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Evangelho de Mateus 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Silvio Dutra 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
DEZ/2015 
 
 
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Sumário 
 
Mateus 1 3 
Mateus 2 6 
Mateus 3 10 
Mateus 4 14 
Mateus 5 18 
Mateus 6 165 
Mateus 7 333 
Mateus 8 395 
Mateus 9 406 
Mateus 10 419 
Mateus 11 429 
Mateus 12 438 
Mateus 13 448 
Mateus 14 463 
Mateus 15 472 
Mateus 16 485 
Mateus 17 498 
Mateus 18 509 
Mateus 19 539 
Mateus 20 555 
Mateus 21 563 
Mateus 22 577 
Mateus 23 589 
Mateus 24 598 
Mateus 25 610 
Mateus 26 628 
Mateus 27 648 
Mateus 28 661 
 
 
 
 
 
 
3 
Mateus 1 
 
Mateus conta a genealogia de Jesus a partir de Abraão, porque foi a 
Abraão que Deus fez a promessa de abençoar todas as nações da terra por 
meio dAquele que descenderia dele no futuro, a saber Jesus Cristo (Gál 
3.14,19). 
O evangelista dividiu as quarenta e duas gerações de Abraão até José, em 
três grupos de quatorze, como se vê no verso 17. 
De Abraão até Davi, a quem foi feita também a promessa da Nova Aliança, 
pelas fiéis misericórdias prometidas por Deus à casa de Davi. 
De Davi até a deportação dos judeus para Babilônia, onde foram 
purificados da idolatria para serem restaurados posteriormente em sua 
própria terra, para reedificarem o templo e para poderem recepcionar a 
Jesus. 
E da deportação para Babilônia, até o nascimento de Jesus. 
Estas 42 gerações da genealogia do Senhor somam cerca de 2.000 anos de 
antepassados. 
Nenhum outro personagem da história teve um registro tão antigo e 
extenso de seus ancestrais, como Jesus Cristo, porque aprouve a Deus 
marcar, para nos deixar o testemunho da descendência do nosso Senhor 
e Salvador, pela certeza de que somente nEle e em nenhum outro, temos 
o cumprimento das fiéis promessas feitas a Abraão e a Davi, quanto 
Àquele que descenderia deles e que seria o Rei de um reino eterno, e o 
único por meio de quem somos livrados da maldição da lei, para 
recebermos uma salvação, herança e bênção eternas. 
Como estava designado por Deus, desde antes da fundação do mundo, 
que Jesus deveria proceder, segundo a carne, da tribo de Judá, então são 
nomeados os filhos de Judá, Perez e Zerá, mas não foi em Zerá, mas em 
Perez, conforme o conselho do Senhor, que foi chamada a genealogia de 
Jesus. 
Quatro mulheres são nomeadas na genealogia do Senhor. Duas eram 
estranhas à comunidade de Israel: Raabe, um cananita, e Rute, uma 
moabita, revelando em figura que o Senhor não viria somente para a 
nação de Israel, mas também para todos os povos gentios. 
E as outras duas, apesar de serem de Israel, haviam adulterado, a saber: 
Tamar, nora de Judá, e Bete-Seba esposa de Urias, que concebeu a 
Salomão de Davi. 
4 
Nisto, se antecipou que Jesus viria para conduzir pecadores ao 
arrependimento, para serem incluídos em Sua família celestial e divina. 
Como a genealogia de Jesus foi contada na descendência de Davi, e 
particularmente em todos aqueles seus descendentes, que foram reis em 
Judá, até Zedequias, quando houve a deportação para Babilônia, então 
foram contados tanto reis ímpios quanto piedosos na descendência do 
Senhor. Isto não significa que estes reis ímpios também fazem parte da 
família de Deus, mas que Deus cumpre os Seus propósitos e tem Seus 
escolhidos até mesmo na descendência dos maus. 
Mateus destacou nos versos 1, 16, 17 e 18 o título de Cristo, palavra grega 
para Ungido, correspondente à palavra hebraica Messias. 
Jesus é portanto, o Messias, o Cristo, o Ungido, citado em Daniel 9.25; 
Salmo 2.2 e Isaías 61.1, para que ficasse registrado que Ele realizaria toda 
a Sua obra na terra, completamente debaixo da unção e poder do Espírito 
Santo. 
A partir do verso 18, Mateus começou a registrar algumas das 
circunstâncias que envolveram a concepção e o nascimento do Senhor. 
Foi anunciado pelo anjo Gabriel a José, que Maria não havia concebido de 
homem algum, quando se achou grávida do Senhor Jesus, mas que tal 
concepção fora obra direta do Espírito Santo no ventre de Maria, uma vez 
que a mesma permanecia virgem, e assim deveria permanecer até o 
nascimento do Senhor. 
Esta revelação foi feita a José para que ele não deixasse Maria, 
secretamente, como havia intentado fazer, para não infamá-la pensando 
que ela tivesse cometido adultério. 
Esta forma sobrenatural da formação do corpo de Jesus havia sido 
profetizada por Isaías cerca de 700 anos do seu nascimento. 
E a José foi declarado pelo arcanjo Gabriel, que Aquele que Maria trazia 
em seu ventre era o Salvador do mundo, porque salvaria as pessoas do 
seu povo, dos seus pecados, a saber, não todas as pessoas do povo de 
José, mas as pessoas que fazem parte do povo de Jesus, ou seja, aqueles 
que são salvos por Ele, motivo porque deveria ser colocado nEle, ao 
nascer, o nome de Jesus, que significa no hebraico, o Salvador. 
 
Mateus 1.1 Livro da genealogia de Jesus Cristo, filho de Davi, filho de 
Abraão. 
Mateus 1.2 A Abraão nasceu Isaque; a Isaque nasceu Jacó; a Jacó 
nasceram Judá e seus irmãos; 
5 
Mateus 1.3 a Judá nasceram, de Tamar, Farés e Zará; a Farés nasceu 
Esrom; a Esrom nasceu Arão; 
Mateus 1.4 a Arão nasceu Aminadabe; a Aminadabe nasceu Nasom; a 
Nasom nasceu Salmom; 
Mateus 1.5 a Salmom nasceu, de Raabe, Booz; a Booz nasceu, de Rute, 
Obede; a Obede nasceu Jessé; 
Mateus 1.6 e a Jessé nasceu o rei Davi. A Davi nasceu Salomão da que fora 
mulher de Urias; 
Mateus 1.7 a Salomão nasceu Roboão; a Roboão nasceu Abias; a Abias 
nasceu Asafe; 
Mateus 1.8 a Asafe nasceu Josafá; a Josafá nasceu Jorão; a Jorão nasceu 
Ozias; 
Mateus 1.9 a Ozias nasceu Joatão; a Joatão nasceu Acaz; a Acaz nasceu 
Ezequias; 
Mateus 1.10 a Ezequias nasceu Manassés; a Manassés nasceu Amom; a 
Amom nasceu Josias; 
Mateus 1.11 a Josias nasceram Jeconias e seus irmãos, no tempo da 
deportação para Babilônia. 
Mateus 1.12 Depois da deportação para Babilônia nasceu a Jeconias, 
Salatiel; a Salatiel nasceu Zorobabel; 
Mateus 1.13 a Zorobabel nasceu Abiúde; a Abiúde nasceu Eliaquim; a 
Eliaquim nasceu Azor; 
Mateus 1.14 a Azor nasceu Sadoque; a Sadoque nasceu Aquim; a Aquim 
nasceu Eliúde; 
Mateus 1.15 a Eliúde nasceu Eleazar; a Eleazar nasceu Matã; a Matã 
nasceu Jacó; 
Mateus 1.16 e a Jacó nasceu José, marido de Maria, da qual nasceu JESUS, 
que se chama Cristo. 
Mateus 1.17 De sorte que todas as gerações, desde Abraão até Davi, são 
catorze gerações; e desde Davi até a deportação para Babilônia, catorze 
gerações; e desde a deportação para Babilônia até o Cristo, catorze 
gerações. 
Mateus 1.18 Ora, o nascimento de Jesus Cristo foi assim: Estando Maria, 
sua mãe, desposada com José, antes de se ajuntarem, ela se achou ter 
concebido do Espírito Santo. 
Mateus 1.19 E como José, seu esposo, era justo, e não a queria infamar, 
intentou deixá-la secretamente. 
6 
Mateus 1.20 E, projetando ele isso, eis que em sonho lhe apareceu um 
anjo do Senhor, dizendo: José, filho de Davi, não temas receber a Maria, 
tua mulher, pois o que nela se gerou é do Espírito Santo; 
Mateus 1.21 ela dará à luz um filho, a quem chamarás JESUS; porque ele 
salvará o seu povo dos seus pecados. 
Mateus 1.22 Ora, tudo isso aconteceu para que se cumprisse o que fora 
dito da parte do Senhor pelo profeta: 
Mateus 1.23 Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho, o qual será 
chamado EMANUEL, que traduzido é: Deus conosco. 
Mateus 1.24 E José, tendo despertado do sono, fez como o anjo do Senhor 
lhe ordenara, e recebeu sua mulher; 
Mateus 1.25 e não a conheceu enquanto ela não deu à luz um filho; e pôs-
lhe o nome de JESUS. 
 
