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Manual do Curso de Licenciatura em EF e Desporto Antropologia do desporto Universidade Católica de Moçambique Centro de Ensino à Distância Antropologia do desporto i Direitos de autor Este manual é propriedade da Universidade Católica de Moçambique, Centro de Ensino à Distância (CED) e contêm reservados todos os direitos. É proibida a duplicação ou reprodução deste manual, no seu todo ou em partes, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (electrónicos, mecânico, gravação, fotocópia ou outros) sem permissão expressa da entidade editora (Universidade Católica de Moçambique-Centro de Ensino à Distância). O não cumprimento desta advertência é passível a processos judiciais. dr.Dominigos Ernesto Dina Colaborador do Curso de Ed. Fisica - CED Docente: Mestre. Bridgette Simone Bruce Univesidade Católica de Moçambique – Centro de Ensino à Distância Universidade Católica de Moçambique Centro de Ensino à Distância 82-5018440 23-311718 82-4382930 Moçambique Fax: E-mail: eddistsofala@teledata.mz Website: www. ucm.mz mailto:eddistsofala@teledata.mz Antropologia do desporto ii Agradecimentos Agradeço a colaboração dos seguintes indivíduos e instituições na elaboração deste manual: Universidade Católica de Moçambique Centro de Ensino à Distância. Pelo meu envolvimento nas equipas do CED como Colaborador, na área de Educação Física e Desporto . À Coordenação do Curso de Educação Física e Desporto . Pela contribuição e enriquecimentos ao conteúdo A coordenadora: Mestre Bridgette Simone Bruce . Pela facilitação, orientação e prontidão durante a concepção do presente manual. Antropologia do desporto iii Visão geral 5 Bem vindo à Antropologia do desporto 4º Ano ............................................................... 5 Quem deveria estudar este módulo ................................................................................... 5 Como está estruturado este módulo .................................................................................. 6 Ícones de actividade .......................................................................................................... 6 Habilidades de estudo ....................................................................................................... 7 Precisa de apoio? .............................................................................................................. 7 Tarefas (avaliação e auto-avaliação) ................................................................................. 7 Avaliação .......................................................................................................................... 8 Unidade nº 1 9 Generalidades .................................................................................................................... 9 Sumário ........................................................................................................................... 15 Exercícios 1 ..................................................................................................................... 15 Unidade nº 2 17 Antropológico (teorias/correntes antropológicos) .......................................................... 17 Sumário ........................................................................................................................... 31 Exercício 2 ...................................................................................................................... 32 Unidade nº 3 34 A Cultura ......................................................................................................................... 34 Sumário ........................................................................................................................... 57 Exercício 3 ...................................................................................................................... 58 Unidade nº 4 61 Cultura material .............................................................................................................. 61 Sumário ........................................................................................................................... 68 Exercício 4 ...................................................................................................................... 68 Unidade nº 5 70 O parentesco ................................................................................................................... 70 Sumário ........................................................................................................................... 87 Exercício 5 ...................................................................................................................... 88 Unidade nº 6 90 Cultura do simbólico, ideologias e o papel da religião tradicional em Africa e em Mocambique ................................................................................................................... 90 Sumário ......................................................................................................................... 102 Exercício 6 .................................................................................................................... 102 Antropologia do desporto 5 Visão geral Bem vindo à Antropologia do desporto 4º Ano Pretendemos que este módulo seja um contributo para que os aprendentes adquiram um conhecimento aprofundado da Antropologia do Desporto. Quando terminares o estudo da Antropologia do Desporto 4º Ano, o formando será capaz de: Objectivos Saber o que é Antropologia Cultural, Conhecer os pressupostos da emergência da Antropologia Cultural Reconhecer o parentesco como um dos fundamentos da organização social entre os homens e, Conhecer as especificidades da Antropologia cultural em relação as outras Ciências Quem deveria estudar este módulo Este Módulo foi concebido para os estudantes do 4º ano do curso de Licenciatura em Educação Física e Desporto. A Cadeira Antropologia do desporto foi introduzida para os Formandos, que, na sua maioria, são já Professores do EP e/ou do ESG. Começa nestas Presenciais, para, segundo o seu propósito, desenvolver uma forma inovadora de estar e ser, conhecer e aplicar a mesma. Nesta cadeira vamos falar de uma forma geral da Antropologia do desporto , as carterísticas e princípios básicos da antropologia do desporto , objecto do estudo, sua importância na área do desporto Antropologia do desporto 6 Como está estruturado este módulo Todos os módulos dos cursos produzidos por CED - UCM encontram- se estruturados da seguinte maneira: Páginas introdutórias Um índice completo. Uma visão geral detalhada do curso / módulo, resumindo os aspectos-chave que você precisa conhecer para completar o estudo. Recomendamos vivamente que leia esta secção com atenção antes de começar o seu estudo. Conteúdo do curso / módulo O curso está estruturado em unidades. Cada unidade incluirá uma introdução, objectivos da unidade, conteúdo da unidade incluindo actividades de aprendizagem, e uma ou mais actividades para auto- avaliação. Outros recursos Para quem esteja interessado em aprender mais, apresentamos uma lista de recursos adicionais para você explorar. Estes recursos podem incluir livros, artigos ou sites na internet. Tarefas de avaliação e/ou Auto-avaliação Tarefas de avaliação para este módulo encontram-se no final de cada unidade. Sempre que necessário, dão-se folhas individuais para desenvolver as tarefas, assim como instruções para completá-las. Estes elementos encontram-se no final do módulo. Comentários e sugestões Esta é a sua oportunidade para nos dar sugestõese fazer comentários sobre a estrutura e o conteúdo do curso / módulo. Os seus comentários serão úteis para nos ajudar a avaliar e melhorar este curso / módulo. Ícones de actividade Ao longo deste manual irá encontrar uma série de ícones nas margens das folhas. Estes ícones servem para identificar diferentes partes do processo de aprendizagem. Podem indicar uma parcela específica de texto, uma nova actividade ou tarefa, uma mudança de actividade, etc. Antropologia do desporto 7 Habilidades de estudo Caro Estudante, antes de mais o ensino à distância requer de ti uma grande responsabilidade, ou seja, é necessário que tenhas interesse em estudar, porque o teu estudo é ‘auto-didáctico’. Entretanto, vezes há em que te acharás possuidor de muito tempo, enquanto, na verdade, é preciso saber gerí-lo de modo que tenhas em tempo útil as fichas informactivas lidas e os exercícios do módulo resolvidos, evitando que os entregues fora de tempo exigido. Precisa de apoio? Há exercícios que o caro estudante não poderá resolver sozinho, neste caso contacte o tutor, via telefone, escreva uma carta participando a situação e se estiver próximo do tutor, contacte-o pessoalmente. Os tutores têm por obrigação, monitorar a sua aprendizagem, dai o estudante terá a oportunidade de interagir objectivamente com o tutor, usando para o efeito os mecanismos apresentados acima. Todos os tutores têm por obrigação facilitar a interação, em caso de problemas específicos ele deve ser o primeiro a ser contactado, numa fase posterior contacte o coordenador do curso e se o problema for de natureza geral, contacte a direcção do CED, pelo número 825018440. As sessões presenciais são um momento em que você caro estudante, tem a oportunidade de interagir com todo o staff do CED, neste período pode apresentar dúvidas, tratar questões administractivas, entre outras. O estudo em grupo, com os colegas é uma forma a ter em conta, busque apoio com os colegas, discutam juntos, apoiem-se mutuamente, reflictam sobre estratégias de superação, mas produza de forma independente o seu próprio saber e desenvolva suas competências. Tarefas (avaliação e auto- avaliação) O estudante deve realizar todas as tarefas (exercícios, actividades e auto-avaliação), contudo nem todas deverão ser entregues, mas é importante que sejam realizadas. As tarefas devem ser entregues antes do período presencial. Para cada tarefa serão estabelecidos prazos de entrega, e o não cumprimento dos prazos de entrega, implica a não classificação do estudante. Antropologia do desporto 8 Os trabalhos devem ser entregues ao CED e os mesmos devem ser dirigidos aos tutores/docentes da cadeira em questão. Podem ser utilizadas diferentes fontes e materiais de pesquisa, contudo os mesmos devem ser devidamente referenciados, respeitando os direitos do autor. O plágio deve ser evitado. A avaliação da cadeira será controlada da seguinte maneira: Avaliação Os exames são realizados no final da cadeira e os trabalhos marcados em cada sessão têm peso de uma avaliação, o que adicionado os dois pode-se determinar a nota final com a qual o estudante conclui a cadeira. A nota de 10 (dez) valores é a nota mínima de conclusão da cadeira. Nesta cadeira o estudante deverá realizar: 3 (três) trabalhos; 2 (dois) testes e 1 (um) exame. Antropologia do desporto 9 Unidade nº 1 Generalidades A disciplina de Antropologia do desporto terás noções fundamentais da mesma que te ajudarão a compreender a natureza da referida disciplina, em relação as outras ciências, isto é, peculiaridade, do seu objecto de estudo, os seus métodos fundamentais e a relação com as outras Ciências. Ao completares esta unidade / lição será capaz de: Objectivos Saber o que é Antropologia Cultural, Conhecer os pressupostos da emergência da Antropologia Cultural Reconhecer o parentesco como um dos fundamentos da organização social entre os homens e, Conhecer as especificidades da Antropologia cultural em relação as outras Ciências Terminologia A terminologia que vai usar nesta unidade é a seguinte: EF - Educação Física Antropologia Representa uma nova e última etapa da síntese e comparação. Ela apoia se nas investigações da Etnologia e da Etnografia. A Antropologia oriunda de um reconhecimento da diversidade das sociedades, dos grupos e das culturas, aspira com a Antropologia ao nível da generalização. Objectivo da Antropologia Cultural e Social: A disciplina visa atingir um conhecimento global do homem. Antropologia do desporto 10 Objecto de estudo: Ela aborda toda a extensão biológica, social, histórica e geográfica do homem, aspirando a um conhecimento aplicável ao conjunto do desenvolvimento humano. Sobre o objecto de estudo, ainda há vários equívocos, o que é típico de uma Ciência social nova. P. Armando Ribeiro (1998,p. 8), ` Ele diz que é a Ciência do homem como ser cultural, entendendo como Cultura o conjunto das tradições. Bernardo Bernardi (1978, p. 19), ´Antropologia é o significado e a estrutura da vida do homem como expressão da sua actividade mental.´ A ciência vem de um período muito recente da evolução do conhecimento humano, remontando ao período moderno Europeu. A Antropologia, só veio a emergir no séc. XIX até princípios do séc. XX, o termo Antropologia servia para designar a Ciência que actualmente se chama Antropologia Física, porém a definição vem mais adiante. Recentemente ela tende a significar o reconhecimento das propriedades gerais da vida social e das diversas sociedades humanas. Para isso, cobre um grande número das ciências que estudam o homem, tais como: Antropologia Política, Psicanalítica, Económica, Aplicada, a Etnografia, a Etnologia, certos aspectos da Linguística, a Arqueologia, Pré- história, etc. Cada um destes ramos tem tarefas específicas mais que concorrem para explicar o homem na sua complexidade. Antropologia Física: Tem por objecto o estudo de certas características biológicas do homem, as questões da raça, da hereditariedade, da nutrição, da diferenciação de sexos, etc. Compreende, entre outras a Anatomia Comparada, fisiologia Comparada e a patologia Comparada. Antropologia Social: Ocupa-se mais particularmente em estabelecer leis gerais da vida em sociedade que sejam válidas tanto nas sociedades tradicionais como nas industrializadas modernas. Procura aprender sobre as sociedades quanto ao seu funcionamento e aos seus actos. Antropologia do desporto 11 Antropologia Cultural: Dedica se a problemas de relativismo cultural (Investigação da originalidade de cada cultura), do estudo das relações que se estabelecem entre os diferentes níveis numa dada sociedade e do fenómeno da transmissão da cultura. Antropologia Cultural apenas aprenderia a sociedade nas suas obras e não nos seus actos e no seu funcionamento. Antropologia Política: Fala sobre os problemas do poder da autoridade, chefia do governo, etc; Assuntos que deram lugar a numerosas especulações filosóficas (Sobre a origem e a natureza do estado, o aparecimento do direito). Antropologia Aplicada: Faz a utilização prática das teorias e dos resultados do inquérito etnográfico, tendo em vista manipular as sociedades com o objectivo, quer de as administrar ( Como é o caso da política colonial, da assimilação, aculturação ´Forçada´), quer de as ajudar a a daptar se a sociedade etnológica moderna(Como é o caso da aculturação ´Planificada´, política de integração), ou o desenvolvimento de uma originalidade cultural(Procura de um sincretismo). Antropologia Psicanalítica: Refere o estudo de sonhos, mitos, contos, na análise de jogos, cerimónias, das práticas mágicas,de certos aspectos da vida quotidiana, das técnicas de educar. Antropologia Económica: Interessa se pelas condições da produção material, as trocas, os direitos sobre os objectos, as formas de utilização dos produtos, englobando os aspectos da ecologia e tecnológica. A Antropologia já definiu o seu objectivo ao procurar atingir um conhecimento global do homem, abarcando as dimensões físicas, culturais, históricas e geográficas. Aspira ainda a um conhecimento aplicável a um conjunto de conhecimentos aplicável ao conjunto de desenvolvimento humano, desde a grande cidade moderna á mais pequena tribo. A Antropologia para desenvolver o seu objecto de estudo, necessita de um apoio de outras Ciências. De facto nenhuma Ciência é capaz de se prover sozinha. É daí que surgem as relações entre Antropologia e as outras Ciências do homem. Assim, a Antropologia tem uma relação privilegiada com a Sociologia, a História, a Economia, a Geografia, a Psicanálise. Antropologia do desporto 12 Antropologia= Discurso sobre a (Ciência) do homem. Sociologia= Discurso sobre a (Ciência) da Sociedade. Antropologia procura a explicação dos fenómenos sociais e culturais na lógica do observador (Ciência do observado), a Sociologia, procura a análise do ponto de vista da própria sociedade á qual pertence o cientista (Ciência do observador). O Antropólogo distancia se da realidade institucional para construir progressivamente a sua problemática analítica á medida que vai descobrindo o princípio de organização da sociedade estudada. O Sociólogo parte de hipóteses já elaboradas e fundadas, geralmente sobre pré- construções analíticas ou instituições, procurando, em seguida, aferí-las por inquéritos no terreno. Contudo, elas cruzam se, quer no uso de métodos, como nos próprios objectos. Por acaso há homens que vivem sem sociedades e há sociedades sem os homens entanto que indivíduos? O historiador distancia se do seu objecto de estudo pelo tempo. Distancia se assim dos valores e categorias da sua própria sociedade para melhor compreender, interpretar o `Passado.´ Pelo seu lado o Antropólogo `acantona´ o discurso de uma comunidade sobre ela mesma para melhor a compreender. O olhar da história e da Antropologia leva a ver o outro como ele se vê, e, através deste olhar, procura ver e compreender essa sociedade global. Como pode observar, há uma convergência, na medida em que as duas disciplinas ocupam se da alteridade, isto é, do outro ponto para que Antropologia consiga obter a dimensão temporal dos acontecimentos, logicamente a história prestar-se-á na primeira linha. Relação entre Antropologia e a Psicanálise Quer Antropologia quer a Psicanálise insistem entre o conteúdo latente, o implícito e o explicito, e na necessidade de ultrapassar o `Sintoma, descodificando–o e dando lhe forma. As duas ciências são marcadas pela alteridade. O Antropólogo tenta reconhecer e analisar o `Pensamento `, do outro para se situar o seu próprio pensamento. O Psicanalista tenta descodificar o Antropologia do desporto 13 discurso do outro em se mesmo`Super Ego`, o outro na sua origem e em relação ao qual se determina. Um método, em ciência, pode ser entendido como o caminho ou estratégias usadas para atingir um determinado objectivo. Todas as Ciências, quer Sociais, Humanas ou Naturais, possuem um método que as caracteriza e as distingue das outras. A Antropologia tem seus métodos privilegiados tais como: O histórico, o Estatístico, o Etnográfico, o Comparativo ou Etnográfico, o Monográfico, o Genealógico, entre outros. O método histórico é usado na pesquisa dos eventos através do tempo, para compreender as diversas transformações ocorridas numa determinada cultura. O método estatístico é empregue para apresentar a variabilidade dos aspectos estudados antropologicamente, tanto biológico, cultural e que possibilitem a aferência da diversidade biológica ou cultural como por ex. a variação das dimensões do corpo ou das regiões. O método Etnográfico é usado na análise descritiva das sociedades humanas, ao passo que o método Etnológico ou comparativo visa aferir as diferenças e as semelhanças apresentadas por um material de referência de diferentes meios culturais ou de diferentes tempos culturais. O método monográfico, ou estudo de caso, é usado para estudar, em profundidade, um determinado grupo humano em todas suas dimensões. O método genealógico é usado fundamentalmente no estudo do parentesco e todas as suas implicações sociais, políticas, culturais, como por ex. o impacto do parentesco no ordenamento territorial, residencial ou político dos membros de um grupo social. A sua principal técnica é a observação participante, pois que é acompanhada por outras técnicas como a entrevista (Dirigida e não dirigida), os formulários e os questionários. Pelo lugar central da observação participante, passa a descrever se com alguma profundidade. Antropologia do desporto 14 A observação participante: Tal como você viu na definição do objecto de estudo, a Antropologia visa conhecer pequenas realidades. A observação participante visa conhecer estas pequenas unidades sociais, pelas quais se tenta elaborar uma síntese mais geral, apreendendo a partir de um certo ponto de vista a totalidade da sociedade. Nas unidades sociais mais pequenas ou comunidades, em geral, as relações sociais, que tem uma certa coerência interna nos aspectos cultural, económico, social, religioso, etc. São directamente observáveis pelo investigador. Você já imaginou, entre procurar uma resposta numa multidão e numa pessoa, onde você teria um interlocutor válido, mais objectivo? É o mesmo que ocorre na pesquisa Antropológica. Dado que é impraticável estudar grandes superfícies para apreender o essencial, o Antropólogo para observar a sociedade global parte destes grupos restritos. Com a observação participante o Antropólogo aprende as unidades sociais restritas simultaneamente de dentro e de fora nas suas especificidades e nos seus elementos comuns em relação a sociedade global. Assim, a observação participante permite extrapolar o global a partir do local. As relações internas postas em evidência são feitas no quadro do sócio- cultural e económica global. Contudo, esta técnica, a observação participante tem especificidade de considerar, pois ela tem um carácter: (1) Interdisciplinar (Na medida em que, Antropologia para explicar seu objecto de estudo procura o apoio de outras ciências sociais e das técnicas das mesmas); (2) Comparativo (Só se estabelecem regularidade, depois de comparadas a realidade estudada com outras realidades conhecidas); (3) Histórico (Que provém do facto na apreensão da realidade social ser necessário cruzar os acontecimentos transversais ou sincrónico e os acontecimentos longitudinais ou diacrónicos); e (4) Holístico (Já que a compreensão do facto social é possível estudando o nas suas variadas dimensões, isto é de forma integral). Antropologia do desporto 15 Sumário A Antropologia constrói se considerando três etapas hierárquicas, começando pela observação, descrição, síntese e generalização. Na essência, tudo deve ser depois interpretado no âmbito do plano geral da humanidade. A Antropologia geral é complexa. Envolve um conjunto de especializações que engloba aspectos de natureza física, eminentemente social, mais também os aspectos que abarcam facetas da vida humana, como a sua intervenção na natureza, as suas relações com o mundo oculto. A interdisciplinaridade resume a relação que a Antropologia tem com outras ciências Sociais e Humanas, dado que ela não pode explicar isoladamente o homem. Essas relações são recíprocas, em virtude de todas as ciências Sociais serem marcadas pelo estudo de outrasrealidades. A Antropologia, tendo como objectivo apreender as especificidades duma cultura, tem como o método fundamental a observação participante. Na elaboração do seu objecto deve considerar a integralidade dos factos sociais (Aplicando o holismo), de que nenhuma ciência é autónoma (A interdisciplinaridade), de toda a manifestação de um facto social tem correspondente em outros grupos sociais (A comparação) e que é necessário atender a temporalidade dos factos sociais (Aplicando se o método histórico). Exercícios 1 1. Se alguém lhe solicitar a caracterização acima em epígrafe da última etapa, que conceito usarias? 