico do AVC, as assim denominadas “unidades de AVC” ou stroke units, tiveram menor taxa de caso-fatalidade e melhor evolução clínica. • Assim sendo, é extremamente importante que pacientes com suspeita clínica de AVC sejam rapidamente encaminhados a serviços médicos de emergência que possuam equipes e estrutura especialmente preparadas para atender pacientes com doença cerebrovascular aguda. MEDIDAS DE SUPORTE • O paciente deve ficar deitado com cabeceira entre 0-15° nas primeiras 24h (30° se a área isquêmica for muito intensa). • Deve-se iniciar logo a dieta, evitando desnutrição. • Evitar a hiper-hidratação e soro glicosado a fim de prevenir a hiponatremia e hiperglicemia. • É importante monitorizar a natremia (diária), glicemia (a cada 6h) e temperatura axilar (a cada 4h). • Exames recomendados na admissão: ECG, hemograma completo, glicemia plasmática, eletrólitos, ureia, creatinina, coagulograma, gasometria arterial e marcadores de necrose miocárdica. • Pacientes com HAS: não baixar a PA no primeiro dia a não ser que ela esteja > 220x120mmHg ou se o paciente estiver cursando com alguma das emergências hipertensivas. Isso porque a penumbra isquêmica é nutrida por colaterais que dependem da PA para manter seu fluxo. OBS.: caso a redução pressórica seja necessária, reduzir 15% do valor inicial nas primeiras 24h com nitroprussiato de sódio. TRATAMENTO ESPECÍFICO • Antiagregante plaquetário: iniciar aspirina dentro das primeiras 48h. • Heparina: deve ser prescrita na dose profilática para prevenção de TVP/TEP. • Trombolítico. Condutas na fase crônica • É determinado pelo mecanismo do AVE, assim como ECG, ecocardiograma e Doppler de carótidas: 12 Beatriz Machado de Almeida Acidente Vascular Encefálico ❖ AVE cardioembólico: anticoagulação plena permanente (cumarínicos orais) ❖ AVE arterioembólico: AAS 100-300mg/dia. (pacientes alérgicos ao AAS utilizam clopidrogrel). A HAS deve ser controlada com anti-hipertensivos orais e a endarterectomia carotídea (ressecção do ateroma na carótida) reduz o risco de novo evento. • A reabilitação (fisioterapia, fonoterapia, terapia ocupacional) deve ser iniciada o quanto antes, de preferência nas primeiras 24-48h: quando mais precoce, maior a recuperação. Acidente vascular encefálico hemorrágico Hemorragia subaracnóidea (HSA): hemorragia que ocorre no espaço entre as membranas pia-máter e aracnoide. Causas: aneurismas cerebrais, malformações arteriovenosas, tumores, angiopatia amiloide cerebral e vasculopatias (como vasculite). Hemorragias intraparenquimatosas (HIP): sangramento não traumático do parênquima cerebral. 10 a 15% de todos os AVC. Causas: aneurisma intracraniano (em caso de HSA), malformações arteriovenosas, uso de medicações, sobretudo os fibrinolíticos e anticoagulantes. A HIP deve ser considerada em todos os pacientes com alteração do nível de consciência de rápida instalação ou pacientes com cefaleia intensa de instalação rápida, principalmente se associada a um déficit neurológico. Etiologia e fatores de risco Maiores causas de HIP: arteriopatia por hipertensão arterial e angiopatia amiloide. PRIMÁRIAS: 1. Hipertensão arterial sistêmica (40 a 70%): acomete principalmente locais de irrigação de artérias profundas, como núcleos da base (putâmen), tálamo, ponte, cerebelo e substância branca subcortical; 2. Angiopatia amiloide (5 a 10%): acontecem predominantemente nas regiões lobares (mais frequentemente parietal e occipital), em razão dos acometimentos de vasos de circulação distal. Principal causa em pacientes normotensos e idosos. SECUNDÁRIAS 1. Malformações vasculares (4 a 10%); 2. Neoplasias intracranianas (2 a 10%); 3. Coagulopatias, anticoagulantes (9 a 14%); 4. Transformação isquêmico-hemorrágica; 5. Trombose venosa cerebral; 6. Vasculites; 7. Uso de drogas ou medicações. As localizações de maior ocorrência das HIPs são: • Lobos cerebrais. • Gânglios da base. • Tálamo. • Tronco cerebral (principalmente em ponte). • Cerebelo. OBS.: em uma hora, 26% dos hematomas apresentam expansão, e em 45 a 50% dos casos, ocorre reexpansão. • A alta taxa de deterioração neurológica precoce após HIP está relacionada, em parte, com esse sangramento ativo. 