 
 
Mateus 2 
 
O modo de Jesus manifestar a Sua majestade divina, continua sendo o 
mesmo, desde o Seu nascimento, a saber, numa manjedoura de Belém, 
porque não é com pompa e notoriedade que Ele se manifesta aos Seus 
súditos, mas sempre em humilde obscuridade. 
Homens sábios do Oriente vieram dar-Lhe honra, quando ainda era um 
recém-nascido, porque lhes foi revelado por Deus onde encontrá-lO. 
A genuína presença e majestade do Senhor Jesus continua se 
manifestando a muitos humildes de coração, em muitas manjedouras 
deste mundo, enquanto osgrandes e entendidos não chegam a conhecê-
Lo, porque aprouve ao Pai revelá-lo aos pequeninos e contritos de 
coração. 
Deus é poderoso para esconder a revelação de Cristo de ímpios arrogantes 
que lhe resistem, como fizera em relação a Herodes, mas pode também 
fazer com que reis piedosos se dobrem aos pés do Senhor, e O adorem, 
em localidades pobres, que não costumam ser frequentadas por aqueles 
que são considerados grandes segundo o mundo. 
Assim, a visita dos magos foi um prenúncio do modo e do método de Deus 
para revelar Cristo aos homens. 
Se estes magos eram dados a artes mágicas condenadas por Deus, a visita 
deles a Jesus em Belém, revelou a vitória de Cristo sobre os poderes das 
7 
trevas, convertendo para a Sua luz, aqueles que se encontravam debaixo 
do domínio do diabo. 
Além disso, enquanto muitos em Israel se endureceriam, quanto à 
recepção do Messias, os gentios representados nestes magos, estavam se 
curvando para adorar o Senhor, mesmo quando era ainda um menino. 
A visita dos magos para dar honra a Cristo precipitou a perseguição e 
matança realizadas pelo rei Herodes. 
O diabo tentou impedir o surgimento do Libertador de Israel, tal como 
havia feito nos dias do nascimento de Moisés, pelo cruel estratagema de 
matar todos meninos do sexo masculino de dois anos para baixo, que 
habitavam na localidade e arredores, onde fora anunciado o nascimento 
tanto de Moisés, quanto de Jesus. 
A história se repete, porque toda vez que Deus suscita um instrumento 
poderoso de libertação dos que se encontram escravizados pelo diabo, 
este se levanta com grande fúria, para tentar impedir tal obra de 
libertação. 
Todavia, os propósitos de Deus não podem ser frustrados, e a libertação 
será operada em meio a todos os danos que possam ser causados pelo 
Inimigo. 
Está determinado que Jesus reine para todo o sempre em glória na Nova 
Jerusalém, mas em sua encarnação, havia sido designado e predito que 
deveria nascer na humilde Belém de Judá. 
Isto se deveu a muitas razões, mas especialmente à de que tudo o que se 
refere ao reino do Messias, começa pequeno como o grão de mostarda e 
termina em grandeza e em glória. 
A fidelidade no pouco será exigida antes de que se veja a colocação em 
grandeza e glória. 
Os que desejarem uma coroa terão que carregar voluntariamente uma 
cruz. 
Os que aspirarem pelo consolo eterno terão que suportar sofrimentos 
com paciência perseverante. 
O galardão será tanto maior nem tanto pelas graças recebidas, mas pelas 
perseguições e tribulações sofridas por amor a Cristo. 
A humilhação e a humildade da manjedoura, da cidade natal de Belém, 
das perseguições de Herodes, da fuga para o Egito, têm o propósito de nos 
ensinar e fazer recordar estas verdades anteriormente referidas. 
A riqueza de Cristo representada pelo ouro; o bom perfume de Cristo 
representado pela mirra, e a oração intercessória poderosa de Cristo 
8 
como nosso Sumo Sacerdote, representada pelo incenso, que foram 
oferecidos pelos magos, serão sempre achados onde houver verdadeira 
adoração na Sua santa presença. 
Sempre haverá uma estrela para guiar a todos aqueles que pretendam 
honrar verdadeiramente ao Senhor Jesus, que será providenciada pelo 
Pai, que é quem atrai a todo a quem é dado ter a revelação da pessoa de 
Cristo. 
Esta estrela é o Espírito Santo trabalhando em nossas mentes e corações, 
para que não erremos o caminho da verdadeira adoração, que é feita aos 
pés do Senhor. 
Assim como Jesus teve que ser escondido de seus perseguidores, no Egito, 
por seus pais, de igual modo, deve continuar sendo escondido daqueles 
que O rejeitam voluntariamente, porque aqueles que rejeitam aqueles 
que são enviados por Ele, também são rejeitados, e o modo visível desta 
rejeição é por nos retirarmos do meio deles. 
Jesus é tão precioso que não deve ser exposto voluntária e 
deliberadamente ao desprezo de homens ímpios. 
Aqueles que não se julgam dignos de receberem a paz do Senhor, devem 
viver sem a referida paz, em sinal de juízo contra a impiedade deles, do 
mesmo modo como Herodes ficou privado da abençoadora e graciosa 
presença do Senhor, até o dia da sua morte, em grande ruína. 
Os que não desejam ser promotores da paz, ou seja, pacificadores, 
excluem-se automaticamente da bem-aventurança, nesta vida e na do 
porvir, porque Jesus afirma que somente os pacificadores são bem-
aventurados. 
Deste modo, até hoje, os seguidores de Jesus, quando forem perseguidos 
numa cidade devem fugir para outra. Quando não são bem recebidos num 
determinado lugar, devem procurar outro. 
Isto não é covardia e nem vergonha, mas simplesmente, não permitir que 
o grande nome do Senhor, que deve ser sempre santificado, venha a ser 
exposto à ignomínia e desonra. 
Pelas perseguições e tribulações que sofremos podemos aprender o 
quanto somos dependentes de Deus para tudo, de maneira que esta lição 
nunca seja esquecida por toda a eternidade. 
A fuga de José e Maria com Jesus para o Egito, já se encontrava nos 
desígnios de Deus, e por isso profetizou esta fuga muitos séculos antes 
pela boca do profeta Oseias (Os 11.1). 
9 
Isto nos ensina que a obra do evangelho deve ser feita em meio a 
perseguições, conforme o conselho predeterminado por Deus antes 
mesmo da fundação do mundo (At 4.27,28), para que o Seu grande Nome 
seja glorificado pelas sucessivas vitórias da fé, da graça e do evangelho, 
nas batalhas que são empreendidas contra os principados e potestades 
das trevas, para a libertação daqueles que eles têm trazido em cativeiro. 
 
Mateus 2.1 Tendo, pois, nascido Jesus em Belém da Judeia, no tempo do 
rei Herodes, eis que vieram do oriente a Jerusalém uns magos que 
perguntavam: 
Mateus 2.2 Onde está aquele que é nascido rei dos judeus? pois do oriente 
vimos a sua estrela e viemos adorá-lo. 
Mateus 2.3 O rei Herodes, ouvindo isso, perturbou-se, e com ele toda a 
Jerusalém; 
Mateus 2.4 e, reunindo todos os principais sacerdotes e os escribas do 
povo, perguntava-lhes onde havia de nascer o Cristo. 
Mateus 2.5 Responderam-lhe eles: Em Belém da Judeia; pois assim está 
escrito pelo profeta: 
Mateus 2.6 E tu, Belém, terra de Judá, de modo nenhum és a menor entre 
as principais cidades de Judá; porque de ti sairá o Guia que há de 
apascentar o meu povo de Israel. 
Mateus 2.7 Então Herodes chamou secretamente os magos, e deles 
inquiriu com precisão acerca do tempo em que a estrela aparecera; 
Mateus 2.8 e enviando-os a Belém, disse-lhes: Ide, e perguntai 
diligentemente pelo menino; e, quando o achardes, participai-mo, para 
que também eu vá e o adore. 
Mateus 2.9 Tendo eles, pois, ouvido o rei, partiram; e eis que a estrela que 
tinham visto quando no oriente ia adiante deles, até que, chegando, se 
deteve sobre o lugar onde estava o menino. 
Mateus 2.10 Ao verem eles a estrela, regozijaram-se com grande alegria. 
Mateus 2.11 E entrando na casa, viram o menino com Maria sua mãe e, 
prostrando-se, o adoraram; e abrindo os seus tesouros, ofertaram-lhe 
dádivas: ouro incenso e mirra. 
Mateus 2.12 Ora, sendo por divina revelação avisados em sonhos para não 
voltarem a Herodes, regressaram à sua terra por outro caminho. 
Mateus 2.13 E, havendo eles se retirado, eis que um anjo do Senhor 
apareceu a José em sonho, dizendo: Levanta-te, toma o menino e sua 
10 
mãe, foge para o Egito, e ali fica até que eu te fale; porque Herodes há de 
procurar o menino para o matar. 
Mateus 2.14 Levantou-se, pois, tomou de noite o menino e sua mãe, e 
partiu para o Egito. 
Mateus 2.15 e lá ficou até a morte de Herodes, para que se cumprisse o 
que fora dito da parte do Senhor pelo profeta: Do Egito chamei o meu 
Filho. 
Mateus 2.16 Então Herodes, vendo que fora iludido pelos magos, irou-se 
grandemente e mandou matar todos os meninos de dois anos para baixo 
que havia em Belém, e em todos os seus arredores, segundo o tempo que 
com precisão inquirira dos magos. 
Mateus 2.17 Cumpriu-se então o que fora dito pelo profeta Jeremias: 
Mateus 2.18 Em Ramá se ouviu uma voz, lamentação e grande pranto: 
Raquel chorandoos seus filhos, e não querendo ser consolada, porque 
eles já não existem. 
Mateus 2.19 Mas tendo morrido Herodes, eis que um anjo do Senhor 
apareceu em sonho a José no Egito, 
Mateus 2.20 dizendo: Levanta-te, toma o menino e sua mãe e vai para a 
terra de Israel; porque já morreram os que procuravam a morte do 
menino. 
Mateus 2.21 Então ele se levantou, tomou o menino e sua mãe e foi para 
a terra de Israel. 
Mateus 2.22 Ouvindo, porém, que Arquelau reinava na Judeia em lugar 
de seu pai Herodes, temeu ir para lá; mas avisado em sonho por divina 
revelação, retirou-se para as regiões da Galileia, 
Mateus 2.23 e foi habitar numa cidade chamada Nazaré; para que se 
cumprisse o que fora dito pelos profetas: Ele será chamado nazareno. 
 
