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A DIVERSIDADE E A PRÁTICA PEDAGÓGICA: ALGUMAS REFLEXÕES Elita Betania de Andrade Martins* Resumo: O presente texto vem discutir como a questão da diversidade tem exigido uma reformulação das práticas pedagógicas. Inicialmente, é feita uma exposição de como a educação foi compreendida como uma forma de garantir a participação do indivíduo na sociedade, porém muitas vezes para isso, adotou práticas homogeneizantes que não respeitavam a diversidade, tais práticas são reveladas através da análise da organização dos prédios escolares, programas e procedimentos adotados pelos professores. Em seguida, trata-se da diferenciação dos termos “integração” e “inclusão”, discutindo suas implicações na organização de uma escola que tenha uma prática de reconhecimento e acolhimento da diversidade e por fim, as implicações destes aspectos na formação de professores. Palavras-Chave: Educação – Diversidade – Inclusão – Formação- Professores * Professora e Supervisora de Prática e Estágio do Curso Normal Superior da Faculdade Metodista Granbery; atualmente, desempenhando funções técnicas no Departamento de Ações Pedagógicas da Secretaria de Educação de Juiz de Fora. Introdução Como professora da disciplina Estágio Supervisionado do Curso Normal Superior, tenho vivenciado experiências extremamente ricas, pois nossa alunas, através de suas observações e estudos, têm compartilhado durante as aulas importantes reflexões. Um exemplo disso, foi a discussão sobre o tema diversidade surgido após o desenvolvimento de atividades voltadas a análise de como o espaço da sala de aula tem sido (e pode ser) organizado. Um grupo de alunas relatava a preocupação em compreender por que alunos com necessidades especiais ficavam a maior parte do tempo sob responsabilidade de um estagiário, tendo pouquíssimo contato com o professor regente e com os demais colegas, elas questionavam: “estes alunos estariam integrados ou incluídos àquela sala de aula?” Após o debate, as alunas afirmavam que os professores precisam se preparar para lidar com a diversidade, possibilitando a inclusão destes alunos no espaço escolar. Mas, me questiono: Como se tem compreendido a diversidade? Tais questões foram ainda mais aguçadas quando há pouco tempo, tive acesso a um livro infantil intitulado “Na minha escola todo mundo é igual.”, antes de ler o livro fiquei pensando: Será que todo mundo é igual mesmo? Assim, apesar da amplitude do tema, gostaria de fazer algumas reflexões que serão apresentadas a seguir. 1) O processo educacional e a diversidade RODRIGUES (1991) destaca que os ideais burgueses de “liberdade, igualdade e fraternidade”, defendidos pós Revolução Francesa, atribuíam, na época, como objetivo da instrução pública “estabelecer entre os cidadãos uma igualdade de fato e realizar a igualdade política reconhecida pela lei tal deve ser o primeiro objetivo de uma instrução nacional e, sob este aspecto, ela é para os poderes públicos um dever de justiça.” Tal preocupação foi expressa no Plano de Condorcet aprovado pela Assembléia francesa, em 1872. Hoje, o direito a igualdade de participação política parece algo inquestionável, porém como afirma SCOTT (2005) Na época da Revolução Francesa, a igualdade foi anunciada como um princípio geral, uma promessa de que todos os indivíduos seriam considerados os mesmos para os propósitos de participação política e representação legal. Mas a cidadania foi conferida inicialmente somente para aqueles que possuíam uma certa quantia de propriedade; foi negada para aqueles muito pobres ou muito dependentes para exercerem o pensamento autônomo que era requerido dos cidadãos. A cidadania também foi negada (até 1794) aos escravos, porque eles eram propriedade de outros, e para as mulheres porque seus deveres domésticos e de cuidados com as crianças eram vistos como impedimentos (...) E na educação? Se ela passa ser entendida como direito fundamental para a participação da vida em sociedade, sendo capaz de estabelecer uma igualdade de fato entre os cidadãos, como ela cumpriu seu papel? Podemos afirmar que durante sua história, a escola pensou e praticou o princípio de que “Todos tinham que ser iguais”, mas iguais a quê? A um modelo imposto pelas elites, o modelo europeu, branco, masculino. Para atingir este modelo, a instituição escolar organizou seu trabalho a partir de padrões que deveriam ser cumpridos por todos. O historiador Faria Filho (2000) ao discutir a história dos prédios escolares, conhecidos como Escolas-Monumento no Séc. XIX, afirma Os materiais de ensino intuitivo, as carteiras fixas no chão, e a posição central da professora pareciam indicar lugares definidos para alunos e mestra em sala de aula. (...) A rígida divisão dos sexos, a indicação precisa de espaços