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JULIO_CESAR_LOPES_JESUS

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE 
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO 
NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM CIÊNCIAS SOCIAIS 
MESTRADO EM SOCIOLOGIA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A VIOLÊNCIA CONTRA IDOSOS EM ARACAJU: 
UM REFLEXO DAS MODIFICAÇÕES SOCIAIS DA IMAGEM DE 
“VELHOS” EM SOCIEDADES MODERNAS 
 
 
 
 
 
 
 
JÚLIO CÉSAR LOPES DE JESUS 
 
 
 
 
 
 
 
 
São Cristóvão – SE 
2010 
2 
 
 
JÚLIO CÉSAR LOPES DE JESUS 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A VIOLÊNCIA CONTRA IDOSOS EM ARACAJU: 
UM REFLEXO DAS MODIFICAÇÕES SOCIAIS DA IMAGEM DE 
“VELHOS” EM SOCIEDADES MODERNAS 
 
 
 
 
 
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Sociologia/Núcleo de Pós-Graduação e 
Pesquisa em Ciências Sociais da Universidade Federal 
de Sergipe, como parte dos requisitos para obtenção do 
título de Mestre em Sociologia. 
 
 
Orientador: Prof. Dr. Paulo Sérgio da Costa Neves 
 
 
 
 
 
 
São Cristóvão – SE 
2010 
3 
 
 
JÚLIO CÉSAR LOPES DE JESUS 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A VIOLÊNCIA CONTRA IDOSOS EM ARACAJU: 
UM REFLEXO DAS MODIFICAÇÕES SOCIAIS DA IMAGEM DE 
“VELHOS” EM SOCIEDADES MODERNAS 
 
 
 
Aprovado em 22/09/2010 
 
 
 
BANCA EXAMINADORA 
 
_________________________________________________________ 
PROF. DR. PAULO SÉRGIO DA COSTA NEVES – Orientador 
Universidade Federal de Sergipe – UFS 
 
 
_________________________________________________________ 
PROFª. DRª. MÔNICA CRISTINA SILVA SANTANA 
Universidade Federal de Sergipe – UFS 
 
 
_________________________________________________________ 
PROF. DR. VICENTE DE PAULA FALEIROS 
Universidade Católica de Brasília – UCB 
 
4 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A todos os idosos que, de alguma maneira, têm 
ou tiveram os seus direitos violados, mas que não se 
deixaram intimidar pela violência, denunciando os 
abusos sofridos. 
 
Aos idosos que não denunciam, calando-se diante 
da “conspiração do silêncio” à qual os velhos foram, 
historicamente, submetidos, mas que vivem na 
esperança de que seu silêncio seja um dia escutado. 
 
 
 
 
5 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
o pano de fundo histórico de um trabalho como este, há sempre um número 
considerável de pessoas e forças que, de alguma forma, direta ou indiretamente, 
ajudaram na construção do conhecimento e no alcance de seus resultados finais, mas que 
raramente são materializadas em suas linhas gerais, não aparecendo explicitamente em suas 
valiosas colaborações. E, é levando-se em consideração as contribuições de todas estas 
importantes pessoas que passo a conservar a nobre virtude da “gratidão”, ao registrá-las neste 
momento. 
 Ao meu orientador, Prof. Dr. Paulo Sérgio da Costa Neves, pela parceria e por aceitar 
o desafio empreendido por mim neste estudo; por suas pertinentes observações e 
contribuições e; pela respeitosa e peculiar forma democrática com a qual sempre imprimiu em 
nossos diálogos, ao entender que, como um “outsider na sociologia”, eu possuía, ao mesmo 
tempo, limitações e potencialidades. 
 Às professoras, Drª. Mônica Cristina Silva Santana (UFS) e Drª. Maria Tereza Lisboa 
Nobre Pereira (UFS), pela composição da Mesa de Qualificação desta dissertação e pelas 
ricas, minuciosas e norteantes sugestões feitas para a melhoria do presente trabalho. 
 Aos professores, Drª. Mônica Cristina Silva Santana (UFS) e Dr. Vicente de Paula 
Faleiros (UCB), pela contribuição e honra em ser avaliado por vocês. Em especial, agradeço 
ao professor Vicente Faleiros, pelo compromisso e a amizade de sempre, ao atender o nosso 
convite para compor a banca de defesa desta dissertação. 
 A todos os ilustres professores do Núcleo de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências 
Sociais (NPPCS/UFS) pelas experiências, críticas, observações e discussões cotidianas em 
sala de aula, ampliando os debates em torno de temas centrais dentro das Ciências Sociais. 
 Aos funcionários do NPPCS/UFS pela dedicação, respeito e disponibilidade para 
informar ou ajudar em assuntos acadêmicos, documentos e procedimentos institucionais. 
 Aos meus queridos e inestimáveis colegas do mestrado em sociologia – turma 2008 – 
pela amizade, companheirismo, carinho, respeito e cumplicidade que foram intensos durante 
um ano de convivência cotidiana e que, tenho absoluta certeza, criaram raízes para além do 
cenário acadêmico. Aprendi muito com cada um de vocês, nas diferenças e nas semelhanças! 
N 
6 
 
 
 Aos profissionais da Polícia Civil do Estado de Sergipe, que atuam no Centro de 
Atendimentos a Grupos Vulneráveis (CAGV/SSP-SE), em especial, a sua coordenadora, 
Delegada Georlize Teles, e a Rose, Fabiano, Vanessa, Iris e Cristiane, pelo apoio a esta 
pesquisa e na disponibilização dos recursos e informações possíveis para a consecução de 
seus objetivos. 
 A todos os participantes das entrevistas (idosos, testemunha e suposta agressora) e aos 
demais personagens destas histórias de vida e experiências de violência, pela confiança e 
colaboração na produção deste conhecimento. 
 Ao amigo Marcelo Alves dos Santos pela colaboração e profissionalismo na confecção 
do Mapa da Violência Contra a Pessoa Idosa na Cidade de Aracaju/SE. 
 À Professora Drª. Marília Anselmo Viana da Silva Berzins, coordenadora da Atenção 
Básica da Saúde do Idoso da Secretaria de Saúde do Município de São Paulo, pela gentileza 
do material cedido. 
 Por fim, mas não menos importante, à minha família, minha mãe Maria José, meu 
irmão Mário Jorge e minha querida Flávia Augusta, pelo apoio e compreensão em mais este 
compromisso acadêmico em minha vida. 
 A todos, o meu muito obrigado! 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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“Quando Buda era ainda o príncipe Sidarta, encerrado por seu pai 
num magnífico palácio, dele escapuliu várias vezes para passear de 
carruagem nas redondezas. Na primeira saída, encontrou um homem 
enfermo, desdentado, titubeante e trêmulo. Espantou-se e o cocheiro 
lhe explicou o que era um velho”. 
Simone de Beauvoir 
 
 
 
“[...] Dia virá em que as pessoas que pensam como nós irão se 
ausentando, até que poucas, bem poucas, ficarão para testemunhar 
nosso estilo de vida e pensamento. Os jovens nos olharão com 
estranheza, curiosidade; nossos valores mais caros lhes parecerão 
dissonantes e eles encontrarão em nós aquele olhar desgarrado com 
que, às vezes, os velhos olham sem ver, buscando amparo em coisas 
distantes e ausentes”. 
Ecléa Bosi 
 
 
 
 
 
 
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RESUMO 
 
ste estudo busca-se refletir acerca do fenômeno contemporâneo da violência praticada 
contra pessoas idosas. Com efeito, a violência – e, em particular, a violência contra os 
idosos – não é um fenômeno recente, nem unicamente encontrado nas sociedades modernas. 
Contudo, é notável que seja nestas sociedades onde se verifica que a imagem social dos 
idosos passa a sofrer um impacto nefasto, extremamente negativo, tendo uma nova 
configuração que fundamenta uma série de preconceitos, estigmas e discriminações voltadas 
aos velhos. É está imagem social moderna que passa a contribuir para o aumento da 
desvalorização dos idosos e de suas representações sociais, tendo como uma de suas 
principais consequências a elevação das práticas de violência neste segmento etário. A 
amostra deste estudo contou com 265 idosos, de ambos os sexos, com idades entre 60 e 98 
anos, residentes na cidade de Aracaju/SE e que registraram ou tiveram registrada alguma 
denúncia de violência no Centro de Atendimento a Grupos Vulneráveis (CAGV), no ano de 
2008. Foram utilizados como base de pesquisa documental os Boletins de Ocorrência (B.O.) e 
os Registros Policiais de Ocorrência (RPO), além de um instrumento próprio para a coleta de 
dados e informações sobre os casos. Constatou-se que essa violência ocorre, na maioria das 
vezes, dentro de casa, no âmbito privado, sendo os familiares, como filhos, cônjuges, netos e 
genros/noras (54%) os principaisresponsabilizados pelas agressões. Em relação ao “tipo de 
violência”, os principais registros foram de violência moral (45%) e psicológica (21%). As 
ocorrências se deram com maior frequência entre as mulheres idosas (68%). Contudo, com a 
elevação da idade, observou-se que os homens idosos passam a sofrer mais violência, tendo a 
mesma probabilidade de ocorrência que as mulheres a partir da faixa-etária dos 90 anos de 
idade. A viuvez (41%) também se constitui em um dos fatores de risco para os idosos – 
principalmente para as mulheres – elevando-se a possibilidade de sofrerem violência. A maior 
parte das denúncias tem sido feita pelos próprios idosos (72%), refutando-se a idéia da 
“vitimização absoluta”, que liga os idosos à tradicional imagem de passivos e incapazes. A 
violência cometida contra os idosos tem estado cada vez mais em evidência em nossas atuais 
sociedades, exigindo dos pesquisadores e das autoridades públicas uma maior atenção na 
compreensão deste fenômeno, bem como no fomento às políticas públicas voltadas aos idosos 
e às suas famílias, prevenindo, dessa forma, um aumento do número de casos de violência. 
 