13 Beatriz Machado de Almeida Acidente Vascular Encefálico • O risco de expansão é maior em pacientes que apresentaram sangramento secundário à anticoagulação. • São fatores de mau prognóstico em relação à possibilidade de deterioração neurológica: ❖ Pontuação baixa no escore de coma de Glasgow. ❖ Grandes hematomas. ❖ Sangue no ventrículo. • De acordo com estudos, a mortalidade foi maior que 90% em pacientes com escore de Glasgow menor que 9e hematoma maior que 60 mL. • Os pacientes que recebem anticoagulantes orais constituem de 12 a 20% dos indivíduos com HIP. • Uma causa possível de sangramento cerebral espontâneo são as hepatopatias e coagulopatias, condições que levam ao dano hepático grave e podem causar coagulopatia. • Na avaliação prognóstica dos pacientes com HIP o NIH Stroke Scale (NIHSS) também pode ser útil. • Porém, a escala mais utilizada e validada externamente é a ICH (Intracerebral Hemorrhage) Score: Escala de Glasgow: 3 a 4 (2 pontos); 5 a 12 (1 ponto); 13 a 15 (O). Volume do hematoma ≥ 30 cm3 (1), < 30cm3 (O). Extensão intraventricular da hemorragia presente (1); ausente (O). Origem infratentorial (1 ponto). Idade> 80 anos (1 ponto). Achados clínicos • A apresentação clássica da HIP se dá com o aparecimento repentino de cefaleia e vômitos com déficits neurológicos focais com progressão em minutos. • Convulsões podem estar presente nos primeiros dias de apresentação (principalmente em hemorragias lobares). • As manifestações neurológicas são dependentes do local do HIP. As localizações mais frequentes são: ❖ Putâmen (35%). ❖ Subcorticais (30%). ❖ Cerebelo (16%). ❖ Tálamo (15%). ❖ Ponte (5-12%). • Em pacientes com rebaixamento do nível de consciência, a presença de vômitos, PAS > 220 mmHg, cefaleia grave, bem como a progressão dos sintomas ao longo de minutos ou horas, sugerem o diagnóstico de HIP. • A realização de um exame físico geral avaliando pupilas, coração, pulmões, abdome e extremidades é necessária, com exame neurológico focalizado sumário. • É importante determinar a avaliação inicial do paciente e comparar com a sua evolução posterior. Exames complementares • Os pacientes devem ser submetidos a exames laboratoriais que incluem função renal, eletrólitos, hemograma, coagulograma e glicemia, além de ECG, que deve ser realizado em todos os pacientes. • Outros: troponina, exame toxicológico, exame de urina e urocultura, teste de gravidez para mulheres em idade fértil. • TC de crânio sem contraste ou RM de crânio. • Quando o quadro clínico é muito sugestivo de HIP secundária à HAS nenhum outro exame é necessário. • Do contrário, deve-se realizar uma angiografia digital ou, em casos selecionados, a angiografia por ressonância magnética, visando pesquisar causas mais raras de HIP, como malformações arteriovenosas. • A angioTC é bastante sensível e específica para a detecção de anormalidades vasculares. A realização de angiografia cerebral poderá ser considerada se a suspeita clínica de anormalidade vascular for alta ou se estudos não invasivos forem sugestivos de uma lesão. OBS.: Neoplasia intracraniana pode se manifestar de maneira parecida, mas sua instalação costuma ser mais gradual e lenta. Tratamento • Exame de neuroimagem e ser monitorizados. • Se coagulopatia ou plaquetopenia grave devem receber rapidamente terapia com fator apropriado 14 Beatriz Machado de Almeida Acidente Vascular Encefálico de substituição ou transfusão de plaquetas, respectivamente. • Em caso de HIP em pacientes que estavam recebendo heparina intravenosa, o sulfato de protamina pode ser administrado em injeção intravenosa. • Os pacientes com HIP, cujo INR é elevado por causa do uso de antagonista de vitamina K, devem ter esse uso descontinuado, receber terapia para substituir fatores dependentes de vitamina K e corrigir o INR, bem como receber vitamina K endovenosa. A administração de vitamina K intravenosa é insuficiente para a reversão nas primeiras horas, mas deve fazer parte de todas as estratégias agudas de reversão de anticoagulação por antagonistas de vitamina K. • Correção de IRN: plasma fresco congelado (PFC) + vit K. • Novas estratégias para corrigir coagulopatias incluem o complexo concentrado de protrombina (CCP) e o complexo concentrado de protrombina ativado. • O uso de agentes