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Isabela M dos Anjos – Medicina UFMS TL 1 Nefrologia Introdução à Nefrologia A capacidade de depuração é a função renal primordial, mas não é a única. Os rins possuem importante participação metabólica, endócrina, e no controle do equilíbrio hidroeletrolítico e acidobásico. Aspecto macroscópico do rim: O rim de um adulto tem um diâmetro longitudinal de 11-12 cm e pesa cerca de 150 g. O parênquima renal (tecido renal propriamente dito) é formado por córtex e medula. A membrana de tecido conjuntivo que envolve o contorno externo dos rins é a cápsula renal. Ao redor da cápsula renal tem a gordura perirrenal ou fáscia de Gerota. A região central por onde chegam os vasos e nervos é o hilo renal. A urina formada no parênquima renal é despejada numa complexa rede de cavidades, os cálices renais e a pelve renal. Os cálices renais maiores são formados pela confluência de 3 ou 4 cálices menores. E a pelve renal é formada pela confluência de 2 ou 3 cálices maiores. A camada cortical – CÓRTEX RENAL – contém os glomérulos, sendo responsável pela depuração do sangue dando início à formação do filtrado, precursor da urina. A camada medular – MEDULA RENAL – é formada macroscopicamente por 10-18 estruturas cônicas, as pirâmides de Malpighi. As bases das pirâmides fazem limite com a zona cortical e os vértices fazem saliência nos cálices renais. As saliências são as papilas renais, que possuem nas suas porções mais distais, 10 a 25 aberturas para passagem da urina formada. Cada papila se abre para um cálice menor. Nas regiões laterais, as pirâmides fazem contato com extensões de tecido cortical – colunas de Bertin. O rim pode ser dividido em lobos que são formados por: uma pirâmide de Malpighi e o tecido cortical adjacente. Néfron: unidade funcional dos rins. Estrutura microscópica formada pela associação do corpúsculo de Malpighi (tufo glomerular) + sistema tubular (túbulo contorcido proximal, alça de Henle, túbulo contorcido distal e túbulo coletor). Produção do filtrado glomerular nos corpúsculos de Malpighi Complexo processamento deste filtrado em seu sistema tubular Os rins possuem cerca de 1,6 milhões de néfrons, o que dá aproximadamente 160 mil néfrons por lobo renal. Elementos corticais: Corpúsculo de Malpighi Túbulos contorcidos proximal e distal Parte inicial do túbulo coletor Elementos medulares: Alça de Henle Maior parte dos túbulos coletores Isabela M dos Anjos – Medicina UFMS TL 2 Corpúsculo de Malpighi: tufo glomerular + cápsula de Bowman Artéria renal entra no parênquima pelo hilo renal e se ramifica em direção à periferia (região cortical) recebendo o nome de arteríola aferente. Esta dá origem a uma série de alças capilares que se enovelam para formar uma estrutura arredondada – glomérulo. Essas alças confluem para formar a arteríola eferente que sai do glomérulo. No glomérulo circula sangue arterial, cuja pressão hidrostática está sob controle da arteríola eferente (possui maior quantidade de músculo liso, pode se contrair ou relaxar em função das necessidades do organismo). Quanto mais contraída a arteríola eferente maior a pressão glomerular e consequentemente maior o volume do filtrado. Os glomérulos são envolvidos pela cápsula de Bowman (2 folhetos). Um folheto é aderido às alças glomerulares (visceral) e o outro é ‘inflado’ delimitando externamente o corpúsculo (parietal). Entre os folhetos tem o espaço capsular, que recebe o filtrado glomerular. O folheto parietal é epitélio simples pavimentoso apoiado em uma membrana basal. O folheto interno (visceral) é formado pelos podócitos. Os podócitos são células especiais que emitem prolongamentos que ‘abraçam’ as alças capilares. Prolongamentos primários no sentido radial, prolongamentos secundários que se cruzam e delimitam importantes espaços alongados – fendas de filtração. Membrana Glomérulo-Capilar: plasma é filtrado, originando o fluido tubular (futura urina). Constitui-se do endotélio + membrana basal + fendas de filtração dos podócitos (epitélio visceral). Nos espaços entre as alças capilares glomerulares tem um tecido conjuntivo de sustentação – mesângio, que possui a célula mesangial. Esta também a função de eliminar resíduos aprisionados no processo de filtração. *alças