Palavras-chave: idosos, sociedade moderna, imagem social, violência. 
N 
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ABSTRACT 
 
his study aims a reflection about the contemporary phenomenon of violence against the 
elderly. About this, the violence – and, in particular, the violence against the elderly – is 
not a recent phenomenon, not only found in modern societies. However, it is notable that in 
these societies where it appears that the social image of the elderly has become a more 
adverse impact, extremely negative, with a new configuration that supports a lot of prejudice, 
stigma and discrimination directed at the elderly. It is modern social image that is 
contributing to the increase in the devaluation of the elderly and their social representations, 
and as one of its main consequences raising practices of violence in this age group. The 
sample for this study included 265 elderly of both sexes, aged between 60 and 98 years old, 
living in the city of Aracaju/SE and that recorded or had recorded any complaint of violence 
in the Service Center to Vulnerable Groups (CAGV) in the year 2008. Were used as the basis 
of documentary research the official reports (B.O.) and police records of occurrence (RPO), 
and an instrument for data collection and information about the cases. It was found that 
violence occurs in most of the time indoors, in private, and family members as children, 
spouses, grandchildren and sons/daughters in law (54%) were the main responsible for the 
attacks. Regarding the "violence", the main records were moral violence (45%) and 
psychological violence (21%). The events are given more frequently among elderly women 
(68%). However, with increasing age, we found that older men are suffering more violence, 
with the same probability of occurrence that women from the age-range of 90 years of age. 
Widowhood (41%) also constitutes a risk factor for the elderly - especially for women - 
raising the possibility of experiencing violence. Most complaints have been made by the 
elderly (72%), contradicting the idea of "absolute victimization, thus linking the elderly with 
the traditional image of passive and helpless. Violence committed against the elderly has been 
increasingly in evidence in our current society, requiring researchers and public authorities 
more attention in understanding this phenomenon, and in promoting public policies aimed at 
the elderly and their families, preventing a larger number of violence. 
 
Key-words: elderly, modern society, social image, violence. 
 
 
T 
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RELAÇÃO DE RECURSOS VISUAIS 
 
FIGURAS 
 
FIGURA 2.1 – Centralidade do idoso em sociedades tradicionais....................................... 84 
FIGURA 2.2 – Imagens do Asilo Rio Branco no início do século XX.............................. 100 
FIGURA 3.1 – Retrato de Família....................................................................................... 160 
 
GRÁFICOS 
 
GRÁFICO 1.1 – Crescimento demográfico da cidade de Aracaju....................................... 74 
GRÁFICO 1.2 – Naturalidade dos idosos vítimas de violência........................................... 74 
GRÁFICO 3.1 – Idade e sexo dos idosos agredidos.......................................................... 137 
GRÁFICO 3.2 – Horário de maior incidência da violência praticada contra os idosos..... 145 
GRÁFICO 3.3 – Principais denunciantes da violência cometida contra idosos.................. 146 
GRÁFICO 3.4 – Atividades ocupacionais dos idosos vitimas de violência....................... 156 
GRÁFICO 3.5 – Principais acusados de agressão aos idosos............................................. 161 
 
 
MAPAS 
 
MAPA 3.1 – Mapa da Violência em Sergipe, 2008............................................................ 121 
MAPA 3.2 – Mapa da Violência Contra a Pessoa Idosa na Cidade de Aracaju/SE........... 124 
 
TABELAS 
 
TABELA 3.1 – Principais tipos de violências cometidas contra os idosos........................ 129 
TABELA 3.2 – Faixa-etária dos idosos vítimas de violência e que “denunciaram 
pessoalmente” as agressões sofridas......................................................... 147 
TABELA 3.3 – Faixa-etária dos idosos vítimas de violência, com denuncias feitas por 
terceiros.................................................................................................... 149 
TABELA 3.4 – Estado civil dos idosos vítimas de violência.............................................. 151 
TABELA 3.5 – Nível de escolaridade dos idosos vítimas de violência............................. 153 
 
 
11 
 
 
RELAÇÃO DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES 
 
APS/USA – Adult Protective Services/United States of America 
AVC – Acidente Vascular Cerebral 
B.O. – Boletim de Ocorrência 
BPC – Benefício de Prestação Continuada 
CAGV – Centro de Atendimento a Grupos Vulneráveis 
CREAS – Centro de Referência Especializado da Assistência Social 
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente 
GLBTT – Gays, Lésbicas, Bissessexuais, Transsexuais e Transgêneros; 
LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social 
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística 
IML – Instituto Médico Legal 
INPEA – International Network for the Prevention of Elder Abuse 
INSS – Instituto Nacional do Seguro Social 
MCT – Ministério da Ciência e Tecnologia 
NCEA/USA – National Center on Elder Abuse/United States of America 
OMS – Organização Mundial da Saúde 
ONU – Organização das Nações Unidas 
PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 
PNAS – Política Nacional de Assistência Social 
PNI – Política Nacional do Idoso 
RPO – Registro Policial de Ocorrência 
SSP/SE – Secretaria de Segurança Pública do Estado de Sergipe 
SUAS – Sistema Único de Assistência Social 
UCB – Universidade Católica de Brasília 
UFS – Universidade Federal de Sergipe 
WHO – World Health Organization 
 
 
 
 
 
12 
 
 
SUMÁRIO 
 
 
 
 
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 15 
A organização da dissertação .......................................................................................... 30 
CAPÍTULO 1 
PROCEDIMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS ................................................... 33 
1.1 Revisão bibliográfica: categorias analíticas fundamentais ................................................. 40 
 1.1.3 Velhice, velho e idoso: definições conceituais básicas ................................................. 41 
 1.1.2 Sociedade, indivíduo, imagem, representações sociais, estigmas e velhice ................. 46 
 1.1.3 Estado, família e violência ............................................................................................ 51 
1.2 A metodologia e os meios técnicos dapesquisa ................................................................. 63 
 1.2.1 A caracterização do estudo, seus sujeitos e os procedimentos metodológicos 
utilizados.................................................................................................................................63 
 1.2.2 Os critérios de seleção da amostra da pesquisa e os instrumentos para a coleta de 
dados ....................................................................................................................................... 68 
 1.2.3 Aracaju: o “cenário” de nossas análises ....................................................................... 72 
CAPÍTULO 2 
A IMAGEM DOS “VELHOS” SOB A ÓTICA REFLEXIVA DAS SOCIEDADES 
TRADICIONAIS E MODERNAS: UMA HISTÓRIA DE EXCLUSÃO .......................... 79 
2.1 As imagens da velhice e dos “velhos” em grupos e sociedades tradicionais ............ 80 
2.2 A velhice e os “velhos” em sociedades modernas: a reafirmação de suas imagens 
deterioradas sob novos fundamentos ............................................................................... 92 
13 
 
 
CAPÍTULO 3 
DENÚNCIAS E OCORRÊNCIAS: A VIOLÊNCIA PRATICADA CONTRA IDOSOS 
E OS REGISTROS NO CENTRO DE ATENDIMENTO A GRUPOS VULNERÁVEIS 
DE ARACAJU ....................................................................................................................... 109 
3.1 Uma experiência única?: relatos de um caso de violência ...................................... 109 
 3.1.1 O que a denúncia produz? Encaminhamentos e providências........................... 113 
3.2 Sobre o CAGV: um breve resgate histórico de sua filosofia de atuação e 
particularidades da instituição e seus atendimentos em Aracaju/SE ............................. 117 
3.3 Análises dos números e dados institucionais acerca dos casos de violência praticada 
contra pessoas idosas em Aracaju/SE obtidos no CAGV ............................................. 122 
3.3.1 A violência contra a “mulher idosa”: agravantes de um problema sócio-histórico 
e cultural precedente ................................................................................................... 139 
3.3.2 A violência contra o “homem idoso”: a negação do “homem” por trás da 
“imagem do velho” ..................................................................................................... 142 
 3.3.3 Sobre os acusados de agressão e a família ........................................................ 158 
CAPÍTULO 4 
“VOZES IMERSAS” QUE EMERGEM: A EXPRESSÃO DA VIOLÊNCIA 
FAMILIAR NA FALA E NO SILÊNCIO DE SEUS ATORES.......................................168 
4.1 A fala dos idosos ..................................................................................................... 169 
4.2 A fala das testemunhas ............................................................................................ 182 
4.3 A fala dos denunciados ............................................................................................ 187 
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 193 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 204 
APÊNDICES ........................................................................................................................ 212 
APÊNDICE A – TERMO DE CONSENTIMENTO PÓS-INFORMAÇÃO 
APÊNDICE B – ROTEIRO DE ENTREVISTA I (IDOSO VÍTIMA DE VIOLÊNCIA) 
14 
 
 
APÊNDICE C – ROTEIRO DE ENTREVISTA II (DENUNCIANTE QUE NÃO SEJA O 
PRÓPRIO IDOSO VÍTIMA DE VIOLÊNCIA) 
APÊNDICE D – ROTEIRO DE ENTREVISTA III (AUTOR DENUNCIADO POR 
PRÁTICA DE VIOLÊNCIA CONTRA IDOSO) 
APÊNDICE E – INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS DOCUMENTAIS 
ANEXOS .............................................................................................................................. 224 
ANEXO A – MODELO DE BOLETIM DE OCORRÊNCIA (B.O.) 
ANEXO B – MODELO DE REGISTRO POLICICIAL DE OCORRÊNCIA (RPO) 
ANEXO C – MATÉRIA DE JORNAL I 
ANEXO D – MATÉRIA DE JORNAL II 
ANEXO E – MATÉRIA DE JORNAL III 
ANEXO F – MATÉRIA DE JORNAL IV 
ANEXO G – MATÉRIA DE JORNAL V 
ANEXO H – MATÉRIA DE JORNAL VI 
ANEXO I – MATÉRIA DE JORNAL VII 
ANEXO J – ARTIGO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
15 
 