individuais na sala de aula e o controle dos movimentos do corpo na hora de recreio conformava uma economia gestual e motora que distinguia o aluno escolarizado da criança sem escola. (FARIA FILHO, 2000, p....) O autor ainda acrescenta: Uma primeira dimensão do tempo escolar alterada foi a imposição definitiva do ensino simultâneo. Divididas as classes segundo um mesmo nível de conhecimentos e de idade dos alunos, eram entregues a uma professora, às vezes acompanhada de uma assistente, que deveria propor tarefas coletivas. Cada um e todos os alunos teriam que executar uma mesma atividade a um só tempo. (...) Para fazer cumprir um horário assim determinado, no qual se contavam os minutos e se distribuíam as disciplinas pelos respectivos horários em todos os dias da semana, em todos os anos do curso, pretendeu-se dotar os grupos escolares de normas e instrumentos de controle do tempo e dos horários escolares. Instrumentos como os relógios, as campainhas, as sinetas passaram a fazer parte do material básico dos grupos escolares. (FARIA FILHO, 2000,p. ) A escola com práticas como esta, onde todos deveriam ter o mesmo ritmo, excluía os diferentes, classificando e selecionando os sujeitos, num modelo tradicional centrado na transmissão de conteúdos, com aulas expositivas, em uma relação professor- aluno, autoritária que não valorizava a autonomia e que avaliava com o intuito de medir o quanto cada um dos alunos tinha se aproximado do modelo imposto. Aqueles que ficavam distantes dos padrões estipulados ficavam a margem do processo educacional, da “normalidade”. O resultado destas práticas era (ou ainda é?) uma escola excludente que produzia o fracasso! No Século XX, diversos movimentos apontam para a necessidade de abertura/democratização da escola, é defendida a construção de uma escola que inclua a todos, reconhecendo a diversidade. Mas como entender diversidade? No dicionário, podemos encontrar “sf diferença, dessemelhança, variedade”. Porém, essa diferença na Atualidade, não pode ser compreendida como o oposto do normal, mas apenas como “diferente”. Sobre este aspecto MARQUES (2006) afirma A diversidade implica a preservação do dado de que todas as pessoas são iguais no que se refere ao valor máximo da existência: a humanidade do homem. A diferença não deve, pois, se constituir num critério de hierarquização da qualidade humana. Ainda segundo a autora : Entendendo a inclusão como princípio alicerçado no dado atual da diversidade, que contempla necessariamente todas as formas possíveis da existência humana, considera-se que ser negro ou branco, ser alto ou baixo, ser deficiente ou não-deficiente, ser homem ou mulher, ser rico ou pobre são apenas algumas das inúmeras probabilidades de ser humano Entretanto, como afirma CARVALHO (2005), muitos ainda pensam que a inclusão na escola se refira apenas às pessoas com necessidades especiais. É preciso compreender que hoje, a inclusão dirige seu olhar a todos os alunos, independentesde suas características. Tal preocupação tem implicado em discussão sobre o uso de terminologias como inclusão e integração. Sánchez (2005, p.16) chama a atenção para o fato de “enquanto a integração tem posto sua ênfase no aluno com necessidades educacionais especiais, a inclusão centra seu interesse em todos os alunos.” Assim, em um contexto que reconhece a diversidade em suas múltiplas faces, a expressão inclusão é a mais adequada. Conforme Ainscow (in Sánchez, 2005) (...) tem-se utilizado a palavra «integração» para descrever processos mediante os quais certas crianças recebem apoio com o propósito de que possam participar nos programas existentes em grande medida sem modificações dos colégios; pelo contrário, a “inclusão” sugere um desejo de reestruturação do colégio para responder à diversidade dos alunos que recebem as aulas. AINSCOW in SÁNCHEZ, 2005,p 16) Tal citação, deixa evidente que uma escola que reconhece a diversidade, precisa ser inclusiva, ou seja se adequar para acolher as diferenças. Nesse momento, gostaríamos de retornar ao livro infantil, citado anteriormente (Na minha escola todo mundo é igual de Rossana Ramos) e que trata de uma experiência de inclusão escolar, podemos encontrar o seguinte trecho: “Lá na minha escola, ninguém é diferente. Cada um tem o seu jeito, o que importa é ir pra frente.” Em uma leitura inicial pode parecer um recurso didático adequado para trabalhar com as crianças a importância de se respeitar as diferenças entre os colegas de turma. No entanto, pode ser utilizado também para iniciar uma reflexão com os professores sobre como organizar práticas pedagógicas que respeitem e valorizem esta diversidade. No referido livro encontramos “Tem gente que aprende depressa, tem gente que demora um pouco, mas isso não faz diferença porque um ensina