glomerulares = emaranhado de arteríolas que vieram da arteríola aferente. O sistema tubular: é composto pelo túbulo contorcido proximal, alça de Henle, túbulo contorcido distal e túbulo coletor. O filtrado formado nas alças glomerulares, recebido pela cápsula de Bowman, percorrerá o trajeto do sistema tubular, será processado e entregue aos cálices como urina. O aparelho justaglomerular: é composto pela mácula densa e as células justaglomerulares. E possui como função principal a comunicação entre o fluido tubular e a arteríola aferente – feedback tubuloglomerular, importante para a regulação da filtração glomerular. As arteríolas aferentes, antes de se capilarizarem em glomérulos, apresentam uma modificação da camada média onde passam a exibir células especiais – células justaglomerulares. O túbulo contorcido distal em determinado ponto do seu trajeto aproxima-se da arteríola aferente ao nível das células justaglomerulares, neste local a sua parede se modifica formando a mácula densa. Isabela M dos Anjos – Medicina UFMS TL 3 Vascularização renal: cada rim recebe uma artéria, que no hilo renal se divide em diversos ramos. Estes ramos invadem o tecido renal e logo dão origem às artérias interlobares, que seguem entre as pirâmides de Malpighi, percorrendo o espaço entre os lobos renais. Ao atingirem a base das pirâmides, dão origem as arciformes (arqueada), que iniciam um trajeto paralelo à cápsula do órgão. Aí então surgem as interlobulares que percorrem um trajeto perpendicular à cápsula renal e em direção a ela. Após, surgem as arteríolas eferentes que vão formam as alças capilares dos glomérulos e os vasos peritubulares. São as arteríolas eferentes que, em última análise, nutrem o parênquima do córtex renal com sangue arterial. Elas também originam arteríolas secundárias que se projetam para irrigar a medula renal – os vasos retos, mas esta possui uma vascularização escassa, o que torna essa região sensível a pequenas alterações de perfusão. A papila é a estrutura mais distante da origem dos vasos, por isso a mais comum de ter necrose. A gênese da urina: formação do filtrado glomerular nos corpúsculos de Malpighi – filtração glomerular. O filtrado é coletado pela cápsula de Bowman e vai para o sistema tubular. A função renal é proporcional à formação deste filtrado e pode ser quantificada pela Taxa de Filtração Glomerular (TFG). O valor normal é de 80-120 ml/min de filtrado. Os rins processam e elaboram a urina, eliminando a quantidade estritamente necessária de água, eletrólitos e demais substâncias através da reabsorção tubular. Além do balanço filtração-reabsorção tubular existe a secreção tubular. Alguns eletrólitos como o K+, o H+, e algumas substâncias como o ácido úrico, passam diretamente dos capilares peritubulares para o lúmen do túbulo, utilizando carreadores específicos. Aspectos fisiológicos: Nos corpúsculos de Malpighi Um rim sadio dispõe de mecanismos de defesa que mantem a pressão constante nas alças glomerulares – autorregulação da TFG. Bem como possui uma autorregulação do fluxo sanguíneo. As variações de pressão dentro das alças capilaresglomerulares, tanto para mais quanto para menos, são sempre prejudiciais aos rins. Entre pressões arteriais médias de 80 a 200 mmHg, o fluxo sanguíneo se mantém pela adaptação do tônus da arteríola aferente – principal determinante da resistência vascular do rim. Isabela M dos Anjos – Medicina UFMS TL 4 Aumento da PA = vasoconstricção arteriolar. Redução da PA = vasodilatação arteriolar. Se a PA cai a níveis inferiores a 70-80 mmHg, o fluxo sanguíneo renal sofre redução, pois os vasos já atingiram o máximo de dilatação. A vasodilatação (em resposta ao aumento da PA, logo a uma baixa tensão no miócito e relaxamento dos receptores de estiramento) também é controlado pela liberação intrarrenal de vasodilatadores endógenos, como a prostaglandina PGE2, cininas e óxido nítrico. Os 4 mecanismos básicos de controle da TFG: 1) Vasoconstrição da arteríola eferente Esta contém mais células musculares do que a arteríola aferente, logo tem uma propensão maior à contração. Em resposta a liberação local ou sistêmica de angiotensina II, ela contrai em condições de baixo fluxo renal, aumentando a pressão intraglomerular, evitando que a TFG seja reduzida. O baixo fluxo renal estimula as células justaglomerulares a produzirem a renina (hormônio), que transforma o angiotensinogênio em angiotensina I, esta, por ação da ECA (enzima conversora de angiotensina) é convertida em angiotensina II. 2) Vasodilatação da arteríola aferente Os mesmos estímulos que promovem um aumento intrarrenal da angiotensina II (vasoconstrictor potente da arteríola eferente) acabam liberando substâncias vasodilatadoras da arteríola aferente, como a PGE2, as cininas e o óxido nítrico. A dilatação desta arteríola aumenta o fluxo sanguíneo renal e a pressão intraglomerular. 