 
INTRODUÇÃO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
eria mais um dia de domingo na vida de milhares de famílias aracajuanas e, em 
particular, na vida da “Família Santos”, não fosse pelo acontecimento do dia 05 de abril 
de 2009, quando, não só a cidade de Aracaju, mas também todo o estado de Sergipe e o país, 
ficaram estarrecidos com o crime brutal praticado por um neto contra os seus dois avós 
octogenários, repercutindo em toda a imprensa nacional. 
Clédson Gomes Santos, de vinte e quatro anos de idade, usuário regular de crack e 
devedor da quantia de setenta Reais a traficantes do bairro Santos Dumont – bairro da 
periferia de Aracaju – onde o mesmo residia, seguiu em direção à casa de seus avós, Albertina 
Santos, de 81 anos de idade e Edvaldo dos Santos, de 88 anos. Segundo Clédson Santos, sua 
intenção inicial era de “pedir” emprestada a importância de dez Reais para quitar parte de sua 
dívida com os traficantes e, logo após, adquirir mais droga. “Passei o sábado todo usando 
crack. Estava devendo a droga e queria mais, por isso fui pedir dinheiro a minha avó. Ela 
[Albertina] falou um monte de besteira e por isso fiquei com raiva. Se tivesse dado o dinheiro 
tinha ido embora e pronto”1. 
O desfecho desta trama real culminou com um episódio funesto. Ao receber uma 
negativa de sua avó, frustrando assim suas expectativas iniciais, Clédson Santos tentou 
sufocar a idosa com um pano de prato, derrubando-a no chão com uma rasteira e, sob seu 
corpo, buscando estrangulá-la. Sozinha em sua agonia e, sem forças para contrapor-se ao 
jovem neto, a avó desmaiara e, logo após, fingira-se de morta. 
 
1 Fala de Clédson em matéria feita por um jornal escrito de circulação estadual e em estados vizinhos. Cf. 
JORNAL DA CIDADE, Aracaju, 08 de abril de 2009, p. B-5 (Cidades). 
S 
16 
 
 
Em seguida, Clédson foi ao quarto do casal de idosos, onde se encontrava o seu avô, o 
senhor Edvaldo, com metade do corpo paralisado por um acidente vascular cerebral (AVC), 
além de severos problemas de audição. “Ai encontrei meu avô, que bateu em mim com a 
muleta. Foi quando peguei o pano e enforquei ele também. Depois joguei na cama. Acho que 
ele bateu na cabeceira da cama. Não usei nada para matar ele, só um pedaço de pano”2. 
Após essa sequência de fatos, Clédson voltou ao local onde estava a sua avó – que ele 
acreditava estar morta – e retira de seu bolso a quantia de três Reais e vinte e cinco centavos. 
Logo após, leva consigo o aparelho de televisão da casa dos avós, vendendo o mesmo pela 
quantia de quarenta Reais para adquirir mais drogas. Clédson foi preso no dia seguinte por 
uma guarnição da polícia militar.3 
 Fatos como este têm nos levado a uma maior reflexão sobre a questão do tema da 
“violência” e que, de tempos em tempos, emerge em nossa sociedade, aparentando aumentar, 
cada vez mais, nos dias atuais. Durante a semana que sucedeu ao ato violento que registrei há 
pouco, inúmeros veículos de comunicação (jornais escritos, programas de televisão, rádios) 
passaram a discutir o assunto, buscando explicar as suas causas e tendo como referência a 
tragédia familiar ocorrida no primeiro domingo de abril de 2009. As discussões que foram 
realizadas envolveram um considerável número de profissionais de áreas diversas (assistência 
social, psicologia, saúde, segurança, religiões, etc.) além de gestores públicos, membros da 
sociedade civil organizada e demais pessoas da sociedade. 
No entanto, o cerne das discussões girou em torno de alguns assuntos como 
delinqüência juvenil; redução da maioridade penal; impunidade; aumentodo consumo e do 
tráfico de drogas; necessidade de intensificação da presença e intervenção repressiva do 
Estado (a partir de suas polícias); falta de fé e temor a Deus; bem como, na questão da 
desestruturação familiar na atual sociedade e os limites que os pais devem impor aos seus 
filhos. De certo, estes são temas transversais e que, de alguma forma, estão direta ou 
indiretamente associados ao episódio que vitimou os dois idosos (um deles, inclusive, 
fatalmente). Entretanto, notei, dentro do restrito campo de discussões à época, que muito 
pouco – para não dizer nada – foi discutido acerca dos direitos das pessoas idosas e da 
violência que tem aumentado, consideravelmente, neste segmento etário da população. O foco 
aqui revelava antigos rótulos sociais, que criminalizavam e estigmatizavam a figura de “jovem 
 
2 Idem. 
3 A referência a esta reportagem, em sua íntegra, pode ser encontrada no Anexo C desta dissertação. 
17 
 
 
agressor” e exaltam a imagem “frágil”, “indefesa” e da “fase final da vida” das duas “vitimas 
idosas”, reeditando fatos históricos, recorrentes e enraizados na sociedade brasileira e em 
parte considerável das sociedades modernas e ocidentais: a de enxergar a juventude como um 
problema a ser “enfrentado” e a de sequer enxergar os velhos como seres humanos, sujeitos 
autônomos, dotados de direitos e de vontades próprias. 
Outro fato relevante e que me chamou a atenção foi a forma tendenciosa e superficial 
– porém, de crescente aceitação pública por parte considerável da mídia de massas e da 
sociedade – com a qual os discursos eram construídos, imputando à família a culpa pelo 
ocorrido – por abandonarem dois idosos “indefesos” sem a ajuda e os cuidados permanentes 
de um responsável, de um “cuidador” –, ao mesmo tempo em que se satanisava o jovem neto 
– “assassino”, “bandido”, “drogado”, “frio”, etc. – pelo “crime” que havia cometido. Estes 
discursos, enviesados pelas emoções e por ideologias das mais diversificadas, em raros 
momentos de lucidez, deixavam de considerar que as dinâmicas das relações sociais, sejam 
elas na sociedade ou na família, estão em contínuo processo de transformação, alterando 
significativamente os seus formatos e suas estruturas relacionais, levando-se, por vezes, a que 
a busca por sobrevivência diminua a convivência e a frequência de contatos entre seus 
membros, em particular com os velhos pais, fazendo com que estes também venham a morar 
sozinhos. Também deixaram de levar em consideração, em relação ao jovem neto, que este, 
da mesma forma, poderia ter sido visto como uma das “vítimas” dessa história. Vítima de um 
sistema de valores, de uma cultura de degradação dos vínculos afetivos e de um crescimento 
alarmante do consumo de drogas e de influência dos traficantes nas atuais sociedades. Vítima 
da omissão pública, da diminuta presença do Estado, não só na ausência de políticas públicas 
para a prevenção e tratamento do uso de drogas, mas também, para repressão ao tráfico de 
entorpecentes e da prisão dos traficantes. 
Neste contexto adverso, é comum ainda que se perceba a violência que acomete os 
idosos – quando esta é percebida – como “mais uma” dentre tantas outras formas de violência 
disseminadas em nossa sociedade, como um epifenômeno de uma violência maior. 
Assim sendo, a violência praticada contra os idosos não é compreendida como uma 
“violência direcionada aos velhos” – o que passo a considerar, neste estudo, como um erro 
de abordagem teórica ou, pelo menos, de foco discursivo, de “miopia” da sociedade em 
relação à situação atual da violência contra os idosos. Esta violência é mascarada, 
escamoteada, disfarçada como tal, pelo discurso equivocado e homogeneizador de uma 
18 
 
 
“cultura de violência mais ampla”, onde se presume que a violência não poupe ninguém, seja 
por sua condição social, política, econômica, cultural, sexual, étnico-religiosa, de gênero ou 
mesmo etária. Assim, passo a tomar um caminho inverso ao da retórica homogeneizadora da 
violência, na qual a “violência gratuita” passa a desfocar o real significado da violência contra 
os idosos nas atuais sociedades. Essa violência, “direcionada aos velhos”, como aqui defendo, 
segue um padrão racional, que possui uma fundamentação, uma razão de existir e de ser. 
Assim como a violência praticada contra as crianças ou a violência que atinge as mulheres, a 
violência que acomete e se dirige aos idosos também possui uma lógica própria. 
Senão, vejamos: a que “monte de besteiras” estaria se referindo Clédson (o neto), em 
sua entrevista ao jornal semanal da cidade de Aracaju, ao mencionar a fala de sua avó, 
Albertina Santos, minutos antes de desencadear todo um processo de fúria em relação aos 
seus avós idosos? Que sentimentos em relação aos avós o levariam a perceber que “só um 
pedaço de pano” seria suficiente para matá-los? Por que razão, dentre tantos outros parentes, 
amigos e conhecidos de Clédson, foram estes dois idosos, seus avós, foram vítimas 
preferenciais de sua cólera, de “escolha” para obter seu objeto de desejo (dinheiro para 
adquirir mais drogas) e não outras pessoas? E, será que o efeito e a vontade de obter mais 
drogas, seria tão ou mais poderosos do que os vínculos relacionais, de respeito à vida e à 
dignidade de duas pessoas idosas, a ponto de levar um neto a tentar ceifar a vida de seus dois 
velhos avós? 
Ser agredido, maltratado, rechaçado, humilhado, “enquanto velho”, não é apenas 
resultado (efeito) de um processo desencadeado por uma série de múltiplas e difusas formas 
de determinações multirelacionais e de violências (às quais estaríamos sujeitos, teoricamente, 
todos nós). Ela é, antes de tudo, fruto do fato de “ser velho” e de ter toda uma carga de 
significações negativas em sociedades onde a velhice é socialmente construída e aceita 
enquanto “degeneração” e “degenerante”, onde o “velho” passa a corporificar, a representar o 
“fim da vida”, a fase de decadência humana, de “expiação” das coisas do mundo, levando-os, 
de alguma forma – e à qual pretendo entender “qual”, neste estudo – a ser, cada vez mais, 
vítimas de uma série de manifestações preconceituosas, discriminatórias e violentas, seja por 
parte dos membros das micro sociabilidades (família), seja pelos representantes das macro 
sociabilidades (sociedade em geral ou mesmo pelo Estado), com ênfase nas primeiras. 
Retomo então ao caso da “Família Santos”: em relação ao jovem neto, que tentou 
contra a vida dos avós, o “monte de besteiras”, às quais sua avó havia lhe dito, dizia respeito 
19 
 