 
 
Mateus 3 
 
 
No final do capítulo precedente, Mateus registrou que Jesus foi habitar na 
Galileia, na cidade de Nazaré, depois de ter retornado com seus pais, José 
e Maria, do Egito. 
É dito então no início deste terceiro capitulo, que “Naqueles dias...”, ou 
seja, quando Jesus habitava em Nazaré, já tendo decorrido cerca de 30 
11 
anos, que João, o Batista apareceu pregando no deserto da Judeia 
dizendo: “Arrependei-vos, porque é chegado o reino dos céus.”. 
João falou da necessidade de arrependimento para entrar no reino dos 
céus. 
Falou do juízo vindouro sobre aqueles que rejeitassem a salvação que 
estava sendo oferecida gratuitamente pelo Cordeiro de Deus que tira o 
pecado do mundo. 
João falou do batismo de fogo do Espírito Santo, e do corte de toda árvore 
(pessoa) que não desse bom fruto. 
Em suma, João pregou o evangelho, antes mesmo do próprio Jesus 
começar a pregá-lo. 
Isto foi designado por Deus para servir de sinal que a doutrina pregada 
por Jesus provinha da mesma fonte, a saber do céu, do Espírito Santo, 
conforme foi permitido a João pregá-la ainda na dispensação do Antigo 
Testamento, no apagar das luzes daquela antiga dispensação, próximo da 
inauguração da nova dispensação da graça, com a instituição de uma Nova 
Aliança, no sangue de Jesus. 
Jesus começou o Seu ministério terreno somente depois de ter sido 
batizado no Espírito Santo, quando este veio sobre Ele na forma de uma 
pomba, quando era batizado nas águas por João. 
Aquele era o marco inicial do Seu ministério. 
Por isso os dados relativos tanto à infância de João, quanto à de Jesus, são 
omitidos por Mateus, porque o evangelho foi escrito para contar a história 
da nossa redenção pelo Senhor, e esta se encontra configurada 
especialmente no período do Seu ministério de três anos. 
João é citado na história da redenção, porque fora vinculado ao ministério 
do Senhor, pelo desígnio de Deus, para demonstrar principalmente, o Seu 
poder e fiel cumprimento de todas as profecias relativas à vida e obra de 
Seu Filho Unigênito, em favor dos pecadores. 
João não foi achado pregando nos castelos, mas no deserto da Judeia. 
Aqueles que quisessem indagar acerca das coisas relativas à salvação 
teriam que descer das alturas em que se encontravam, vindo ao deserto 
da humilhação, para ouvirem a pregação de João, e se arrependerem de 
seus pecados. 
Este seria o mesmo caráter da pregação de Cristo, porque o evangelho 
chama, antes de tudo, ao arrependimento. À contrição de coração, à 
pobreza de espírito, para que se possa receber a coroa de glória e o óleo 
12 
de alegria prometidos por Deus aos que viessem a se converter de seus 
pecados, pela fé no Messias. 
A principal função de João havia sido profetizada por Isaías, cerca de 
setecentos anos antes: 
“3 Eis a voz do que clama: Preparai no deserto o caminho do Senhor; 
endireitai no ermo uma estrada para o nosso Deus. 
4 Todo vale será levantado, e será abatido todo monte e todo outeiro; e o 
terreno acidentado será nivelado, e o que é escabroso, aplanado.” (Is 
40.3,4) 
A função de preparar o caminho do Senhor no deserto, e endireitar no 
ermo uma estrada para o nosso Deus, não poderia ser realizada tentando 
ser agradável a todas as pessoas, mas manifestando o genuíno amor de 
Deus, pela pregação da verdade. 
Este é o único modo pelo qual Deus pode operar levantando os abatidos 
e oprimidos (vale levantado); trazer ao arrependimento e humildade os 
que andam na soberba (outeiro e monte abatidos); e reparar os danos 
produzidos pelo pecado (terrenos acidentados e escabrosos, nivelados e 
aplanados). 
Não foi de topografia, de geografia que Deus falou através do profeta 
Isaías, mas acerca da condição do coração humano. 
Por isso importava que Jesus fosse batizado por João, para cumprimento 
de toda a justiça, porque estava determinado nos conselhos divinos que 
Ele deveria ser achado na forma de servo, identificado plenamente com a 
humanidade que veio salvar, exceto em relação ao pecado, porque não 
tinha pecado. 
E aquele batismo nas águas foi o momento determinado para que Ele 
fosse também e principalmente batizado no Espírito Santo, que veio sobre 
Ele na forma de uma pomba, para que desse início ao Seu ministério 
terreno, até que completasse a obra que Lhe fora designada para ser feita 
em nosso favor. 
Por causa dessa perfeita obediência e submissão à vontade do Pai, João 
ouviu a voz do Pai relativa a Jesus, dizendo: “Este é o meu Filho amado, 
em quem me comprazo.” 
 
Mateus 3.1 Naqueles dias apareceu João, o Batista, pregando no deserto 
da Judeia, 
Mateus 3.2 dizendo: Arrependei-vos, porque é chegado o reino dos céus. 
13 
Mateus 3.3 Porque este é o anunciado pelo profeta Isaías, que diz: Voz do 
que clama no deserto; Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas 
veredas. 
Mateus 3.4 Ora, João usava uma veste de pelos de camelo, e um cinto de 
couro em torno de seus lombos; e alimentava-se de gafanhotos e mel 
silvestre. 
Mateus 3.5 Então iam ter com ele os de Jerusalém, de toda a Judeia, e de 
toda a circunvizinhança do Jordão, 
Mateus 3.6 e eram por ele batizados no rio Jordão, confessando os seus 
pecados. 
Mateus 3.7 Mas, vendo ele muitos dos fariseus e dos saduceus que 
vinham ao seu batismo, disse-lhes: Raça de víboras, quem vos ensinou a 
fugir da ira vindoura? 
Mateus 3.8 Produzi, pois, frutos dignos de arrependimento, 
Mateus 3.9 e não queirais dizer dentro de vós mesmos: Temos por pai a 
Abraão; porque eu vos digo que mesmo destas pedras Deus pode suscitar 
filhos a Abraão. 
Mateus 3.10 E já está posto o machado á raiz das árvores; toda árvore, 
pois que não produz bom fruto, é cortada e lançada no fogo. 
Mateus 3.11 Eu, na verdade, vos batizo em água, na base do 
arrependimento; mas aquele que vem após mim é mais poderoso do que 
eu, que nem sou digno de levar-lhe as alparcas; ele vos batizará no Espírito 
Santo, e em fogo. 
Mateus 3.12 A sua pá ele tem na mão, e limpará bem a sua eira; recolherá 
o seu trigo ao celeiro, mas queimará a palha em fogo inextinguível. 
Mateus 3.13 Então veio Jesus da Galileia ter com João, junto do Jordão, 
para ser batizado por ele. 
Mateus 3.14 Mas João o impedia, dizendo: Eu é que preciso ser batizado 
por ti, e tu vens a mim? 
Mateus 3.15 Jesus, porém, lhe respondeu: Consente agora; porque assim 
nos convém cumprir toda a justiça. Então ele consentiu. 
Mateus 3.16 Batizado que foi Jesus, saiu logo da água; e eis que se lhe 
abriram os céus, e viu o Espírito Santo de Deus descendo como uma 
pomba e vindo sobre ele; 
Mateus 3.17 e eis que uma voz dos céus dizia: Este é o meu Filho amado, 
em quem me comprazo. 
 
 
14 
Mateus 4 
 
João foi decapitado a mando de Herodes quando contava apenas cerca de 
30 anos de idade, porque foi morto logo no início do ministério de Jesus, 
quando contava com a mesma idade com a qual João havia sido morto. 
Assim, se deu cumprimento à Palavra de João que importava que a sua luz 
brilhasse apenas por um pouco, porque convinha que ele diminuísse e que 
Jesus crescesse. 
De igual modo, todos os ministérios que estão vinculados a Cristo, têm a 
mesma função que teve João, a saber, surgir, anunciar a Cristo e 
desaparecer de cena, de maneira que apenas o nome de Cristo seja 
perpetuado por todas as gerações. 
No entanto, é importantedestacar, que em relação ao tempo de 
permanência do Senhor, na carne, neste mundo, na realização do Seu 
próprio ministério, que Ele também deixou este mundo para ir para junto 
do Pai, quando contava apenas 33 anos de idade. 
Nisto há um grande ensinamento para todos nós, que vivemos neste 
mundo, que não é a extensão do tempo de vida que temos aqui, que pode 
ser considerado como prova da bênção de Deus, porque nascido de 
mulher não havia maior que João, o Batista, e sem qualquer sombra de 
dúvida, Cristo é sobre todos e nem o somatório de todos os seres da terra 
e do céu, podem sequer serem comparados à Sua grandeza e glória. 
Portanto, tudo que Jesus sofreu neste mundo em relação à humilhação a 
que foi submetido, inclusive a de ser tentado pelo diabo, foi em razão de 
ter carregado sobre Si o nosso próprio opróbrio, porque não havia 
nenhum motivo para carregar qualquer opróbrio, por sua própria causa, 
porque, afinal, não tinha qualquer pecado. 
Tudo o que Ele sofreu foi por nós e por nossa causa. 
Ele suportou aflições e triunfou sobre todas as coisas, inclusive sobre a 
própria morte, para servir de exemplo para nós, e para ser o autor e 
consumador da nossa salvação. 
 Deste modo, não foi pela vontade e desígnio do próprio diabo que Ele foi 
conduzido ao deserto para ser tentado, mas pelo Espírito Santo. 
E importava que fosse tentado estando em extrema fraqueza, decorrente 
do jejum completo que fizera de quarenta dias e noites, para nos mostrar 
quão suficiente é o poder da graça do Espírito Santo que estava nEle, 
porque havia sido batizado no Espírito quando foi batizado nas águas por 
15 
João, o Batista, pouco tempo antes de ser conduzido pelo Espírito ao 
deserto, para ser tentado. 
Ele venceu a tentação de suportar a fome, não atendendo à insinuação do 
diabo que mostrasse o Seu poder transformando pedras em pães. 
Necessitamos aprender esta lição, para que não venhamos a tentar a Deus 
nos momentos em que estivermos passando por necessidades. Por 
sabermos que Deus é poderoso para nos sustentar com a palavra que 
procede da Sua boca, nestas horas difíceis. 
De igual modo, não devemos tentar a Deus, por nos lançarmos ao 
encontro de dificuldades e perigos por sugestão do diabo, para 
demonstrarmos que temos o poder do Senhor sobre as nossas vidas. 
Quanto a isto Jesus nos deixou o exemplo de não atender a Satanás, 
quando este lhe pediu para que se lançasse do pináculo do templo abaixo, 
porque segundo ele, Deus teria que cumprir o que está registrado nas 
Escrituras, que daria ordens a Seus anjos a respeito de Jesus, para que lhe 
sustentassem em suas mãos, para nunca tropeçar em alguma pedra. 
Também, devemos rejeitar completamente o oferecimento por parte do 
diabo, da glória vã das coisas deste mundo que passa, desde que nos 
submetamos a ele. 
Deus é digno de ser adorado, e somente Ele deve ser adorado e buscado. 
Nosso coração não deve estar preso a nenhuma coisa deste mundo. 
Somente o Senhor é digno de ser servido, e todo nosso serviço aos 
homens, deve ser, na verdade, por amor a Ele, e para trazer honra e glória 
ao Seu santo nome. 
Fomos criados por Deus para isto, e é portanto, deste modo, que devemos 
viver, a saber, conforme o propósito da nossa vocação. 
Entretanto, é de pasmar, que haja tão grande desinteresse por parte da 
maior parte da humanidade, em ter um conhecimento pessoal e íntimo 
da pessoa de Jesus, que tão maravilhosamente se manifestou ao mundo 
por amor de nós. 
Fora dEle, a vida não tem nenhum verdadeiro significado, propósito e 
sentido. 
Por isso, mesmo antes de ter encarnado há cerca de dois mil anos atrás, 
Deus não nos deixou sem o testemunho da Sua pessoa e vontade, pela 
revelação que fez aos antigos, e especialmente nas Escrituras do Antigo 
Testamento através dos profetas. 
16 
Todavia, como dissemos anteriormente, não são poucos os que vivem 
como se nada tivesse sido profetizado acerca de Cristo, e que vivem como 
se Ele não tivesse se manifestado pessoalmente ao mundo. 
Caminham sem Cristo, sem Deus, sem o mínimo interesse em investigar 
as coisas que foram reveladas de uma vez para sempre, para o 
conhecimento da glória de Deus na face de Cristo. 
Vivem como se estivessem ainda nos dias do Antigo Testamento, quando 
a revelação da glória do Senhor era feita com por um espelho, como uma 
figura, das realidades que já se cumpriram conforme havia sido 
profetizado acerca dEle, como por exemplo, o fato de ter-se mudado de 
Nazaré para a cidade de Cafarnaum, da Galileia, dando-se cumprimento à 
profecia de Isaías. 
“1 Mas para a que estava aflita não haverá escuridão. Nos primeiros 
tempos, ele envileceu a terra de Zebulom, e a terra de Naftali; mas nos 
últimos tempos fará glorioso o caminho do mar, além do Jordão, a Galileia 
dos gentios. 
2 O povo que andava em trevas viu uma grande luz; e sobre os que 
habitavam na terra de profunda escuridão resplandeceu a luz.” (Is 9.1,2) 
Antes mesmo que houvesse Galileia, Deus profetizou acerca dela, porque 
para o povo desprezado que vivia naquela região resplandeceria a 
esperança da luz da glória do evangelho, por meio de Jesus Cristo. 
Aquele era apenas um sinal da luz que seria derramada em todas as 
nações, para aqueles que desejassem sair das trevas do pecado, da 
ignorância e da obscuridade, pela união espiritual com Cristo. 
A luz está disponível ainda em nossos dias, e estará disponível enquanto 
durar a dispensação da graça, mas é necessário vir para a luz de Jesus, se 
desejarmos de fato sair da condição de morte, para a condição de vida, a 
vida eterna e abundante que somente o Senhor pode nos dar. 
E o ministério que Jesus começou nos dias em que viveu na carne neste 
mundo, Ele tem continuado através da Igreja, que é o Seu corpo, 
realizando obras ainda maiores do que as que Ele havia realizado em Seu 
ministério terreno, a saber: 
“23 E percorria Jesus toda a Galileia, ensinando nas sinagogas, pregando 
o evangelho do reino, e curando todas as doenças e enfermidades entre o 
povo. 
24 Assim a sua fama correu por toda a Síria; e trouxeram-lhe todos os que 
padeciam, acometidos de várias doenças e tormentos, os 
endemoninhados, os lunáticos, e os paralíticos; e ele os curou. 
17 
25 De sorte que o seguiam grandes multidões da Galileia, de Decápolis, de 
Jerusalém, da Judeia, e dalém do Jordão.” 
Aqueles que Ele tem chamado, tal como os primeiros apóstolos e 
discípulos, e que tudo têm deixado para segui-lO, são aqueles que têm 
dado continuidade à Sua obra de salvação e libertação na terra. 
E o modo de alcançar esta bênção continua sendo o mesmo desde o 
princípio, a saber, pelo atendimento da convocação ao arrependimento, 
ou seja, à transformação da vida, pelo retorno a Deus, por meio da fé em 
Jesus Cristo, para viver a vida celestial, espiritual e divina, conforme Deus 
planejou para o homem, desde antes da fundação do mundo. 
 