2. Com base em outros autores, apresenta um outro ponto de vista sobre o objecto de estudo de Antropologia Cultural e Social. 3. Porquê se houve a necessidade da emergência de muitos ramos da Antropologia. 4. Qual das subdisciplinas Antropológicas devia ser catalizada para estudar: 5. Todas ciências Sociais são Antropológicas. Concorda com a afirmação? Fundamente. Antropologia do desporto 16 6. Porquê o método Antropológico toma como objecto de investigação unidades sociais mais pequenas. 7. Em que reside a peculiaridade do método Antropológico (A observação participante) em relação a observação conduzida nas outras Ciências (Por exemplo como a observação das paisagens). 8. Enumere as características do método Antropológico. Antropologia do desporto 17 Unidade nº 2 Antropológico (teorias/correntes antropológicos) Nesta unidade terá a ocasião de estudar a história da Antropologia sócio-cultural e as teorias da Antropologia, bem como as críticas da Antropologia em África e, em particular, em Moçambique. Terá ainda a ocasião de conhecer conceitos básicos das teorias-correntes da Antropologia, nomeadamente os conceitos de evolução, difusão, função e estrutura. Ao completares esta unidade / lição será capaz de: Objectivos Conhecer as teorias | correntes da Antropologia cultural; Conhecer as teorias/ correntes da Antropologia cultural; Conhecer a história da Antropologia, que começa com a própria cultura da humanidade; Conhecer os conceitos: Evolucionismo, Difusionismo, Funcionalismo e Estruturalismo; Distinguir as teses de cada uma das teorias/ correntes; Explicar as verdadeiras razões históricas do surgimento da Antropologia Cultural; Reflectir sobre os pressupostos da Antropologia expressas no período de formação; Analisar a situação da Antropologia em África e, em particular de Moçambique, durante o domínio colonial. Antropologia do desporto 18 Terminologia A terminologia que vai usar nesta unidade é a seguinte: AP-Antropologia do desporto Neste tema aborda a história da Antropologia, a discussão centra se nas diferentes contribuições dos cientistas sociais de vários países e escolas, o que convencionou chamar se por correntes, para a emergência da Antropologia. Segundo MARTINEZ (2004), o conhecimento dos rumos seguidos nos estudos da Antropologia tem como determinantes, por um lado o critério objectivo, pelo qual se avalia ‘ A consistência das orientações teóricas e a legitimidade metodológica das mesmas’; Por outro lado o critério subjectivo, que permite ‘Avaliar os motivos que levaram determinados autores a enveredar por um determinado caminho e as razões do seu sucesso ou rejeição’ (p. 55) e, finalmente, o critério de utilidade, que procura ‘Discutir a orientação teórica em razão da sua possível aplicação’. A Antropologia sendo como uma ciência recente, ela forma se como tal só no séc. XIX e desde aí, a disciplina passou a conhecer várias orientações conhecendo avanços e recuos. Contudo, por uma questão metodológica e para a identificação das abordagens teóricas, vamos avançar com uma sistematização dos diferentes pensamentos que, enquadrados no tempo, esboçam um itinerário, isto é, a história da Antropologia. Entretanto, será difícil dar um levantamento completo de todas as contribuições, porque elas vieram de todos os cantos e de todos os períodos. Antropologia do desporto 19 A emergência da Antropologia coincide com as primeiras reflexões do homem sobre se e sobre a natureza, o cosmos ou o universo. Uma parte desse conjunto de reflexões chegou aos nossos dia por via de lendas e mitos. É o período que Paul MERCIER, indica como sendo de ‘Antropologia espontânea’ ou o período da pré-história da Antropologia. As contribuições deste período são de diversa natureza e origens: Ícones, arte parietal (Pinturas rupestres), artes móveis (Esculturas), manuscritos dos primeiros povos com escrita (Babilónios, Egípcios, Hindus, Fenícios, entre outros). Segundo MELLO (2005, p.180-185), a contribuição Greco- Romana na formação da Antropologia, foi enorme, com os trabalhos de Heródoto, um dos notáveis viajantes e narrador das terras visitadas; Platão (A cidade ideal); Aristóteles (Concepções teóricas a cerca do estado); Sócrates (Com a crítica a sociedade) (Grécia) e Lucrécio (Que fala do homem primitivo, César, Tácito, Galeno, Marco Aurélio (Roma). Apesar de, como você aprendeu na história, ser considerado como um período de retrocesso, tais contribuições continuaram na idade média com Santo Agostinho (A cidade de Deus), Avicena (Defende a invariabilidade das formas), Averois (Com o evolucionismo) e Bacon (Uso de método experimental). As contribuições circunscreveram se mais na conservação dos escritos, tradução dos sistemas de pensamento de outros povos e na preparação da universidade. Viagens e descrições foram também feitas pelo Árabes Ibn Khaldum (Séc. XIV). No Conjunto destas contribuições, Martinez (2004, p.56), aponta que, com o renascimento Europeu e com as viagens de exploração, houve grandes contactos que deram origens a tratados. Surgiram tratados acerca das afinidades e diferenças entre os homens e seus mundos sociais e culturais. Por ex. MONTAIGNE, um francês publica seus ensaios (1580), que nos transmitem contacto entre os povos onde questionam o etnocentrismo e faz a análise comparativa das sociedades. Ainda segundo Martinez (Id), o tempo moderno, dominado pelo Antropologia do desporto 20 iluminismo ou o culto a razão empresta um antropocentrismo base para o estudo dos factos tipicamente humano. As maiores contribuições ocorrem no séc. XVIII, Com Emmanuel Kant (1724- 1804), que, com o seu pensamento, ‘(…) influenciou os vários ramos da ciência. Ele ensina que o entendimento constrói o seu objecto, pelo que os fenómenos giram em torno da razão’. Você lembra se das ditas viagens de ‘Descobrimento’ europeu aprendidas na história iniciadas no fim do séc. XV e que continuaram a se multiplicar a partir do séc. XVI? As viagens e os contactos que se multiplicaram para todos cantos da terra foram acompanhados pela produção de relatórios que, mais tarde, serviram de documentos essenciais para a produção Antropológica. De facto, os estudiosos começam a dispor de Maios material Antropológico para a sua pesquisa. Ocorrem ainda estudo do corpo humano com Leonardo da Vinci (1452- 1518), no seu aspecto morfológico Dúrer (1514- 1574), nas medidas cranianas; Vessálius, com as lições de autonomia e Lineu com a classificação das raças. No séc. XIX dá se a primeira descoberta do homem fóssil. No seu conjunto, todos esses aspectos deram subsídios para a emergência da Antropologia física, que conhecera a sua fundação no mesmo séc. por Johann Blumembach (MELLO, 2005, p. 198-190). Antes ou depois vieram ainda contribuições das missões científicas mais organizadas e sistematizadas de naturalistas, geográficos, humanistas, que tinham como objectivo principal colher informações e fazer observações. Contam se os exemplos de A. Bering (Nordesteda Ásia); Cook (Oceânia) e as viagens posteriores a organização African Association, pela Grã- Bretanha, (1788), para interior da Àfrica um contributo significativo resultou ainda da sociedade Etnológica de Paris (França), que lançou ‘L`Instuction genérale aux Vovageurs’, espécie de orientação para a recolha de dados. O maior repertório documental existente, o avanço de técnicas induziu a especialização, possibilitando a emergência da Antropologia Cultural, da pré- história e da Arqueologia. Lançava se uma nova disciplina no conhecimento humano. Antropologia do desporto 21 PERÍODO DE CONVERGÊNCIA E DE CONSTRUÇÃO: Mesmo existindo um grande fervor científico durante o séc. XIX e a Antropologia atender para várias interpretações, ela parece ter procurado definir se a volta do paradigma característico da época, o da evolução cujos nomes sonantes do período foram: Charles DARWIN (1809- 1882), Edward TYLOR (1871), Herbet SPENCER, Augusto COMTE, Matthew ARNORD (1879). De facto, a Antropologia não fugiu esse pensamento que dominava entre o segundo quartel e finais do séc. XIX, o qual veio, de certa forma definir a unidade da Antropologia. Por isso, mesmo que alguns autores se tenham recusado no evolucionismo, este constituiu o pensamento dominante da época. Por isso diz se que foi o período da CONVERGÊNCIA. Segundo MARTINEZ (2004), as várias formulações sobre as sociedades e as culturas convergiram para três objectivos comuns: Origem, idade e a mudança. Apareceram no mesmo período revistas de algumas associações científicas, como a revista americana Current Anthropolgy, a britânica Man e a francesa L’Home, bem como sociedades de Antropologia em Gottingen, Cracóvia, Madrid, Nova Iorque, Berlim, Viena e Estocolmo. Segundo Mello (2000), tais sociedades eram científicos humanitárias e os Antropólogos eram considerados ‘Amigos dos povos primitivos’. A teoria evolucionista alcança as suas feições definitivas com o aparecimento da obra de Charles DARWIN sobre a evolução,’A Origem das espécies’. Edward TYLOR veio aplicar essa teoria na Antropologia, dando o arranque da Antropologia moderna, isto é, o arranque da fase da construção da Antropologia. De facto, foi este que lançou a Antropologia Cultural, cujo marco foi a publicação por TYLOR da ‘Cultura primitiva’, em 1871. Lewis MORGAN publica na mesma altura (1877) ‘ A Sociedade Primitiva’, procurando discutir a organização da família pelos diversos estágios de desenvolvimento, isto é, no contesto de evolução (Ibid, p. 193). Antropologia do desporto 22 Apesar de ter existido diversas contribuições como as de: Adolf BASTIAN (1826- 1905), médico viajante e Antropólogo, que rejeitando os particularismos do corpo e alma do romantismo defendeu a unidade do pensamento humano; Jacob BACHOFEN (1815-1887), jurista e Antropólogo Alemão, com trabalhos comparativos sobre a mitologia e o parentesco; Summer MAINE, que via na família patriarcal a base da unidade da organização social; Mc Lennan, que lançou a ideia da noção do paralelismo e tentou interpretar vários costumes primitivos, TYLOR foi o expoente dessas contribuições ao definir o conceito de cultura e a coloca - lá como objecto da Antropologia. Por outro, Lewis MORGAN introduz o esquema da evolução: Selvageria, barbárie e civilização, FRAZER preocupa se com o estudo do fenómeno religioso (Id). EVOLUCIONISMO CULTURAL O Evolucionismo deriva do tempo ‘Evolução’. O Evolucionismo cultural surgiu com a emergência da própria Antropologia Cultural no séc. XIX. Contudo, a ideia da evolução surgiu na antiguidade clássica quando os pensadores se preocuparam com o problema da origem do Homem e do Universo, como no génesis, nos textos das civilizações mesopotâmicas, nos poemas épicos da Índia, entre outras narrações. Pode se confirmar isso a partir da Bíblia. O Evolucionismo estabeleceu se como corrente na segunda metade do séc. XIX, apesar de ter, as suas bases fundadas em dois séc. procedentes concretamente na ideia de progresso das civilizações, expressas por Condorcet e no Iluminismo. O séc. XIX conheceu largas transformações sociais, mais também o progresso ficou demonstrado pela Revolução Industrial, pela explosão do modo de vida urbano, que indicavam a capacidade evolutiva do homem. Como defende Martinez (2004, p. 60), o gérmen das teorias Evolucionistas alcançou o seu auge neste séc. Antropologia do desporto 23 em virtude de haver manifestação de confiança dos estudiosos na capacidade do homem de fazer uma história cada vez mais grandiosa. A teoria Evolucionista apoiar-se-ia no transformismo de Lamark identificado como fundador da teoria da Evolução e nas ideias de Charles DARWIN sistematizadas na ‘A origem das espécies’. Edward TYLOR ao sistematizar o estudo da cultura seria considerado o pai da Antropologia. Em 1971 publica o seu livro Primitive Culture (Cultura Primitiva). Onde propôs outra sequência para o desenvolvimento religioso no Homem: Animismo, que segundo ele teria sido o primeiro estágio; O Feiticismo, o Politeísmo e o Monoteísmo, como a última fase segundo Bernardi (1878, p. 177), com ela estão impregnados aspectos que constituiriam centrais nos estudos Antropológicos, como a integração étnica, estrutura e função, relativismo cultural, o indivíduo e a comunidade. As contribuições de Lewis MORGAN (1875), publicou o livro Ancient Society, este pesquisador ocupou se do estudo da organização social. Segundo Bernardi (Ibid, p. 179) MORGAN fez um estudo científico e sistemático do parentesco como fundamento necessário da organização social e política. James FRAZER é outro clássico deste período. Defendia que todas as sociedades passavam por três estádios: Mágico, religioso e científico. Ele usou largamente o método comparativo dos seus estudos, que se declinavam sobre a magia, o totenismo e a exogamia. Um dos aspectos dominantes dos Evolucionistas foi conceber a sucessão dos estágios de desenvolvimento como característico nos humanos e verem a cultura como aspecto tipicamente de Antropologia do desporto 24 todos os grupos humanos. Segundo eles as mudanças culturais resultavam da dinâmica natural e não dependiam do ambiente e da história. De modo geral, os evolucionistas debruçaram se sobre temas religiosos, familiares, jurídicos e aspectos da cultura material, isto é, o objecto de estudo era diversificado. Tais temas eram vistos segundo uma evolução universal e unilinear. O ‘Exótico’ e os povos ‘Primitivo’ constituíam o centro dos estudos, cuja razão era encontrada nesse processo evolutivo. Na interpretação das instituições sociais, os evolucionistas ‘ (…) acreditavam que, voltando os olhos ao passado teriam subsídios para determinar como a história da cultura humana se comportaria’(MELLO,2005). Os evolucionistas introduziram um tempo cultural como uma nova dimensão cultural. Esta foi a outra característica do evolucionismo. Finalmente, o uso alargado do método comparativo, constituiu uma das características dos evolucionistas. Contudo, o facto de não haver um grande rigor, na aplicação desse método, a falta de crítica das fontes e a ausência de trabalho de campo pesaram muito no enfraquecimento desta corrente. Por outro, as dúvidas repousam sobre os factores da evolução cultural ao indicar aspectos subjectivos de carácter psicobiológico. O DIFUSIONISMO O Difusionismo centra se na difusão e no contacto entre os povos como factor da dinâmica cultural, que é conhecido como fenómeno histórico para explicar a semelhança existente entre as diferentes culturas particulares. É por causa disso que também se chama historicismo (Mello, 2005,). O Difusionismo congrega várias escolasou tendência da Antropologia Cultural: O Difusionismo Inglês, Alemão, ou escola de Viena e escola ou Difusionismo Americano. O Difusionismo, difundido entre Antropologia do desporto 25 1900-1930 está dentro do período da crítica, de que falaremos posteriormente. Diferentemente do Evolucionismo, preocupa se pelo rigor na pesquisa, tendo, por isso desenvolvido um trabalho de campo com a recolha de dados e posterior a elaboração teórica. A observação participante foi privilegiada como uma das técnicas de pesquisa e, ao mesmo tempo, foi incrementado a Linguística. Por isso a Etnografia conheceu uma afirmação com o Difusionismo. Foram também privilegiados estudos das culturas particulares dando maior segurança nas afirmações e um maior conhecimento de fenómenos antes relegados a um segundo plano (Ib, p.224). A Escola Inglesa Surgida na segunda década do séc. XX a Escola Inglesa teve como estudiosos Grafton Elliot SMITH e o seu discípulo, W. J. PERRY, que veio a implantar definitivamente a Escola. SMITH introduziu o fenómeno do paralelismo cultural, daí que o fundamento da escola foi de defender a difusão como principal motor da dinâmica cultural. Foi levada a isso talvez ao verificar quão difícil é a inovação de novos valores culturais. Para esta escola a cultura de todo mundo moderno era basicamente a mesma por conta da difusão (Teoria pan-egípcia), ficou conhecida por seu método científico e por sua especulação fantasiosa. Os pontos fracos desta escola foram: A manipulação de informações inseguras e duvidosas; Falta de rigor cronológico dos acontecimentos e os grandes radicalismos a considerar o Difusionismo como única base da explicação das semelhanças culturais existentes entre diferentes grupos. Antropologia do desporto 26 Difusionismo de Viena (O Difusionismo Alemão) Esta escola teve como precursores GREABNER, um dos seus principais fundadores, RATZEL, FROBBENIUS, W FOY, F. SCHMIDT(2001). É a escola também designada como histórico- cultural. Quanto a metodologia privilegia o uso de informações seguras, tendo sido, por isso uma das contribuições desta escola para a Antropologia. Grabner defendia que na analise da difusão cultural era necessário ter em conta o número e a complexidade, onde ‘(…) quanto maior for o número de semelhanças, maior são as probabilidades de ter sucedido empréstimos’ (Mello, 2005).Tanto estes, como os ingleses, o seu trabalho é basicamente o de gabinete e neste contexto aproximavam se dos evolucionistas. A Escola/ o Difusionismo Americano O principal defensor desta Escola foi Franz Boas. Seguiram lhe, segundo Martinez, Krober, Wissler, P. Radin, Sapir, Benedict e Mead(2004). Tendo como objecto a cultura universal, a principal característica foi de ter optado pelo estudo de áreas culturais muito pequenas, por considerarem a cultura complexa e ser, segundo eles difícil conhece-la completamente. O trabalho de campo foi pouco privilegiado, alias tal como ocorria com as outras escolas. O Funcionalismo O Funcionalismo é uma corrente fundada por Bronislaw Malinowski, a partir de 1914. Esta corrente teve a sua maior influência entre 1930- 1940. Querendo ultrapassar as tendências dominantes na época (Preocupações pela origem e pelos problemas das transformações sócio- culturais), o Funcionalismo tenta explicar o funcionamento de uma cultura num determinado momento. As noções de utilidade (Para que serve?), de Antropologia do desporto 27 causalidade (Qual é a razão?) e de sistemas (Conhecimento da interdependência dos elementos num conjunto coerente), determinaram a emergência desta corrente. Vários foram os representantes da corrente funcionalista: H. Spencer, via a função como a finalidade procurada intencionalmente; E. Durkhei, defendia a função ‘ Como a causa eficiente dos processos sociais de adaptação, de organização e de integração’ (Riviere, 2000). Segundo Durkheim, os factos sociais são regras de comportamento, normas, padrões de valores, expectativa que a sociedade tem dos seus membros. A pessoa se encontra num mundo onde existem certas regras e onde ela sofre se as viola. E essa realidade ocorre no seu meio de residência, não é verdade? A.R. Radcliffe-Brown era de opinião de que a função pode contribuir na contribuição e na noção de um conjunto, mas não predetermina a instituição que a realiza. Interessa se pelos sistemas de relações entre homens e grupos. Uma das principais críticas desta corrente reside no facto de não explicar a génese e as transformações de uma cultura ou organização. Contudo foi Malinowiski em 1985 quem revolucionou a investigação, com o privilegiou o inquérito do campo e a elaboração do método de observação-participante. Ele definiu a cultura como ‘’aparelho instrumental que permite ao homem resolver da melhor maneira os problemas concretos e específicos que deve enfrentar no seu meio, quando