antiplaquetários pode causar expansão do hematoma. • De qualquer forma, os antiagregantes plaquetários devem ser descontinuados na fase aguda da HIP. (AAS, Clopidogrel, Prasugrel, Ticagrelor). • A redução da PA pode reduzir o crescimento do hematoma, mas poderia aumentar áreas de isquemia da lesão. Não há nenhuma penumbra isquêmica significante no HIP, por isso, baixar a pressão não é um problema. • Em pacientes com HIP com PAS entre 150 e 220 mmHg e sem contraindicação para tratamento pressórico, a diminuição para níveis de PAS de 140 mmHg é segura e desejável. Em indivíduos com HIP e PAS > 220 mmHg, pode ser razoável considerar a redução agressiva de PA com uma infusão intravenosa contínua de nitroprussiato e monitoramento de PA frequente. • Todos os pacientes com HIP devem ser transferidos assim que possível para uma UTI ou uma unidade de AVC. • Verificações frequentes de sinais vitais, avaliação neurológica e monitorização cardiorrespiratória contínua, incluindo um manguito de PA automatizado, eletrocardiograma com telemetria e oximetria de pulso devem ser parte do tratamento padrão. • A monitorização de pressão intra-arterial contínua deve ser considerada em pacientes que recebem medicamentos vasoativos endovenosos. • A glicemia aumentada é associada com o aumento do risco de mortalidade e pior prognóstico em pacientes com HIP, independentemente da presença de diabetes melito. A hipoglicemia deve ser evitada, bem como os níveis glicêmicos devem ser vigiados, evitando-se hiperglicemia e hipoglicemia (valores entre 70-180 mg/dL). • A febre é comum após HIP, sobretudo em indivíduos com hemorragia intraventricular. A febre poderia piorar o prognóstico desses pacientes. • Em indivíduos com nível de consciência diminuído ou em ventilação mecânica invasiva, a monitorização com EEG contínuo é recomendada. • Em pacientes com convulsões clínicas ou alterações em EEG compatíveis deve-se iniciar anticonvulsivantes. • Recomenda-se a colocação de um monitor de pressão intracraniana (PIC) em pacientes com uma pontuação na escala de coma de Glasgow de 3 a 8, sinais de herniação transtentorial e hidrocefalia. Com a manutenção de PIC < 20 mmHg e uma pressão de perfusão cerebral de 50-70 mmHg, dependendo do estado de autorregulação cerebral. • Se HIC: elevação da cabeceira do leito a 30°, o uso de sedação leve, manitol ou salina hipertônica sem elevações agudas da PIC. • Na obstrução causada por hidrocefalia, a drenagem liquórica deve ser considerada. A drenagem do hematoma e a craniotomia descompressiva são opções de tratamento. • Os corticosteroides não devem ser utilizados, pois não são eficazes em HIC e aumentam as complicações. • Os pacientes com HIP têm risco aumentado de complicações clínicas como pneumonias, e a disfagia é um dos fatores de risco para esta complicação. Assim, é recomendada avaliação para disfagia antes de iniciar ingestão oral. • Remoção cirúrgica do hematoma assim que possível quando: hemorragias lobares de 10-100 mm 3 a 1 cm da superfície cortical, hemorragia cerebelar com deterioração neurológica importante ou hemorragias 15 Beatriz Machado de Almeida Acidente Vascular Encefálico cerebelares > 3 cm, hemorragia cerebelar que apresentam deterioração neurológica ou que têm compressão do tronco cerebral e/ou hidrocefalia por obstrução ventricular. • Os pacientes com HIP que desenvolvem agudamente TVP ou embolia pulmonar (EP) podem ser considerados para a anticoagulação sistêmica total ou a colocação de um filtro de veia cava inferior (VCI). Diretrizes gerais para a utilização de filtro de veia cava no cenário da TVP aguda sugerem um curso convencional da terapia anticoagulante se o risco de hemorragia se resolver. • No que diz respeito à profilaxia de tromboses, além da compressão pneumática, caso seja documentada a cessação de sangramento, baixa dosesubcutânea de HBPM ou heparina não fracionada pode ser considerada para prevenção de tromboembolismo venoso em pacientes com falta de mobilidade após 1 a 4 dias do evento. Minidoses de heparina (5.000 unidades por via subcutânea, 2-3 x/dia) e HBPM são seguras para a profilaxia após hemorragia cerebral alguns dias após o início dos sintomas.
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