Mateus 4.1 Então foi conduzido Jesus pelo Espírito ao deserto, para ser 
tentado pelo Diabo. 
Mateus 4.2 E, tendo jejuado quarenta dias e quarenta noites, depois teve 
fome. 
Mateus 4.3 Chegando, então, o tentador, disse-lhe: Se tu és Filho de Deus 
manda que estas pedras se tornem em pães. 
Mateus 4.4 Mas Jesus lhe respondeu: Está escrito: Nem só de pão viverá 
o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus. 
Mateus 4.5 Então o Diabo o levou à cidade santa, colocou-o sobre o 
pináculo do templo, 
Mateus 4.6 e disse-lhe: Se tu és Filho de Deus, lança-te daqui abaixo; 
porque está escrito: Aos seus anjos dará ordens a teu respeito; e: eles te 
susterão nas mãos, para que nunca tropeces em alguma pedra. 
Mateus 4.7 Replicou-lhe Jesus: Também está escrito: Não tentarás o 
Senhor teu Deus. 
Mateus 4.8 Novamente o Diabo o levou a um monte muito alto; e 
mostrou-lhe todos os reinos do mundo, e a glória deles; 
Mateus 4.9 e disse-lhe: Tudo isto te darei, se, prostrado, me adorares. 
Mateus 4.10 Então ordenou-lhe Jesus: Vai-te, Satanás; porque está 
escrito: Ao Senhor teu Deus adorarás, e só a ele servirás. 
Mateus 4.11 Então o Diabo o deixou;e eis que vieram os anjos e o 
serviram. 
Mateus 4.12 Ora, ouvindo Jesus que João fora entregue, retirou-se para a 
Galileia; 
Mateus 4.13 e, deixando Nazaré, foi habitar em Cafarnaum, cidade 
marítima, nos confins de Zabulom e Naftali; 
Mateus 4.14 para que se cumprisse o que fora dito pelo profeta Isaías: 
18 
Mateus 4.15 A terra de Zabulom e a terra de Naftali, o caminho do mar, 
além do Jordão, a Galileia dos gentios, 
Mateus 4.16 o povo que estava sentado em trevas viu uma grande luz; 
sim, aos que estavam sentados na região da sombra da morte, a estes a 
luz raiou. 
Mateus 4.17 Desde então começou Jesus a pregar, e a dizer: Arrependei- 
vos, porque é chegado o reino dos céus. 
Mateus 4.18 E Jesus, andando ao longo do mar da Galileia, viu dois irmãos 
- Simão, chamado Pedro, e seu irmão André, os quais lançavam a rede ao 
mar, porque eram pescadores. 
Mateus 4.19 Disse-lhes: Vinde após mim, e eu vos farei pescadores de 
homens. 
Mateus 4.20 Eles, pois, deixando imediatamente as redes, o seguiram. 
Mateus 4.21 E, passando mais adiante, viu outros dois irmãos - Tiago, filho 
de Zebedeu, e seu irmão João, no barco com seu pai Zebedeu, 
consertando as redes; e os chamou. 
Mateus 4.22 Estes, deixando imediatamente o barco e seu pai, seguiram- 
no. 
Mateus 4.23 E percorria Jesus toda a Galileia, ensinando nas sinagogas, 
pregando o evangelho do reino, e curando todas as doenças e 
enfermidades entre o povo. 
Mateus 4.24 Assim a sua fama correu por toda a Síria; e trouxeram-lhe 
todos os que padeciam, acometidos de várias doenças e tormentos, os 
endemoninhados, os lunáticos, e os paralíticos; e ele os curou. 
Mateus 4.25 De sorte que o seguiam grandes multidões da Galileia, de 
Decápolis, de Jerusalém, da Judeia, e dalém do Jordão. 
 
 
 
Mateus 5 
 
“1 Jesus, pois, vendo as multidões, subiu ao monte; e, tendo se assentado, 
aproximaram-se os seus discípulos, 
2 e ele se pôs a ensiná-los, dizendo: 
3 Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o reino dos 
céus. 
4 Bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados. 
5 Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra. 
19 
6 Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça porque eles serão 
fartos. 
7 Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão 
misericórdia. 
8 Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus. 
9 Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos 
de Deus. 
10 Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque 
deles é o reino dos céus. 
11 Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguiram e, 
mentindo, disserem todo mal contra vós por minha causa. 
12 Alegrai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardão nos céus; 
porque assim perseguiram aos profetas que foram antes de vós. 
13 Vós sois o sal da terra; mas se o sal se tornar insípido, com que se há 
de restaurar-lhe o sabor? para nada mais presta, senão para ser lançado 
fora, e ser pisado pelos homens. 
14 Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada 
sobre um monte; 
15 nem os que acendem uma candeia a colocam debaixo do alqueire, mas 
no velador, e assim ilumina a todos que estão na casa. 
16 Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as 
vossas boas obras, e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus. 
17 Não penseis que vim destruir a lei ou os profetas; não vim destruir, mas 
cumprir. 
18 Porque em verdade vos digo que, até que o céu e a terra passem, de 
modo nenhum passará da lei um só i ou um só til, até que tudo seja 
cumprido. 
19 Qualquer, pois, que violar um destes mandamentos, por menor que 
seja, e assim ensinar aos homens, será chamado o menor no reino dos 
céus; aquele, porém, que os cumprir e ensinar será chamado grande no 
reino dos céus. 
20 Pois eu vos digo que, se a vossa justiça não exceder a dos escribas e 
fariseus, de modo nenhum entrareis no reino dos céus. 
21 Ouvistes que foi dito aos antigos: Não matarás; e, Quem matar será réu 
de juízo. 
22 Eu, porém, vos digo que todo aquele que se encolerizar contra seu 
irmão, será réu de juízo; e quem disser a seu irmão: Raca, será réu diante 
do sinédrio; e quem lhe disser: Tolo, será réu do fogo do inferno. 
20 
23 Portanto, se estiveres apresentando a tua oferta no altar, e aí te 
lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, 
24 deixa ali diante do altar a tua oferta, e vai conciliar-te primeiro com teu 
irmão, e depois vem apresentar a tua oferta. 
25 Concilia-te depressa com o teu adversário, enquanto estás no caminho 
com ele; para que não aconteça que o adversário te entregue ao guarda, 
e sejas lançado na prisão. 
26 Em verdade te digo que de maneira nenhuma sairás dali enquanto não 
pagares o último ceitil. 
27 Ouvistes que foi dito: Não adulterarás. 
28 Eu, porém, vos digo que todo aquele que olhar para uma mulher para 
a cobiçar, já em seu coração cometeu adultério com ela. 
29 Se o teu olho direito te faz tropeçar, arranca-o e lança-o de ti; pois te é 
melhor que se perca um dos teus membros do que seja todo o teu corpo 
lançado no inferno. 
30 E, se a tua mão direita te faz tropeçar, corta-a e lança-a de ti; pois te é 
melhor que se perca um dos teus membros do que vá todo o teu corpo 
para o inferno. 
31 Também foi dito: Quem repudiar sua mulher, dê-lhe carta de divórcio. 
32 Eu, porém, vos digo que todo aquele que repudia sua mulher, a não ser 
por causa de infidelidade, a faz adúltera; e quem casar com a repudiada, 
comete adultério. 
33 Outrossim, ouvistes que foi dito aos antigos: Não jurarás falso, mas 
cumprirás para com o Senhor os teus juramentos. 
34 Eu, porém, vos digo que de maneira nenhuma jureis; nem pelo céu, 
porque é o trono de Deus; 
35 nem pela terra, porque é o escabelo de seus pés; nem por Jerusalém, 
porque é a cidade do grande Rei; 
36 nem jures pela tua cabeça, porque não podes tornar um só cabelo 
branco ou preto. 
37 Seja, porém, o vosso falar: Sim, sim; não, não; pois o que passa daí, 
vem do Maligno. 
38 Ouvistes que foi dito: Olho por olho, e dente por dente. 
39 Eu, porém, vos digo que não resistais ao homem mau; mas a qualquer 
que te bater na face direita, oferece-lhe também a outra; 
40 e ao que quiser pleitear contigo, e tirar-te a túnica, larga-lhe também 
a capa; 
41 e, se qualquer te obrigar a caminhar mil passos, vai com ele dois mil. 
21 
42 Dá a quem te pedir, e não voltes as costas ao que quiser que lhe 
emprestes. 
43 Ouvistes que foi dito: Amarás ao teu próximo, e odiarás ao teu inimigo. 
44 Eu, porém, vos digo: Amai aos vossos inimigos, e orai pelos que vos 
perseguem; 
45 para que vos torneis filhos do vosso Pai que está nos céus; porque ele 
faz nascer o seu sol sobre maus e bons, e faz chover sobre justos e injustos. 
46 Pois, se amardes aos que vos amam, que recompensa tereis? não fazem 
os publicanos também o mesmo? 
47 E, se saudardes somente os vossos irmãos, que fazeis demais? não 
fazem os gentios também o mesmo? 
48 Sede vós, pois, perfeitos, como é perfeito o vosso Pai celestial.” 
 