 
aos seculares “conselhos”, “sugestões”, “orientações” de alguém mais velho e experiente e 
que, de certa forma, nutria-lhe consideração, que se preocupava e desejava que seu caminho 
fosse diferente. Os “conselhos”, em sociedades e culturas tradicionais, fazem parte das 
importantes funções sociais atribuídas aos “velhos” (“velhos” aqui, interpretado como 
“sábios”, “experientes”, conhecedores da vida) e que os estabilizavam nessas sociedades, 
regidas pela tradição. Eles (os conselhos) faziam parte dos recursos de que dispunham os 
anciões, os quais possuíam um papel extremamente importante e valorizado por todos os 
membros destes grupos sociais. Contudo, as funções de conselheiros, a que se ocupavam 
cotidianamente os “velhos”, com a introdução das inovações técnicas e modernas e seus 
impactos na cultura, na política, na economia, religião e no campo simbólico social, passam a 
ser desvalorizados, desnecessários e, por vezes, “incômodos” para alguns, em contextos onde 
a tradição não mais é central. Os velhos perdem espaço e importância nessas sociedades. Os 
“conselhos” passam a ser vistos, dessa forma, como “um monte de besteiras”, como algo sem 
valor, advindos de “pessoas – velhas – igualmente sem valor”; A fragilidade, com a qual 
facilmente se associa à velhice e aos velhos, também se constitui em outra marcade nossas 
atuais sociedades. Pode-se liquidá-los (inclusive, como vê no discurso do neto) com um mero 
“pedaço de pano”. 
A visão de decrepitude e fragilidade, à qual se associa à imagem dos velhos, leva a 
muitos dos que os agridem a estabelecerem relações desiguais de poder que os limitam, 
passando a exercer sobre eles certo poder que, muitas vezes, cerceiam seus direitos, suas 
autonomias e cidadanias, submetendo-os aos desígnios dos agressores e dos atos de violência, 
não os deixando – diante destes últimos – muitas alternativas para fugirem das ações de 
cerceamento e de coerção, a não ser o fato de aceitarem suas reivindicações (o que também 
não garante aos idosos que se mantenham livres dos perigos, das pressões, ameaças e da 
violência mais ostensiva) como um paliativo para se evitar um mal maior. 
É também na busca pelos velhos avós – e não por outros (da família ou do ciclo de 
amizades) – com o objetivo de “tirar alguma vantagem”, de extorquir, ameaçar e, até mesmo 
agredir, que passa a levar em consideração, mais uma vez, esta atual imagem que “os velhos” 
adquirem, com extrema ênfase, nas chamadas “sociedades modernas”, mas que também nos 
remetem a um passado de exclusão. Uma imagem de fragilidade e de mínimas condições de 
reação, de resistência, com dificuldades de se contrapor aos não-velhos, àqueles que ainda 
conseguem conservar, diante da família e da sociedade, alguma autonomia e vontade própria, 
e que ainda não tiveram as suas imagens e dignidades “manchadas e enfraquecidas pelo 
20 
 
 
tempo”. É somente a partir da construção de uma imagem social da velhice (e não necessária 
e imediatamente devido às condicionantes de cunho biofísico e de senilidade), diga-se de 
passagem, extremamente depreciativa, que os idosos passam a ser realmente vistos como 
“vulneráveis” ao “outro”, às relações desiguais de poder, de subjugação, tendo assim, uma 
quebra do pacto civilizatório que, historicamente, garantiu aos “mais fracos” a possibilidade 
de co-habitarem junto aos “mais fortes” sem que os primeiros fossem molestados pelos 
últimos e, mais recentemente, tendo este pacto de convivência sido fundado com base nos 
pressupostos dos modernos direitos humanos. 
Por fim, o caso que ora utilizei como sendo emblemático, no início deste estudo, é 
mais um exemplo, dentre tantos outros, que podem nos revelar o atual esfacelamento das 
relações familiares e intergeracionais, expondo o desprezo que se é devotado aos mais velhos, 
em determinados contextos sociais. Mais do que isso, a violência cometida contra os idosos 
passa a ser um reflexo histórico da imagem que foi socialmente construída em diversas 
sociedades e que tem se acentuado e se intensificado em contextos de modernidade, 
permitindo que a velhice passe a sofrer uma ressignificação extremamente negativa, 
reduzindo os velhos à imagem da decrepitude e da indigência no mundo dos não-velhos. 
 O processo de construção desta dissertação acerca da violência praticada contra a 
pessoa idosa nos remete ainda à minha participação em uma pesquisa nacional4 anterior, na 
qual estiveram envolvidos pouco mais de sessenta participantes, dentre docentes e discentes 
da graduação e pós-graduação de todos os estados brasileiros, durante os anos de 2005 e 2006, 
quando, na oportunidade, pude representar o estado de Sergipe no referido estudo. A pesquisa 
foi coordenada pelo professor Dr. Vicente de Paula Faleiros, da Universidade Católica de 
Brasília (UCB) e patrocinada pelo Governo brasileiro, através do Ministério da Ciência e 
Tecnologia (MCT), além de contar com o apoio e interesse da Secretaria Especial de Direitos 
Humanos do Brasil. O objetivo desta pesquisa era o de realizar um primeiro esforço nacional 
que pudesse levantar números, dados, tipos, lugares e personagens da violência praticada 
contra os idosos brasileiros, a partir da coleta de informações contidas em instituições 
públicas (Delegacias, Ministérios Públicos, Conselhos de Direito, Polícias e em Serviços de 
Assistência e Saúde Públicas) das 26 capitais brasileiras e mais o Distrito Federal, buscando, 
assim, desenvolver uma espécie de “radiografia da violência” em relação aos idosos 
 
4 FALEIROS, Vicente de Paula. Violência contra a pessoa idosa: ocorrências, vítimas e agressores. – Brasília: 
Universa, 2007. 
21 
 
 
brasileiros. A partir desta pesquisa e de seus desdobramentos e resultados mais gerais5 foi que 
pude visualizar melhor o fenômeno da violência praticada contra esses idosos. Chamou-me a 
atenção o fato de que o maior número de casos dessa natureza possuía nos membros da 
família os seus principais agressores6, o que nos remete a uma grande contradição inicial, 
pois, é na família, histórica e ideologicamente, que encontramos, tal como afirma Ecléa Bosi, 
“o lugar ou espaço social de maior poder de coesão aos indivíduos” (BOSI, 1999, p. 425), o 
espaço dos afetos, das reciprocidades e dos cuidados. 
 A violência praticada contra a pessoa idosa, no Brasil, longe de ser um fenômeno 
isolado, apenas nacional/regional particular, tem atingido números expressivos e que chamam 
a atenção pelo crescimento de casos e denúncias desta natureza, estando estreitamente 
relacionados a fatores contemporâneos, como por exemplo, o aumento da expectativa de vida 
e do consequente crescimento do número de idosos nas populações mundiais – em especial, 
nos países desenvolvidos, onde, em alguns casos, a população de idosos já supera o número 
de jovens. De fato, são nos países desenvolvidos que aparecem os primeiros estudos7 e 
preocupações acerca desta violência direcionada a este segmento etário-populacional. Desde 
então, vários estudos vêm sendo realizados nestes países, acerca do chamado “Elder Abuse”, 
a exemplo dos esforços encontrados nos Estados Unidos, França, Inglaterra, Bélgica, Canadá, 
Japão e outros (FALEIROS, 2007). Em todas estas nações, a violência familiar foi a que mais 
obteve expressividade numérica e que passou a demandar maior atenção por parte das 
autoridades, além de uma maior atenção dos serviços de saúde e de reabilitação. Os parentes 
(a exemplo de filhos, netos e cônjuges), bem como os chamados “caregivers” (cuidadores), 
 
5 Frise-se que, o esforço inicial desta pesquisa foi o de buscar, a priori, dados e números nacionais mais 
concretos que pudessem nos dar uma dimensão da realidade mais ampla acerca da violência praticada contra os 
idosos no Brasil – haja vista que, até aquele momento, não existia um estudo nacional que pudesse dar a 
dimensão destes números – tendo o resultado final do trabalho algumas restrições, como salientou o seu 
coordenador, no sentido de que “Temos consciência dos limites dessa pesquisa, principalmente, quanto à 
profundidade analítica necessária para se entender o fenômeno da violência contra a pessoa idosa” (FALEIROS, 
2007, p. 18). Contudo, o trabalho nos traz análises pertinentes e extremamente importantes acerca do fenômeno 
em discussão e nos instiga a analisar alguns problemas que cercam o tema de forma mais aprofundada. 
6 Das 15.803 denúncias de violência intrafamiliar praticadas contra os idosos brasileiros (o que o estudo 
considerou como uma “ponta do Iceberg”), coletadas pela pesquisa nas 26 capitais brasileiras mais o Distrito 
Federal, no ano de 2005, constatou-se que filhos e filhas juntos correspondiam, em média, a 54,7% dos 
agressores (ou seja, mais da metade dos agressores denunciados), seguidos de netos, cônjuges e outros parentes 
(FALEIROS, 2007). 
7 Foi no Reino Unido, no ano de 1975, que surgiu, pela primeira vez na história e de que se tem registro 
oficialmente, um trabalho que relatava fatos a respeito da violência especificamente praticada contra os velhos 
em âmbito familiar. O estudo foi publicado por um jornal científico britânico e escrito por Burston, tendo como 
título original “granny battering” (que,em sua tradução para o português, seria interpretado como “avós 
espancadas”). 
22 
 