tem de satisfazer ás suas necessidades ‘’ (Id). Segundo ele, se a cultura é um mundo artificial criado pelo homem, é também uma extensão do mundo natural, dado que a satisfação das necessidades orgânicas ou básicas do homem resulta das condições impostas a cada cultura. Antropologia do desporto 28 A solução desses problemas cria como um novo ambiente que permanentemente reproduzido, mantido e administrado cria um novo padrão de vida (Martinez, 2004). Como modelo de análise para o trabalho de campo, Malinowski(1985) elegeu a instituição. MA, que para ele era constituída pelos seguintes elementos: Estatuto pessoal, normas, aparelhagem material, actividades, função, os tipos instituicionais, de acordo com Malinowski, eram classificados segundo o princípio de integração, como a família, a aldeia, grupos por sexo, por idades e sociedades secretas, etc. Estruturalismo Embora possa ser integrado na Escola Funcionalista. Alfred R. Radcliffe-Brown, é um dos mentores do Estruturalismo. Ele define estrutura como a disposição ordenada das partes ou elementos que compõem um todo. Num sentido lato, a estrutura associa sistemas, como parentesco, a religião, a política, mas num sentido restrito põe em relevo a rede de relações entre as posições sociais. É o sistema simbólico das relações constantes entre os factos. A análise utilizada pelo Estruturalismo apresenta se como uma análise sincrónica, sem considerar a dialéctica que existe no desenrolar da história. Claude Lévi- Strauss acentua o valor de signo e de símbolo dos elementos singulares e a constância das suas relações mútuas. Por ex. sobre o parentesco, analisa-o como um sistema de comunicação e de trocas entre estatutos e papeis sociais, de acordo com um princípio de reciprocidade, que consiste em se interditar o parente próximo para o trocar por um cônjuge proveniente de outro grupo. Uma estrutura oferece um carácter de sistema. Ela consiste em elementos tais que uma modificação qualquer de um deles acarreta uma modificação de todos outros. Antropologia do desporto 29 Em segundo lugar, todo o modelo pertence a um grupo de transformações, cada uma das quais corresponde a um modelo da mesma família, de modo que o conjunto destas transformações constitui um grupo de modelos. Em terceiro lugar, as propriedades indicadas acima permitem prever de que modo reagirá o modelo, em caso de modificação de um dos seus elementos. Em fim, o modelo deve ser construído de tal modo que o seu funcionamento possa explicar todos os factos observados. Assim, segundo Claude Lévi- Strauss, a estrutura é um tipo de formalização que se adapta a um conteúdo variado. Depois da emergência da Antropologia como ciência, ela viu-se envolvida, quase em simultâneo, em críticas, em torno da sua essência. Por isso, pode dizer-se que a Antropologia conhece a primeira crítica internamente.As diferentes correntes que se sucederam podem ser postas nesse nível de crítica da Antropologia, já que nos primórdios do séc. XX os estudos passaram a apresentar novas direcções, relativamente distantes da teoria evolucionista. De facto, a partir dessa altura passaram a ser criticados os princípios iniciais da Antropologia, foram propostas novas abordagens, condicionando a formulação da Antropologia Cultural. Em consequência o objecto inicial seria formulado e haveria o enriquecimento da Antropologia, por ex. com a integração de estudos psicológicos, linguísticos, com a pesquisa do campo. James Franzer (1854- 1941), avançou com resultados comparativos das sociedades; Alfred Radcliffe-Brown (1881-1955) e Bronislaw Manlinowski (1884-1942) desenvolveram intensos ‘trabalhos de campo’. Este último veio a ser o mais metódico pesquisador de campo, mais Antropologia do desporto 30 privilegiado na Antropologia Moderna. Edward Evans-Pritchard (1902-1973), importante sociólogo, se interessou pelo estudo das dinâmicas sociais, conflitos e mudanças culturais. O sociólogo francês Émille Durkhein (1858-1917), mesmo servindo-se da sociologia, procurou encontrar explicação científica da acção social e política, apresentando a religião como factor integrador fundamental da sociedade. Os seus estudos tiveram um cariz etnológico. Este contributo foi acrescido por Marcel Mauss (1872-1952), seu discípulo, que apesar de ser também sociólogo, formou a primeira geração de antropólogos franceses. Este promoveu o surgimento da Antropologia Contemporânea francesa ao dar maior ênfase a um ‘trabalho de campo’ directo, prolongado e sistemático. Publicou um manual de Etnografia, em 1947. Franz Boas (1858-1942), fundou a tradição antropológica americana, no fim do séc. XIX, defendendo, contrariamente aos evolucionistas, o recurso rigoroso á historia. A geração posterior de Antropólogos, formada entre outros, por Abraham Kardiner, Margareth Mead e Ralph Linton, seguiu a corrente culturalista, que explorou as dimensões inconscientes da civilização ″A personalidade individual em relação as práticas do corpo, a relação corporal de feminidade e a masculinidade e seus papeis sociais, a relação entre culturas″, (Martinez, 2004, p. 59). A partir dos anos 50 do séc. XX, a Antropologia segue uma trajectória complexa sob a influencia de Edward Evans-Pritchard (1902-1973), Claude Lévi-Strauss (1908…), e de autores contemporâneos como Mary DOUGLAS, manifestando um interesse pela história e a mudança, conflitos das dinâmicas sociais. Nas gerações dos anos 70-80, do séc. XX dá-se também um interesse pelas representações e crenças, pela ideologia e as relações de produção, pela organização social e o parentesco, Antropologia do desporto 31 pelos mitos e os sistemas de pensamento e pelo simbolismo (Id.). A Antropologia passou a estudar não só o exótico, o primitivo, mas também aspectos culturais do mundo ocidental. Assim a área de estudo passou a constituir não o ‘Outro’ geográfico ou histórico, para ser o ‘outro’ em relação ao pesquisador. Mas essa critica terá surgido de fora da Antropologia, quando, como aponta Mello, (2005, p.195) os povos que antes eram apenas objecto de estudo dos europeus e norte –americanos, como os africanos, os asiáticos e os latino-americanos, começaram a cultivar também estudos antropológicos. Actualmente ocorre a reinterpretação ou reavaliação da Antropologia Cultural, segundo perspectivas elaboradas internamente e não pela alteridade do europeu. Esperam se ainda estudos sistemáticos tipicamente novos, como o estudo da cultura popular, o folclore, da globalização, da vida urbana, etc. Dessa forma, a Antropologia libertou-se do servilismo colonial. Sumário Para a emergência da Antropologia jogou papel importante as contribuições de vários povos, períodos e individualidades, contudo, apesar de existirem subsídios importantes para o seu estabelecimento como ciência, a disciplina veio a conhecer a cientificidade, só no séc. XIX, mercê dos grandes contactos á escala planetária dos três séculos imediatamente precedentes e da insaciável busca dos conhecimentos das outras realidades geográficas, históricas, culturais então imprimida durante o período moderno europeu. Com a formação da Antropologia, apesar de terem existido várias tendências nos estudos Antropológicos, o pensamento Antropologia do desporto 32 mais comum regia se pelo evolucionismo que então era dominante na época. Contudo, foi no interior dessa tendência que se afirmou (Construiu-se) a Antropologia Cultural, com Edward Tylor. Após a emergência da Antropologia como ciência desenvolveram se diversas correntes que, de certa forma, espelharam as várias concepções do que devia estudar esse ramo de conhecimento humano. Assim, seguiram se várias posições como a dos Evolucionistas, dos Difusionistas, dos Funcionalistas e dos Estruturalistas. Apesar das divergências nos procedimentos centraram se no estudo do Homem como um ser cultural. Desde da emergência da Antropologia que ela passou a confrontar-se com várias críticas quanto a sua orientação. Tais críticas ajudaram na reformulação da Antropologia Cultural, a qual passou a ser uma disciplina não só de povos exóticos, mas também de todos os grupos populacionais. Face a essa crítica, a Antropologia estabeleceu-se como uma ciência de facto. Exercício 2 1. A formação da Antropologia resultou de vários contributos em diferentes períodos históricos. Identifique os diferentes períodos e os representantes de cada um deles. 2. Que pressupostos existiam já no séc. XIX para a emergência da Antropologia. 3. Porquê é que foi a Antropologia física aquela que se notabilizou em primeiro. 4. Porquê o séc. XIX é chamado Período de Convergência. 5. Qual é a natureza dos estudos Antropológicos dominantes a partir do segundo quartil do séc. XIX. 6. Em que consistia o período de construção da Antropologia Cultural. Antropologia do desporto 33 7. Sobre as teorias Antropológicas quanto a sua orientação, em que se fundamenta cada uma das teorias expostas. 8. Procure encontrar, em cada uma das teorias, o conceito fundamental e a significação nas teorias elaboradas a cerca da cultura humana. 9. Em que contribuíram as críticas feitas a Antropologia. 10. Depois deste estudo é capaz de indicar alguns estudos antropológicos em Moçambique em particular do período colonial? Antropologia do desporto 34 Unidade nº 3 A Cultura Nesta unidade você vai aprender aspectos relacionados com a Cultura Humana, tocando um dos conceitos largamente usados e, frequentemente, de forma distorcida, aliás esta unidade é de capital importância em virtude de ser aqui onde pode ser entendida toda a natureza do ser Humano. Ao completares esta unidade / lição será capaz de: Objectivos Conhecer o conceito de cultura Identificar os elementos de cultura Reconhecer o nível de cultura Conhecer a natureza da cultura; .Conhecer o conceito antropológico de Cultura; Distinguir as diferentes características de Cultura; Explicar a unidade e a diversidade da Cultura; Conhecer os factores sincrónicos e diacrónicos da Cultura; Saber identificar os aspectos que derivam o uso inadequado dos conceitos ligados á diversidade cultural Terminologia A terminologia que vai usar nesta unidade é a seguinte: AD-Antropologia do desporto Antropologia do desporto 35 O termo Cultura tem múltiplas aplicações e foi usado em diferentes épocas e sentidos, tal como ocorre na fase actual. É usado em várias ciências, desde das físicas às sociais. Mesmo Antropologia. O seuuso conheceu vários significados nas diferentes escolas ou correntes. Contudo, o termo tem a sua origem do Grego para significar cultivar. O termo Cultura teve sua definição antropológica clássica com Edward Tylor. Segundo este, a Cultura é ‘Complexo unitário que incluiu o conhecimento as crenças, a arte, a moral, as leis e todas as outras capacidades hábitos adquiridos pelo homem como membro da sociedade’ (Bernardi, 1978). Há ainda quem entende cultura como ‘Uma estrutura de significados, transmitido historicamente, encarnado simbolicamente, para comunicar desenvolver o conhecimento humano e as atitudes para com a vida, uma lógica informal na vida real e do sentido comum de uma sociedade, que funciona também como controlo’ (Martinez, 2004). Várias definições existem que não seriam esgotadas neste módulo. Traremos ainda, mais do que uma definição uma caracterização da própria cultura, dada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO). Segundo esta organização a cultura é ‘ Um conjunto de traços distintivos, espirituais e materiais, intelectuais e afectivos, que caracterizam uma sociedade ou um grupo social. Ela abrange além da arte e das letras os modos de vida, os direitos fundamentais do ser humano, e sistemas de valores, as tradições e as crenças. A cultura dá ao homem a capacidade de reflexão sobre se mesmo. A cultura faz de nós seres especificamente humano, crítico e eticamente comprometido. Através da cultura discernimos os valores e fazemos opções por meio dela a pessoa se expressa, toma consciência de se, se reconhece como projecto inacabado, põe em questão as suas realizações, procura descobrir novos significados e cria obras que o transcendem’ (Ibid, p.24). Antropologia do desporto 36 Como pode ver, os três conceitos põem em relevo: O carácter humano da cultura, o facto de ela ser transmitida e adquirida de forma histórica pelo homem enquanto membros de um grupo social; Ter um carácter simbólico, característico de cada grupo humano; Ser um sistema completo; Que evolui etc. Assim, no seu sentido Antropológico, a cultura insere vários aspectos. Importa saber que a Cultura é um produto de actividade mental do Homem, está diferente da actividade animal pela sua codificação dentro de um grupo social. A sua transmissão é feita segundo regras pré-estabelecidas, de geração em geração, por um processo de socialização com agentes e instituições bem identificados. Tal como falou se da definição da própria cultura, esta envolve vários elementos tais como atitude, valores, conhecimentos, costumes. Contudo, é necessário dizer que a Cultura é uma totalidade e não um aspecto particular ou parcial da actividade mental ou de uma manifestação humana. Você não pode identificar, por ex. a simples forma de comer, como um padrão cultural, dado que esta é uma expressão cultural, integra num vasto complexo. Por detrás da forma de comer há outros significados ou a maneira como você e a sua comunidade pensam sobre a infância ou em relação ao papel e ao lugar da mulher, não é a mesma que as outras sociedades. O mesmo acontece com as crenças e todos os outros componentes culturais, tais como: Símbolos; Ideologia; Atitudes; Uso de um determinado complexo cultural. Todos estes elementos de cultura são aprendidos normativamente. A Cultura tem valores-chave ou essenciais, organizados num sistema. A conduta humana governa-se por padrões culturais, isto é, é a cultura que orienta a vida das pessoas. Quando na sua comunidade diz se que não falta isto ou aquilo porque as pessoas não admitem, é prova dessa orientação das pessoas pela cultura. Antropologia do desporto 37 Contudo, é necessário enfatizar que o comportamento individual apesar de estar sujeito a regras culturais, nem sempre segue o ditado ou as regras. Ai surge o que podemos chamar de: Níveis ideais de cultura (O que os indivíduos deveriam fazer ou o que dizem estar a fazer) e nível real da cultura (O que fazem realmente no seu comportamento observável). Mas nem por isso o nível ideal deixa de pertencer a realidade. Com esta realidade, a cultura mesmo na condição de normalizadora, pode ser a base de emergência de um conflito. De facto, sempre que as pessoas se sentem insatisfeitas sobre uma determinada conduta, elas violam-na. (Ex. Quando alguém ultrapassa a limitação de velocidade num determinado local). E esses atropelos existem na sua comunidade não é verdade? Ainda a cultura poder ser subjectiva, ao expressar o conjunto de valores, conhecimento e experiencias presentes nos indivíduos como membros de uma sociedade, isto é, quando ela é interpretada de forma individual e objectiva, quando o conjunto dos valores e significados é exteriorizado formando o património cultural de um povo. A Cultura apresenta várias características. Se por um lado há um mundo visível, palpável, constituído por artefactos, fazendo parte da cultura e do carácter material, por outro existe o invisível, expresso de forma simbólica. Assim, a outra natureza Assim, a outra natureza é o seu carácter simbólico. De facto, a acção humana está geralmente carregada de símbolos que reflectem acções, objectos, espaços, instituições, isto é, tudo o que está ligado ao homem. Um simples gesto pode significar algo, mas um mesmo gesto pode variar de um complexo cultural para o outro. Daí a necessidade de nem sempre ser tangível este mundo, precisando, por isso, de uma aprendizagem. O próprio símbolo, uma vez integrado num padrão cultural acaba desempenhando a função comunicativa entre os membros de um determinado grupo. Antropologia do desporto 38 Você já fez algo que não seja praticado por um outro ser humano? Ao reflectir vai notar que não há nada que você faça que não seja praticado por um ser humano ou pelo grupo social onde você se integra. É por causa disso que se diz que a Cultura é social, na medida em que ela se forma, se partilha e se transmite no interior de um grupo social e nunca em indivíduos em separado. Uma norma de comportamento só pode ser concebida como tal se envolver um grupo social determinado e localizável no espaço. É por causa disso que os processos de transmissão são também sociais, seja qual for a sociedade. Se olhar atentamente vai notar ainda que as práticas sociais e culturais são algo que duram no tempo. Nada é passageiro mesmo que varia a forma da sua manifestação. É por causa disso que se diz que a Cultura é estável. Mas também ela é dinâmica. A primeira vista parece haver uma contradição entre a estabilidade e o dinamismo. Mas eles estão intrinsecamente ligados. Normalmente cada grupo social procura preservar os valores que o tornam autêntico e diferente dos outros. Essa procura da demarcação espaço cultural leva, de certa maneira a uma estabilidade das normas que regem um determinado grupo. Hoje tem-se em Conte que este pressuposto, não pode ser visto como um bloqueio aos comportamentos de outras culturas dado que isso só podia significar, de certa maneira a exclusão cultural dos outros grupos e falta de uma comunicação intelectual. A Cultura é dinâmica, na medida em que está em constante transformação sempre que existir uma causa para o efeito. Essa dinâmica pode ser encontrada num interior de um grupo de pessoas ou no seu conjunto. Por ex. uma classe de idades ou uma faixa etária, segundo as sociedades tem um certo conjunto de normas, que vão sendo complementados a medida em que esse grupo passa para estágio superior mas com a própria dinâmica temporal, fruto da evolução material de uma sociedade ou da acção directa dos membros, de contactos com outros grupos, certos elementos que antes eram considerados integrantes podem ser excluídos. Ela transforma-se consciente ou inconscientemente. Antropologia do desporto 39 A culturaé também selectiva na medida em que integra os valores, códigos, sistemas que um determinado grupo acha pertinente. Assim, há uma avaliação inicial dos novos elementos que culminam com a aceitação ou rejeição dos mesmos numa cultura determinada. Essa selecção pode ocorrer ainda na sucessão das gerações. Muitas vezes, as novas gerações tem considerado algumas normas das gerações procedentes como ‘Fora da moda’. Contudo, quando os factores exógenos são fortes, persistentes ou põem em causa a sobrevivência de um grupo, pode ocorrer que haja uma integração de certos elementos novos sem a respectiva selecção. É isso que ocorre entre os países do ‘Terceiro mundo’ em relação aos das técnicas muito avançadas. A Cultura é universal, regional e local. É universal na medida em todo o ser humano é um ser cultural. Não há um homem que não tenha cultura. Os Universais Culturais, que você verá mais adiante, são o sinónimo dessa universalidade da Cultura, mesmo se saiba que a maneira de expressa-los é muitas vezes diferente. Essa diferença surge na resposta que cada grupo dá localmente a um certo impulso. Mas por outro, pode ser que haja certas práticas especificas de determinados locais, circunscritas em função todas as condições existentes ou criadas localmente. Nesse âmbito estar-se-á na presença de manifestações particulares da Cultura. Estamos a falar da manifestação regional ou local da Cultura. A Cultura é determinante e determinada: Se por um lado a Cultura é fruto da actividade mental do Homem, este acaba sendo o produto da Cultura. O Homem depois de nascer é circunscrito a um ambiente cultural regendo se por comportamentos e norma pré-estabelecidas. Contudo, isso não significa que este homem não tem algum papel na modificação desse mesmo ambiente na medida em que ele é um agente activo no interior do seu meio cultural, através de vários processos: Económico, politico, sociais, etc. Antropologia do desporto 40 Se concebermos o Homem como uma ciência distinta das demais espécies do reino animal, a sua particularidade será: O facto de ter se desligado de forma considerável da natureza, conseguir padronizar as aquisições materiais e transmiti-las num determinado contexto. Este aspecto é comum a todo o ser humano. Você pode observar ainda que, em todas as sociedades humanas, há estruturas mentais comuns a todos os indivíduos, estruturas organizacionais fundamentais comuns a todas as sociedades e a todas as culturas, mas ao mesmo tempo existem uma variedade de culturas e de sociedades. Assim, essa realidade leva-nos a dizer que todos os grupos humanos têm cultura, do mais pequeno ao mais complexo grupo que se começa. Você já viu que por onde anda todo o grupo humano tem alguns pontos tais como: - Uma linguagem padronizada, usada como veiculo de transmissão do que é legado pelos grupos predecessores; - Viver em grupos sociais definidos segundo determinadas regras como, por exemplo a família, mesmo que não implique e a organização familiar seja igual em todos os grupos sociai; - A prática de exogâmia e o tabu do incesto, ou melhor a proibição de casamento e da prática de relações sexuais entre parentes próximos; - O matrimónio, entendido como relação social estável duradoura, entre pessoas; - A divisão social do trabalho. Neste caso, poderíamos dizer que a Cultura é universal, porque seja para a sociedade fossem aplicados