 Para o comentário deste capítulo e dos dois seguintes (6 e 7) nós 
usaremos basicamente adaptações de textos escritos por Thomas Watson 
e por David Martin Lloyd Jones. 
Como o sermão é introduzido pelas bem-aventuranças, apresentaremos 
primeiro o comentário de Thomas Watson relativo às mesmas. 
 
AS BEM-AVENTURANÇAS 
 
Por Thomas Watson (traduzido e adaptado por Silvio Dutra) 
 
 “1 Jesus, pois, vendo as multidões, subiu ao monte; e, tendo se assentado, 
aproximaram-se os seus discípulos, 
2 e ele se pôs a ensiná-los, dizendo: 
3 Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus. 
4 Bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados. 
5 Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra. 
6 Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça porque eles serão 
fartos. 
7 Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão 
misericórdia. 
8 Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus. 
9 Bem-aventurados os pacificadores, porqueeles serão chamados filhos 
de Deus. 
10 Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque 
deles é o reino dos céus.”. (Mt 5.1-10). 
22 
 
As palavras deste sermão pregado por nosso Senhor Jesus Cristo devem 
ser fixadas permanentemente pelos seus ministros nas memórias dos seus 
ouvintes, porque há muitos que têm uma memória ruim conforme se diz 
em Tiago 1.25, e as suas recordações escoam facilmente tal como a água 
que sai de um recipiente. 
Aqueles que têm o encargo de conduzirem os espíritos dos homens no 
caminho do céu devem lembrar que assim como não se pode ter um 
sangue enriquecido sem um intestino que funcione bem, de igual modo 
se uma verdade não ficar retida na memória, ela nunca poderá, como diz 
o apóstolo Paulo em I Tim 4.6, nos nutrir com as palavras da fé. 
E com que frequência o diabo, a ave do ar, apanha a boa semente que é 
semeada! 
Quantos sermões o diabo tem roubado! 
E é uma triste verdade que as pessoas não se permitam serem furtadas 
tão facilmente de seus bens materiais, mas dão pouca ou nenhuma 
atenção ao fato de o diabo lhes furtar continuamente o alimento 
espiritual, através do qual elas podem ser fortalecidas na fé. 
Por isso os ministros de Cristo devem sempre brilhar não como velas ou 
lâmpadas, nem mesmo como planetas, mas como estrelas no firmamento 
de glória, porque eles são estas estrelas que devem brilhar nas mãos do 
Senhor, como se vê em Apo 1.20; para que possam iluminar o caminho 
que conduz os pecadores à salvação. 
A honra de converter almas não foi dada por Deus aos anjos, mas aos 
ministros do evangelho. 
Deus confiou aos Seus ministros a maioria das Suas joias preciosas, as Suas 
verdades e as almas das pessoas que pertencem a Ele. 
Por isso o púlpito é mais elevado do que o trono de qualquer rei terreno, 
porque o ministro verdadeiramente constituído representa ninguém 
menos do que o próprio Deus. 
E agora, quanto ao rebanho do Senhor: se os ministros têm que aproveitar 
todas as oportunidades para pregarem, o rebanho por sua vez, tem que 
aproveitar todas as oportunidades para ouvir e colocar em prática as 
coisas que ouve. 
Quando a Palavra de Deus é pregada, o pão da vida é repartido a todos, e 
este pão é mais precioso do que ouro e prata com se diz no Sl 119.72. 
Na Palavra pregada, céu e salvação são oferecidos a você. 
23 
Jesus começou o Seu sermão no Monte com bem-aventuranças que 
contêm promessas e bênçãos. 
O povo de Deus se encontra com muitas dificuldades e desânimos, e a 
marcha dos crentes não é somente perigosa e cansativa, como o próprio 
coração deles está sempre pronto a desfalecer. 
Não é portanto de se estranhar que Jesus tenha colocado diante dos 
crentes a coroa da bem-aventurança para animar a sua coragem e 
inflamar o seu zelo. 
A bem-aventurança é o alvo que deve ser atingido, é o centro do qual 
devem partir todas as linhas da vida; é a flor da alegria dos crentes. 
É aquela condição abençoada na qual devem ser achados os servos de 
Jesus, conforme ele cita em Mt 24.46: 
“Bem-aventurado aquele servo a quem o seu senhor, quando vier, achar 
assim fazendo.”. 
A bem-aventurança está portanto ligada a uma condição de alma, a um 
estado de espírito, a uma atitude de estrita obediência à Palavra de Deus, 
em todos os deveres ordenados nela. 
Assim a bem-aventurança não consiste na aquisição de coisas mundanas, 
na aquisição de bens naturais e terrenos. 
Cristo não diz: “Bem-aventurados são os ricos”, ou “Bem-aventurados são 
os nobres”, contudo muitos idolatram estas coisas. 
Os filósofos pagãos ensinam que bem-aventurança é ter suficiência de 
subsistência e prosperar no mundo. 
Mas não há muitos crentes que parecem ser desta mesma opinião 
filosófica? 
Poucos chegam a entender que a árvore da bem-aventurança não cresce 
num paraíso terrestre. 
Deus não amaldiçoou a terra por causa do pecado? Como vemos em Gên 
3.17? 
 Contudo, muitos estão cavando para acharem a sua felicidade aqui, como 
se eles pudessem achar uma bênção numa maldição. 
Nestas profundidades terrenas Salomão cavou mais do que qualquer 
outro homem e chegou à conclusão que tudo deste mundo é vaidade, 
enfado e canseira, dando um firme testemunho de que é somente em 
Deus que se pode satisfazer verdadeiramente o espírito, e alcançar a 
condição da bem-aventurança. 
As coisas terrenas não podem satisfazer aos anelos do espírito e assim 
nunca tornarem uma pessoa bem-aventurada, porque estas coisas são 
24 
transitórias, passageiras, e por isso Paulo diz que elas não são uma 
realidade permanente, senão uma aparência passageira, como lemos suas 
palavras em I Cor 7.31: 
“e os que usam deste mundo, como se dele não usassem em absoluto, 
porque a aparência deste mundo passa.”. 
O dom da vida que reside no espírito é muito mais do que o sustento do 
corpo físico. 
É por isso que Jesus diz o que lemos em seu ensino sobre esta verdade em 
Mt 6.25: 
“Por isso vos digo: Não estejais ansiosos quanto à vossa vida, pelo que 
haveis de comer, ou pelo que haveis de beber; nem, quanto ao vosso 
corpo, pelo que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o alimento, e o 
corpo mais do que o vestuário?”. 
A bem-aventurança não se encontra de fato nas coisas terrenas porque 
elas não podem aquietar o coração atribulado. Elas não podem trazer 
alívio e livramento ao coração que está sendo batido pelas batalhas 
espirituais. 
 A bem-aventurança não se encontra nas coisas terrenas porque é 
exatamente nelas que encontramos a maior fonte de tentação para nos 
afastar da comunhão com Deus, conforme vemos no dizer do apóstolo 
João em I Jo 2.15 a 17: 
“15 Não ameis o mundo, nem o que há no mundo. Se alguém ama o 
mundo, o amor do Pai não está nele. 
16 Porque tudo o que há no mundo, a concupiscência da carne, a 
concupiscência dos olhos e a soberba da vida, não vem do Pai, mas sim do 
mundo. 
17 Ora, o mundo passa, e a sua concupiscência; mas aquele que faz a 
vontade de Deus, permanece para sempre.”. 
A bem-aventurança que Deus tem para os seus filhos não é fugaz como 
todas as riquezas deste mundo; e não fere os nossos corações como tais 
riquezas, porque não há o temor de perdê-las. 
Se nós não tivermos estas coisas terrenas, não seremos amaldiçoados, 
nem sequer podemos ser mais santificados por causa delas. 
E devemos saber que é grande a tentação para entesourar riquezas para 
o próprio dano daquele que o fizer, como se diz em Eclesiastes 5.13: “Há 
um grave mal que vi debaixo do sol: riquezas foram guardadas por seu 
dono para o seu próprio dano;”. 
25 
Definitivamente não é no acúmulo de bens terrenos que devemos colocar 
todo o nosso empenho e esperança de encontrar a bem-aventurança. 
É com todas estas coisas em vista que Paulo afirma o que lemos em I Tim 
6.9,10: 
“9 Mas os que querem tornar-se ricos caem em tentação e em laço, e em 
muitas concupiscências loucas e nocivas, as quais submergem os homens 
na ruína e na perdição. 
10 Porque o amor ao dinheiro é raiz de todos os males; e nessa cobiça 
alguns se desviaram da fé, e se traspassaram a si mesmos com muitas 
dores.”. 
 