 
constituíam o grupo de pessoas mais denunciado por abusos diversos de violência dirigidos a 
estes idosos. 
 No Brasil é somente aos fins da década de 1990 que se registra o primeiro estudo 
sobre a violência praticada contra idosos, em 1997 (MACHADO et al., 2001). Neste estudo os 
pesquisadores percorreram quatro estados brasileiros, sendo eles o Rio de Janeiro, São Paulo, 
Minas Gerais e Paraná, buscando falar com os idosos, vítimas de violência, e entender como 
eles percebiam a violência cometida contra o idoso. Como resultado principal dessa pesquisa, 
observa-se que os idosos passaram a perceber e entender a violência como um desrespeito da 
sociedade e das famílias. 
Mas, não só nos países desenvolvidos o fenômeno do envelhecimento populacional 
acelerado chama a atenção. Segundo dados de pesquisas populacionais recentes, somente 
cinco países em desenvolvimento, os chamados BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África 
do Sul), são responsáveis por cerca de 40,6% da população mundial de idosos (ONU, 2008). 
São ainda para os países em desenvolvimento que, atualmente, dirigem-se algumas das 
principais atenções acerca da violência e abusos cometidos contra os idosos. Os sistemas de 
garantias de direitos (saúde, segurança, justiça, previdência, assistência social, conselhos de 
direitos, instituições de longa permanência etc.) de alguns destes países, passam a ganhar mais 
destaque e a serem alvos de um número maior de estudos que buscam compreender “como” e 
“porque”, em processos de acentuada desigualdade social, de acirramentos econômicos e de 
minimização da presença do Estado – em face da não intervenção junto a políticas públicas 
específicas, voltadas para o processo de envelhecimento humano de suas populações – a 
questão da violência praticada contra as pessoas idosas tem sido enfrentada. 
No Brasil, levantamentos e estudos mais recentes, realizados pelo Instituto Brasileiro 
de Geografia e Estatística (IBGE), demonstram que o número de pessoas idosas, com idade 
igual ou superior a 60 anos, correspondia a quase 20 milhões de habitantes, o que 
representaria cerca de 10,5% da população brasileira, conforme indica a Pesquisa Nacional 
por Amostra de Domicílios – PNAD (IBGE, 2008). Ainda segundo a PNAD, “A população 
brasileira, no período de 1997 a 2007, apresentou um crescimento relativo da ordem de 
21,6%. É interessante notar que, deste crescimento, o incremento relativo do contingente de 
60 anos ou mais de idade foi bem mais acelerado: 47,8%. Notou-se ainda que o segmento 
populacional de 80 anos ou mais de idade possuía um valor ainda superior, 86,1%” (IBGE, 
2008, p. 166). 
23 
 
 
Observa-se então que, o crescimento percentual de idosos, em relação ao crescimento 
percentual total da população brasileira, no período de uma década, chegou a dobrar de 
tamanho e, em alguns casos – em relação ao número de pessoas com idade igual ou superior a 
80 anos – chegou a quadruplicar. Com uma taxa de natalidade média de 2,21% ao ano, em 
2009, especialistas projetam que, para o futuro, a idade média dos brasileiros, de ambos os 
sexos, chegará aos 80 anos, em 2040 (IBGE, 2004). Mais que o aumento da expectativa de 
vida e do número de pessoas idosas no país, estes dados nos trazem outras preocupações, a 
exemplo das ações em saúde, na adaptação de vias e prédios públicos e do transporte coletivo, 
como também, nas políticas de assistência social e habitação e no histórico e conturbado 
direito à aposentadoria (previdência social) no Brasil, mencionado com bastante propriedade 
por Eneida Haddad (2001), como sendo um direito ao próprio envelhecimento. Neste cenário, 
a questão da garantia de direitos também nos traz uma preocupação em relação ao campo dos 
Direitos Humanos e à dignidade das pessoas que envelhecem no Brasil. A “violência”, então, 
desponta como um interesse bastante recente nos estudos nacionais e nas ciências sociais (em 
especial, na sociologia) sobre as condições de vida e de sobrevivência dos idosos brasileiros, 
seja em relação ao Estado, seja na sociedade, ou dentro de suas próprias famílias. 
 A maior parte dos estudos acerca da violência praticada contra os idosos tem indicado 
que é no âmbito familiar que o problema se encontra de forma mais crítica. Com o aumento 
do número de idosos nas sociedades mundiais e a diminuição da presença interventiva do 
Estado moderno – com ênfase nos anos de 1970 em âmbito mundial e, no Brasil, com maior 
visibilidade para a década de 1990 –, passa-se a se exigir mais das famílias, e que seus 
membros dispensem maior atenção e cuidados em relação à saúde e ao atendimento das 
mínimas e importantes necessidades de seus velhos. O fato é que, em condições adversas de 
empregabilidade, salário, tempo, dentre outros recursos e fatores, muitos familiares – 
principalmente os que são diretamente responsáveis pelos cuidados voltados aos idosos – não 
conseguem lhes dar a atenção necessária, incorrendo ai nos primeiros casos de negligência, 
omissão e abandono. A sobrecarga dos cuidados, atribuída a um único membro da família – 
geralmente do sexo feminino8 – também tem sido apontada como um dos motivos de estresse 
 
8 Em pesquisa realizada na cidade de São Paulo, por membros do Grupo Multidisciplinar de Pesquisa da 
Epidemiologia do Cuidador, entre os anos de 1992 e 1997, analisou-se o perfil dos chamados “cuidadores”, em 
relação a 102 pessoas idosas que haviam passado pelo primeiro acidente vascular cerebral (AVC) e que 
precisariam de uma série de cuidados específicos ao retornarem para suas casas, após a internação médica. O 
estudo demonstrou que “em 98% dos casos pesquisados, o cuidador era alguém da família, predominantemente 
do sexo feminino (92,9%). A maior parte eram as esposas (44,1%), seguidas pelas filhas (31,3%)” (KARSCH, 
2003, p. 105). O resultado desta pesquisa também se confirma a partir de outras experiências que revelam que as 
mulheres são as responsáveis pela atividade do “cuidar” dos membros da família (filhos, maridos, deficientes, 
24 
 
 
do “cuidador principal” e que, como afirma Úrsula Karsch, tem oscilado entre sentimentos de 
culpa, raiva e desgaste nos cuidados solitários destinados aos idosos dependentes (KARSCH, 
2003). A sobrecarga do cuidador, decorrente do estresse ocupacional com os cuidados, 
também pode acarretar em práticas de violência contra os idosos, evoluindo de suas formas 
mais “leves” – xingamentos, ameaças, empurrões, beliscões e tapas – a situações de violência 
visivelmente mais complexas e extremas, a exemplo de socos, pontapés, sufocamentos, 
práticas de tortura com pontas de cigarro, ferros quentes, etc., acarretando, inclusive, no óbito 
dos idosos. Com isso, é importante entender que a violência não se configura apenas pelo ato 
de espancar, mas também, nas ofensas, humilhações, ameaças, discriminações, na 
negligência da atenção às necessidades básicas, exploração sexual, abandono e subtração 
indevida de bens dos idosos, em situações explícitas ou veladas, nos atos simbólicos do 
cotidiano, por vezes imperceptíveis aos que a eles estão submetidos. Esta violência também 
simbólica, na medida em que passa a ser exercida sem que, por vezes, torne-se explícita, 
percebida pelas pessoas e, principalmente, por aquelas em que passa a ser diretamente 
exercida. 
 Dessa forma, “a família”, como palco principal do complexo cenário de violências 
sofridas por idosos, passa a ser o lócus privilegiado de nosso olhar, sendo a “violência 
intrafamiliar” (FALEIROS, 2007) aquela que adquire a maior relevância numérica dentre os 
demais espaços onde este fenômeno social se manifesta, alcançando o maior número de 
registros nas instituições públicas de recebimento de “queixas” e denúncias sobre a violência 
praticada contra os idosos no Brasil. Mas é importanteque se compreenda ainda que, dentro 
de uma perspectiva de análise mais ampla, no âmbito das contradições existentes na 
sociedade, que esta é uma família muitas vezes desestruturada, dilacerada em meio à pouca 
efetividade de políticas públicas (trabalho, assistência social, saúde, educação, habitação, 
previdência) que poderiam estar voltadas ao envelhecimento saudável, ativo e cidadão de suas 
populações, onde o Estado apareceria não apenas como um mero regulador, mas também, 
como um promotor destas políticas, visando à diminuição e consequente eliminação das 
diversas formas de exclusão, preconceito, discriminação e violência praticados contra os que 
envelhecem no Brasil, diminuindo-se o grande “estranhamento” da sociedade em relação aos 
 
idosos, entre outros). Esta constatação também nos revela outra problemática: o desgaste físico, psicológico e 
emocional destas “cuidadoras principais” (KARSCH, 2003) nos cuidados com os idosos, o que também pode ser 
um forte indício dos motivos que levam a um aumento do número de membros da família do sexo feminino que 
têm sido denunciados por maus-tratos a idosos dependentes, evidenciando o excessivo estresse e desgaste a que 
estas mulheres estão submetidas na prática, culturalmente feminina, dos cuidados. 
25 
 