3) Feedback tubuloglomerular Ao comunicar o túbulo contorcido distal com a arteríola aferente é possível ajustar a filtração glomerular de acordo com o fluxo de fluido tubular. O mecanismo depende da reabsorção de cloreto pelas células da mácula densa. Caso haja uma pequena redução inicial da TFG, menos NaCl chegará à macula densa, e, portanto, menos cloreto será reabsorvido neste segmento tubular. Isso faz com que as células justaglomerulares da arteríola aferente promovam uma vasodilatação arteriolar que logo corrige o desvio inicial da TFG. O oposto é real, um aumento na TFG, mais NaCl na mácula densa, mais cloreto reabsorvido, vasoconstrição da arteríola aferente. 4) Retenção Hidrossalina e Natriurese O baixo fluxo renal e a redução da reabsorção de cloreto na mácula densa são importantes estímulos para a secreção de renina pelas células justaglomerulares. Esta é inteiramente responsável pela formação da angiotensina II, que por sua vez estimula a produção e liberação de aldosterona pelas suprarrenais, um hormônio que estimula a retenção de sódio e água pelos túbulos renais. A retenção volêmica contribui para a restauração do fluxo renal e TFG. E as condições de alto fluxo renal (hipervolemia) exercem efeito oposto, desativando o sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA). Na hipervolemia, a desativação do SRAA somado à liberação do peptídeo natriurético atrial (PNA) induz um efeito natriurético, reduzindo a volemia e retornando a TFG para o normal. Nos túbulos contorcidos proximais (TCP) Estes são encarregados de reabsorver a maior parte do fluido tubular, juntamente com seus eletrólitos e substâncias importantes como a glicose e os aminoácidos (65% ou 2/3 do filtrado = 90 ml/dia). Este percentual mantém-se constante pelo chamado Balanço Glomerulotubular (aumenta TFG, aumenta a reabsorção). E pode ser alterado em decorrência da angiotensina II e catecolaminas, que agem aumentando a proporção de sódio e líquido reabsorvidos. O PRINCIPAL ELETRÓLITO REABSORVIDO PELOS TÚBULOS RENAIS É O SÓDIO. O sódio é reabsorvido de forma ativa, dependente da enzima NaK-ATPase, presente na membrana basolateral das células tubulares. Esta enzima mantém o sódio intracelular em baixa concentração, promovendo o gradiente necessário para que o sódio luminal se difunda para a célula. Isabela M dos Anjos – Medicina UFMS TL 5 A reabsorção de Na+ precisa ser acompanhada pela reabsorção de ânions, para manter o equilíbrio eletroquímico no lúmen tubular. Na primeira porção do TCP o principal ânion reabsorvido é o bicarbonato (HCO3-), enquanto na segunda porção é o cloreto (Cl-). A reabsorção de bicarbonato segue uma via indireta, pois a célula tubular não possui um carreador específico. Para penetrar na célula, o bicarbonato luminal precisa ser convertido em CO2 + H2O, utilizando o H+ secretado pelo túbulo em troca de Na+ reabsorvido e a enzima anidrase carbônica luminal. O fármaco acetazolamida (diamox) tem o seu efeito na inibição da anidrase carbônica. Assim a reabsorção de bicarbonato é inibida junto com a reabsorção de sódio no TCP. O resultado é a natriurese e bicarbonatúria (alcalinização da urina). A reabsorção do cloreto se dá através do ânion formato que é oriundo da dissociação do ácido fórmico no interior da célula tubular. Este é secretado para o lúmen em troca da reabsorção do cloreto (trocador formato- cloreto). O cloreto é então retirado da célula pelo cotransportador K+/Cl- na membrana basolateral. O formato reage com íons H+ secretados pelo trocador Na+/H+, gerando ácido fórmico, que se difunde novamente para o interior da célula tubular. A água é reabsorvida por