Muito bem. Tendo mostrado em que a bem-aventurança não consiste, eu 
mostrarei agora em que ela consiste: 
Em primeiro lugar, consiste em alegria, em regozijo e gozo pela certeza 
das coisas que o espírito possui. 
Um homem pode possuir uma propriedade e contudo não desfrutá-la. Ele 
pode ter o domínio da coisa mas não o seu conforto. Mas a verdadeira 
bem-aventurança sempre produz prazer na alma. 
Em segundo lugar, a bem-aventurança melhora a alma, e a enobrece, 
tornando-a mais preciosa para Deus e para o seu próprio possuidor. 
A bem-aventurança traz deleite verdadeiro e duradouro. 
Na verdadeira bem-aventurança há variedade. E somente em Jesus há a 
plenitude de todas as coisas das quais necessita o nosso espírito, como se 
vê em Col 1.19. 
A verdadeira bem-aventurança tem a eternidade estampada nela, e deve 
ser inabalável, algo que não admita nenhuma mudança ou alteração. 
O crente já se encontra abençoado em certo sentido. Somente o fato de 
ter escapadoda condenação eterna por estar em Cristo já é uma grande 
bênção. Mas há muitas bênçãos ocultas em Cristo que o crente é 
convocado a buscar através de uma vida devotada a Deus. 
Simei amaldiçoou Davi mas ele não se importou, ainda que em grande 
angústia e tribulação, porque tinha a convicção que ele era um abençoado 
de Deus. 
Os santos são coparticipantes da natureza divina como se afirma em II Pe 
1.4. Eles foram abençoados por Deus com todas as bênçãos espirituais nas 
regiões celestes em Cristo como se vê em Ef 1.3. 
Os crentes têm a semente de Deus neles (I Jo 3.9), e esta semente é a 
semente da bem-aventurança. 
26 
A flor da glória nasce da semente da graça. 
A graça e a glória não diferem em tipo mas em grau. 
A graça é a raiz e a glória o fruto. 
A graça é a gloria no amanhecer, e a glória é a graça no entardecer. 
A graça é o primeiro elo da corrente da bem-aventurança. 
Mas todo aquele que tem o primeiro elo da corrente na sua mão, tem a 
posse da corrente inteira com todos os seus demais elos. 
Os santos já são bem-aventurados porque os seus pecados não lhes serão 
mais imputados para juízo condenatório. Toda a dívida dos seus pecados 
foi paga por Cristo na cruz. 
Os santos já são bem-aventurados porque têm o selo do Espírito Santo. 
Eles têm todas as coisas desta vida cooperando para o seu bem. Tanto a 
prosperidade quanto a adversidade pode torná-los melhores, quer em 
gratidão, quer em devoção, santificação e adoração. 
Os santos já são bem-aventurados porque eles podem ser achados 
debaixo da cruz, mas não mais da maldição. 
 
Falemos agora sobre a primeira bem-aventurança. 
 
O Senhor Jesus diz em Mateus 5.3: “Bem-aventurados os pobres de 
espírito, porque deles é o reino dos céus.”. 
 