 
velhos e à velhice (ELIAS, 2001), bem como no incentivo às relações intergeracionais, 
desenvolvidas entre velhos e não-velhos; entre os idosos e seus familiares. Aqui também 
deixo claro que a “desestruturação” familiar, à qual me refiro, não diz respeito a “famílias 
pobres”, em situação de miserabilidade, mas sim, à pobreza das relações sociais familiares, 
independentemente da condição social, de classe e/ou econômica das mesmas, às quais 
passam a ser atingidas pelas influências que a imagem social da velhice, em sociedades 
modernas, passam a ter sob elas. 
 Vistos como “velhos”, os idosos estão cotidianamente sujeitos a diversas formas de 
violência, as quais se encontram enraizadas e institucionalizadas no tecido social das 
sociedades modernas. É falacioso, também, afirmar ou sequer imaginar – como veremos mais 
adiante – que, em sociedades tradicionais, de economias pré-capitalistas e pré-industriais, que 
os idosos teriam sido, em todos os lugares e em todos os tempos passados, amados, 
venerados, respeitados e bem cuidados, seja pela sociedade em que viviam ou pelas suas 
próprias famílias9, pois, como salienta o mais recente relatório acerca da violência praticada 
contra pessoas idosas, publicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), “a violência 
contra o idoso não é um fenômeno novo” (WHO, 2008)10. As referências bibliográficas sobre 
as culturas tradicionais em relação à velhice e aos velhos indicam que, enquanto gozavam de 
perfeita saúde física e mental, e se mantinham ativos, contribuindo assim para a manutenção 
do grupo mais amplo (sociedade) e do grupo nuclear (família), os velhos possuíam certo 
status nessas sociedades. Os poucos recursos de registro histórico da memória, neste período 
– ao se afastarem das atividades laborais do grupo – conferia-lhes a importante função de 
“guardiões da tradição” (BOSI, 1999), tarefa essa que os incumbia de repassar para as 
gerações mais novas, todas as culturas, lembranças e histórias de seu povo. 
 Mas, com o avanço progressivo da modernidade – e as inovações que esta trousse 
consigo – a já pouca importância dada aos velhos, nestas sociedades, começava a se esvaecer. 
Em organizações sociais marcadas pela presença da oralidade, onde as tradições são 
extremamente valorizadas – devido à importância legada à continuidade das transmissões 
geracionais de conhecimento e memória de uma sociedade aos seus descendentes –, a 
 
9 São estarrecedores os vários relatos trazidos por Simone de Beauvoir (1990), colhidos a partir de inúmeros 
documentos e estudos etnográficos acerca dos “cuidados” que a maioria das sociedades tradicionais – 
principalmente as sociedades nômades – dispensava aos seus velhos, quando estes se encontravam em idades 
avançadas e enfraquecidos pelo tempo. 
10 WORLD HEALTH ORGANIZATION. Discussing screening for elder abuse at primary health care level / 
Silvia Perel-Levin, Geneva: Switzerland, 2008. 
26 
 
 
introdução da escrita e da tipografia, além da eliminação do “sagrado” no âmbito da política, 
contribuiu, então, para que os velhos perdessem cada vez mais importância e espaço nessas 
sociedades (BEAUVOIR, 1990; MINOIS, 1999). 
 As sociedades modernas, arquitetadas sob uma perspectiva de progresso, evolução, 
desenvolvimento e, como afirma Hanna Arendt (2004, p. 89), “orientadas para o futuro”, 
começam a se tornar desfavoráveis aos velhos. Os idosos, em sociedades tradicionais, quando 
não conseguiam mais se sustentar, eram considerados como um “peso”, uma “carga”, e a 
responsabilidade por eles incorria, quase sempre e exclusivamente, às suas famílias (ou, pelo 
menos, a alguns membros destas), pois, não chegavam a constituir uma população numerosa, 
como hoje, a ponto de transcenderem os limites da esfera privada em seus cuidados. Também, 
à época, não existia a figura do Estado, como hoje o conhecemos, para regular as relações 
sociais e garantir os direitos (principalmente à vida) desses velhos, ou mesmo as instituições 
totais modernas, a exemplo dos asilos e hospitais, que pudessem se ocupar dos cuidados 
dispensados a estes velhos, diminuindo a sobrecarga das famílias. 
Nas sociedades modernas, todavia, os idosos, muito mais numerosos, passam a ser 
vistos como um “peso”, não mais apenas para a família, mas também para toda a sociedade, 
como um encargo econômico e previdenciário que, além de demandar os cuidados da família, 
passam a necessitar do amparo estatal, através das pensões, aposentadorias, despesas na 
política de saúde, assistência social, a que passam a fazer jus dentro do que Norberto Bobbio 
(2004) convencionou chamar de “a era dos direitos”. 
Mesmo com as garantias dos mínimos sociais, legados pelo Estado moderno, e das 
relações conflituosas estabelecidas entre capital e trabalho, muitos idosos e seus familiares 
ainda sobrevivem em situações precárias de existência material em várias partes do mundo 
(principalmente dos países em desenvolvimento), fruto, dentre outras implicações, de um 
complexo sistema político e econômico excludentes, pautado na reprodução das relações 
capitalistas e na disseminação de idéias, valores e princípios que depreciam os 
“improdutivos”, os “onerosos” e os destituídos da força-de-trabalho: sendo “os velhos” um 
de seus principais representantes. Neste sentido, não é de se estranhar a afirmação feita por 
Ecléa Bosi de que “A sociedade industrial é maléfica para a velhice” (1999, p. 77). 
De fato, toda uma construção da “imagem”, das representações sociais das sociedades 
modernas em torno dos significados da velhice, encontra-se fundamentada nos valores 
modernos e na racionalidade desenvolvida por este tipo de sociedade ou, como prefere 
27 
 
 
Anthony Giddens, na perspectiva da reflexividade da modernidade (GIDDENS, 1991a). As 
sociedades modernas, tal como afirma Giddens (1991a), passaram a ser altamente reflexivas, 
o que nos leva a um processo contínuo de análise e reavaliação de conceitos, categorias e 
sistemas sociais mais amplos e complexos. Assim, elementos como “Religião” e “Tradição”, 
por exemplo, passam a ser minimizados no cenário de modernização, sendo alvos 
permanentes de análises críticas e contestações que não mais aceitam simples justificativas ou 
explicações, tendo por base dogmas de fé ou apegos culturais ao antigo e às tradições 
advindas do passado. Giddens acredita que a reflexividade, assim, teria aumentado 
sobremaneira nas sociedades modernas, o que levaria aos indivíduosmodernos (peritos ou 
leigos) a repensarem suas ações e as ações de outros, à luz dos conhecimentos constantemente 
renovados sobre estas ações. O conhecimento (científico, especializado ou leigo) passa a ser, 
dessa forma, o meio de desenvolvimento da modernidade reflexiva. Neste contexto de 
modernidade, os velhos passam a sofrer uma ressignificação do que a idéia ou o sentido da 
velhice passa a ter nestas sociedades, dominadas pelo progresso, pela técnica, agilidade e 
eficiência. Os idosos são, desta forma, depressiados enquanto tais, enquanto “velhos”. A 
imagem dos velhos nas sociedades modernas é uma imagem negativa, que reflete todo o 
descaso, desrespeito e preconceito das sociedades modernas, e que acaba incidindo em uma 
série de questões mais sérias que podem resultar, inclusive, em ações violentas contra os 
idosos11. 
Desta forma, com base em meus argumentos iniciais, postulo como hipótese central 
desta dissertação a idéia de que o processo de modernização, nas sociedades modernas, 
implicaria em um aumento considerável na desvalorização e da representação social, ou 
 
11 Aqui podemos recordar alguns dos casos comuns que se registram em quase todas as partes do país, onde 
idosos são desrespeitados quase que diariamente na utilização dos serviços públicos e nos seus direitos, não só 
políticos e civis, mas também humanos. No transporte coletivo, por exemplo, as reclamações centram-se na falta 
de paciência dos condutores dos veículos para aguardar o embarque e desembarque dos idosos, ou mesmo 
esperar que eles consigam tomar acento antes que o ônibus se desloque. A antipatia de vários motoristas de 
ônibus pelos idosos rendeu a estes últimos o apelido codificado de “meia-cinco”, simbolizando os “velhos que 
não pagam passagem” e que “atrasam” as corridas ou os horários que os ônibus têm que cumprir em seus 
itinerários, o que leva a muitos motoristas a ignorarem os idosos nos pontos de ônibus, apenas parando para estes 
se outras pessoas (não-idosas) estiverem os acompanhando. Os serviços de saúde também são outra área 
bastante precária e preocupante, neste sentido. Nos hospitais públicos do país, registram-se pela imprensa as 
imagens de idosos amontoados nos corredores, à espera dos primeiros atendimentos médicos. A vinculação da 
velhice aliada à idéia dos velhos como “moribundos” (ELIAS, 2001) a que muitos profissionais da saúde 
possuem – muito por conta da frieza dos currículos acadêmicos e do ritmo frenético de atendimento nos hospitais 
e em outras unidades de saúde – constituem-se em um verdadeiro perigo para a própria vida destes idosos. Em 
algumas reportagens de televisão, que revelavam o caos da saúde pública no Brasil, as câmeras registravam 
situações de médicos sendo obrigados a escolher quem deveria morrer e quem continuará tendo o direito a viver, 
ao receber os primeiros socorros. A escolha dos médicos sempre seguia a lógica do atendimento prioritário aos 
mais jovens e fortes, abandonando os mais “velhos” e “frágeis” à sua própria sorte. Não nos surpreenderia a idéia 
de que casos como estes ainda possam estar ocorrendo pelo país. 
28 
 