estes termos, iríamos encontrar a sua aplicabilidade estes traços culturais que existem em todas ou em quase todas as sociedades denominam se universais culturais. Os universais culturais têm a particularidade de distinguirem os seres humanos das outras espécies animais, isto é, são tipicamente manifestas pelo Homem. Contudo, se num sentido geral a Cultura é universal ao Homem, no seu sentido mais restrito ela descreve um Antropologia do desporto 41 conjunto de diferenças de um grupo humano específico em relação aos outros. De facto a Cultura ao ser partilhada pelas pessoas é feita em função dos membros de um grupo que vivem num determinado meio. A Cultura converte se, assim, num sinal de identidade grupal. Por ex. as mesmas práticas anteriormente indicadas como universais Culturais ao serem analisadas em função das diferentes áreas culturais tem manifestações díspares. Nesse caso falaríamos de diversidade cultural. A diversidade Cultural apareceu a partir do momento em que cada grupo social se adequa a um ambiente específico teve uma história particular ou conheceu um certo desenvolvimento diferente em relação aos outros grupos apresentados ou não. Você imagine, por ex. os grupos Bantu que migraram para a África Austral, se nos primórdios todos os Bantus eram caracterizados pela prática da actividade agrícola, as diversas migrações posteriores para os diferentes meios ecológicos levaram a uma certa diferenciação entre eles. Hoje individualizaram-se ao ponto de identificarem-se como diferentes uns dos outros. É nesta identificação de um grupo em relação aos outros, que emergem certos fenómenos ligados a diversidade cultural, como, por ex. o Etnocentrismo Cultural. O Etnocentrismo Cultural é a tendência para aplicar os próprios valores culturais no julgamento do comportamento e das crenças de pessoas de outras culturas. Quando um grupo cultural ‟X” diz que os membros da etnia ‟Y” alimentam se mal, Só pelo facto destes últimos comerem um alimento que não é característico desta zona do primeiro grupo, está-se em presença de um etnocentrismo cultural. Etnocentricamente, os indivíduos pensam que os seus costumes são os únicos e são correctos, apropriados e morais. As pessoas pensam que as suas normas representam a forma ‘Natural’ de comportamento, daí que os outros são julgados como negativos. As visões etnocêntricas entendem o comportamento diferente como estranho e ‘ Estranho’, mas também como inferior. O etnocentrismo é uma visão de acordo com a qual o próprio grupo é o centro de tudo: Todos os outros se medem por referência a ele. Cada grupo se alimenta o seu próprio orgulho e a sua própria vaidade, proclama a sua superioridade, exalta as suas próprias divindades e olha com desprezo para com os outros. O Antropologia do desporto 42 Etnocentrismo pode manifestar se em diferentes níveis: Aldeia, tribo, minoria étnica, área cultural. Com o Etnocentrismo surgiu o termo da alteridade, isto é, o outro, considerado como estranho a um determinado grupo de referência. Os sistemas coloniais usaram esta alteridade em função de dois pressupostos: Geográfico e Histórico. Desta forma, a noção de Cultura foi usada política e etnocentricamente para separar grupos humanos. De facto, foi com a colonização que surgiram os termos Grupos Étnicos ou Etnicidade. Um Grupo Étnico é definido por semelhanças entre os seus membros (Crenças, valores, hábitos, normas, substratos históricos comuns, etc.) e por diferenças em relação aos outros (Língua, religião, historia, Geografia, território, etc). Todos estes aspectos são referentes simbólicos que estão mais na mente das pessoas que na realidade objectiva. Pode existir sem ter um nível de consciência de identidade étnica. Desde a origem do Homem, as diferenças foram sempre demarcadas. Na fase primitiva podiam ser identificados os grupos humanos das savanas e das florestas densas. A história deixou exemplos concretos de delimitação de grupos sociais. Por exemplo, na Grécia antiga o ‘Éthnos’ era um conceito que definiu um grupo de pessoas diferentes do povo grego. Nesse caso o ‘Éthnos’ representava o ‘outro’, o ‘Estrangeiro’ ou o ‘Étnico’. Face ao ‘Éthnos’, existia o génos que queria dizer nós. Quando estes elementos que identificam são frequentemente usados, formam-se como estereótipos. Os estereótipos surgem para aprender a realidade organizando-a em categorias: Negros,brancos, os macuas, os mulatos e os Machel. Surgem da categoria social, como um processo de simplificação e sistematização da informação. Por acaso, nunca lhe ocorreu simplificar algo para uma fácil memorização? Os estereótipos também surgem por comparação social. Os estereótipos exageram as diferenças entre categorias, comparam e organizam a Antropologia do desporto 43 informação. Inventam-se diferenças para criar processos de identificação. Os estereótipos, podem surgir ainda por atribuição de características e determinadas categorias, gerando expectativas e condutas. Estes estereótipos são estruturas cognitivas partilhadas debaixo das quais estão sistemas de valores transmitidos pelos agentes da socialização (Família, escola, órgãos de comunicação social: Por ex. é noticia nos canais televisivos extra-africano, a fome, a seca, a nudez, as guerras em África). Estes estereótipos funcionam por meio de um favoritismo endogrupal. Geralmente valorizamos de modo positio o nosso grupo e desfavorecemos os outros. Acentua-se as diferenças intergrupais e reforçam-se as diferenças face aos pensados como ‘Outros’, por meio da homogeneidade interna exagerada, na procura de uma coesão interna. Com os estereótipos homogeneíam-se o outro grupo, separando os seus membros. Ex. Já ouviu falar por exemplo que ‘Todos os negros são iguais!’ Que o grupo ‟X” é avarento. Mas quantas vezes essa informação não refere a verdade! Neste caso, pode permitir rivalidade ou concorrências. Os estereótipos surgem na relação entre diferentes grupos, cuja finalidade é de inferiorizar os outros com aspectos negativos. Quando tal processo ocorre ao nível de um grupo étnico, estamos em presença de um Etnocentrismo. O Etnocentrismo é concebido como sendo o uso da própria cultura como base de aplicações ou de descrição da cultura de outros grupos étnicos ou povos. Há termos relacionados com um etnocentrismo e que são estudados pela Antropologia, tais como: Etnicidade, Etnogênese e tolerância étnica. Antropologia do desporto 44 A Etnicidade tem como base um sentimento colectivo de identidade. Implica identificar-se, afirmar-se como grupo étnico, sentir-se parte dele. Serve como elemento de inclusão e de exclusão. A Etnogênese é o processo de afirmação, revitalização e auto- consciência da identidade étnica de um grupo humano, numa situação de confronto das diferenças sócio-culturais para com outros grupos. A África oferece exemplos concretos de práticas etnocêntrica extremas, como o genocídio que resultou num confronto entre os Hutu e os Thusi. Contudo a mesma África oferece múltiplos exemplos de convivências entre diferentes grupos étnicos, já que, geralmente, muitos países têm mais do que uma etnia, resultante da formação histórica desses países. Nesse caso tem-se a tolerância étnica, um processo que se manifesta num reconhecimento das diferenças culturais mas convivendo num mesmo espaço. Contudo, a Antropologia, do ponto de vista humanístico deve servir para melhorar a convivência e construir uma sociedade democrática e justa. Neste uso positivo das diferenças culturais estaríamos a falar do relativismo cultural. O Relativismo Cultural afirma que uma cultura deve ser estudada e compreendida em termo dos seus próprios significados e valores e que nenhuma crença ou prática cultural pode ser entendida separada do seu sistema ou contexto cultural. O comportamento, numa cultura particular, não pode ser julgado com os padrões de outras culturas. O Relativismo cultural é tanto uma teoria Antropológica como uma atitude e uma prática Antropológica, uma forma de lidar com os outros, respeitando a diversidade. Assim, nenhuma cultura ou grupo social é mais importante que os outros. A linguagem Antropológica é baseada num multicultural, isto é, num reconhecimento da existência de diversas culturas, cada uma é importante dentro no seu território. É o Relativismo Cultural entretanto, nessa perspectiva do Relativismo Cultural ético, há e deve haver limites válidos para toda a humanidade que não se tolera Antropologia do desporto 45 aspectos imundo, (ex. Mutilação dos clítoris, frequente na África Sahariana). Existem, por isso, uma referência moral e valores internacionais e humano de justiça e moralidade que nos fazem mais Humano. Mais também o Relativismo Cultural mais extremos é que valem a eliminação de toda a regulamentação de comportamentos Humano e pode cair no risco de justificar e/ ou permitir a violência. É por causa disso que existem por ex. documentos normativos como ‘A carta dos Direitos Humanos’. Neste caso, poderíamos afirmar como fundamento Antropológico da cultura: O carácter local de toda a cultura, isto é, aplicada a uma certa realidade social. A equivalência de todas as culturas sendo que nenhum ser humano é mais cultural que o outro. Assim, tudo o que é Etnocêntrista, Eliteísta, o Ocidentalismo, acaba sendo banal. A cultura diz respeito a todas as manifestações humanas. A descoberta e a invenção A Humanidade vive de descobertas e invenções. Essas descobertas e invenções acumuladas vão fazendo parte de um repertório cultural de determinados grupos sócias, ou de toda a humanidade, em função de sua absorção nos diversos quadrantes do Mundo. Todos os novos elementos descobertos ou inventados podem condicionar o inicio de um processo que pode culminar numa mudança cultural. Ao se constituírem como novidade no grupo em que tais processos ocorrem, eles podem, por um lado, ser incorporados num procedimento já existente, melhorando o anterior estágio ou então condicionar o abandono de anteriores práticas. Quer em vários sentidos, há uma mudança de uma prática. Esse processo surge a partir do momento em Antropologia do desporto 46 que as práticas individuais são socializadas pela comunidade onde ocorrem as mudanças. Ao lado da descoberta e da invenção, considerados factores locais, existe a difusão, que também participa no processo da dinâmica cultural. Não há cultura que não tome por empréstimo elementos de outras culturas. Não existe alguma cultura que seja constituída só por elementos originários. A difusão contribui para o diálogo inter- cultural, estimulando o alargamento dos universais culturais e, também enriquecendo as culturas locais. A transmissão de um elemento cultural de um ponto para o outro pode condicionar, ao mesmo tempo, reformulações, na medida em que esse processo nem sempre é pacífico. Jogam nesta influência os contactos entre as sociedades. Mas nem todos os processos culturais, como por ex. os elementos religiosos, são de fácil difusão. A Enculturação É o processo educativo pelo qual os membros duma cultura se tornam conscientes e comparticipantes da própria cultura (Bernardi, 1978). Ela pressupõe a transmissão da cultura já estabelecida. Ocorre de maneira formal, quando transmitida em instituições e modos rigidamente estabelecidos e, de maneira informal, na vida quotidiana, com a família, grupos de amigos, clubes etc. Entretanto, esses dois processos não estão dissociados, dado que a família esta enquadrada num complexo sócio-cultural e os pais foram educados nas instituições formais de um determinado grupo social. Você pode aperceber-se de que ninguém ensina nada em casa que não seja prática social local. A iniciação instrutiva, como por ex. os ritos de puberdade, faz parte da Enculturção. A adesão implica um certo conformismo às regras existentes, más as vezes, o processo de transmissão pode ser seguido por uma recusa dessas práticas por parte do membro que a recebe. De facto nesse processo enculturacional, a recepção dos valores não é aceite de forma passiva, dado que a individualidade ou a capacidade de interpretação autónoma do que é recebido tem o seu lugar. Antropologiado desporto 47 A Enculturação tem fins normativos: As normas sociais (Leis, tradições, usos e costumes), função de controlo social e carácter institucional numa determinada área cultural. Aculturação É um processo que resulta das relações existentes entre várias culturas e aos efeitos que derivam dessas relações. A Aculturação é uma transformação cultural em curso, dos etnemas de um determinado grupo sob a influência de um outro. Quando os contactos entre dois grupos ocorrem entre povos que partilham a mesma fronteira resulta uma osmose cultural, com o entrelaçamento de certos etnemas das duas áreas culturais marginais. Quando essa penetração for maior tem se o caso de fusão cultural, isto é, quando duas ou mais culturas estão inseridas e são comungadas numa área cultural de forma harmoniosa. O sincretismo religioso prático em Moçambique, é um exemplo prático, por ex. você tem notado que certas pessoas apesar de praticarem uma religião introduzida por povos exógenos, continuam a venerar os seus defuntos? A introdução de rituais locais na religião importada é, também uma forma de sincretismo. Certos sistemas coloniais imprimiram uma aculturação forçada aos grupos dos espaços coloniais, como a que ocorreu em Moçambique. Para a ocorrência de Aculturação participam vários factores, desde a natureza dos grupos em contacto, o grau de receptividade dos aspectos externos por parte do grupo nativo., etc. A Desculturação É um processo de subtracção e da destruição do património cultural. Ela pode ocorrer sob várias maneiras. O genocídio pode ser enquadrado na política de destruição da cultura. Já ouviu falar-se por ex. da ‘Limpeza étnica’? É processo de Desculturação. O processo colonial pode ser também responsável pela Desculturação, mesmo que este seja parcial, isto é, incidindo sobre um determinado aspecto cultural. Mas o processo pode também resultar do interior do grupo, quando certos padrões caem em desuso, por não terem um significado Antropologia do desporto 48 para o grupo a partir de um determinado momento. Contudo esse processo ocorre de forma lenta e imperceptível. Globalização A globalização que na verdade começa no séc. XVI, com a primeira expansão europeia, possibilitando a ligação de todo o Mundo num mesmo sistema, tem algum impacto sobre a cultura, condicionando a sua dinamicidade. A grande possibilidade dos homens, as rápidas comunicações ligando espaços distantes em tempo curto e, em certas circunstâncias, de forma instantânea, contribui para um rápido fluxo de traços culturais das diferentes regiões do globo. Nesse processo, o Mundo é abordado hoje como um todo, onde são encorajados contactos interculturais. Os elementos de consumo de massa são rapidamente absorvidos, principalmente por certos grupos sociais, com um impacto local. Aspectos que, são de difícil absorção num complexo cultural, como é o caso do aspecto político, hoje encontram uma fácil implementação, com a introdução dos processos democráticos ou multipartidários em todo o mundo. Com a Globalização surgem, As vezes, processos de hegemonia cultural, que consiste na adopção ou na dominação, por motivos dinâmicos ou posicionais, de traços de uma outra cultura. Contudo, emergem processos de estratificação cultural, que indicam não necessariamente uma condição de inferioridade cultural, mas uma falta de autonomia completa (Bernardi, 1974, p.46), identificados como subculturais. A subcultura participa na cultura dominante, as grandes cidades, existem grupos sociais oriundos de várias zonas do país e que comungando mesmos traços culturais, manifestam-nos em determinadas ocasiões, sem entrar em choque com a cultura dominante, da área em que se encontra a urbe. Este pode ser um exemplo de uma subcultura. Existem quatro factores de cultura, nomeadamente, o próprio homem (Anthropos), a Sociedade (Ethnos), o ambiente (Oikos) e o tempo Antropologia do desporto 49 (Chronos). Tais factores participam de formas diferentes, na emergência da cultura. Veja como cada um participa O Anthropos/O Homem O Anthropos, ou o Homem, na sua realidade individual contribui no aspecto cultural, como ser biológico e social. No aspecto biológico, você nota que em muitos grupos sociais ou culturais coordenam se em função do carácter sexual e etário dos seus membros. Observe na sua comunidade e vai notar esse aspecto. De facto, este carácter natural produz efeitos estruturais na coordenação social e tem um impacto sobre a personalidade e o comportamento adequado a cada um daqueles parâmetros. Mas também no processo de Enculturação, o Homem não é o simples ser passivo, podendo introduzir certas inovações na própria cultura, o génio, no determinado meio cultural, é um ex. da função do simples individuo como factor de cultura e as vezes torna se herói cultural. E pode ser que figuras carismáticas como por exemplo, um presidente consiga introduzir algumas mudanças culturais, fruto do seu empenho pessoal. É ai onde podemos identificar o lugar do Anthropos como factor da cultura. Ethnos/ Sociedade A Cultura resulta, como se afirmou anteriormente, num contexto grupal. As acções dos indivíduos só têm significado se elas estiverem circunscritas numa colectividade. Você tem notado que as normas de uma comunidade são emanadas em referência a ela. É a socialização e a padronização de certas aquisições individuais que torna a cultura como resultado de uma colectividade. É da inteiração dos vários princípios do Homem vivendo num determinado meio que resulta um sistema cultural. Por um processo normativo, o Ethnos/ Sociedade, passa a constituir-se como um dos factores da cultura, por ser através dele que esta é veiculada. O Oikos/Ambiente Antropologia do desporto 50 Oikos vem do grego ‘Casa’. Expressa o ambiente onde se insere Homem. O ambiente, como factor de cultura, condiciona a actividade exterior e material do homem. Refuta se que o ambiente condiciona, por ex. a maneira de vestir, mas ele não pode ser visto numa vertente determinista. Se você poder ler literaturas, como por ex. as de carácter histórico, vai perceber que para os primórdios da humanidade as culturas foram definidas em função da natureza, como por ex. a cultura paleolítica, neolítica, etc. Essa dominação era feita em referência ao uso alargado da pedra. Ou, se em certos momentos foram empregues termos como cultura ou povos primitivos, em referência a sistemas culturais com uma dependência acentuada á natureza, hoje ouvimos, por ex. falar-se de sociedades urbanas, da era da cibernética, etc. Este facto remete nos a considerar que se, numa primeira fase, o modelo da intervenção do homem e a sua sobrevivência estiveram muito ligado as condições naturais, hoje ele depende mais de factores que resultaram basicamente da natureza humana ou cultural. Não só é um facto assente nas teorias Antropológicas, mais também é uma realidade que o grau da civilização ou material define a forma de estar dos diferentes grupos sócias na face da terra. Assim, se essa dependência do homem sobre a natureza foi mais notória nos primórdios da humanidade, o Homem vem dependendo mais de factores fundamentalmente culturais. Contudo, apesar disso o Homem nunca pode dissociar-se completamente da natureza e viver completamente da cultura. Se o Homem não se pode dissociar completamente do que a natureza oferece, é lógico que expressa se uma evolução ideal, mas nunca totalmente possível. Seja qual for o nível cultural, a vida do homem vai estar sempre ligada ao ambiente que o rodeia. O Chronos/Tempo A cultura é um processo e, de forma intrínseca, esta ligada ao tempo. Ela desenvolve se e manifesta se no tempo. O tempo é assumido nas Antropologia do desporto 51 suas três dimensões: Passado, presente e o futuro.Mas com mais ênfase para as primeiras duas. Mas é necessário saber que para além do tempo cronológico, que acaba de ser mencionado, existe um tempo ecológico e outro social. O primeiro é organizado em função dos ciclos anuais e o segundo em função dos ritmos de factores sociais, como por ex. a passagem de um grupo etário de uma categoria social para outra. Assim, seja o tempo cronológico, o ecológico ou o social, eles interferem na cultura de um grupo social. A dinâmica cultural resulta da interacção dos quatro factores. Contudo, as vezes e em função de diferentes escolas ou correntes, há uma acentuação de um ou de outro factor no processo da dinâmica cultural. Neste contexto, na explicação da dinâmica cultural, uns privilegiam a personalidade humana, outros realçam o aspecto social, enquanto o terceiro grupo é pelos aspectos ambientais e o último pelas ligações causais entre os seus acontecimentos (No aspecto temporal). Não obstante, o carácter global da própria cultura força que, em última instância haja a consideração dos quatro factores no processo interactivo. Nessa interactividade privilegiam se, entretanto, as relações entre anthropos e ethnos, por um lado e entre os oikos e os chronos, por outro lado. A relação entre o anthropos e ethnos na cultura resulta pelo facto da convergência de indivíduos em sociedade condicionar a vitalidade do ethnos e este gerar o anthropos. Essa interacção constante conduz a uma dinâmica cultural. Mas por outro, toda a cultura desenvolve se no espaço e no determinado tempo, daí que estes estão também intimamente ligados. Fora dessas relações bipolares, é necessário ter em conta que