Nós podemos observar o toque e aroma da divindade neste sermão do 
Senhor, o qual vai além de toda a filosofia humana. 
Na verdade ele vai no sentido contrário da filosofia humana, porque aqui 
se diz que a pobreza produz riquezas, e não somente isto, que aquele que 
é enriquecido pela pobreza aqui referida, possui um reino. 
De igual modo, nós veremos na bem-aventurança que se segue a esta 
primeira, que o choro, a tristeza, produz conforto. 
Diz-se que a água das lágrimas acenderá a chama da verdadeira alegria. 
E mais ainda, que a perseguição trará felicidade, pois se diz que felizes são 
os perseguidos por causa da justiça. 
Observe como diferem a doutrina de Cristo e a opinião dos homens 
carnais. Eles pensam que bem-aventurados são os ricos, mas Cristo diz que 
bem-aventurado é o pobre de espírito. 
O mundo pensa que bem-aventurados são aqueles que se encontram no 
pináculo da glória mundana, mas Cristo diz que bem-aventurados são os 
que estão no vale. 
27 
Aqueles que usariam as joias de Cristo, mas que recusam a Sua cruz, são 
estranhos ao verdadeiro cristianismo. 
Observe a conexão entre a graça e a sua recompensa. 
Aqueles que são pobres de espírito terão o reino de Deus. 
Nosso Salvador encoraja os homens à santidade associando 
mandamentos com promessas. 
Ele amarra dever e recompensa juntamente. 
Uma parte destes versículos das bem-aventuranças consiste no dever e a 
outra parte consiste na recompensa. 
Nós observamos também nas bem-aventuranças que elas estão 
encadeadas e uma conduz a outra. 
Aquele que tem pobreza de espírito é quebrantado. 
Aquele que é quebrantado é submisso. 
Aquele que é submisso é misericordioso e assim por diante. 
Nisto consiste a diferença entre um verdadeiro filho de Deus, e um 
hipócrita. 
O hipócrita se gaba de possuir alguma graça pretensiosa, no entanto ele 
não possui todas as graças, como verdadeiramente as possui aquele que 
é nascido do Espírito. 
O hipócrita não tem pobreza de espírito, nem pureza de coração. 
Mas um filho de Deus tem todas as graças no seu coração, ainda que seja 
em semente, e necessite ainda crescer em graus. 
Ser pobre de espírito não é o mesmo que ser pobre de bens terrenos, 
porque é possível ser pobre de bens e não ser pobre de espírito. 
E há também distinção em ser espiritualmente pobre, e ser pobre de 
espírito, porque aquele que não tem a graça de Jesus, é espiritualmente 
pobre, e não é pobre de espírito, e não conhece até mesmo a sua pobreza 
espiritual, como se vê em Apo 3.1. 
Bem, então, o que devemos entender por pobre de espírito? 
A palavra grega para pobre é ptocoi, e esta significa estar reduzido à 
mendicância, ser destituído de riqueza, influência, posição, honra, e estar 
destituído de virtudes cristãs e riquezas eternas, ser desamparado, e 
impotente para realizar um objetivo, enfim, ser necessitado em todos os 
sentidos. 
Pobre de espírito significa então aqueles que são trazidos ao senso da sua 
própria miséria, em razão dos seus pecados, e que não veem nenhuma 
bondade em si mesmos, e em seu desespero se entregam completamente 
à misericórdia de Deus em Cristo. 
28 
Pobreza de espírito é um tipo de auto negação. 
A pessoa se vê como o publicano da parábola de Lc 18.13, e fala 
juntamente com Paulo que não há nenhuma justiça nela própria que lhe 
possa recomendar a Deus, como se vê em Fp 3.9. 
Por que Jesus teria começado o sermão do Monte com pobreza de 
espírito? 
Certamente o Senhor a colocou na frente das demais bem-aventuranças, 
citando-a antes das demais, porque a pobreza de espírito é o fundamento 
no qual todas as outras graças são colocadas. 
Tal como o fruto não pode ser produzido numa árvore sem raiz, de igual 
modo as demais graças não podem existir sem pobreza de espírito. 
Quando uma pessoa vê os seus próprios defeitos e se vê imperfeita por 
causa dos seus pecados, então chorará na presença de Cristo. 
E esta pobreza de espírito fará com que tenha fome e sede de justiça, 
porque desejará estar conformado àquilo que Deus é em Sua própria 
natureza, a saber: santo. 
Assim, a pobreza de espírito é a causa da humildade, porque quando um 
homem vê a sua necessidade de Cristo, e como depende das suas graças, 
isto o leva a se humilhar. 
E até que sejamos pobres de espírito, não somos habilitados a receber a 
graça. 
Aquele que está inchado com uma opinião de autoexcelência e 
autosuficiência, não está ajustado para receber a Cristo. 
Ele já está cheio de si mesmo. 
Se a mão está cheia de pedras, ela não pode receber ouro. 
O copo deve ser esvaziado primeiro, antes que possa ser enchido com a 
água viva do Espírito. 
Assim, Deus esvazia primeiro o homem de si mesmo, antes de enchê-lo 
com a Sua preciosa graça. 
Somente o pobre de espírito pode ser alcançado pela missão de Cristo, 
porque se diz que ele veio para os que estão quebrados quanto ao senso 
da sua indignidade: 
Nós lemos no texto de Isaías 61.1: 
“O Espírito do Senhor Deus está sobre mim, porque o Senhor me ungiu 
para pregar boas-novas aos mansos; enviou-me a restaurar os contritos 
de coração, a proclamar liberdade aos cativos, e a abertura de prisão aos 
presos;”. 
Até que sejamos pobres de espírito, Cristo não é precioso para nós. 
29 
Antes de vermos nossas próprias necessidades, nunca veremos o valor 
que Cristo tem para nós. 
Os que são ricos em pobreza de espírito são aqueles que são 
verdadeiramente ricos da graça de Deus, porque Ele a derrama 
abundantemente sobre os humildes. 
Deste modo, as riquezas de um crente consistem na sua pobreza de 
espírito. 
Esta pobreza o habilita a um reino celestial. 
Logo, quão pobres são aqueles que pensam serem ricos, e quão ricos são 
aqueles que se veem pobres e necessitados da graça de Deus! 
Se bem-aventurado é o pobre de espírito, então pelo sentido oposto 
podemos entender que o amaldiçoado é o orgulhoso de espírito, como 
vemos em Pv 16.5, que diz: 
“Todo homem arrogante é abominação ao Senhor; certamente não ficará 
impune.” 
Aqueles que se julgam muito bons para irem para o céu jamais o 
alcançarão. 
Tal como o fariseu de Lc 18.11 não serão justificados por Deus porque o 
orgulho deles não lhes permite enxergarem o quanto necessitam de 
arrependimento. 
Não admira que Cristo chame tais homens de cegos porque eles estão nus, 
mas se recusam a receber o vestidobranco de justiça de Jesus para 
cobrirem a sua nudez, porque pensam que são ricos e que não necessitam 
de nada da parte do Senhor. 
Eles estão cegos e não poderão ver que estão nus caso não apliquem o 
colírio de Cristo aos seus olhos espirituais para que possam ver. 
O pobre de espírito é verdadeiramente rico para com Deus porque entre 
os muitos benefícios que lhe advêm de tal pobreza podemos destacar os 
seguintes: 
O pobre de espírito é desmamado de sua própria alma. O seu ego deixa 
de ser o centro de seus objetivos e atenções, e Cristo passa a ocupar este 
lugar central em sua vida. 
Ele não confia em si mesmo e não busca apoio na sua própria alma para 
estar firme, mas nAquele que o fortalece em tudo. 
Assim, o pobre de espírito é um adorador e admirador de Cristo. 
Ele tem os pensamentos mais elevados acerca de Jesus. 
Ele se vê nu e corre para Cristo para se cobrir com a Sua veste de justiça, 
de modo a poder obter a Sua bênção. 
30 
O pobre de espírito nunca está satisfeito com a pobreza da sua alma 
quanto aos dons e graças de Deus, e se empenha diligentemente em 
buscá-los nEle, para enriquecer o seu espírito. 
Ele lamenta sempre por não ter mais graça para poder glorificar ainda 
mais o nome do Seu Deus. 
E esta é a diferença principal entre o hipócrita e um verdadeiro filho de 
Deus. 
O hipócrita se gaba daquilo que pensa possuir, e o filho de Deus lamenta 
o que lhe falta e reconhece que sem a graça do Senhor nada é e nada tem. 
Assim, aquele que é pobre de espírito é também humilde de coração. 
Homens ricos costumam ser orgulhosos e arrogantes, mas o pobre de 
espírito é manso e submisso. 
E quanto mais graça ele tem, mais humilde ele se torna, pois entende o 
quanto é devedor a Deus. 
Quando executa bem qualquer dever reconhece que o fez muito mais pela 
força de Cristo do que pela sua própria força; porque ele reconhece que o 
seu trabalho na obra de Deus foi realizado pela graça do Senhor, sendo 
portanto imitador do apóstolo Paulo, conforme podemos ver em I Cor 
15.10. 
O pobre de espírito ora muito porque reconhece o quanto depende da 
oração porque vê o quão longe está do padrão da santidade divina, então 
implora mais graça e mais fé ao Senhor, para poder estar em 
conformidade com Ele. 
O pobre de espírito é muito grato porque sabe o quanto tem sido alvo da 
misericórdia de Deus. 
A pobreza de espírito é o fundamento no qual Deus constrói o edifício da 
glória. 
Deste modo, é possível que alguém tenha as riquezas do mundo e ainda 
ser pobre, porque a verdadeira riqueza de alguém não consiste na 
quantidade de bens mundanos que ele possui, mas na grandeza da sua 
pobreza de espírito. 
Quanto mais pobre de espírito uma pessoa for, mais rica ela será da graça 
de Jesus, porque terá sempre mãos vazias para serem enchidas por Deus 
com as bênçãos espirituais que destinou aos crentes em Cristo Jesus. 
E assim se cumpre a verdade citada em Ef 1.3: 
“Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual nos 
abençoou com todas as bênçãos espirituais nas regiões celestes em 
Cristo;”. 
31 
Esta pobreza é a nobreza do crente. 
Deus olha para o pobre de espírito como uma pessoa honrada. 
Aquele que é vil aos seus próprios olhos é precioso aos olhos de Deus, 
porque se apresenta verdadeiro diante dEle por se reconhecer ser um vil 
pecador. 
A pobreza de espírito aquieta a alma, pois leva a pessoa a descansar em 
Cristo. 
Ele se vê pobre, mas pode dizer juntamente com Paulo em Fp 4.19: “o meu 
Deus proverá todas as minhas necessidades”. 
Os que desejam ser ricos segundo o mundo buscam construir um reino 
temporal aqui, mas o pobre de espírito almeja por um reino celestial. 
E os santos reinarão com Cristo numa maneira gloriosa, porque lhes é 
prometido não um reino terreno, mas o reino dos céus. 
Depois da morte os santos são coroados como vemos em Apo 2.10. 
Eles não são apenas perdoados por Cristo, mas são também coroados. 
A coroa é um símbolo de honra e autoridade. 
A coroa que os santos receberão é mais excelente do que todas as demais. 
E não haverá o risco de se perder esta coroa, conforme o temor que 
sentem os reis terrenos quanto à possibilidade de perderem as suas. 
Esta coroa não instigará inveja porque um santo não invejará outro, 
porque todos serão coroados. 
Esta coroa é imarcescível, porque não pode murchar, tal como 
murchavam as coroas de louro que os atletas vitoriosos recebiam no 
passado. E esta coroa dos crentes é também eterna, e jamais perderá o 
seu brilho, conforme se vê em I Pe 5.4. 
No terceiro céu, a saber, no paraíso, que é citado em II Cor 12.2, neste 
lugar sublime e glorioso será erguido o trono dos santos, e este trono é 
seguro e inabalável, conforme a promessa que Jesus fez aos crentes 
vencedores em Apo 3.21:. 
“Ao que vencer, eu lhe concederei que se assente comigo no meu trono.”. 
 Um preço foi pago para isto. Jesus derramou o seu sangue na cruz para 
que o santos conquistassem o reino através do Seu sangue. 
Jesus foi pregado na cruz para nos trazer à coroa. 
Ele diz que bem-aventurados são os pobres de espírito porque eles têm 
um reino, a saber, o reino do céu. 
E aqueles que têm um reino têm também uma coroa. 
A recompensa da pobreza de espírito é portanto muito alta e não pode 
ser comparada a nenhum bem terreno passageiro. 
32 
Nós entendemos então porque são tão fortes as exigências de Deus para 
que os Seus filhos se santifiquem em tudo, empenhando-se em todo o 
esforço para mortificarem o pecado e a carne, pois afinal, a recompensa 
que lhes é feita é a de um reino eterno celestial glorioso. 
Nós podemos pensar que é um grande sacrifício nos empenharmos para 
mortificar definitivamente o pecado em nossas vidas, mas Deus não acha 
nenhum sacrifício em nos dar graciosamente um reino tão maravilhoso; o 
contrário, foi do Seu inteiro agrado concedê-lo a nós, conforme se vê 
em Lc 12.32. 
Os crentes são herdeiros do reino, e qual destes herdeiros não deseja ser 
coroado? 
Tiago nos diz em Tg 2.5: “Ouvi, meus amados irmãos. Não escolheu Deus 
os que são pobres quanto ao mundo para fazê-los ricos na fé e herdeiros 
do reino que prometeu aos que o amam?”. 
Enquanto neste mundo, parece que os santos fiéis e piedosos são 
massacrados pelas suas próprias fraquezas, e pelas investidas furiosas dos 
principados das trevas sobre eles, mas eles são chamados pelo Senhor a 
exultarem em tudo isto porque a fidelidade deles será recompensada com 
um reino onde serão consolados definitivamente de todos os seus 
sofrimentos. 
Para que tivéssemos a firme certeza desta esperança Deus colocou o reino 
dentro de nós. 
O reino de Deus está dentro do crente como se vê em Lc 17.21. 
Este reino significa o reino da graça no coração. 
E a graça pode ser comparada a um reino porque ordena a lei de Deus no 
espírito e executa tudo o que é necessário para a nossa transformação de 
glória em glória à própria imagem e semelhança do Senhor. 
A graça rege sobre os nossos pecados destruindo-os e colocando-os com 
sua autoridade, em cadeias. E governa assim sobre o orgulho, sobre a 
paixão e a incredulidade. 
Se há evidências seguras deste reino da graça trabalhando no nosso 
coração, então podemos estar certos de que entraremos no reino dos céus 
depois da nossa morte, e de que seguramente seremos coroados por 
Cristo para reinarmos juntamente com Ele. 
Lembremos que assim como há graus de tormento para aqueles que 
forem para o inferno, de igual modo há graus de glória para os herdeiros 
do reino de Deus, e assim quanto mais serviço alguém fizer para o Senhor, 
33 
maior será a sua glória no reino futuro que lhe está prometido e garantido 
por Deus. 
Deus recompensará os homens segundo as suas obras, e assim, quanto for 
maior o serviço, maior será a recompensa. 
Deus tem planejado isto para nos incentivar a buscarmos uma santidade, 
devoção e serviço cada vez maiores. 
Quanto for maior a glória que Deus receber através de nossas obras, maior 
será a nossa própria glória quando estivermos reinando juntamente com 
Cristo. 
Isto seráuma grande honra para nós pelo modo como o Senhor nos 
distinguirá como forma do Seu agrado pela nossa fidelidade a Ele. 
Basílio disse que a esperança de um reino deveria levar o crente a ter 
coragem e alegria em todas as suas aflições. 
 
Nós encerraremos nosso comentário sobre a primeira bem-aventurança, 
com esta citação de Basílio, e estaremos comentando em seguida a 
segunda bem-aventurança citada por Jesus em Mateus 5.4, a de que os 
que choram são bem-aventurados porque serão consolados. 
 