osmose, as moléculas passam pelos espaços intercelulares e levam consigo outros eletrólitos – convecção ou solvente drag. Parte do sódio e do cloreto e praticamente todo o potássio utilizam esse mecanismo. A osmolaridade luminal permanece quase que intacta e semelhante a do plasma (290 mOsm/l). São também reabsorvidos no TCP: glicose, aminoácidos, fosfato, ácido úrico e algumas proteínas pequenas que fazem endocitose. Além dos processos reabsortivos, o TCP responde pela secreção de substâncias. As substâncias ácidas – ácido úrico, penicilinas e cefalosporinas, são secretadas pelo carreador aniônico. As substâncias básicas – creatinina e cimetidina, são secretadas pelo carreador catiônico. *todo ácido se converte em ânion ao liberar o H+ e toda base se converte em cátion quando se liga ao H+. Na Alça de Henle A alça de Henle é responsável pela reabsorção de 25% do sódio filtrado. É fundamental para o controle da osmolaridade urinária. O mecanismo de contracorrente é responsável pela formação e manutenção de um interstício hiperosmolar e um fluido tubular hipoosmolar. A porção descendente da alça de Henle promove o aumento da tonicidade do fluido tubular, por ser permeável à água e não aos solutos. A porção ascendente não é permeável à água, ocorrendo apenas a saída de solutos, que penetram na célula tubular através do carreador Na-K-2Cl, impulsionados pelo gradiente de concentração gerado pela bomba NaK-ATPase. No túbulo contorcido distal É responsável pela reabsorção de 5% do líquido e sódio filtrados. Na membrana luminal das células tubulares existe o carreador Na-Cl, que é passível de inibição pelos diuréticos tiazídicos. Contém a mácula densa e é o principal sítio de regulação da reabsorção tubular de cálcio, sob ação do PTH. No túbulo coletor É a última porção do sistema tubular, sendo responsável pela reabsorção de 5% do líquido e sódio filtrados. A composição entre TCD + TC é o néfron distal, que é encarregado dos ajustes finos de reabsorção e secreção tubular, respondendo à ação de vários hormônios reguladores do equilíbrio hidroeletrolítico. O TC pode ser dividido em porção cortical e porção medular. O primeiro é o segmentoresponsivo à aldosterona (controla a reabsorção distal de sódio e a secreção de potássio e H+). Isabela M dos Anjos – Medicina UFMS TL 6 A reabsorção de sódio dependente de aldosterona é uma reabsorção eletrogênica, ou seja, o sódio é reabsorvido sem nenhum ânion, gerando assim um potencial negativo intraluminal. Com o lúmen mais negativo, os cátions potássio e hidrogênio são atraídos para o fluido tubular, estimulando a sua secreção. A célula tubular que responde a aldosterona chama-se célula principal. E a célula encarregada da secreção de hidrogênio é a célula intercalada. Esta célula possui uma H+-ATPase em sua membrana luminal, capaz de secretar o hidrogênio contra um amplo gradiente de concentração. Esta ATPase é capaz de acidificar a urina até um pH mínimo de 4,5. O TC recebe um fluido hipo-osmolar (em torno de 100 mOsm/l). O interstício que banha a alça de Henle é o mesmo que banha o TC medular. Este interstício vai se tornando mais concentrado à medida que se aproxima da papila renal (1200 mOsm/l). As células do TC respondem à ação do hormônio antidiurético (ADH ou vasopressina), que age aumentando a permeabilidade à água, fazendo a célula tubular expressar mais canais luminais de H20. Assim a água luminal é reabsorvida em direção ao interstício hiperosmolar. Quando o ADH está suprimido, praticamente não há reabsorção de água no TC, mas a de eletrólitos continua, assim o fluido tubular é diluído ainda mais (diluição urinária máxima = 50 mOsm/l). A osmolaridade urinária de uma pessoa normal pode variar de 50 a 200 mOsm/l. Atentar-se à: Doenças renais crônicas costumam apresentar rins com tamanho reduzido. EXCETO: o Doença renal policística o Amiloidose o DM o Anemia falciforme o Nefropatia obstrutiva o Esclerodermia o Nefropatia pelo HIV Presença de papila necrótica ao exame macroscópico limita o diagnóstico a: o DM o Nefropatia obstrutiva o Pielonefrite o Anemia falciforme o Nefropatia analgésica Presença de deformidade calicial – cicatriz fibrótica, quase sempre indica pielonefrite crônica.
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