o homem e a sociedade, como seres culturais vivem num determinado ambiente e tempo, daí que não se pode falar da primeira interacção fora destes dois últimos factores. E quantas vezes, a própria Antropologia do desporto 52 dinâmica cultural não conduz essa relação de processos que em princípio podiam ocorrer, num determinado local, depois de longos períodos, a ponto de mudar a natureza do ambiente? De facto, essa interacção recíproca dos quatro factores constitui o motor da dinâmica da própria cultura. Para todos os efeitos, é necessário ter em consideração que a cultura tem a especificidade Humana por ter dois daqueles factores o próprio Homem e a comunidade. É com o homem, entanto que o individuo e com a comunidade, entanto que grupo de Homens vivendo num determinado ambiente e tempo onde emergem as formas particulares da cultura. O Homem, através da sua acção individual pode dar origem a formas culturais. A estes aspectos individuais da cultura chamam se Antropemas. Antropemas são as expressões capilares da cultura originadas pela intuição inventiva dum indivíduo, e que, portanto, se especificam como raízes da estrutura cultural e social (Bernardi, 1978, p.83). Aqui incluem se os aspectos simples, isto é, aspectos particulares da cultura humana, visto de forma isolada, como por ex. a invenção do fogo, do motor, etc. Mas estes elementos isolados só são culturalmente válidos quando não normalizados ou socializados pela própria comunidade onde o individuo vive. Essa normalização ocorre quando os efeitos individuais são enquadrados em outros fenómenos culturais mais extenso. Por ex. a invenção do motor pode ser enquadrada nas inovações tecnológicas que ocorreram na mesma altura ou que foram sendo acumuladas desde a época anterior. Assim, quando fenómenos individuais são incorporados num conjunto mais vasto, isto é, quando eles são regulados no interior de uma determinada comunidade, tornam-se colectivo. São os Etnemas. Os Etnemas, constituem a articulação dos diferentes Antropemas, ou a normalização e socialização de antropemas, formando um corpo. Como aponta Bernardi (s/d) ‘Os etnemas são o resultado dos antropemas constituído em estruturas, isto é, articulados entre se, sistematicamente.Em função de um objecto em análise, um etnema Antropologia do desporto 53 pode ser simples ou complexo. O complexo é aquele que envolve vários etnemas, como por ex. o parentesco, que resulta da articulação de várias famílias, estas consideradas como etnemas simples. De facto, a família é um etnema pelo facto de resultar da aglutinação de vários membros que, para este caso, desempenham a função de antropemas Numa primeira apreensão, entende-se a natureza como a totalidade do universo, dentro do qual o Homem se encontra, incluindo todas as forças, conhecidas e desconhecidas. Num sentido restrito, entende-se como ambiente ecológico. O Homem procura dar um novo significado e que está ligado á natureza de forma multifacetada: Pela procura de subsistência, de matérias-primas, pelos condicionalismos que esta proporciona aquele. Por causa desta realidade, o Homem procura dar uma outra significação da Natureza, ele é impelido a pensar á volta desta. Assim apesar de se regerem por leis totalmente diferentes, com a natureza a reger-se por leis físicas, constantes universais e a actividade cultural a reger-se por padrões complexos, muitas vezes indefinidos, há pontos de contacto entre os dois universos. O Homem socializa ou torna cultural, alguns aspectos naturais, como actividade sexual humana, com a introdução de certas prescrições á volta dela, por ex. o incesto. De outra forma actividade sexual humana torna-se diferente da dos outros animais, em virtude de ser regrada, saindo do instinto natural que reina nas espécies animais. A linguagem, que na essência é natural, a sua culturalização ocorre com a criação das línguas, apesar de se saber, que estas envolvem, por sua vez, aspectos tipicamente naturais, por ex. os sons e os gestos, que são naturais, mas que caracterizam a linguagem, é atribuído um valor simbólico. Assim, mesmo que seja difícil determinar os pontos de contacto entre a natureza e a cultura, esta última assenta sobre a primeira, daí que é sempre necessário considerá-la nas análises culturais. Antropologia do desporto 54 Uma outra vertente de correlação encontra-se entre a cultura e civilização. E certas ocasiões, estes termos foram usados de forma indiscriminada. Mas em certas escolas, como a Alemã acentuou se o uso do termo Cultura no lugar de civilização. Alguns autores usam o termo Civilização para indicar uma manifestação territorialmente importante da cultura, quando esta última é identificada como a forma mais simples e localmente circunscrita daquela. É importante especificar que não existe uma escala de classificação de Cultura. Para alguns ultrapassarem este problema, procuraram situar a cultura no aspecto ideológico e a civilização no aspecto concreto, isto é, a expressão material de uma comunidade concreta. Outros estudos, procuraram correlacionar os termos a partir do seu sentido etimológico, mesmo que, também para esta vertente, o uso de um dos termos tenha carregado consigo aspectos negativos, na medida em que foi usada para opor os povos colonizados aos outros. Neste contexto, Bernardi, (1978) aponta que o termo Civilização pode ser usado entanto que parte de uma cultura, não no seu sentido de superioridade, mas em relação a forma de estar característica da vida urbana. Uma outra interacção existe entre a cultura e a sociedade. Toda a concepção cultural emerge do interior de um grupo social determinado, com um modo de organização e comportamento. Mas ao mesmo tempo, a sociedade é uma manifestação tipicamente cultural. Já notou que as pessoas gostam de se identificar com algo que haja que as incluem ou estas mais perto delas? Quando alguém diz que é docente ou estudante; Jornalista; Shangana, Português ou Chinês; É Cristão, é Feminista ou Machista, a que se esta a referir? Estas expressões antecipam se a um conjunto de diferentes níveis de identidade: Identidade colectiva,Identidade étnica, Identidade de Antropologia do desporto 55 género, Identidade Profissional, Identidade Nacional, identidade Pessoal, Identidade Comportamental, Identidade Religiosa, etc. Como pode ver, existem vários tipos de identidade. Todos eles expressam a pertença a um grupo ou categoria de pessoas. Contudo, nem sempre essa identidade é formada em função do comportamento dominante num determinado território. De facto, em função do âmbito de análise, é possível ter-se um tipo de identidade que não seja, á prior, aliada a uma só área cultural, apesar de, por questões operacionais, a primeira poder estar inscrita nesta última. Se dissemos que somos do espaço lusófono, este espaço é descontínuo e constituído por várias outras identidades especiais: Moçambicanos, Cabo verdianos, São Tomenses, Brasileiros, Portugueses, Timorenses, Angolanos. Contudo, apesar de ser inclusiva, nem todos os membros do grupo se comportam da mesma maneira: Os Portugueses pertencentes ao espaço cultural europeu, são diferentes dos povos africanos falantes do Português. Mas todos eles podem identificar-se, num certo momento, como sendo homogéneos, isto é, reclamarem a mesma identidade, ao identificarem-se como lusófonos, ou seja, falantes do Português, neste caso, diferentes dos falantes de uma outra língua, como o Inglês. Se analisarmos os diferentes tipos de identidades, veremos que eles respondem a certos padrões. Há um espírito que define essa identidade como: Disposições psíquicas comuns, por ex. certas normas de comportamento de base pelos quais os grupos se identificam ou são identificados. Por ex. os estudantes têm uma predisposição idêntica: Todos frequentam a escola. A identidade é a alma colectiva, é a sobrevivência de uma referência gloriosa do passado. Geralmente a identidade procura a permanência ou a afirmação de um grupo ou de uma pessoa. Muitas vezes, os traços resultados são escolhidos de entre os que são considerados positivos ou vantajosos para a afirmação dos grupos. Nenhum grupo quer projectar aspectos negativos ou que lhe proporcione uma posição subalterna. Antropologia do desporto 56 A identidade é também negociada, porque pode ser firmada na diversidade. (Por ex. A Comunidade Lusófona, a Comunidade Europeia). Por ex. esta última procura projectar-se através de uma concórdia, uma democracia, uma moeda e um mercado comum, mesmo que isso não signifique que todos os europeus se comportem da mesma maneira. A identidade é uma definição de ‘Nós’ em função dos conteúdos das relações para com os ‘Outros’. A identidade constrói se historicamente, portanto, está em constante mudança, apesar da sua aparente permanência no tempo. Ex. Os Zulos de ontem não são como os de hoje. A identidade constrói socioculturalmente a semelhança interna de um grupo pensando como homogéneo (Mesmo que não o seja, como ficou vincado com o ex. da Comunidade Europeia), e a diferença (Heterogenea e diversificada) face a outros grupos. A identidade alimenta-se da alteridade, isto é, a identidade é sempre firmada pela presença de um grupo diferente, mas com referências idênticas. O médico o é em relação ao enfermeiro. A identidade pode ser objectiva, isto é, pensada continuidade da base ecológica (Território, meio natural), das bases sociais (População), da base temporal (História) e da base cultural (Traços culturais). Mas também pode ser subjectiva através da construção da diferença, na auto definição da imagem endógena ou interna, na definição da imagem exógena e no sentimento de identificação e pertença. Neste segundo processo podem ser utilizados instrumentos de auto reconhecimento (Ex. Bandeira, escudos, mitos, ícones, folclore, leis, etc.). Como você pode notar, muitos destes elementos tem uma grande força comunicativa e condensam ideias, imagens e significados interiorizados por um dado grupo. Assim, enquanto a cultura é modo de vida de um grupo humano, a identidade é a representação da cultura de um grupo humano. Antropologia do desporto 57 Sumário A Cultura é um sistema complexo de práticas características da sociedade humana. A cultura compreende vários elementos, desde atitudes, valores, conhecimentos, costumes, símbolos, ideologias, usos. Existem vários níveis de cultura, desde o ideal ao real. A cultura pode ser também objectiva e subjectiva. A Cultura tem várias características. Ela é simbólica e material, selectiva, social, determinante e determinada, local e universal, estável e dinâmica. Os Universais culturais são aqueles que apenas constituem o manifesto das práticas humanas por exemplo, o acasalamento não é universal cultural porque ele ocorre também entre os animais. Apesar de a Cultura Humana ser universal ela é diversificada. Essa diversidade dá origem a autoridade. Isto é, a formação do outro. A identificação do outro é tão antiga como a origem da própria humanidade. Tal diferenciação é acompanhada pela introdução de estereótipos que, de certa forma, servem para fragilizar o ‘Outro’ e favorecer o grupo de pertença. A história humana foi marcada pela criação do outro em parte como forma de marcar a identidade própria ou de identificar o próximo. Essa alteridade, nem sempre, é introduzida de forma positiva, levando a emergência por ex. de etnocentrismo, contudo, é necessário saber que as diferenças sociais enquadram-se no contexto da multiculturalidade, não havendo, por isso alguma cultura mais importante que a outra. A cultura nunca é estável. Ela está em constante movimento, quer por factores internos, como factores externos. O tipo de mudança depende do tipo de agente, do tempo, a aceitabilidade do grupo que é pressionado, etc. Contudo, nas relações que se estabelecem entre os diferentes grupos sócias surgem as culturas dominantes e as subculturas. A cultura resulta como um processo em que participam, de forma específica, o Homem, como indivíduo biológico e cultural, a Antropologia do desporto 58 sociedade, entanto que reguladora das acções individuais e colectiva, o Ambiente, pelo facto de ser neste onde se assentam os grupos sociais, influenciando de certa forma o comportamento dos Homens e o tempo, necessário para o desenvolvimento de toda a matriz cultural. A dinâmica cultural resulta da interacção dos quatro factores: Anthropos, Ethnos, Chronos e Oikos. Assim, nenhum factor actua de forma isolada, não obstante, os primeiros dois serem fundamentais para dar esta natureza tipicamente humana a cultura. É por causa desse domínio do Anthropos e do Ethnos na dinâmica cultural que emergem os Antropemas, estes definidos como aspectos particulares da cultura e os etnemas que constituem o conjunto de Antropemas constituídos em sistemas. A cultura humana está intrinsecamente ligada a natureza. Ela pode expressar até a continuidade de factos naturais, mas num contexto tipicamente humano. Há ainda o contacto entre a cultura e a civilização, na medida em que esta última expressa uma área cultural mais vasto, existente num grupo social. A identidade expressa o sentimento de pertença de uma pessoa a algo. Por isso existem diferentes tipos de identidade, definidos pelo tipo de pertença: Profissional, Territorial, Étnica, Linguística, religiosa, etc. A identidade é construída e procura formar as bases de sobrevivência de um grupo em relação aos outros, dai que sejam escolhidos os aspectos positivos. Ela é objectiva quando os traços até ai existente são objectivamente imutáveis, como o território de origem ou a história de um povo e subjectiva, quando os elementos postos em consideração são permutáveis. Exercício 3 1. Indique o conceito de Cultura. 2. Identifique os elementos da Cultura. 3. Diferencie a Cultura objectiva da subjectiva. 4. Procure identificar as expressões do nível ideal e real daCultura da sua comunidade. Antropologia do desporto 59 5. Entre a forma de vestir de um indivíduo e a forma de comer da sua comunidade, identifique o que expressa a Cultura objectiva e a Cultura subjectiva. 6. Em que consiste cada característica da Cultura. 7. Apresente as formas da transmissão da Cultura na sua comunidade. 8. Como é que o Homem é capaz de influenciar a dinâmica na sua Cultura. 9. Identifique três universais culturais para além dos que estão apontados anteriormente. 10. Mostre que a Cultura Humana é total mas também diversificada. 11. Como surgem os estereótipos dos seres humanos. 12. Qual é a finalidade dos estereótipos. 13. Qual é a etimologia da palavra Etnocentrismo. 14. Em que se fundamenta a Tolerância Étnica. 15. Que elementos e acções devem ser postos em consideração no país para dissipar processos etnocêntrico. 16. Identifique os factores do Dinamismo cultural na sua área de residência. 17. Diferencie Enculturação da Aculturação. 18. Como foi conduzido o processo de aculturação em Moçambique no período colonial. 19. Procure alguns exemplos de regiões ou épocas em que houve a tentativa de se conduzir um processo de desculturação. 20. Identifique o tipo de factor de cultura nas seguintes situações; -Construção de casa de caniço junto dos ribeiros cujo a formação vegetal é dominantemente herbáceas; - Construção de casa de bloco num local onde habitualmente se construíam casas de caniço; -Invenção de voleibol; - O processo de transmissão de normas de comportamento. 21. Por que razão na dinâmica cultural é necessário considerar a combinação dos quatro factores. 22. Apresente as relações bipolares privilegiadas entre os diferentes factores da dinâmica cultural. 23. Dê exemplo de etnema e de antropemas que conheces. 24. Dê exemplos de contacto entre a natureza e a cultura. 25. Em que difere a cultura da civilização. 26. Indique os pontos de contacto entre cultura e a sociedade. Antropologia do desporto 60 27. O que é uma identidade. 28. O que está subjacente a formação de uma identidade. 29. Poderá a identidade carregar consigo aspectos positivos. 30. Porquê é que se afirma que a identidade é negociada. Antropologia do desporto 61 Unidade nº 4 Cultura material A relação entre o Homem e o Ambiente e a exteriorização do pensamento humano leva a emergência da tecnologia dos artefactos. Estes elementos fazem parte da Cultura material, o objecto de estudo desta unidade. Para uma óptima concretização, você não precisa de ir longe, A sua comunidade dá exemplos concretos de tudo o que vai estudar Ao completares esta unidade / lição será capaz de: Objectivos Conhecer a outra parte da Cultura para além da simbólica; Definir os conceitos de Cultura material e Modo de produção. Distinguir o modo de produção das sociedades de caça-colectiva, do da sociedade agrícola. Terminologia A terminologia que vai usar nesta unidade é a seguinte: AD- Antropologia do desporto Antropologia do desporto 62 Então, o que entende por Cultura Material? A Cultura poderá ser entendida como ‘Conjunto das tradições sociais’, como que uma herança social em que nós criamos e desenvolvemos. Os elementos culturais, isto é, todos os elementos que constituem uma determinada cultura, são: Os usos e costumes, as crenças, a linguagem, as tradições orais, a sabedoria, a língua, a musica e a dança, os padrões de comportamento, os ideais de vida, as técnicas, etc. No estudo de cultura material, a Etnologia, abrange todos os aspectos de qualquer cultura que procura analisar e descrever. O Homem ao ser ‘Produtor’ de cultura arrasta consigo todo um processo de transmissão e difusão, desempenhando um papel mais importante, do que a invenção propriamente dita. A cultura material centra-se no estudo das relações humanas com o ambiente, o que vulgarmente se chama ‘artes industriais’ ou ‘Tecnologia’. Contudo ela abrange não só o que os seres humanos tiram do seu ambiente físico, mas o que também dão a área que os rodeia. Assim a Cultura é entendida como o conjunto de objectos, valores e significados simbólicos e formas de comportamentos repetitivas que guiam a conduta dos membros individuais de uma sociedade, transformando-a de modo material. Nenhum aspecto de cultura pode ser biogenéticamente transmitido. Expande-se sim, depois do nascimento, segundo as facetas da cultura que a cada um diz respeito. No caso das tatuagens de que falamos no princípio, elas não são herdadas ao nascimento. Nem os objectos feitos pelos nossos antecedentes são transmitidos de forma genética. No estado evolutivo do homem, que hoje já somos (Homo sapiens sapiens), dá-se conta de terem existido outras etapas anteriores: Homo Australopithecus e Homo Habilis, ambos pertencentes ao Paleolítico inferior. Estes eram caracterizados pelo uso de instrumentos de pedra (Seixos) e pelo surgimento da primeira linguagem; na fase posterior, seguiu-se o Homo Erectus, no período do paleolítico Médio ou seja Mesolítico, que passa a usar as raspadeiras, vida em cavernas e inicio do uso do fogo; Depois foi a vez do Homo sapiens, seguido pelo Homo sapiens-sapiens, do Paleolítico superior e do Neolítico, isto a 10 000 anos a.C. As suas características fundamentais, são o uso de instrumentos sofisticados, práticas de cerimónias e pinturas rupestres. Se bem que não iremos abordar esta classificação evolutiva do Homem, porque isso não é matéria de Antropologia, importa-nos do ponto de vista das sociedades, apenas a última fase, a do Homo Antropologia do desporto 63 Sapiens-Sapiens, para diferenciarmos as comunidades de caça- colectiva, das de agricultores e pastorícia. A cultura é condicionada pela natureza, pelo local geográfico ou particularmente pelo clima. Daí a importância que tem a ecologia para a sua compreensão. O mundo cultural do Homem tem uma abrangência muito grande, envolvendo também o mundo natural. Tanto é assim que se pode dizer que a natureza conhecida pelo Homem Não é aquela pura, que não foi tocada por ele. Toda a natureza que o Homem conhece, conhece-a culturalmente, isto é, toda a natureza tem para ele um significado, uma relação de valores e de significados. Um objecto natural pode receber significados por parte do Homem, mas esses significados variam segundo as culturas. Por ex. o sol, a chuva e outros elementos da natureza podem significar coisas diferentes segundo a cultura em questão, principalmente na relação que se tem com aqueles elementos. Na economia de caçadores-recolectores, os homens vão buscar a sua subsistência á natureza, sem trabalhar nem a restaurar’ o esgotamento dos recursos impõe uma migração temporária ou definitiva, a fim de se conseguir a reconstrução natural do meio. Nestas deslocações, o grupo delimita, quando muito, um território, cuja necessidade só se torna patente pela presença de grupos homólogos rivais. Ao contrário, com a agricultura, este território é transformado em terreno de cultivo; aí se investe o trabalho para lhe conferir uma forma temporária e organizar a reconstituição das suas capacidades produtivas. Há pois uma diferença fundamental na organização do processo de trabalho; O rendimento do processo de caça é instantâneo, quotidiano e o produto presta-se mal a ser armazenado; Exige uma cooperação para as operações de elevado rendimento ou para a caça de grandes predadores, com os quais estes grupos entram em concorrência. Mas estes grupos dissolvem-se depois da partilha do resultado da colecta ou caçada. Assim, há instabilidade dos grupos activos, dos bandos, das hortas. O efectivo é variável, pois a composição modifica-seconstantemente pela circulação dos indivíduos que intervêm na Antropologia do desporto 64 produção. O ciclo é anual e por um período improdutivo em que a alimentação do grupo tem que ser assegurada: Quer através de uma produção de rendimentos imediatos (Caça), quer por um armazenamento dos produtos do ciclo anterior, ou a distribuição é deferida em todos os casos indispensáveis para se dispor sementes que permitam iniciar um novo ciclo. Os ciclos anuais têm portanto tendências para encaixarem numa relação constante de adiantamentos e de redistribuição entre indivíduos cujas relações anuais pelo que toca á produção tendem a transformar-se em relações vitalícias, segundo uma ordem de anterioridade/posterioridade. Destas características da produção pode-se deduzir nas economias de caçadores, relações sociais fracas e descontínua, um débil controlo da circulação dos homens e das mulheres; nas economias agrícolas, pelo contrário, as relações são vitalícias, baseadas na anterioridade, aos mais velhos cabe a função de controlo e da repartição de stocks, de controlo da circulação dos subordinados que são inseridos em linhagem, cujas genealogias se estendem, e de controlo da afectação das mulheres a qual se encontram severamente regulamentada; a nível do político, há uma gerontocracia, reguladora destas repartições; a nível da ideologia; as genealogias e o culto dos antepassados. Características típicas das sociedades 1. Caçadores-colectores Produção: - A economia é de punção, a terra como objecto de trabalho, os instrumentos de trabalho (Rudimentares) são propriedades individuais. - As unidades de produção confundem-se com os bandos ou hortas, o grupo primitivo é constituído por um número restrito de indivíduos os dois sexos, há cooperação nos processos de trabalho. Reprodução: Antropologia do desporto 65 As unidades de reprodução compõem-se de uniões de células vizinhas, estabelecidas através de uma rede coerente de trocas. - A reunião de grupos constitutivos e as suas alianças são comandadas não apenas pelas exigências ou toca, mas pelos imperativos da produção. - O parentesco e em particular o problema de filiação na comunidade de caçadores ainda não são relevantes. Colecta: - A Colecta exige frequentemente o percurso de longa distância. Ela faz-se em grupos para se proteger face aos animais selvagens. Requer portanto não só uma preparação física como um conhecimento preciso das plantas, dos lugares dos animais perigosos, dos meios de protecção relativamente a este, etc. A Caça: A Caça e a armadilhagem de pequenos animais são correntemente praticadas na proximidade imediata dos campos. Estas actividades requerem: - Conhecimentos técnicos e conhecimentos das praticas mágicas. As formas de cooperação fundam-se na reciprocidade e cooperação por compensação. Divisão técnica e social do trabalho é feita por sexo e idade. 