o outro”, tal afirmação, apesar de sua simplicidade, demonstra a necessidade de uma prática pedagógica que reconheça a diversidade, mas não tente homogeneizá-la, repetindo uma organização escolar presente no início da período republicano brasileiro e apontado por Buffa e Pinto (2002) em sua pesquisa sobre arquitetura e educação As classes homogêneas, o regime seriado, a distribuição do programa detalhado por séries, os horários são condição de possibilidade e , ao mesmo tempo, decorrência do emprego do método intuitivo. Diferentemente das escolas de primeiras letras, o grupo escolar republicano inaugura uma nova ordenação do tempo escolar. O tempo é agora, marcado pelo relógio (...) Nas salas de aula de planta de desenho regular e moduladas, o mobiliário dos alunos era fixado no piso. Não eram raras salas com tablado para a professora. (...) Essa configuração do espaço determinava uma forma específica de ensinar e aprender: os alunos em dupla, sentados nas suas carteiras com cadernos e livros e o professor soberano sobre o praticável à frente de seu principal instrumento de trabalho, o quadro negro. (BUFFA e PINTO, 2002, pp. 51 e 52) A importância de se construir propostas educacionais que considerem a heterogeneidade, é evidenciada na crítica de DAYRELL (1996), conforme o autor ao matricular-se na escola, o sujeito torna-se aluno, uma categoria padronizada que desconsidera suas especificidades. Conforme este autor É comum e aparentemente óbvio os professores ministrarem uma aula com os mesmos conteúdos , mesmos recursos e ritmos para turmas de quinta série, por exemplo, de uma escola particular do centro, de uma escola pública diurna, na periferia, ou de uma escola noturna. (...) A prática escolar, nessa lógica desconsidera a totalidade das dimensões humanas dos sujeitos-alunos, professores e funcionários - que dela participam. (DAYRELL, 1996, p.139) DAYRELL (1996, p . 140) ainda denuncia que “O tratamento uniforme dado pela escola só vem consagrar a desigualdade e as injustiças das origens sociais dos alunos”. Assim, é preciso reconhecer que estes alunos ao chegarem à escola trazem consigo toda uma bagagem cultural, uma história de vida, uma forma particular de ver o mundo e desconsiderar estas experiências pode significar a criação de obstáculos que dificultarão a sua permanência na escola. Cabe destacar que ao se excluir este sujeito da instituição escolar, não é respeitado o seu acesso à educação como um direito fundamental para participação da vida em sociedade. Como podemos constatar torna-se hoje fundamental, repensar a prática pedagógica, reconhecendo a sala de aula (e toda a escola) como organismo vivo, com vida e personalidades próprias. Repensar o fazer pedagógico, reestruturando para reconhecer e respeitar a diversidade não é nada fácil, mas podemos focar alguns pontos no interior da escola: • Refletir sobre as questões da diversidade racial e de gênero : Como o negro e o índio são representados nos livros didáticos e cartazes escolares? Quem são as crianças que têm destaque nas festas escolares? Por que organizamos filas de meninos e meninas? Por que estabelecemos na escola brincadeiras de meninas e meninos? • Rever a organização dos espaços escolares, atendendo as diferentes necessidades físicas e próprias de cada faixa etária e rediscutindo o seu uso conforme a variedade de atividades a serem desenvolvidas. • Repensar a organização do tempo escolar, com aulas dinâmicas que considerem os diferentes ritmos de aprendizagem, com avaliações que não sejam utilizadas apenas para classificar. Construindo uma proposta de trabalho na qual o professor atue como mediador do conhecimento e não mero transmissor de conteúdos estanques. Uma escola que acredite na autonomia do sujeito. A partir da lógica da diversidade, cada instituição escolar terá que encontrar seus caminhos para o respeito às diferenças, o que deverá estar expresso em seu projeto político pedagógico. 2) Diversidade e formação do professor Nesta reorganização do espaço escolar para a diversidade é preciso também (ou especialmente) discutir a formação do professor, porque muitas vezes percebemos que alguns princípios de inclusão são incorporados apenas discursivamente. Para ilustrar tal situação, destacamos o desenho feito por uma criança retratando a sua sala de aula e apresentado por uma estagiária de nosso curso como uma das tarefas na discussão da reorganização do espaço escolar. No desenho, a criança retrata as carteiras organizadas em círculo e a professora no centro, gritando que queria silêncio. Fica evidente o conflito entre a reorganização do espaço e padrões de comportamento próprios para uma aprendizagem, sem possibilidades para a troca, com a exigência do silêncio (sf calada, mudez) e do controle dos movimentos