 
seja, da imagem que os “velhos” possuem nas sociedades modernas o que, 
consequentemente, estaria contribuindo, de alguma forma, para que se houvesse uma 
elevação das práticas de violências cometidas contra as pessoas idosas. 
Com a construção desta hipótese não quero aqui descartar ou minimizar o peso e a 
importância de influência que outras variáveis (a exemplo da pobreza, drogas, migrações, 
mudanças e crise nas relações familiares, pouca efetividade de políticas públicas voltadas para 
o envelhecimento etc.) possuem em um contexto mais amplo de violências e que passam a 
acometer os idosos aracajuanos. Apenas quero reforçar a idéia de que esta violência, destinada 
em particular aos idosos, é resultado de processos significativos de alterações ocorridas nas 
sociedades contemporâneas e com ênfase nas mudanças que se processaram nas estruturas 
societárias e demográficas e nos seus quadros de referência, com alta repercussão dentro das 
próprias famílias, ao longo deste período. Coloco esta hipótese como forma de resposta ao 
problema de pesquisa que aqui pretendo abordar. Neste sentido, os determinantes macro-
sociais (globalização, crises econômicas, desemprego, aumento no tráfico e consumo de 
drogas e, dos índices de violência em geral), que se processam dentro das sociedades, também 
passam a estar interligados ao fenômeno da violência estudado aqui. Estes fatores e 
fenômenos reunidos exigem do cientista social uma percepção mais ampla acerca das 
complexas mudanças nos processos sociais e nos fenômenos societários que se encontram em 
curso na contemporaneidade, a exemplo da violência praticada contra os idosos, o que, de 
certa forma, também reflete a situação sociopolítica do país frente aos seus velhos e aos 
demais cidadãos. 
Sendo assim, é a partir destas considerações iniciais que analiso e busco compreender 
melhor a estreita relação entre “velhice” e “violência” nas chamadas sociedades modernas, 
como um reflexo da imagem dos “velhos” nestas sociedades. Em particular, o fenômeno da 
violência praticada contra os idosos levará em consideração as denúncias, casos e dados 
referentes à cidade de Aracaju, capital do estado de Sergipe. Levo em consideração, também, 
os discursos, as falas e os relatos dos que estão envolvidos diretamente nos casos de violência 
cometida contra os idosos aracajuanos (vítimas, testemunhas/denunciantes, acusados de 
agressão) e os significados e ressignificados que cada um deles atribui a esta violência. 
Dessa forma, as análises aqui empreendidas levam-me a entender que as modificações 
econômicas, culturais, políticas e sociais, ocorridas com maior ênfase durante o século XX 
na sociedade e nas famílias brasileiras – em particular nas famílias e sociedade aracajuanas 
29 
 
 
– possibilitaram uma significativa alteração na imagem que os velhos possuem nessas atuais 
sociedades, contribuindo para um considerável aumento do número de casos de violência 
contra os idosos no Brasil e na cidade de Aracaju. 
Assim, as observações feitas a partir da capital sergipana neste estudo poderão 
subsidiar a reflexão e compreensão do fenômeno estudado, tanto no estado de Sergipe quanto 
em outros estados e regiões do país, onde suas realidades locais se assemelhem à nossa. 
Outrossim, a presente dissertação passa a demonstrar a sua relevância teórica, na medida em 
que desenvolve um tema de pesquisa ainda muito pouco explorado no Brasil e, por analogia, 
no campo acadêmico, não só pela complexidade do trabalho e de seu tema, que desafiam o 
cientista social a “ir a fundo”, remexendo os domínios do campo privado, abrindo feridas 
possivelmente ainda não cicatrizadas em meio às relações sociais, familiares e afetivas, mas 
também, pela histórica falta de interesse por parte da sociedade em relação à velhice e aos 
seus velhos. O esforço em estudar os casos de violência familiar praticada contra os idosos 
pode se constituir em uma forma a mais para fomentar esta discussão e trazer novas 
contribuições e reflexões ao debate. 
Apesar de, a princípio, o título desta dissertação, “aparentemente”, nos remeter à falsa 
idéia de que buscarei realizar uma análise profunda acerca do fenômeno da “violência”, em 
sociedades modernas e suas múltiplas peculiaridades na contemporaneidade, a categoria 
violência, neste estudo, adquire peso e importância menores que as análises acerca do impacto 
que a construção ou representação social da imagem dos “velhos”, em sociedades modernas, 
possui nos dias atuais, além de como esta construção nos leva à violência cometida contra os 
idosos. 
Este estudo compreende o tamanho e a dimensão do problema a ser analisado, como 
também as limitações em relação à possibilidade de desenvolvê-lo. Contudo, não pretendo 
aqui dar por encerrada umadiscussão que apenas está começando a ser amadurecida no país, 
mas sim, contribuir com algumas reflexões acerca do atual quadro de violência que tem 
acometido os idosos no Brasil, utilizando, para isso, dados e informações nacionais e locais 
como base de análise, tendo como atmosfera central de estudos a cidade de Aracaju. 
 
 
 
 
30 
 
 
A ORGANIZAÇÃO DA DISSERTAÇÃO 
 
 Esta dissertação é composta por quatro capítulos. No primeiro capítulo trabalho a 
parte introdutória à dissertação e a compreensão acerca dos procedimentos teórico-
metodológicos que este estudo utiliza para melhor definir o seu objeto de pesquisa. Desta 
forma, busco detalhar no referido capítulo os passos metodológicos para a construção do 
objeto, na coleta de dados, na captura das falas de seus atores principais e na escolha das 
categorias centrais, a partir de seu referencial teórico, o que nos traz um maior entendimento 
acerca de que compreensão e abordagem teórico-metodológica este estudo pretende 
desenvolver. 
 No segundo capítulo, busco desenvolver uma reflexão acerca das mudanças ocorridas 
com a imagem dos “velhos” no processo de desenvolvimento e transição das sociedades 
tradicionais para as sociedades modernas. Neste sentido, procuro captar o pano de fundo 
histórico, ou seja, o contexto em que se desenvolveu, historicamente, a deterioração e 
desprestígio da imagem e do papel social que os velhos possuíam em sociedades e grupos 
marcados pela valorização da tradição, do sagrado, do recurso à oralidade e das transmissões 
geracionais, para uma nova forma de sociedade, identificada pela valorização ao progresso, à 
produtividade, à técnica e eficiência, aos traços capitalistas e de consumismo, do “novo”, em 
detrimento do “velho”, onde o “ter” se sobrepõe ao “ser” e onde os idosos, nestas sociedades 
e estruturas sociais, no dizer de Norbert Elias (2000), “não se estabelecem” em relação aos 
“estabelecidos” não-idosos. Capítulo complexo de ser desenvolvido e que exigiu de seu autor 
um misto de persistência e coragem para enfrentar o descaso histórico de pouquíssimas 
referências sobre o envelhecimento humano, o comportamento da sociedade e de seus 
membros diante da velhice e dos velhos, bem como de tentar reconstituir, a partir de 
fragmentos e raros estudos etnográficos, uma breve “história da velhice”. 
 No terceiro capítulo, passo a analisar os dados, números e informações obtidos a 
partir do Centro de Atendimento a Grupos Vulneráveis (CAGV), da cidade de Aracaju/SE, 
onde, segundo experiências de pesquisas anteriores12, constatei ser esta a instituição na qual 
existe o maior volume de informações acerca de denúncias e práticas de violência contra a 
pessoa idosa no estado de Sergipe. As denúncias, bem como os relatos transcritos a partir dos 
 
12 Cf. FALEIROS, Vicente de Paula. Violência contra a pessoa idosa: ocorrências, vítimas e agressores. – 
Brasília: Universa, 2007. 
31 
 
 
depoimentos das vítimas, testemunhas e prováveis agressores, contidos em uma série de 
documentos institucionais, são extremamente enriquecedores. Registrados sob a forma de 
Boletins de Ocorrência (B.O.) ou de Registros Policiais de Ocorrência (RPO), estes 
documentos oficiais propiciaram uma maior compreensão acerca do processo de múltiplas 
violências que acometem os idosos aracajuanos junto, principalmente, aos membros de suas 
famílias. Assim, este capítulo nos leva à visualização sobre o tamanho, a dimensão da 
violência que atinge centenas de idosos aracajuanos a cada novo ano, as particularidades, 
aquilo que está “por trás” dos números e estatísticas e que, por várias vezes, não nos é 
facilmente revelado, permitindo-nos ratificar algumas afirmações feitas no início deste estudo. 
 Este capítulo é de suma importância, pois, as ricas experiências que pude ter no 
acompanhamento e na leitura minuciosa de cada documento oficial, passaram a desencadear 
um processo de reflexão em relação aos casos e relatos de violências e denúncias, levando-me 
a entender mais claramente a dinâmica da violência familiar cometida contra os idosos e as 
motivações, os sentidos e percepções que levavam vítimas e testemunhas a denunciarem os 
supostos agressores. 
 Por fim, no quarto capítulo, busco estabelecer uma relação entre os conteúdos a que 
pude ter conhecimento no CAGV, a partir dos documentos oficiais, de denúncias e dos relatos 
neles contidos – além do referencial teórico utilizado neste estudo – aliando-os às falas das 
vítimas, testemunhas, denunciantes e prováveis autores da violência cometida contra idosos, 
em Aracaju. É a partir deste capítulo que desenvolvo uma discussão sobre as experiências 
pessoais de violência, onde evidencio que a violência praticada contra os idosos pode estar 
relacionada ao papel e à imagem social que os velhos possuem nas sociedades modernas. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
32 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
CAPÍTULO 1 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
33 
 
 
CAPÍTULO 1 
 
 
 
PROCEDIMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS 
 
 
 
“As crônicas falam das grandes ações e explorações, com 
preferência das guerreiras e acontecimentos memoráveis; os 
arquivos de natureza econômica registram e enumeram o que é 
útil e rentável. No meio de tudo isso, os velhos estão em geral 
ausentes” 
 
George Minois, 1999. 
 