2. A comunidade doméstica de agricultores O que a invenção da agricultura realizou foi uma transformação da natureza pelo homem. Pela domesticação das plantas e dos animais estabeleceram se os modos de produzir. A passagem á agricultura foi acompanha pelo (a): - Alongamento do dia do trabalho, domesticação das plantas e dos animais, sedentarização e a definição do território. - Elevação do nível das forças produtivas, passagem da terra passou a constituir se em meio de trabalho, pelo desenvolvimento de actividades paralelas: a caça e a colecta. Antropologia do desporto 66 - Estabelecimento de relações sociais de produção por via do parentesco, emergência do poder como função dos anciãos sobre os grupos de produção. - Surgimento dos excedentes leva á criação de celeiros. A existência de um excedente potencial ou real não acarreta automaticamente um desenvolvimento económico; a produção é orientada nestas formações sociais para a satisfação das necessidades e não para o lucro. - Envolvimento dos resultados de produção nas trocas, através de formas não mercantis, como a oferta recíproca, o tributo e a redistribuição. - Nova organização social (O parentesco) e a nova concepção do Mundo. É possível que a domesticação das plantas e dos animais se tenha acompanhado de um imenso desenvolvimento da magia, e da religião. Os indivíduos ou grupos sociais senhores das magias, da fertilidade, das plantas e dos animais puderam talvez nessas condições, conquistar um imenso poder social baseado no seu controlo (imaginário) das forças sobrenaturais. Parece ter sido nessas condições que se operou o aparecimento dos sacerdotes como grupos sócias separados dos produtores (Da produção), e, que transformou de pouco a pouco o seu poder de exploração económica O princípio de organização da economia não é, segundo os marxistas, a repartição mas sim a produção. Todo o modo de produção é definido por uma relação específica entre por um lado, o conjunto dos meios materiais concorre para a produção numa determinada sociedade: matérias-primas, equipamentos e técnicas, o saber fazer, força de trabalho, capital, denominados força de trabalho e, por outro lado, as condições sociais da produção, ou seja as formas de organização económica de divisão do trabalho segundo a idade ou sexo, as especializações profissionais, as estratificações ou classes sociais (Senhores e escravos, proprietários capitalistas e trabalhadores), e segundo, as formas culturais da cooperação ou competição. Todos Antropologia do desporto 67 estes pressupostos são variáveis em função das tarefas, o número de participantes, das remunerações reais ou simbólicas, que se chama relações de produção ou condições sociais de produção, se realizam no quadro das unidades de produção, dizem respeito a apropriação ou ao controlo dos meios de produção, tais como a terra, os homens, o gado, as técnicas e os recursos financeiros. C. Meillassoux é um dos primeiros a impulsionar as pesquisas de Antropologia Marxista, na sua opinião, a comunidade agrícola nas sociedades de auto-subsistência populariza-se em redor do filho mais velho, que recebe os produtos do trabalho e os reparte. No quadro agrário, a terra é meio. Entre os caçadores-recolectores, ela é objecto de trabalho. Se Meillassoux fez apenas um uso fora da noção do Modo de Produção, Emanuel Terray situa essa noção no centro de toda a problemática, fazendo a sua análise a partir da forma de cooperação. Reconhece a exploração dos mais velhos pelos mais novos, mas observa que estes, pela idade e pelo casamento, são chamados a tornarem-se eles próprios mais velhos, emancipando-se. Assim não existe uma classe estável de mais velhos. Mais radicalmente, P. Rey vê a relação de classe como dominante no modo de produção da linhagem. Acha determinante nas relações de produção o processo de apropriação e de reagrupamento dos homens com vista a esta produção. M. Godelier, ao debater os modos de produção asiática ou de linhagem, não deixa de sublinhar a parte, tudo o que é real e o jogo dos simbolismos sociais. Demonstra a ligação da economia com as outras instâncias: Política, parental, religiosa, e nota que o parentesco pode funcionar como infraestrutura e como super estrutura. A ruptura de um sistema ou a passagem por ex. a economia de predação (Caça- colectiva) á economia de produção (Agricola|industrial), não atribui necessariamente a contradição mas a modificações externas ou internas. Em todos os modos de produção, há fenómeno universal: A divisão do trabalho, apesar de variar de cultura para cultura. Mesmo tendo uma importância no ciclo de produção, a divisão social de trabalho, não tem um valor absoluto, dado que se trata, frequentemente, de uma Antropologia do desporto 68 escolha cultural, isto é, que depende de cada sociedade. Se no princípio a divisão social do trabalhoera feito em função do sexo e idade, ela passou a circunscrever-se no status social (Tarefas atribuídas conforme o estatuto social na sociedade), aptidão (Para mulheres/homens, crianças, adultos e velhos), ou na especialização técnica e cultural, dado que certas tarefas são reservadas a determinadas categorias de pessoas. Contudo, é necessário ter em conta que os vários tipos de divisão vão desaparecendo, por exigências do desenvolvimento tecnológico (Martinez, 2004, p.90). Sumário A Cultura Material tem sua origem na relação entre o Homem e o seu ambiente e a mesma guia o Homem na transformação e produção material, não sendo contudo herdado de forma genética. Na relação entre o Homem e o meio ambiente que o envolve produzem-se significados sobre este, que variam de um local para o outro. O Homem conhece a natureza de forma cultural. As formas de produção material determinam, sobremaneira, o tipo de relações que se estabelecem entre o Homem e o meio ambiente, bem como as relações que se estabelecem no interior dos grupos sociais, reflectindo-se sobre os níveis de organização social, política e religiosa. A noção de Modo de Produção é complexa, em virtude de envolver vários aspectos e poder variar de um grupo social para o outro, bem como de um momento para o outro. Contudo é no interior dele que ocorrem as relações sociais e são moldados padrões culturais de cada grupo social. Exercício 4 1. Se alguém lhe solicitasse a definição de Cultura Material qual seria usando palavras suas. Antropologia do desporto 69 2. Olhando para a classificação evolutiva do Homem, quando lhe parece ter iniciado a actividade da Cultura Material. 3. Até que ponto o Meio ambiente (A Ecologia) pode influenciar na Cultura material. 4. Apresente dois aspectos fundamentais (Social económico) que distinguem as duas sociedades (Caça-colecta e de agricultores). 5. Especifique os processos que tornam cultural a produção material entre os Homens. Antropologia do desporto 70 Unidade nº 5 O parentesco Esta unidade realça os fundamentos da organização social, presentes praticamente em todos os grupos sociais tais como: o parentesco, o casamento, a família. Como outros temas que você nas outras unidades, a partir desta unidade você vai aprofundar o carácter eminentemente social e cultural dos aspectos anteriormente identificados Ao completares esta unidade / lição será capaz de: Objectivos Conhecer os fundamentos da formação do Parentesco; Saber como o parentesco se constitui como um dos fundamentos da organização social; Saber definir: Parentesco, parente, filiação, aliança, e residência matrimonial; Conhecer as formas da emergência de um parentesco; Saber distinguir diferentes tipos de parentes; Ser capaz de esquematizar um parente do Ego, a partir de um esquema de parentesco; Discriminar os diferentes fundamentos das alianças matrimoniais; Terminologia A terminologia que vai usar nesta unidade é a seguinte: AD – Antropologia do desporto Antropologia do desporto 71 O termo Parentesco não é de fácil definição. Uma definição simples considera que o parentesco seja ‘Um vínculo que liga os indivíduos entre si em vista da geração e da descendência’ (Bernardi, 1978, p. 259). Pode se definir como um sistema simbólico de denominação das posições relativa aos laços de descendência e de afinidade. Você sabia que um dos primeiros elementos de identificação do estatuto social de um indivíduo em cada sociedade humana surge do parentesco? De facto, quando um indivíduo nasce, a primeira base de identificação é um grupo social restrito, a família. É na família onde existem os parentes mais próximos. O parentesco é definido em referência a um indivíduo, isto é, a um EGO, em relação a uma ou outras pessoas que fazem parte de um grupo social. Na essência, o EGO identifica-se com a pessoa pela qual começamos a estabelecer as relações com todos os outros membros de um grupo social, venham tais ilações da consanguinidade ou da afinidade. O parentesco institucionaliza as relações sociais. É nele que são prescritos ou definidos comportamentos entre os membros de um grupo social, como por ex. os tipos de casamentos, as formas de tratamento entre os membros, as formas de filiação, isto é, a maneira como é definida a pertença dos filhos, etc. Contudo, a definição de quem é parente é em si complexa, dado que ela pode variar de uma sociedade para outra e pode mesmo evoluir com o tempo. Tem-se notado, por ex. uma redução progressiva dos núcleos familiares em muitos complexos culturais. Assim, se no passado o parentesco envolvia muitos membros, muitas famílias alargadas, ele tende a tornar-se cada vez mais restrito, fruto do impacto da própria evolução material das sociedades humanas (Urbanismo e revolução industrial) ou das migrações. Estes factores condicionaram períodos de grandes transformações familiares, com as consequentes perturbações e reajustamentos dos núcleos familiares. Antropologia do desporto 72 Na definição de quem é parente interferem ainda as concepções científicas sobre as relações genéticas, que não são partilhadas por todas as sociedades. Você observa na sua comunidade, uma das duas situações: Um filho é obra do pai ou então diz-se descendente da mãe. Finalmente, se numa primeira fase o parentesco incluía apenas os aspectos de consanguinidade, sendo por isso o genuíno e autêntico, por baseiar-se no pressuposto biológico, actualmente ele integra outros parâmetros, como a adopção. De facto, o parentesco não se resume apenas a consanguinidade. Se assim fosse, todos os membros de um grupo social acabariam por ser parentes ou então não haveria a possibilidade de integração de outros membros que não fossem de ‘Sangue’. Por isso, o parentesco não só define os membros que fazem parte de um grupo social como também os distingue dos que a eles não pertencem, isto é, define unidades sociais precisas. Quando você diz, por ex. que não é parente de alguém, exclui-se de um grupo social. Neste contexto, o parentesco pode integrar ou excluir um membro de um determinado grupo em referência. A definição de parente nem sempre é pacífica. É assim que para tornar este conceito funcional só uma pequena parte da rede genealógica constitui a Parentela reconhecida e operatória para um indivíduo. A Parentela é um grupo de pessoas que se forma a volta do Ego. Contudo, a Parentela não envolve necessariamente uma descendência. Você tem uma teia de relações, que entretanto não tem relações com seus antepassados ou descendentes directos. Você tem um cunhado, tio, avô, sobrinho, cunhada. Entretanto, na sua família, só você é a única pessoa que se dirige as anteriores pessoas com aqueles atributos, pois eles não são no mesmo momento, cunhado, tio, avô, sobrinho e cunhada dos seus pais. Essas relações de parentesco que dizem respeito a você é que constituem a sua Parentela. Com a parentela, as sociedades definem os seus parentes próximos (Aqueles com os quais as regras de comportamento são mais fortes), Antropologia do desporto 73 os parentes afastados (Os que, apesar de serem parentes tem relações menos fortes) e aqueles que não são parentes. Segundo amplitude de membros, há sociedades que comportam um Parentesco Alargado, o que envolve uma grande teia de relações, enquanto outras tem um Parentesco Restrito, constituído por pequenas unidades sociais funcionais. A outra unidade funcional que esta intrinsecamente ligada ao individuo é a Família. A definição da família é, por vezes, não necessária, podendo designar, segundo Mello (2005) o grupo composto de pais e filho; uma linhagem (Patrilinear ou matrilinear), um grupoque descende do mesmo antepassado, um grupo de parentes e descendentes que vivem juntos. A Família pode ser Nuclear contrapõe-se a Família Extensa, que congrega Famílias Nucleares, isto é, comporta vários casais. É na Família que inegavelmente estão presentes as relações universais mais significativas e humanas como: A relação entre o homem e a mulher, a relação criada entre os pais e os recém- nascidos, as relações entre gerações diferentes. Quando se fala da importância social da Família reconhece-se geralmente o auto grau de relevância desta no ordenamento social. A Família desempenha várias funções: De reprodução; de socialização dos filhos; produtiva ou económica, necessária para a perpetuação da vida e satisfação das necessidades vitais; Jurídicas, na medida em que ela é proprietária de objectos, dotada de direitos e deveres; Religiosa onde os membros seniores (Pai ou Mãe) propiciam alguns cultos. Segundo a forma como os vínculos se formaram ou o Parentesco surgiu, este pode ser real (A consanguinidade), fictício (O da adopção) e o das relações de aliança. Apesar de adopção criar laços fortes, a consanguinidade parece criar laços mais profundos. Em função destes pressupostos, surgem os Parentes Consanguíneos e Aliados ou Afins. Antropologia do desporto 74 Os Parentes Consanguíneos compreendem os da linha recta, isto é, os ascendentes (Os que nasceram antes de um Ego ou de você, como os seus avôs e pais) e os descendentes (Os que nasceram depois do mesmo Ego ou de você mesmo, como os seus filhos, os seus netos). Nestes Parentes consanguíneos são ainda integrados os da linha colateral (Germanos, isto é, descendentes do mesmo pai e mãe, no seu caso, os seus irmãos, os seus primos e os seus tios. São os Parentes Consanguíneos, dão á descendência. Contudo, mesmo que se reconheça que o critério dessa relação de descendência é o biológico ou natural, esta relação é também cultural, na medida em que é determinada em função das regras de um grupo social determinado. Enquanto a natureza estabelece a consanguinidade, a cultura determina os parentes. Assim, o parentesco consanguíneo proporciona a prole ou os filhos, enquanto o parentesco por afinidade alarga-se pelo casamento. Na descendência ou linhagem, os membros do grupo sentem se unidos pela referencia a um antepassado comum real e recente, situado entre quatro a cinco gerações. O conjunto dessas pessoas que tem o mesmo antepassado comum da origem á linhagem. Define-se por linhagem ‘Um grupo de pessoas descendentes de um mesmo antepassado cujo vínculo de descendência é genealogicamente demonstrável e não pressuposto miticamente’ (Bernardi, 1978, p.293). Difere do clã, por consistir num ‘(…) grupo de pessoas descendentes de um mesmo antepassado mítico ou fictício (…) sendo uma realidade pressuposta e não demonstrável historicamente’ (Ibid, p.292). Os Parentes Aliados, são os indivíduos ligados a um determinado grupo de Parentesco por via de casamento. São os membros com que se tem as relações de afinidade. Estas relações surgem partindo-se do pressuposto segundo o qual na família, marido e mulher não são Parentes Consanguíneos. Estes laços de afinidade têm uma grande importância no conjunto da organização social de qualquer agrupamento humano. Este tipo de relação, mesmo em sociedades industrializadas, é, de certa forma, responsável pela distribuição de benefícios e aproximações de grupos sociais. Antropologia do desporto 75 Por causa destas diferentes formas de Parentesco, nem sempre é possível ou fácil diferenciar a origem da Parentela a partir da designação dos parentes, por ex. o termo ‘Pai’, pode relegar a um pai genitor, adoptivo, ou posicional, isto é, á atribuição a um pai á mesma referência. Mas também pode ser pai, aquele que lhe é reconhecida a paternidade socialmente, isto é, ao pai social. Na verdade o parentesco é um sistema simbólico de denominação das posições relativas aos laços de descendência e de afinidade. Por isso, existem dois sistemas de Parentesco: Descritivo e Classificatório. No Descritivo são usados termos diferentes para designar cada parente. Por ex. o pai tem uma designação e o irmão do pai tem outra designação de tio. Ao passo que, no classificatório é usado um termo para designar um conjunto de pessoas segundo o seu posicionamento no esquema de parentesco, isto é, quando pessoas que não ocupam a mesma posição em relação ao Ego são classificadas sob o mesmo nome. O Ego, ou você, chamará de irmão ao seu primo paralelo; de mãe, as irmãs e primas da mãe, de pai. Aos irmãos e primos do pai, etc. Por uma questão operatória a Antropologia usa diferentes símbolos e esquemas de Parentesco, os quais permitem, a qualquer leitor, identificar as relações entre os diferentes membros do grupo social em referência ou apresentado. Assim, os seguintes símbolos tem o significado a seguir: □ ∆ : Individuo do sexo indiferenciado, (isto é pode ser Homem ou mulher). ⁄□⁄ ⁄□ : Individuo falecido ∆ : Indivíduo do sexo masculino О : Indivíduo do sexo Feminino ∆+ : Indivíduo do sexo masculino mais velho О : Indivíduo do sexo Feminino mais novo Antropologia do desporto 76 О = :Casamento Divorcio Segundo Casamento Casamento poligâmico Germanidade, irmandade ou fraternidade. Filiação Marido e mulher Com filhos Para além dos símbolos, na Antropologia é usado um conjunto de abreviaturas para designar os parentes primários, (Aqueles cuja a ligação não precisa de intermediário) secundários, (Aqueles cuja a ligação tem um intermediário), terciário (Os que precisam de dois intermediários para a sua ligação) e os afins. O quadro que se observa a baixo, trás abreviatura dos parentes primários e secundários. Abreviaturas dos Parentes Primários e Secundários Em francês Em Inglês Em Português Pére Pe Father F Pai Pa Mére Me Mother M Mãe Ma Fils Fs Son S Filho Fo Fille Fl Daughter B Filha Fa Frére Fr Brother B Irmão Lo Soeur So Sister Z Irmã La Mari Ma Husband H Marido Eo Épouse Ep Wife W Esposa Es Onele On Onele U Tio To Tante Ta Aunt A Tia Ta Neveu Ne Nephew Ne Sobrinho So Niésse Ni Niece Ni Sobrinha Sa Antropologia do desporto 77 A Filiação constitui um dos fundamentos da transmissão do Parentesco. A filiação pode ser legítima, natural ou adoptiva. No sentido Antropológico, a