corporais. Situações como esta, apontam a necessidade dos cursos de formação de professores não se restrinjam como já afirmou Rodrigues (1991) a um nível de informação de técnicas de ensino ou reconhecimento de conteúdos específicos, bem como manejo de instrumentos pedagógicos de ensino. É necessário preparar o educador para trabalhar com os alunos de classes sociais diferenciadas, e prepara-los para incorporar no processo educativo a experiência de vida e de conhecimento que qualquer aluno traz para a escola. (1991, p.83) Devemos acrescentar a fala de Rodrigues, “preparar para trabalhar com os alunos” de diferentes gerações, religiões, etnias, gêneros, culturas... mas como é muito difícil imaginar a diversidade cultural que será encontrada na realidade das escolas onde os futuros professores irão atuar, é fundamental destacar a formação continuada e em contexto, onde o professor com seus pares, poderá refletir e aprofundar os conhecimentos necessários para lidar com os desafios diários. Concretizando assim, o princípio defendido por Freire (1996) de que não há docência sem discência, mas esta não é uma tarefa a ser desempenhada de forma isolada, é necessário comoafirmado anteriormente, um trabalho coletivo. Nesta reorganização do trabalho pedagógico não pode ser desconsiderada a importância da gestão escolar democrática que garanta o espaço para o diálogo e para as diferenças de opiniões, assim como o papel dos órgãos públicos que devem atuar, criando toda uma rede de apoio ao trabalho desenvolvido no interior das escolas. Esses apontamentos não são soluções para os conflitos que surgirão ao se repensar a atuação da escola em um contexto o qual reconheça e valorize a diversidade, mas será a partir do debate sobre o já feito e o que ainda precisamos fazer, que poderemos contribuir para constituir a escola em um espaço mediador e promotor do diálogo entre as diferenças. Enfim, temos como desafio para os cursos de formação de professores, contribuir para que estes possam reconsiderar o espaço escolar a partir de um novo enfoque, o da diversidade. Para alcançarmos este objetivo, acreditamos, conforme Estrela (2002) que a preparação do professor para enfrentar a complexa realidade escolar torna necessário o investimento em sua capacidade de análise do contexto profissional, institucional e social no qual este professor está inserido. Neste processo, será necessário que os educadores reconstruam suas percepções sobre a forma como até hoje a escola vem sendo organizada e concretizando crenças como as expressas por Freire (1996), Qualquer discriminação é imoral e lutar contra ela é um dever por mais que se reconheça a força dos condicionantes a enfrentar. A boniteza de ser gente se acha, entre outras coisas, nessa possibilidade e nesse dever de brigar. Saber que devo respeito à autonomia e à identidade do educando exige de mim uma prática em tudo coerente com este saber. (FREIRE, 1996, p.67) Referências bibliográficas BUFFA, Ester e PINTO, Gelson de Almeida. Arquitetura e educação: organização do espaço e propostas pedagógicas dos grupos escolares paulistas , 1893-1971. São Carlos, Brasília: EDUFSCar, INEP, 2002. CARVALHO, Rosita Edler. Diversidade como paradigma de ação pedagógica na educação infantil e séries iniciais in: MEC, Inclusão: Revista da Educação Especial. Secretaria de Educação Especial, ano I, n.º 01, outubro de 2005, pp.29-34 DAYRELL, Juarez (Org) Múltiplos olhares sobre educação e cultura. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1996, pp. 136-161 ESTRELA, Maria Teresa. A investigação como estratégia de formação contína de professores- reflexão sobre uma experiência in: SHIGUNON NETO, Alexandre e MACIEE, Lizete Shizire Bomura (Orgs.) Reflexão sobre a formação de professores. Campinas , SP: Papirus, 2002 FARIA FILHO, Luciano Mendes de e VIDAL, Diana Gonçalves. Os tempos e os espaços escolares no processo de institucionalização da escola primária no Brasil in: ANPED, Revista Brasileira de Educação, mai-ago/2000. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática pedagógica. São Paulo: Paz e Terra, 1996. MARQUES, Luciana Pacheco. A diversidade no processo pedagógico. UFJF, 2005, Texto preparado para a discussão das Diretrizes curriculares da rede municipal de Juiz de Fora, mimeo. RAMOS, Rossana. Na minha escola todo mundo é igual. São Paulo: Cortez, 2004 RODRIGUES, Neidson. Por uma nova escola : o transitório e o permanente na educação. São Paulo: Cortez, 1985 (1.ª edição) SÁNCHEZ, Pilar Arnalz. A educação inclusiva: um meio de construir escolas para todos no século XXI in: MEC, Inclusão: Revista da Educação Especial. Secretaria de Educação Especial, ano I, n.º 01, outubro de 2005, pp.7-18 Email para contato: ebamarti@granbery.edu.br
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