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Victória Caroline De Oliveira- Faculdade de Direito De São Bernardo do Campo IMPORTÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL E O RISCO DE INJUSTIÇA PROVOCADO PELA FALTA DELE O acesso a justiça, um juiz imparcial, o direito a ampla defesa e contraditório, a busca da verdade, a transparência do processo e a solução em tempo razoável são elementos básicos do devido processo legal. Este é o ideal desejado para o processo justo. Sedimentando na premissa do acesso à justiça, com juiz imparcial, direito à produção de provas lícitas, ampla defesa e contraditório, para solução do conflito num tempo razoável, o processo devido é aquele que não é indiferente ao jurisdicionado, dando-lhe, portanto, uma efetiva satisfação.1 O Devido Processo Legal é uma garantia expressa pela constituição de 1988 contra o exercício abusivo do poder, é uma regra fundamental para todos os tipos de processos. Um processo devido não é apenas aquele em que se observam exigências formais: devido é o processo que gera decisões jurídicas substancialmente devidas. 2 Art. 5ºLIV CF/88 - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. Artigo 10. DUDH ‘’Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir sobre seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.’’ Atualmente com a promulgação da Constituição Federal de 1988 vivemos a fase neoprocessualista. A Constituição fixou garantias processuais como direitos fundamentais e o novo CPC/15 aproximou o processo e a dignidade humana. 1 A função social do processo civil na perspectiva constitucional do acessso à justiça- Alenilton da Silva Cardoso Pg.3. 2 DIDIER JR., 2017 Já no preâmbulo da nossa Constituição Federal está escrito que o Estado Democrático deve assegurar exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social. Sendo a constituição a norma que está acima de todas as outras em nossa sociedade, nada poderia ser capaz de violá-la. A constituição deixa claro que o Estado Democrático de Direito tem como fundamento a dignidade humana. E nenhuma interpretação se sustenta se vai contra a dignidade. A dignidade da pessoa humana é um valor inseparável da pessoa humana, é um valor fundamental previsto na Constituição Federal que orienta todo o ordenamento jurídico, é o famoso ‘’todo mundo tem direito a ter direitos’’. Ela está ligada a noção de justiça que todos devem ter e a capacidade de se indagar com com a injustiça e o sofrimento alheio. É esse princípio que faz a pessoa merecedora de respeito por parte da sociedade e do Estado e que implica em um conjunto de deveres e direitos a serem seguidos. 3 A dignidade humana é um ato de solidariedade que pressupõe a igualdade. A solidariedade, como bem sintetizado por André Comte-Sponville, “é uma maneira de se defender coletivamente”.4 A dignidade humana independe de postulação, ela decorre da própria condição humana. Segundo Bodin O homem – apenas por sê-lo – não perde a sua dignidade, por mais indigna ou infame que seja a sua conduta.5 O devido processo legal existe para garantir a dignidade humana. ‘’ A dignidade humana, no processo é o (próprio) devido processo legal’’. – Didier Jr. No filme ‘’Aos teus olhos’’ é retratada a história de um professor de natação, Rubens, o qual é bem querido por seus alunos, em sua maioria crianças. Porém ao decorrer do filme um dos alunos de Rubens alega à mãe que seu professor o assediou, beijando sua boca. A mãe de imediato compartilha isso nas suas redes sociais em um grupo de pais de alunos 3 Princípio da Dignidade da pessoa humana. Disponível em: https://gestaodesegurancaprivada.com.br/principio-da-dignidade-da-pessoa-humana/ 4 COMTE-SPONVILLE, André. Apresentação da filosofia, 2002, p. 32. 5 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 2001, p.43. da aula de natação. Se inicia aqui um julgamento social, onde o tribunal é a internet e os juízes são os pais (em sua maioria), que condenam Rubens sem nem ao menos buscar uma prova se quer. Desse modo Rubens apenas não foi condenado judicialmente mas a sociedade já o condenou, independente de ele ser de fato o culpado ou o inocente da história. O filme não dá um veredicto final, cada telespectador fica com sua visão. Diante disso seria Rubens culpado mesmo? Uma vez que nenhuma camêra da escola mostra alguma coisa e que ele sempre foi um professor querido. Ou será que a criança fantasiou isso uma vez que crianças tendem a imaginar coisas e contou para a mãe sem ter noção alguma do que poderia estar causando? Indo ainda mais longe, uma terceira hipótese, e se a mãe tinha algum problema pessoal com o professor e quis inventar isso, imaginando que os demais pais ficariam ao seu lado? Enfim, há uma série de possibilidades, o grande problema no filme foi o julgamento sem o devido processo legal, ainda que não julgado pelo judiciário Rubens foi sim julgado, mas pela sociedade. Ninguém está imune do julgamento da sociedade. O princípio da presunção de inocência é o famoso ‘’ ninguém é culpado até que se prove o contrário’’. Sendo assim niguém deve ser condenado até a sentença condenatória em segunda instância. Esse princípio acaba sendo violado quando a sociedade ou/e a mídia resolver condenar um indivíduo, da mesma forma que a liberdade da imprensa deve ser respeitada assim também deve ocorrer com a presunção de inocência. Afinal se não o juiz, com todas as provas e após ter ouvido ambos os lados, ninguém tem a liberdade de condenar ninguém. Rubens foi condenado assim que a mãe da criança postou nas redes sociais o que seu filho havia lhe contado, no dia seguinte nenhum pai queria que seu filho tivesse aula com o professor. Apenas a diretora da escola é quem se mostra acreditar na inocência do professor. -Art. 5ºLVII-CF/88- ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória Assim também promete a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu artigo 11 inciso 1. ‘’Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.’’ O princípio do contraditório está relacionado à parte poder falar em processo, ela demonstra o aspecto democrático. E princípio da ampla defesa esta se relaciona a todas as provas e aos mecanismos para se defender da acusação. Ambos princípios implicam na isonomia de tratamento e paridade de armas. Rubens quase não teve direito de argumentar sobre as acusações que lhe eram feitas, tal como não teve direito a se defender. Apenas a diretora foi quem realmente parou para ouvir sua versão da história. Art. 5º LV- CF/88- aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; Podemos ainda fazer uma analogia do filme mencionado a cima, com um caso real que ficou famoso na mídia. Em 2016 a pastora Bianca toledo, que na época já contava com um grande número de seguidores nas redes sociais, divulgou na mídia que seu filho de 5 anos havia sido molestado por seu até então marido, Felipe Heiderich também pastor. Bianca relatou isso a seus fiéis seguidores que em sua maioria prontamente acreditaram nela e tomaram tudo o que ela havia dito como verdade, sem buscar nenhuma prova ou sem ouvir o lado de Felipe. Segundo Felipe ‘’ No mesmo dia da denúncia, saiu o mandado de prisão, sem sequer a polícia me ouvir, sem fazerexame, nada.’’ Ele chegou a ficar preso por cerca de sete dias mas foi liberado para responder o processo em liberdade. Recentemente Felipe foi absolvido na justiça por falta de provas. Ainda assim ele relata que o dano causado pela falta da presunção de inocência, da ampla defesa e do contraditório enquanto era julgado pela sociedade e no dia da denúncia, trouxeram a ele grandes danos tais como, transtorno pós traumático, crises de ansiedade e até mesmo um enorme medo de sair na rua e ser apedrejado. O juiz não deve levar em conta uma opinião popular, seja de condenar ou absolver, ele deve tomar uma decisão justa baseada na lei e nas provas apresentadas em julgamento. ‘’ O julgador não deve supor que, por não exercer um mandato popular, lhe falte legitimidade para, no julgamento de um caso concreto, afastar alguma norma infraconstitucional em prol da aplicação de um princípio constitucional, como o da dignidade humana.’’6 6 O PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DA DIGNIDADE HUMANA E SUA CONCRETIZAÇÃO JUDICIAL- André Gustavo Corrêa de Andrade Muitos acreditam que se comprovada a inocência a vida do acusado seguirá normalmente mas muito se enganam. Pois as sequelas causadas pelo episódio muitas vezes podem destruir uma vida inteira. Por isso se faz necessário o devido processo legal, pois na ausência dele injustiças como as identificadas em ambos os casos verificados acontecem, destruindo a vida de um indivíduo que pode ser inocente. Agora a respeito do filme, Marshall igualdade e justiça. Este é um filme que retrata o caso de um homem negro, Joseph, acusado de estuprar uma mulher branca e rica. Marshall é um advogado negro que tem como objetivo pessoal defender pessoas negras que estão sendo injustamente condenadas. Porém há um problema, por Marshall ser advogado em outro estado ele necessita pedir permissão ao juiz do caso, que diz autorizar M. apenas se comunicar com Friedman (o qual será o ‘’advogado’’ titular) e por escrito. O juiz ainda justifica tal generosidade em razão de manter um julgamento justo para ambas as partes e manter o espirito de equidade. Marshall, um advogado negro e experiente é portanto impedido de falar tendo que dar a voz a seu colega, Friedman um advogado branco e sem experiência na àrea. Vale ressaltar que Friedman teve grande importância, ajudando Marshall e Joseph a chegarem em seu objetivo. O processo então vai se desdobrando tendo como veredicto final Joseph inocentado pelo tribunal de jurados. Ainda no filme é retratado, a intensa distinção entre negros e brancos, ocorrida entre as décadas de 60 e 70, motivo esse que fez Marshall ser um defensor das pessoas negras inocentes. É nítido perceber o preconceito do juiz para com Marshall e Joseph, devido a serem homens negros. Um grande exemplo disso é quando ele não permite que o advogado mais experiente em crimes penais seja o advogado titular do caso ou quando faz perguntas impertinentes. Os quadros nas paredes do tribunal retratando a soberania dos brancos também mostram que o julgamento não será justo. As expressões faciais do juiz deixavam evidente seu também preconceito quanto ao acusado, querendo o julgar culpado apenas por isso, deixando a presunção de inocência, a igualdade racial e a imparcialidade de lado. Nossa constituição tal como a declaração dos direitos humanos trata como objetivo fundamental o bem de todos sem que haja distinção entre a raça humana. Art. 3º CF/88 Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Artigo 2. DUDH 1. ‘’Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.’’ Art. 9º Código de ética da magistratura- Ao magistrado, no desempenho de sua atividade, cumpre dispensar às partes igualdade de tratamento, vedada qualquer espécie de injustificada discriminação. Mas é válido mencionar que alguns brancos lutavam contra a desigualdade, o advogado Sam Friedmann e a jurada que leu o veredicto são exemplos que ficam bem evidentes no filme. É essa luta que precisamos lutar, a luta contra o preconceito de raça, gênero, cultura. Pois perante a lei somos todos iguais, não deve haver de forma alguma distinção entre nós. ‘’Artigo 1. DUDH Todas os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.’’ Imparcialidade judicial violada. Segundo o Código de ética da magistratura o magistrado deve ser imparcial com as partes, agir de forma neutra e sem demonstrar favoritismo, algo que também não foi verificado no processo de Joseph. Desde o início do processo o juiz mostra ter proximidade com o advogado da defesa e sua família, violando então mais uma vez o devido processo legal. Art. 8º O magistrado imparcial é aquele que busca nas provas a verdade dos fatos, com objetividade e fundamento, mantendo ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes, e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito. A formalidade no processo é um fator importante, ela existe para regular procedimentos, limitar atitudes e assim conseguir dar mais eficácia ao direito. O problema está no excesso de formalidade, uma vez que nosso ordenamento deve se importar mais com a utilidade. No filme Marshall igualdade e justiça há cenas em que o juiz pede apenas gesticulando as mãos para o advogado se afastar uns poucos passos da testemunha no tribunal, e é perceptível que ele não faz isso pensando no resultado do processo mas sim por um ato de impor poder e formalidade. O excesso da formalidade descaracteriza o fim, e pouca formalidade não traz segurança, é preciso encontrar o equilíbrio. Antes se considerava um bom juiz aquele que conhecia bem a lei, hoje mais do que isso é necessário ter sensibilidade e saber aplicar de fato a lei nos casos concretos. O tecnismo antes era entendido como segurança jurídica hoje produz efeito contrário, ‘’engessa’’ o judiciário. O judiciário não deve ser engessado mas deve se adaptar aos casos concretos.7 CONCLUSÃO Podemos concluir com esse trabalho como é grande a importância do Devido Processo legal, e quando há a falta dele injustiças como as mencionadas no decorrido trabalho são causadas. Ele tem como função regulamentar a fim de manter a paz social e assim fazer com que a sociedade possa viver em harmonia e em igualdade. O processo deve ser visto como forma de garantir as premissas prometidas na constituição, afinal quem busca (em sua maioria) a justiça quer apenas justiça, quer seus direitos garantidos e é isso que deve ser conquistado tendo sempre como base o diálogo. O neoprocessualismo iniciou uma nova era, a era de respeito aos direitos fundamentais que tem como base a dignidade humana. A dignidade humana é o ponto de partida e de chegada para qualquer norma e interpretação, ela não deve ser violada em nenhuma circunstância, pois como já mencionado independente de suas atitudes a pessoa humana merece dignidade, igualdade e liberdade. Portanto, finalizo dizendo que sem o Devido Processo Legal nenhum processo seria verdadeiramente justo, sendo assim quando se viola um só princípio o processo todo cai 7 GOMES, Gustavo Gonçalves. Op. Cit. p.33 por terra, podendo vir a culpar inocentes ou absolver culpados e então a justiça segue não sendo feita. REFERÊNCIAS CIRILO, Jéssica. A influência midiática no comportamento social. : Uma análise do princípio de presunção de inocência na obra cinematográfica aos teus olhos. Disponível em:https://issuu.com/biblioteca.fainor/docs/jessica_cirilo/1?ff. Acesso em: 18 set. 2020. MAZIERI, Luan Bertin. Excesso de Formalismo no Processo Civil. Direito processual civil, fev./2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/36394/excesso-de-formalismo-no-processo-civil. Acesso em: 17 set. 2020. ANDRADE, André. O princípio fundamental da dignidade humana e sua concretização judicial. CARDOSO, Alenilton. Breve retrospecto sobre os fundamentos históricos do processo. CARDOSO, Alenilton. A função social do processo civil na perspectiva constitucional do acesso à justiça. Revista Forense, Rio De Janeiro, V. 426, 2018. MIGALHAS. Imparcialidade do juiz- o que diz a Constituição Federal. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/constituicao-na- escola/306844/a-imparcialidade-do-juiz-o-que-diz-a-constituicao-federal. Acesso em: 18 set. 2020. PLENO NEWS. Pastor Felipe Heiderich tinha medo de ser apedrejado. Disponível em: https://pleno.news/brasil/cidades/pastor-felipe-heiderich-tinha- medo-de-ser-apedrejado.html. Acesso em: 18 set. 2020. CONSTITUIÇÃO FEDERAL 1988 DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS AULAS PROFESSOR ALENILTON CARDOSO
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