Filiação é geralmente traçada apenas por um único progenitor: Ou se é filho de um determinado pai ou mãe, pertencendo ao grupo de Parentesco daquele ou desta. A Filiação ‘(…) entende-se como o conjunto das regras que definem a identidade social da criança em relação aos seus ascendentes e que determinam a hierarquia dos membros da família, a forma de herança dos bens a transmissão dos cargos e funções, até a distribuição da autoridade das sociedades (…)’ (Riviére, 1995, p.64-65). Quando você observa pessoas na sua área de residência que indicam que pertencem ou são da família da mãe ou do pai; quando você nota que certos bens são geralmente herdados de um lado e não do outro, está diante de um conjunto de procedimentos que se definem na Filiação. De forma geral, Filiação pode ser Unilinear (Patrilinear ou Matrilinear); Bilinear ou Indiferenciada. Na filiação Unilinear, o indivíduo não escolhe o seu grupo de pertença. Ele recebe-o. A pertença ao grupo é determinada pelo facto de se ser filho do pai ou de se ser filho de determinada mãe, já que em certas sociedades aponta-se que uma criança é gerada por um único dos seus progenitores. Umas consideram que a mãe é a única responsável pelo nascimento da criança, negando-se a paternidade fisiológica. Na Filiação Patrilinear, designadatambém por Agnática, a pertença ao grupo obtêm-se pelo pai e a relação com os membros dos outros grupos passa-se exclusivamente pelos indivíduos do sexo masculino (Os agnatos). Por ex. os filhos da irmã do pai não são membros do grupo de filiação, contrariamente aos irmãos do pai. A Filiação transmite-se do pai para o filho. Geralmente nestas sociedades a circulação dos membros é feita através de um sistema de compensação. Antropologia do desporto 78 Normalmente, depois do casamento não se espera que a filha volte para aldeia. Numa primeira fase, estas comunidades eram nómadas ou inicialmente a sua sobrevivência dependia de recursos frágeis. Filiação Patrilinear ↓ ▲ ↓ Via de descendência ▲ О Na filiação Matrilinear ou Uterina, o laço de Parentesco é transmitido pela mãe. O Ego masculino, apesar de ser membro do grupo de Filiação da sua mãe, ao contrário do que acontece com a irmã, não transmite a sua pertença aos filhos. Estas sociedades são geralmente sedentárias e geralmente vivem da agricultura. Eis o exemplo a seguir: Ө ∆ Ө A filiação bilinear, ou dupla Filiação, combina as duas filiações unilineares. A Filiação é reconhecida de ambos os lados (Paterno e materno), mas com finalidades diferentes. Num dos lados pode receber o apelido e no outro receber, por ex. poderes espirituais. Antropologia do desporto 79 Por ex: Espírito Sangue ▲ О ∆ Ө ▲ Ө Ego A Filiação Indiferenciada, também designada Cognática ou Bilateral ignora o sexo para a definição dos laços do Parentesco. No sistema de Filiação Cognática, o Ego é membro de dois grupos de parentesco; o do pai e o da mãe. Geralmente este sistema cria uma teia complexa de relações que a filiação Unilateral e Bilateral. É característica dos países ocidentais. O Ego recebe a Filiação dos quatro avôs, oito bisavôs e dezasseis trisavôs, etc. ▲ Θ ∆ Ѻ ∆ О Ego Antropologia do desporto 80 Para todos os efeitos, todos os anteriores tipos de Filiação são de carácter natural, porque apesar de ela ser determinada culturalmente, envolve a consanguinidade. Fora desta, existe a Filiação Adoptiva, aquela em que os filhos têm uma origem exterior á Família Nuclear ou não tem uma relação genética. Entretanto, esse tipo de Filiação não é menos importante que a outra, na medida em que os adoptados gozam direitos dos legítimos. Quando você diz que alguém é um parente seu está adjacente que ambos têm a mesma origem. E como pode notar na sua área de residência, dado que, á priori, a filiação é unilinear, há formação de grupos colectivos, isto é, um membro é seu familiar ou não com o mesmo antepassado seu. Assim, todos os que se identificam com um antepassado comum formam, a diferentes escalas, vários grupos de parentesco, como a Clã e a Linhagem. O Clã é um grupo de filiação unilinear (Patriarcal ou matriarcal) que descende de um mesmo antepassado lendário ou mítico. Às vezes, os membros invocam um Totem, isto é, representação sacralizada do Clã, ligado ficticiamente ao antepassado. As pessoas com o mesmo Totem respeitam os mesmos tabus ou as mesmas proibições matrimoniais ou unilineares e possuem o mesmo nome genético. A pertença ao Clã constitui a base de transmissão da herança e funções de rituais, económicas políticas, etc. O Clã compreende um certo número de linhagens exógamas (Cujos os membros devem se casar fora da linhagem), ligadas a um antepassado histórico, cuja recordação se conserva. Por acréscimo demográfico, os Clãs e Linhagens podem fragmentar-se, surgindo Clãs, subclãs, linhagens principais e secundárias. Na filiação unilinear o homem (Patrilinearidade) e a mulher (Matrilinearidade) transmitem a pertença ao Clã. Os germanos pertencem ao Clã do progenitor transmissor da pertença. Antropologia do desporto 81 Em cada uma das filiações distinguem-se ainda os primos cruzados, que são os germanos que nascem do irmão da mãe e irmã do pai primos paralelos estão proibidos como parceiros, enquanto os cruzados são potenciais cônjuges. Veja o esquema seguinte: Consanguinidade ∆ -------------О ∆ -------- О ∆------------- О ___|___ ___|___ | | | | ∆ О ∆ О |_______| | ۞ ___|___ ___|___ | | | | ∆ О ∆ О Primos Primos Ego Primos Primos Paralelos Cruzados Cruzados Paralelos de Ego de Ego de Ego de Ego Numa filiação patrilinear, o esquema seria representado da seguinte maneira: ∆ ___|___ Θ-----------▲ _______|____________ О------------ -∆ _____|____ ____|___________________|________ | | | | | | ∆ ∆ О Θ ▲ ▲ Antropologia do desporto 82 ____|____ _____|_____ _____|_____ | | | | | | ∆ О ▲ Θ ▲ Θ Primos cruzados EGO Primos paralelos Legenda: ▲ Θ Membros da linhagem de Ego ∆ О Membros de outras linhagens Numa filiação matrilinear, o esquema é representado da seguinte maneira: ________ _________ | | | | ∆----------О ∆ ---------- Θ ▲ ___|___ _____|_________________ | | | | | | ∆ ∆ О ▲ Θ ▲ ___|___ ___|___ ___|___ | | | | | | ∆ О ▲ Θ ▲ Θ ▲ Θ Membros da linhagem do Ego, isto é os que normalmente são designados familiares. ∆ О Membros de outras linhagens Na sua vida quotidiana você tem ouvido falar de Aliança Matrimonial ou simplesmente do casamento. Este constitui uma união estabelecida entre dois grupos exógamos, pelo cruzamento de um dos seus membros com alguém pertencente a outro grupo. O casamento é uma Instituição Social que visa o estabelecimento de vínculos de união estáveis entre o homem e a mulher, baseados no reconhecimento de Antropologia do desporto 83 direitos de prestações recíprocas de comunhão de vida e de interesses segundo as normas das respectivas sociedades. De facto, os casamentos são prescritos geralmente pelas normas do local onde se realizam, desde que um dosmembros seja nativo. Excluem-se os casamentos exóticos. A Aliança Matrimonial condiciona processos de filiação, de residência, de apelido, de herança de atitudes e é a base da procriação legítima no grupo conjugal. A Aliança Matrimonial condiciona o estatuto dos novos esposos e a criação de laços jurídicos, sociais e económicos. A escolha de cônjuge não é aleatória. Participam alguns princípios como a origem, as qualidades, a identidade social, para além de que esperam se negociações nas famílias dos dois parceiros. Tais princípios são tomados em consideração porque um laço matrimonial, envolve questões como a idade, o sexo, grau parentesco dos esposos, prazo de viuvez, ou o respeito de certos interditos. Por ex. apesar de actualmente ocorrerem casamentos homossexuais, em alguns países, geralmente são privilegiados os de natureza heterossexual, isto é, que resultam da relação entre o homem e a mulher. Assim, os tipos e sistemas matrimoniais guiam-se na base da endogamia (Matrimónio dentro), que prescreve a escolha do cônjuge do interior de um determinado grupo e da exogamia (Matrimónio fora), que proíbe o casamento dentro de determinados grupos, ou seja o casamento entre parentes do primeiro grau, uma prática que normalmente é proibida praticamente em todas as sociedades. A escolha de um cônjuge opera-se por ordem decrescente segundo os critérios seguintes: No interior da etnia (Etnocentrismo); Exogamia (Fora do grupo de Parentesco, que na verdade tem sido um dos grandes critérios), afinidade e harmonia das idades. Por isso, existem várias formas de casamentos, sendo impossível considerar uma única forma de valores universais. Contudo, entre as variadíssimas formas e normas existentes, pertence sempre o facto de a comunhão ser socialmente reconhecido e regulado. Atendendo a escolha dos nubentes, o casamento pode ser: Livre, quando os nubentes tem plena liberdade na escolha do seu parceiro; Antropologia do desporto 84 Preferencial, quando apenas se considerar aconselhável que o individuo dispoe uma determinada pessoa ou entre as pessoas de uma determinada categoria social; Prescrito ou Compulsório, quando a pessoa ao nascer fica comprometida a um futuro marido ou esposa. Assim, pode ser a hipergamia, que é a preferência matrimonial concedida por uma mulher a um cônjuge de um estatuto e de condição de economia superior; A hipogamia, que é a preferência matrimonial concedida por uma mulher a um cônjuge de estatuto e de condição económica superior; A hipogamia, casamento em que as mulheres de sangue real são coagidas a casar com um cônjuge de estatuto inferior e a homogamia ou isogamia, a escolha do cônjuge em meio social, geográfico e cultural idêntico ao seu próprio meio. Nas práticas de casamento existem as formas de trocas de mulheres entre grupos sociais ou no interior de um grupo social. Ocorre por ex. que pode haver um casamento preferencial, especialmente entre os primos cruzados. Nas vezes em que de grupo para grupo uma mulher é dada por troca com outra mulher fala-se de troca directa. É um casamento prescrito, como o é, entre os primos cruzados. Mas quando uma mulher é compensada por um símbolo reconhecido ou dote. (Por ex. vaca, soma de dinheiro), a troca é indirecta. O dote simboliza a aliança dos clãs, a troca dos valores, mas também uma indemnização pela privação dos serviços agrícolas e caseiro que a filha desempenharia caso ficasse com eles ou um direito de apropriação de uma filha, o preço de cedência de um poder legal sobre esta. Há casos particulares de casamento, por herança, como o livirato, uma prática segundo a qual a viúva se casa com um irmão do falecido e sororato, em que o viúvo se obriga a casar com uma irmã solteira da esposa falecida. Os casamentos segundo o número de parceiros, podem ser monogâmicos e poligâmicos. Nos casamentos monogâmicos ocorre a união matrimonial de um só homem e uma só mulher, representada pela fórmula estrutural diádica, О=∆. Destes casamentos resultam famílias monogâmicas. Nos casamentos poligâmicos, os cônjuges podem ter mais parceiros. Neste caso há a poliginia, quando são envolvidos mais mulheres, isto é, quando um homem se casa com Antropologia do desporto 85 muitas mulheres e a poliandria, quando uma mulher se casa com mais de um homem, contudo, a polagimia é um dos casos mais frequentes. De um modo geral, o casamento tem uma função social, quer como base de manutenção do grupo social, apesar da procriação quer pela manutenção de alianças entre grupos familiares, tendo por isso uma função comunitária. Geralmente o casamento dissolve-se por duas vias: Por morte de um dos membros, ou pelo divorcio que, por sua vez, pode resultar de vários factores: Infertilidade de um dos membros, infidelidade, contradições entre os membros, maus tratos, concubinato, etc. Os agrupamentos locais e residenciais são unidades funcionais que definem a circulação de membros, quer masculinos quer femininos, no interior de uma comunidade. O estabelecimento de um casal é objecto de regra. Existem vários tipos de residência. Por ex. a residência unipolar pode ser definida pelas residências: patrilocal, virilocal, matrilocal e uxorilocal. É residência patrilocal, quando o casal vive nas terras ou na proximidade do grupo do marido. Em Moçambique é característica nas comunidades de filiação patrilinear. É virilocal, quando o casal se estabelece nas terras não do grupo do marido, mas nas terras próprias do marido e pode ser num sistema patrilinear ou matrilinear. De um modo geral, os filhos, estando sob o controle do pai, a transmissão da herança e a sucessão, na presença de um pressuposto de transmissão de um poder político é feita de pai para o filho. O pai é o responsável pela transmissão dos rendimentos sociais do grupo ou da educação aos filhos, controlando nas famílias migradas por largos tempos ou definitivamente. É residência matrilocal quando o casal se instala junto dos pais da esposa. Geralmente é a avô materna que controla o grupo doméstico. É uxorilocal, quando o casal se estabelece em casa da esposa. Quando a residência é do mesmo tipo de filiação, por ex. filiação matrilinear e Antropologia do desporto 86 residência matrilocal, o regime é dito harmónico. Os homens, apesar de saírem dos seus grupos domésticos, deslocam-se frequentemente para a povoação da sua mãe. Geralmente apesar de não ser posto de lado o papel da mulher, já que ela detém o papel espiritual, a execução deste cabe aos irmãos da mãe de um determinado Ego. É Por causa disso que há um papel muito forte dos tios maternos, os quais controlam a circulação dos sobrinhos uterinos. O poder passa, dessa forma, do tio materno ao sobrinho. Entretanto, quer no sistema de parentesco e de residência matrilocal ou patrilocal, essa residência tem recaído, preferencialmente, nos primogénitos, não obstante existirem certas especificidades locais, familiares ou ocasionais. Se uma residência unilocal admite o estabelecimento do domicílio ou do lado do marido ou da mulher, isto é, deixa a escolha dos cônjuges, chama-se bilocal e ambilocal. Mas ela pode ser alertada, se primeiro é patrilocal e depois matrilocal, ou o inverso. Mas também pode ser duolocal ou natolocal, quando os cônjuges podem, em certas ocasiões, residir separadamente, com a sua família. Ela tem geralmente um carácter temporário, quando, por ex. o novo casal se encontra a criar condições para o seu estabelecimento, ou quando a mulher recebe assistência da casa da mãe, durante um parto, período durante o qual, o homem visita várias vezes a sua esposa. Há vezes em que o par conjugal vai viver em casa do irmão da mãe do marido. Neste caso chama residência avuncular. Mas pode ser que a escolha do local onde o local se irá se estabelecer seja feita fora da decisãodos pais do cônjuge, como nas zonas industrializadas. Neste caso temos, temos o caso da residência neolocal. Sistemas de Atitudes Entre os membros de um determinado grupo social são determinados certos comportamentos que regem a relação entre os seus componentes. Existem por ex. normas de comportamentos entre o tio materno e o sobrinho. O sobrinho deve obediência e profundo respeito ao tio e às vezes, este importuna o sobrinho. Mas é necessário situar essas relações não só ao Antropologia do desporto 87 nível destes dois membros, pois envolve o irmão da mãe, a própria mãe, o cunhado e o sobrinho. Um outro sistema de comportamento situa-se ao nível dos sogros e genros, ou entre parentes aliados, como por ex. o gracejo. Muitas destas normas circunscrevem-se num respeito ou par inibir tensões potenciais entre os membros envolvidos. Existem outras normas de comportamento ou sistemas de atitudes, como é o caso de gracejo em que os comportamentos se transpõem ao nível da entreajuda ou assistência recíproca entre os membros em todas as ocasiões. Sumário O Parentesco é um sistema simbólico de dominação das posições relativas aos laços de descendência e de afinidade. O Parentesco é definido em referência a um indivíduo (Ego). Mesmo variando de uma sociedade para outra e com o tempo, o parentesco continua a definir as relações sociais e as normas de comportamento. Se nos primórdios envolvia apenas aspectos de consanguinidade, hoje ele alarga-se também adopção e os outros critérios. A Parentela e a Família Nuclear tornam o Parentesco operatório e funcional. É dentro da Parentela e da Família Nuclear que se define os parentes próximos e mais distantes. O Parentesco pode ser alargado ou restrito, em função das teias de relações que comportam. É na Família que se fundam relações tipicamente Humanas e ela desempenha diversos papéis, como o de reprodução, socialização, económica e religiosa. O parentesco pode ser formado por via da consanguinidade, da adopção e por aliança. Por isso nem sempre é fácil distinguir a origem da Parentela a partir da designação do parente. Na essência existem dois sistemas de parentesco: Descritivo e Parentesco. A Antropologia usa um conjunto de símbolos para representar ou esquematizar o Parentesco. Uma outra forma é o uso de abreviaturas para designar os parentes. Estes são geralmente identificados pela primeira letra de uma língua dada. Antropologia do desporto 88 A Filiação é uma das bases de transmissão do Parentesco. A Filiação pode ser unilinear (Patrilinear ou agnática e matrilinear), Bilinear e Indiferenciada. O Ego é o elemento chave na identificação de parentes. Entre os parentes existem os directos, (Consanguíneos), os paralelos e os cruzados. Entretanto por uma questão operatória, só a mãe ou o pai é que dão a pertença ao Clã. A excepção do exotismo e desde que um membro seja nativo, os casamentos são prescritos geralmente pelas normas do local onde este se realiza. A escolha do cônjuge depende da identidade social, questões do sexo, grau de parentesco dos esposos, prazo de viuvez ou o respeito de certos interditos. Eles guiam-se ainda pela endogamia, e exogamia. De acordo com a forma, ele pode ser livre, preferencial, (Hipergamia, hipogamia, homogamia ou isogamia), prescrito ou compulsória. Há também os casamentos por herança, (Liverato, e o sororato). Finalmente, segundo o número de pessoas envolvidas, pode ser monogâmico e poligâmico (Poliginia e a poliandria). Os agrupamentos residenciais são unidades funcionais que definem a circulação de membros. O estabelecimento de um casal é objecto de regra, podendo ser patrilocal, virilocal, matrilocal, e uxorilocal.A residência pode ser ainda bilocal ou ainda ambilocal, Duolocal ou natolocal e avunculocal. Geralmente nesses grupos residenciais estabelecem-se comportamentos que regem a relação entre os seus membros, são os sistemas de atitudes, como as que existem entre o tio materno e o sobrinho, sogros, e genros, ou entre parentes aliados, como por ex. o gracejo. Exercício 5 1. Identifique a primeira base de referência de um indivíduo. 2. Como se designa o individuo de referencia num sistema de Parentesco. 3. Porquê é difícil definir um Parentesco. 4. Qual é a importância social do Parentesco. 5. Diferencie Parentesco do Parentela. 6. Que tipo de família predomina na área de residência. Antropologia do desporto 89 7. Que funções desempenham a Família na sua área Cultural. 8. Partindo do seu grupo familiar, identifique os parentes de linha Recta e da linha Colateral. 9. Identifique na sua zona de residência, as bases de emergência de parentes por adopção. (Antes do estudante responder a esta questão, precisa de fazer uma pesquisa no meio em que vive). 10. Qual é o sistema de Parentesco dominante na sua área de residência? Porquê? 11. Represente um diagrama onde haja um homem com duas esposas e com uma filha na segunda esposa. 12. Repita o mesmo exercício, mas com as seguintes situações: Um divórcio no primeiro casamento e dois filhos, cujo sexo não se conhece perfeitamente, no segundo casamento. 13. Qual é o tipo de Filiação da sua zona de residência. 14. Apresente o esquema de Parentesco. 15. Identifique os grupos de Parentesco. 16. Elabore a sua árvore genealógica. 17. Depois de se informar, caracterize o casamento da sua área de residência, assinalando o (os) fundamento (os) do mesmo (s): a) Livre, prescrito ou compulsório, hipergâmico, hipogâmico, homogâmico ou isogâmico, preferencial, por compensação nupcial, por levirato e sororato; monogâmico; poligâmico. b) Quais os motivos que determinam a existência do tipo de casamento que identificou anteriormente. c) Na sua área de residência, ocorre o último tipo do casamento identificado na questão anterior. Que tipo. 18. Identifique as características residenciais da área cultural em que se encontra a viver. 