 
 
 
história, assim como outros campos do conhecimento, fornece-nos muito poucos e 
dispersos elementos sobre uma etapa importante, dentre as quais se convencionou 
chamar, muito recentemente, de fases da vida: ou seja, a “velhice”. Foi Simone de Beauvoir – 
ao publicar no ano de 1970, um dos mais importantes e conhecidos estudos1 sobre a velhice – 
quem primeiro reconheceu e afirmou em suas primeiras páginas, a “impossibilidade de se 
constituir uma história da velhice” (BEAUVOIR, 1990), mesmo sendo sua afirmação alvo de 
contestações por parte de alguns estudiosos da área, décadas mais tarde (ARIÈS, 1983; 
MINOIS, 1999). De fato, a insuficiência, pouca acessibilidade e quase inexistência de 
documentos, informações e dados mais concretos em estudos acerca desta fase da vida, em 
períodos históricos precedentes aos pesquisados por Beauvoir – aliado ao pouco interesse de 
pesquisadores sobre o tema – foram alguns dos principais motivos que a levou a afirmar tal 
impossibilidade. Provavelmente, a pouca expressividade, não só numérica, mas também 
política, econômica e social de pessoas consideradas “velhas”, durante muito tempo, tenha 
 
1 BEAUVOIR, Simone de. A Velhice. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990. 
A 
34 
 
 
influenciado em suas invisibilidades sociais, como se estas pessoas, pelo baixo nível de 
importância no conjunto da sociedade e grupos, não existissem, não estivessem presentes nos 
fatos históricos, o que vem a se consubstanciar no minguado registro de estudos científicos e 
culturais que pudessem vir a constituir ou, pelo menos, indicar algumas posturas, atitudes e 
comportamentos frente aos velhos em períodos históricos anteriores ao nosso, em cada época, 
lugar e sociedade. 
O pouco interesse sobre a velhice e os velhos também se apresenta quando comparado 
a outras fases da vida, a exemplo da infância e da adolescência – que, ao longo do século XX, 
já renderam numerosos e aprofundados estudos acerca de suas peculiaridades (ARIÈS, 1981) 
– ou mesmo, em relação à mulher, aos loucos e aos degredados em geral, revelando-se assim, 
uma construção social da imagem dos velhos como algo secundário, depreciado, vergonhoso, 
repugnante e, até mesmo, indecente de ser pronunciado (BEAUVOIR, 1990). 
É Beauvoir quem, inicialmente, busca quebrar esta barreira da invisibilidade social 
que cercava a velhice, tentando denunciar o que ela denomina de conspiração do silencio 
(BEAUVOIR, 1990), a qual aumenta ainda mais a árdua tarefa do pesquisador em seconstruir 
uma história da velhice e de se reconhecê-la enquanto tema relevante na história das 
civilizações, ao entender que o silencia também fala. Desta forma, uma hipótese histórica já 
se consubstanciava em Beauvoir: é possível entender que a velhice já surge dentro das 
contradições de classe, pois, ela começa a ser contada a partir dos velhos ricos e não com os 
velhos pobres, haja vista que os pobres dificilmente chegavam a envelhecer, graças às 
condições adversas de vida que eles enfrentavam. Por isso, sequer eram percebidos, nem pela 
história, nem pela literatura. 
É fato que somente os homens velhos ricos e de posses têm registro na história pré-
moderna. Os velhos pobres não surgiam à cena neste momento e, quando surgiam, é porque 
tinham alguma ligação com a história daqueles que possuíam pública notoriedade na 
sociedade2. É pertinente aqui a afirmação feita por Karl Marx e Friedrich Engels3, onde os 
 
2 Chamou-me a atenção um artigo de um jornal aracajuano que, a princípio, parecia exaltar a vitalidade de uma 
mulher centenária, no alto dos seus 101 anos de idade. “Negra”, “pobre” e “velha”, combinações que, 
dificilmente, estampariam os jornais e seus enredos atuais, podiam ser vistas na foto que apresentava-nos aquela 
idosa e sua história. Contudo, aos poucos, a idéia inicial que me fora passada, logo deu lugar ao verdadeiro 
sentido que levara aquela senhora às páginas do jornal. Não fora a exaltação à sua idade ou à sua historia de vida 
pessoal o que a levara a “ser notada”, mas sim, o fato de que a sua história pessoal de vida misturava-se à 
história de uma rica e tradicional família da sociedade sergipana e aracajuana. Nesta mesma edição de jornal, 
enquanto se enfatizavam termos como “ainda”, “lúcida” e se “exaltava a espantosa memória” da idosa – como se 
isso fosse algo extraordinário e impossível de ocorrer, pelo menos aos velhos pobres – também se encontravam 
comentários elogiosos ao patriarca daquela família tradicional, que também era idoso, mas, nem de longe se 
35 
 
 
mesmos criticam a forma de se conceber a história apenas como a dos fatos grandiosos e 
públicos, sem se levar em consideração as ações cotidianas da humanidade, separando, assim, 
a vida comum da própria história (MARX; ENGELS, 2002). A história dos velhos e da 
velhice se encontra, então, submersa ao emaranhado de outras tantas histórias de exclusão, de 
privação e de alienação desta fase da vida; situação esta que só vem à tona com o alarmante 
aumento de idosos no conjunto das populações mundiais e com o processo de desvalorização 
da “velhice” em sociedades modernas, industrializadas e altamente valorativas em relação ao 
trabalho e à produção/produtividade dos que dele vivem. 
É possível compreender que esta “conspiração do silêncio”, de que trata Beauvoir, 
deve-se a, pelo menos, dois fatores particulares: o primeiro diz respeito ao pequeno número 
contingencial de velhos à época4, não só em relação aos números atuais, mas também, em 
relação ao número e à importância que sempre foi dada em função de outros grupos (crianças, 
adolescentes, adultos, mulheres) em detrimento dos idosos; o segundo fator refere-se, então, à 
baixa ou completa ausência de empatia em relação à situação dos velhos, por parte dos demais 
membros da sociedade. Esta falta ou dificuldade de identificação com os que envelhecem por 
parte de muitos “não-velhos”, constitui-se em um reflexo claro e, cada vez maior, em 
sociedades complexas e modernas, encontrando-se nelas um grande reforço na situação de 
fragilidade e de decadência físico-mental a que muitos idosos são rapidamente associados, tal 
como analisa Anita Liberalesso Néri (1991). Ao estudar as condições de vida dos chamados 
“moribundos” – a maioria destes, composta por velhos – e suas relações de contato com as 
demais pessoas da sociedade e da família, Norbert Elias denuncia a solidão e o abandono dos 
 
questionavam suas faculdades mentais, sua memória e lucidez. A ele (o patriarca) os comentários elogiosos que 
lhes eram feitos diziam respeito ao seu tino empresarial, ao seu talento para os negócios, à sua sagacidade e 
empreendedorismo – algo que é marcante quando se é um velho rico e de alta posição social. Neste sentido, a 
posição e diferenciação de classe social também separam os velhos, classificando-os por sua condição 
econômica e pelo lugar que ocupam na sociedade capitalista. A referência a esta reportagem, ou parte dela, pode 
ser encontrada no Anexo F desta dissertação. 
3 Sobre a crítica a Feuerbach, Marx e Engels divergem ao referido filósofo alemão devido a sua análise a-
histórica das condições e contradições materiais dos indivíduos do presente, ao analisar os fatos de forma 
isolada, sem conexão com os acontecimentos do passado e ao considerar somente “o homem” (neste caso, o 
alemão ou o povo alemão) particular e desconsiderar os “homens históricos reais”, dos demais tempos históricos 
e das demais nações. 
4 Apesar de George Minois afirmar que, mesmo sendo minoria em relação a outros grupos da sociedade, os 
velhos sempre existiram e em maior número do que se imagina, a exemplo de lugares como Egito, Palestina, 
Mesopotâmia, Grécia, Roma e em toda a Idade Média. Mas, ainda segundo este autor, o que torna difícil a 
comprovação de suas existências é o pouco registro que se tem a seus respeitos nos documentos oficiais da época 
(MINOIS, 1999). Remi Lenoir (1998), por sua vez, analisa que foi somente com a França, ainda no século XVI, 
que a marcação das idades começa a ser realizada a partir dos registros de nascimentos feitos nas paróquias à 
época. 
36 
 
 
que se encontram “marcados para morrer”. Elias afirma, em um de seus livros5, que “A 
fragilidade dessas pessoas é muitas vezes suficiente para separar os que envelhecem dos 
vivos. Sua decadência os isola” (ELIAS, 2001, p. 8). A compreensão sobre a falta de 
identificação e empatia das pessoas não-velhas em relação aos velhos, trazida por Elias, 
também reflete o egoísmo e o excessivo individualismo das sociedades e ideologias 
modernas6, tão crescente nessas estruturas, o que nos leva ao não reconhecimento da velhice 
como algo comum a todos aqueles que aspiram a uma vida mais longa. O individualismo nas 
sociedades modernas leva-nos à lógica de que “Antes que se abata sobre nós, a velhice é uma 
coisa que só concerne aos outros. Assim, pode-se compreender que a sociedade consiga 
impedir-nos de ver nos velhos nossos semelhantes” (BEAUVOIR, 1990, p. 12). 
Com isso, estes primeiros elementos reunidos, permitem-me afirmar que houve, 
historicamente, um processo de desvalorização da velhice e dos velhos na maior parte das 
sociedades de que se tem conhecimento, ao longo da história, acarretando-se, desta maneira, 
dentre outros fatores consideráveis, em uma baixa produção de conhecimento a respeito desta 
fase particular da vida humana e de seus ocupantes, bem como, em uma alta desvalorização 
dos velhos em sociedades modernas. Por si só, o background histórico nos revela o desafio de 
pesquisar um tema que, por séculos, havia sido relegado, não apenas pelo campo científico, 
mas também, pelos pronunciamentos coletivos, individuais, públicos e cotidianos das pessoas. 
É possível, então, perceber que, a princípio, a não-inserção dos velhos na “história 
oficial” os escamoteia, colocando-os à margem dos processos e registros históricos, além do 
pouco interesse pela velhice e pelos velhos a que já pude aludir anteriormente. Contudo, 
George Minois – um dos estudiosos que ratificam a possibilidade de se constituir uma 
“história da velhice” – afirma que os velhos, mesmo sendo pouco citados pela história, 
deixaram vestígios de suas existências. Para este historiador francês, a pobreza, que revela os 
velhos para a história

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