19. Partindo da realidade de Moçambique, identifique e demarque as características residenciais mais dominantes do País. 20. Que importância tem o sistema de atitudes num grupo social dado. Antropologia do desporto 90 Unidade nº 6 Cultura do simbólico, ideologias e o papel da religião tradicional em Africa e em Mocambique Depois de ter feito o contacto com aspectos relacionados com os pressupostos da emergência da Antropologia e das teorias subsequentes, com as características da Cultura, com a cultura material, e finalmente com o parentesco, é chegada a vez de ver o simbolismo que existe no interior de toda a acção humana, quer na produção material, ou no parentesco, nesta unidade você vai aprender o que existe do lado imaterial dos homens, desde o conjunto de ideias, símbolos, crenças, religiões, etc. Ao completares esta unidade / lição será capaz de: Objectivos Conhecer a natureza simbólica da Cultura Humana; Distinguir a Religião da Magia; Saber como a ideologia é veiculado dentro de uma comunidade; Caracterizar a prática religiosa tradicional em África e em Moçambique; Terminologia A terminologia que vai usar nesta unidade é a seguinte: AD-Antropologia do desporto Antropologia do desporto 91 Se você for a fazer uma leitura sobre todos os povos vai notar que eles têm um conjunto de ideias que se relacionam com a cosmovisão ou então existe uma crença sobre um mundo sobre natural, ou ainda que os homens estabelecem um relacionamento com o mundo invisível. Esse é o lado imaginário do homem, da cultura imaterial ou do aspecto ideológico, De facto, toda a sociedade humana tem, de certa forma, uma ligação com o sobrenatural ou com o imaginário que não se pode situar necessariamente ao nível do aspecto religioso. Por outro lado quando falamosdas características da cultura, vimos que uma delas é o seu carácter simbólico, isto é, que para alem de ser material, envolvendo artefactos e objectos, ela também comporta uma parte mental, resultante da actividade psíquica, quer nos seus aspectos cognitivos, afectivos, significados, valores e normas. Contudo, estes dois lados da cultura agem de forma recíproca, dado que, como defende Maurice Godelier, o material da cultura pode se simbolizar e o simbólico da cultura se pode materializar. Esse mundo simbólico precisa de ser descodificado pelo facto de os símbolos formarem um sistema específico, porque transmite mensagens difíceis de captar a primeira vista. Assim, a compreensão da cultura dos homens depende da percepção dos símbolos, dado que estes tocam a cultura e a sociedade na sua globalidade. Por isso, alguns estudiosos consideram o homem como ‘Animal simbólico’ e, outros autores, indicam ser difícil separar as duas partes. Neste sentido, integram o simbolismo: A linguagem verbal, os ritos, as instituições culturais, as relações e os costumes, etc. Um ex. prático ao nível do simbólico em África é o totemismo. Este expressa um conjunto de seres animais e vegetais, usados para atribuir nome a um clã, passando a partir deste momento, a ser o nome pelo qual um determinado Antropologia do desporto 92 clã se identifica. Na sequência dessa prática, um clã X passa a evitar o contacto, principalmente por via de alimentação, com o animal ou a planta. Contudo, um dos elementos que integra a maior parte dos aspectos simbólicos é a religião. O discurso religioso procura abarcar a totalidade da experiência humana, ligando o material ao sobrenatural, o imanente ao transcendental, com o fim de classificar, ordenar, hierarquizar, construir uma moral e dar um sentido de á vida. A religião tende para a Metafísica, tendo como característica o sacrifício, supondo um intermediário de poderes sobrenaturais. Todas as religiões dividem o mundo em duas partes: Uma sagrada, que envolve objectos de culto, as pessoas do culto e os próprios seres cultuados e outra profana, respeitante ao comum, ao secular. Segundo Martinez, (200)), todas as religiões, das diferentes sociedades, tem funções semelhantes, como a essencialista, cujo objectivo é manter a identidade e a consistência da sociedade e a funcionalidade nos aspectos: Transcendental, na vinculação do Homem ao mundo transcendental, ao ser Supremo. Integrador, para manter o grupo social unido através da sua identidade cultural. Ético, cuja finalidade é de manter normas morais uniformes na sociedade e a Função psicológica como o objecto de manter o equilíbrio e a harmonia. E como acrescenta Riviére ‘A pluralidade das religiões não autoriza de forma nenhuma, que se considere uma delas como a única verdadeira, não passando as outras de esboços ou similacres, apesar da nossa tendência para tratarmos como mitos e superstições as crenças a que nós não aderimos’. (Reviére, 2000). O discurso religioso faz-se de certa maneira parte da ideologia de um grupo social, esta definida como o conjunto das representações colectivas (Morais, filosóficas, religiosas…), através das quais os homens traduzem as suas condições reais de Antropologia do desporto 93 existência adoptadas por exprimirem os interesses, reais ou imaginários, de uma classe ou grupo social, (Clément e tal. 1998). Geralmente a ideologia permite e garante a manutenção das relações sociais, dado que é através dela que estão prescritas, de forma subtíl, as relações baseadas numa força exterior, reguladoras das mesmas. O Mito designa ‘Um conjunto de actos repetitivos e codificados, por vezes, solenes, de ordem verbal, gestual ou de postura, com forte carga simbólica, fundado sobre a crença na força actuante de seres ou de poderes sagrados, com os quais o homem tenta comunicar, visando obter um determinado efeito’ (Reviére, 2000, p.154). O Rito é endereçado a um ser sobrenatural, diferente dos demais e tem: Uma sequência de acções, representações, meios de comunicação, feitos por um pessoal especializado e meios reais e simbólicos. Assim envolve objectos, divindades, como as orações e oferendas, sacrifícios, pessoal como oficiantes/Médiums/Padres. Eles são feitos em lugares próprios ou habituais, como numa árvore, junto de nascentes de rios, nas bases de montanhas, numa igreja, em função da sociedade. O Rito religioso é público, colectivo e social. Por sua vez, o Mito, que se situa a nível da linguagem é formado por unidades constitutivas (Mitemas ou elementos míticos). Sobre o Mito, Lévi-Strauss desenvolveu um amplo estudo. O Mito permite interpretar, assim como estruturar os aspectos culturais e mesmo alguns procuram regular a vida de um grupo social. Os Mitos inserem aspectos cuja, explicação é vaga, imprecisa e não põe directamente em causa a funcionalidade de um grupo, mesmo que possa exercer influência sobre a mesma. Antropologia do desporto 94 O Mito refere-se a um tempo primordial, relatando acontecimentos, das origens. As personagens que aparecem nos mitos são seres sobrenaturais, protagonistas de uma actividade criadora, revelando-se no Mito a sacralidade das suas obras. Segundo Lévi-Straus, o mito pode expressar uma contradição impossível de resolver. No mesmo diapasão, para Copans e outros (1971,p.319), embora o Mito encontre as suas causas nas estruturas sociais, ele pertence a superstrutura, com a finalidade de atenuar contradições. Aponta ainda que toda a mitologia submete, domina as forças da natureza no campo da imaginação e dá-lhes forma, mas desaparece quando tais forças são dominadas realmente (Ibid, p.320). Assim, ao narrar realidades sobrenaturais, o Mito traduz-se numa história sacra. O Mito é uma história exemplar, dado que fornece modelos para a conduta humana, orientando o Homem no seu comportamento com respeito a Deus e aos outros seres. Porém, mesmo situando- se neste nível, o Mito não é todo falso, dado que se refere a acontecimentos, com a criação do mundo, as origens da espécie humana, das coisas, como verdadeiros, como factos objectivos. Por isso, os Mitos têm as seguintes características: Tratam das origens, os seus protagonistas são os Seres Sobrenaturais, através deles entra-se em contacto com o sagrado, são transmitidos nos Ritos por especialistas indicados pelos grupos sociais. A Religião tradicional em África: (O culto aos antepassados, as crenças na magia e na feitiçaria, os ritos de possessão). A Religião Tradicional em Africa, envolve um conjunto de procedimentos, muitos deles diferentes nas religiões mais massificadas do Mundo: O Cristianismo, e o Islamismo ou outras que, mesmo ocupando um país ou uma região geográfica, Antropologia do desporto 95 são expressivas, como o Hinduísmo, O Budismo. É uma religião que crê no culto aos antepassados, pelos quais os vivos se endereçam ao Deus e esperam receber, deste, as boas graças, que podem passar pelos antepassados, ou podem ser ‘endereçadas’ directamente. Veja o esquema: Este culto resulta da crença numa segunda vida e da transformação dos mortos (Antepassados, um carácter atribuído a uma certa categoria de homens), em personalidades místicas de ordem superior, inferiores a Deus. Se de facto há uma crença de que os antepassados que tiveram uma óptima conduta em vida, tem a possibilidade de ter uma relação directa com Deus, podendo, para isso se constituir como um bom intermediário entre os vivos e Aquele. O culto é realizado por meio de oferendas, preces, que varia de um grupo social para outros. É uma religião que não tem calendário especificamente delimitado, podendo variar segundo o momento em que se manifesta o factor de referência para o culto. Por ex. a invocação de chuva só pode houver a escassezde chuva. Nos anos em que há abundância, esse processo não ocorre. Porém há períodos propícios para a sua ocorrência. Assim, é uma religião mais prática, que procura resolver os problemas que aparecem no quotidiano. O comportamento religioso, é às vezes, associado as forças malignas, influenciáveis por práticas específicas, como a magia. Deus Antepassado Vivos Antropologia do desporto 96 A Magia segundo Reviére (2000) ‘ É uma operação visando agir sobre a natureza por meios ocultos, que pressupõem a existência quer de espíritos, quer de forças imanentes e extraordinárias’. A magia é um ritual prático com finalidades maléficas ou benéficas. Embora assente em realidades sociais e de magia, diferentemente da religião, é, nos seus ritos, individual. Há situações em que a magia é comunitária e aceite pelo grupo, as vezes é considerada anti-social, põe em acção poderes externos manipulados pelos símbolos (Objectos, fórmulas, gestos), visando modificar o curso dos acontecimentos em favor de alguém e prejuízo do outro. A magia não se faz num templo ou no altar doméstico, mas às escondidas ou num lugar isolado, longe de grande público. Os actores envolvem-se em mistério. Uma outra acção que se situa a nível do espiritual é a feitiçaria, que é concebida como tendo em vista para prejudicar alguém. O acto é ofensivo, maléfico para um grupo social, ou para indivíduos. Ela pode influenciar-se para a manutenção da ordem social, na medida em que alimenta o receio de desvios e de tendências nocivas a sociedade. Essas práticas são concretizadas por actos repetitivos e codificados, de ordem verbal, gestual ou de postura, com forte carga simbólica-os Ritos. Com os ritos espera-se que uma força actuante de um poder sagrado, sobrenatural para a obtenção do efeito desejado. Um rito comporta uma sequência de acções, meios reais e simbólicos, representações, meios de comunicação. Em determinadas ocasiões, tais ritos são concretizados sob um estado de possessão, na qual ‘ Um indivíduo se considera estar sob o domínio de uma força sobrenatural, que o transforma num instrumento da sua vontade, quer com uma finalidade terapêutica pessoal, quer como mediação pelo possuído de uma mensagem Antropologia do desporto 97 divinatória para a sociedade’. (Reviére, 2000, p. 160). Nessa situação diz-se que a pessoa entrou em transe. As práticas religiosas tradicionais envolvem ainda a adivinhação, que serve para reduzir as incertezas quanto ao futuro de um indivíduo, projecto colectivo ou revelar desajustes existentes numa comunidade, visando moldar um novo comportamento. Um outro nível situa-se o tabu, que é um interdito sacralizado ou consagrado ou resulta do impuro. Acredita-se que a transgressão pode dar origem a uma desorde natural ou social. O tabu é definido por membros seniores de uma comunidade, fruto de interpretações de experiencias desagradáveis, de sonhos de visões, ou de mitos. O Poder e o Sagrado nas Formações Sociais, Tradicionais em Moçambique O sagrado é a concepção de uma força misteriosa, fascinante, e temível, cujos atributos variam de um grupo social para o outro: Deus, antepassados, forças superiores, etc. Ele pode situar-se ao nível religioso e fora do religioso. No primeiro contexto é a força que garante a segurança e é uma totalidade que se responsabiliza por tudo que não somos responsáveis. Geralmente posiciona-se ao nível de impotência de explicar certos aspectos. Quanto ao segundo contexto fora da religiosidade, o sagrado pode situar-se ao nível do amor á Pátria, laços sagrados do casamento, respeitos sagrados, prescritos no interior de um grupo social, como entre pai e filho, genro-sogra, o sagrado é um dos contextos fundamentais da circulação do poder no interior dos grupos sociais tradicionais, incluindo as urbanas. Por ex. o amor de uma bandeira cujo simbolismo pode situar-se ao nível do sagrado, base de tarefa governamental em situações delicadas, só pelo facto de ter jurado a bandeira nacional até as últimas consequências. Antropologia do desporto 98 Após afirmação, no território que mais tarde será conhecido por Moçambique, do substrato social bantu e de outro grupos populacionais no resto da África, e a formação do respectivo universo religioso, houve durante o primeiro milénio e no período subsequente, a penetração de outros povos. A penetração mercantil europeia e asiática. Cada um destes povos trazia consigo seu universo religioso. Para além de indianos, chineses os árabes estiveram presentes. Estes últimos dominaram as trocas comerciais em longo tempo, influenciando o modo de vida local, desde a língua, a forma de traje e a religião. Com os árabes e os povos da costa oriental africana, foi introduzida a Religião Islâmica, cujos traços evidentes foram marcados a partir do séc. XIV a partir do séc. XVI surge o Cristianismo. A introdução do Islamismo e do Cristianismo em Moçambique, nem sempre foi negociada, houve a imposição dos dois créditos religiosos que já reclamavam um carácter universal profético e hegemónico. As duas religiões foram consideradas pelos respectivos povos como o factor ideológico. O primeiro impacto que ocorreu sobre as comunidades agrícolas foi a secundarização/marginalização das práticas religiosas locais, num projecto de uma aculturação programada directa ao subtil. O Cristianismo foi imposto até nas escolas, com as famosas catequeses. Não foi possível apagar tudo nas tradições religiosas locais. Os africanos resistiram sobre diversas formas tais como a integração parcial de alguns caracters das religiões imposta, Reviére (2000, Antropologia do desporto 99 p.158) ‘ É um processo contra-aculturativo que implica assimilação de mitos, empréstimo de mitos, associação de símbolos por vezes inversão semântica e reinterpretação de mensagens supostamente divinas’. As evidências indicam que com a emergência dessas práticas sincréticas, os africanos quiseram preservar esta relação com o sobrenatural, segundo os seus fundamentos de vida. Quando os africanos foram impostos novas religiões, procuraram, sempre que possível interpretá-las a sua maneira. Essa foi a razão da emergência dos sincretismos que vimos anteriormente. Na verdade o africano parece ter percebido que a sua sobrevivência passava pela criação de um imaginário comandado de dentro, mesmo tendo influência externa, tivesse influência local ou interna de um grupo social. Foi nesse período que emergiram os movimentos políticos religiosos em África. É que se designa por Cristianismo ‘Indígena’, como o Apostolowa Fe Dedefia Habobo (Sociedade de Revolução Apostólica) no Ghana, o Dini ya Nsmbwa Igreja dos antepassados) no Quénia, pássaro branco no Zimbabwe, Igreja dos negros no Congo, entre outras (Adu, p. 363-365). Todas essas igrejas têm uma base local e mesmo usando certas teorias então defendidas pelo cristianismo, visavam trazer benefícios ao povo local no interior de uma ordem já imposta ou estabelecida. A história africana testemunhou desde muito cedo nesta relação com as religiões externas, alguns movimentos religiosos, que com um impacto político visavam, preservar a estabilidade dos grupos sociais locais, no séc. XVII houve um movimento de ‘(…) Kimpa vita (Dona Beatriz) que, africanizando o Antropologia do desporto 100 cristianismo anunciava a restauração do antigo reino do Congo e uma era de riquezas materiais e espirituais’ (Delumeau, 2002). No séc. XX desenvolveu-se o Kimbanguismo, no Congo que usando preceitos fundamentalmente cristãos, e a Bíblia, Simon Kimbangu, designou a sua aldeia ‘Nova Jerusalém’, processo que transformou a sua aldeia em local de peregrinação, transformou o seu povo em ‘povo eleito’ e paralelamente apostava a restauração da ordem local, que devia serconcretizada pala destruição do sistema colonial europeu. A sua expressão política entre as populações levou a sua transformação em movimento político, de que se apoiou Mobuto Sesse Sekou (Id) um dos ex. presidente do Zaire, actual República Democrática do Congo. Neste contexto, fala-se de igrejas separatistas ou independentes, ‘(…) Que procuravam integrar uma parte importante das crenças e das práticas africanas na vida cristã (…), expressão do desejo dos africanos de encontrar um lugar onde se pudessem sentir em casa e incluir nações religiosas africanas nas liturgias cristãs’ (Boahen, p. 360). Na África do Sul existiram igrejas etiópicas, que defendiam direitos políticos dos africanos e o progresso autónomo da África. Assim em África os profetismos e os messianismos apresentam uma linguagem contraditória. Todas as sociedades humanas apresentam um lado simbólico na sua cultura. Um dos aspectos mais característicos da Cultura imaterial é a Religião, A qual procura abarcar a totalidade da experiência humana, ligando o material e o sobrenatural, com o fim de classificar, ordenar, hierarquizar, construir uma moral e dar um sentido á vida. Esta cultura simbólica ou imaterial veicula elementos agregadores num determinado grupo social. Antropologia do desporto 101 Os Ritos e os Mitos constituem as formas de transmissão e de exteriorização dos aspectos simbólicos da cultura humana. Enquanto os primeiros encerram o conjunto de regras pelas quais o Homem procura comunicar-se com o além, os segundo procuram explicar os primórdios da humanidade ou mesmo do universo, desse além. A Religião Tradicional Africana é fundamentalmente baseada no culto aos antepassados, que são os elos de ligação entre os vivos e os mortos. É uma Religião sem um calendário rígido, acompanhada pela prática da magia e adivinhação. Geralmente o sagrado está associado á transmissão do poder ou ao estabelecimento de regras ou prescrições que regulam a sociedade. A introdução de novas Religiões em África, onde anteriormente existiam religiões tradicionais trouxe um impacto sobre estas, através da sua marginalização e supressão. Alguns resistiram e adaptaram-se a nova realidade, tendo absorvido algumas práticas das religiões impostas. Surgiram daí os diversos sincretismos e religiosos. Para contrapor a ordem institucionalizada, alguns grupos sociais conheceram no seu interior a formação de movimentos políticos com uma base religiosa, como o cristianismo indígena, as igrejas separatistas ou independentes, que procuravam encontrar um espaço de manobra para a sua expressão cultural e política. Antropologia do desporto 102 Sumário A Religião Tradicional em Africa, envolve um conjunto de procedimentos, muitos deles diferentes nas religiões mais massificadas do Mundo: O Cristianismo, e o Islamismo ou outras que, mesmo ocupando um país ou uma região geográfica, são expressivas, como o Hinduísmo, O Budismo. É uma uma religião que crê no culto aos antepassados, pelos quais os vivos se endereçam ao Deus e esperam receber, deste, as boas graças, que podem passar pelos antepassados, ou podem ser ‘endereçadas’ directamente. Exercício 6 1. Onde se encontra, na essência, a diferença entre a cultura material e imaterial. 2. Porquê se diz que o ser humano é por natureza ‘simbólico’. 3. Apresente o carácter universal da religião. 4. A partir da sua área de residência, identifique os Ritos Religiosos praticados pela respectiva comunidade e os grupos praticantes. 5. Procure encontrar a(s) versão (ões) da origem do Homem ou do universo nesses Ritos ou compare-as, se for o caso. 6. As práticas religiosas africanas conhecem, em função do comportamento dos fenómenos naturais, descontinuidade. Justifique. 7. Procure fazer o levantamento dos aspectos sagrados na sua área de residência. 8. Que fundamentos foram capitalizados pelos povos estrangeiros na difusão dos seus credos religiosos. Antropologia do desporto 103 9. Defina, por suas palavras, Sincretismo Religioso. 10. Na sua área de residência haverá indícios de integração de aspectos religiosos de um grupo exógeno. 11. O que terá motivado a introdução das diferentes igrejas separatistas entre os nativos de várias regiões africanas. 12. A partir da sua zona de origem, procure evidências de movimentos contestatários de origem religiosa, explicando como se circunscreveu esse processo. Antropologia do desporto 104 Referência Biblográfica BACHOFEN, J.(1879). A mitologia e o parentesco. BERNARDI, Bernard. (1979). A Cultura das sociedades Humanas. BOAS, Franz. (1942) O Difusionismo Cultural e o particularismo histórico. BROWN, A.(1955) O estruturalismo. COMTE, Augst, (1879) Estrutura orgânica das sociedades. DA VINCI, Leonard, (1882). Estrutura do corpo Humano. DARWIN, Charles. (1882). A evolução das sociedades humanas. DURKHEIN, Émmilé. (1917). A escola sociológica Francesa. KANT, Emmanuel. (1804). O entendimento constrói o objecto. MALINOWSKI, Brownislav. (1942) O Funcionalismo social. MARTINEZ, M.A. (2004). Construção da ciência Antropológica, 2004. MARX, Karl.(1877) O materialismo cultural, a origem da família, a propriedade privada e o estado. MORGAN, Lewis. (2003). 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