Há oito degraus na escada da bem-aventurança. Eles podem ser 
comparados à escada de Jacó que alcançava o topo do céu. Nós já 
analisamos o primeiro e agora falaremos sobre o segundo degrau, que é 
o da consolação que nos vem pelo fato de chorarmos. 
Nós temos que passar pelo vale das lágrimas para podermos chegar ao 
paraíso. 
Choro é um assunto triste e desagradável para se tratar, mas não é nisto 
em que consiste a bem-aventurança, senão no consolo que vem depois do 
choro. 
O choro é colocado aqui no lugar do arrependimento. E o que o texto quer 
afirmar é que os quebrantados são bem-aventurados, porque embora as 
lágrimas dos santos sejam lágrimas amargas, contudo elas são lágrimas 
abençoadas. 
Há uma tristeza mundana que consiste geralmente no lamento pela perda 
de coisas terrenas, e há uma tristeza diabólica que é o lamento por não se 
poder satisfazer aos desejos pecaminosos, e à soberba da vida. 
Há dois objetos da tristeza espiritual referida por Jesus nesta bem-
aventurança: primeiro, tristeza pelo nosso próprio pecado, e segundo, 
tristeza pelo pecado de outros. 
34 
Enquanto nós tivermos o fogo do pecado queimando em nossas vidas, 
nós, temos que ter a água das lágrimas para extingui-lo (Ez 7.16). 
João Crisóstomo dizia que bem-aventurados não eram necessariamente 
aqueles que choram pelos mortos, mas os que choram por causa do 
pecado. 
 A Caim aborreceu mais o castigo que Deus proferiu sobre ele, do que o 
seu próprio pecado. Ele disse que o seu castigo era mais do que o que ele 
poderia suportar. Em vez de chorar e se arrepender ele se endureceu no 
seu pecado. 
Assim, a declaração de Caim é uma rebelião e não uma demonstração de 
arrependimento. 
Tal como ele há muitos que rasgam as suas vestes diante de Deus, mas 
não os seus corações. 
Um arrependimento sincero é espontâneo e voluntário. 
Um arrependimento verdadeiro é espiritual, pois nos faz lamentar muito 
mais pelo pecado do que pelo sofrimento ao qual o nosso pecado deu 
causa. 
Faraó estava triste pela pestilência que o Egito estava sofrendo, mas não 
pela pestilência que havia em seu próprio coração endurecido, que estava 
dando causa a todos aqueles juízos que Deus despejou sobre o Egito nos 
dias de Moisés. 
Um pecador pode assim lamentar os juízos que acompanham os seus 
pecados, e não lamentar propriamente pelo pecado. 
A palavra hebraica para pecado é hatat, e significa rebelião. 
Esta palavra define bem o que é o pecado, porque um pecador luta contra 
Deus. 
Então bem-aventurados são todos os que conhecem o que significa o 
pecado e que se entristecem pela sua condição de pecadores, com o 
desejo de serem santificados por Deus, e serem libertos dos seus 
pecados. 
Nós temos que chorar pelo pecado como sendo a forma de ingratidão 
mais alta. 
Nós pecamos contra o sangue de Cristo e contra a graça do Espírito Santo 
e não choraremos? 
Nós reclamamos da descortesia que sofremos da parte de outras pessoas 
e não choraremos pela nossa própria descortesia para com Deus? 
35 
Mas não são apenas estes os motivos pelos quais devemos chorar por 
causa do pecado. Nós devemos chorar também o fato de o pecado nos 
impor uma privação, pois nos impede de ter comunhão com Deus. 
Por isso, as lágrimas do evangelho devem cair do olho da fé. Se estas 
lágrimas espirituais de tristeza pelo pecado não fluírem de nós, de 
maneira alguma poderemos receber as consolações do Espírito Santo, 
traduzidas no derramar das suas graças em nossos corações. 
As águas de um verdadeiro arrependimento são águas que limpam. Elas 
levam para longe, como numa inundação, toda a sujeira dos nossos 
pecados. 
Tal como o apóstolo Paulo diz em II Cor 7.10: 
“Porque a tristeza segundo Deus opera arrependimento para a salvação, 
o qual não traz pesar; mas a tristeza do mundo opera a morte.” . 
Este tipo de tristeza pelo pecado que é segundo Deus, traz indignação 
contra o pecado, luta contra o pecado, defesa da justiça de Deus: 
Diz-se que bem-aventurados são os que choram, porque lágrimas 
procedem dos olhos, e a palavra hebraica para olho, é ain, que é a mesma 
palavra usada para fonte, manancial. 
Isto indica que nossas lágrimas por causa do pecado têm que jorrar 
continuamente de nossos olhos espirituais, assim como a água que jorra 
de uma fonte. 
As águas do arrependimento não devem transbordar somente pela 
manhã, mas durante todos os períodos do dia. 
Como Paulo disse: eu morro diariamente'”” (I Cor 15:31), assim um crente 
também deveria dizer: “eu lamento diariamente”. 
Esta tristeza pelo pecado é o melhor antídoto contra a apostasia, a saber, 
para não se voltar as costas para Deus e abandonar a comunhão dos 
santos na Igreja. 
Até mesmo os próprios filhos de Deus têm que chorar pelo pecado, 
pedindo perdão a Deus, para perdoar pecados passados, presentes e 
futuros, porque assim como o arrependimento é renovado, o perdão 
também é renovado. 
Caso os pecados pudessem ser perdoados antes de serem cometidos, isto 
tornaria nulo o ofício de Cristo de nosso Mediador e Sumo-Sacerdote, 
porque não haveria necessidade da Sua intercessão em nosso favor junto 
do Pai. 
É importante saber que embora o pecado seja perdoado, ele ainda tentará 
se rebelar, embora seja coberto, no entanto não está curado (Rom 7.23). 
36 
Assim como a água penetra no casco de um barco furado, e deve ser 
escoada continuamente para que o barco não afunde, de igual modo 
navegamos nas águas do pecado, que devem ser continuamente escoadas 
de nossas vidas através do arrependimento. 
Assim como nós choramos pelos nossos próprios pecados, devemos 
também chorar pelos pecados de outros. Chore pelos erros e blasfêmias 
da nação. Chore pelo quanto a vontade de Deus é transgredida no mundo, 
pelo quanto a Sua Palavra é desonrada e quanto o Seu santo nome é 
blasfemado. 
Nossas lágrimas podem ajudar a extinguir a ira de Deus, que está pronta 
a ser despejada sobre o mundo pecador. 
Por isso a Palavra nos ordena a interceder em favor de todos os homens, 
e a maior parte desta intercessão consiste no pedido de misericórdia a 
Deus pelos seus pecados, como podemos ver em I Tim 2.1,2. 
Quando há sinais de que a ira de Deus está pronta para irromper sobre a 
nação, sobre os nossos lares, igrejas, não há momento mais oportuno para 
intensificarmos a nossa tristeza em arrependimento pelo pecado, porque 
quando Deus tira a Sua espada da bainha para pelejar contra o mundo de 
pecado, quando parece que Ele está de pé no limiar do templo, pronto 
para levar de nós o Seu evangelho e nos abandonar, nossas lágrimas 
possivelmente podem fazer com que cesse a Sua ira e Ele volte a ser 
favorável a nós. E este procedimento é ordenado na própria Bíblia, como 
podemos ver os profetas Isaías, Oseias, Joel, Sofonias, entre outros. 
A Ceia do Senhor é também outro momento oportuno para nos 
entristecermos pelos nossos pecados e confessá-los a Deus. 
Se ela foi instituída por Jesus para ser um memorial da Sua morte, então 
certamente Ele deseja que façamos uma justa avaliação dos nossos 
pecados, pois foi exatamente por causa deles que Ele morreu na cruz. 
E se é pela morte do Senhor que alcançamos misericórdia da parte de 
Deus, não podemos esquecer que sem uma tristeza amarga pelo pecado 
não podemos receber tal misericórdia, porque a ausência de tristeza pelo 
pecado indica o nosso desprezo pelo Seu sacrifício, e a falta de 
reconhecimento da necessidade que temos da Sua misericórdia para 
sermos perdoados. 
Quando há ausência de sensibilidade pelo pecado, o coração permanece 
endurecido como pedra.E uma pedra não é sensível a qualquer coisa. Um 
coração de pedra é conhecido por sua inflexibilidade. Uma pedra não se 
37 
dobra e não se rende ao toque. Por isso um coração endurecido não se 
inclinará diante do cetro de Cristo. 
Há muitos murmuradores, mas poucos quebrantados de coração. A 
maioria está como o chão rochoso no qual há falta de umidade, como se 
vê na parábola do semeador. 
Nós ouvimos muitos lamentos em tempos difíceis, mas os que lamentam 
não estão conscientes de terem um coração endurecido. 
Quando Deus chama os homens ao arrependimento em vez de 
lamentarem por seus pecados, eles endurecem seus corações e se alegram 
em suas luxúrias em vez de se entristecerem, eles se colocam na situação 
de juízo extremamente perigosa, citada em Is 22.12-14. 
É exatamente para evitar este terrível endurecimento de coração que o 
apóstolo Tiago nos ordena a transformar o nosso riso em pranto, quando 
há pecados em nós ou em outros para serem lamentados, em vez de 
vivermos nos alegrando desconsiderando tais pecados numa clara 
demonstração de desprezo aos juízos de Deus. 
“Senti as vossas misérias, lamentai e chorai; torne-se o vosso riso em 
pranto, e a vossa alegria em tristeza.” (Tg 4.9). 
É melhor chorar pelo pecado e ser alegrado por Deus, do que se alegrar 
agora no pecado, e depois chorar eternamente num juízo eterno. 
É neste sentido que entendemos as palavras proferidas por Cristo em Lc 
6.24,25. 
“24 Mas ai de vós que sois ricos! porque já recebestes a vossa consolação. 
25 Ai de vós, os que agora estais fartos! porque tereis fome. Ai de vós, os 
que agora rides! porque vos lamentareis e chorareis.” (Lc 6.24,25). 
É somente quando o pecado cessar que as lágrimas também cessarão (Apo 
7.17). 
Por isso, enquanto estivermos neste mundo, devemos evitar a todo custo 
a maldição de um engano terrível que é muito comum de se ver, pois não 
são poucos os que afirmam a misericórdia de Deus como pretexto para 
continuarem em seus pecados. 
Assim, alguém afirma que Deus é misericordioso e então se entrega à 
prática deliberada do pecado. 
Mas afinal para quem é a misericórdia? 
Para o pecador que não se arrepende, ou para o pecador entristecido? 
Não há misericórdia para aquele que não pretende abandonar o pecado. 
38 
Deus faz uma proclamação de misericórdia ao quebrantado, e como pode 
então aquele que vive abertamente em rebelião contra Ele reivindicar o 
benefício do Seu perdão? 
Outro grande perigo para o endurecimento do coração é o fato de se 
pensar que há pecados pequenos que não são considerados por Deus. 
“Não é um pequeno pecado?”. 
Eles dizem. 
E assim ficam endurecidos e insensíveis e incapazes de lamentar por suas 
misérias. 
E quem buscaria a Deus com um coração penitente em busca de 
misericórdia, enquanto continuar pensando que o pecado é apenas uma 
coisa leve? 
Nenhum pecado pode ser pequeno porque é contra a Majestade do céu. 
Não há nenhuma traição pequena, porque todas elas são contra a pessoa 
do Rei Jesus. 
Não permita portanto, que Satanás lance uma nuvem diante de seus olhos 
para que você não veja a real dimensão do pecado. 
E ninguém se iluda com a infinita paciência e longanimidade de Deus que 
faz com que Ele não execute imediatamente a Sua sentença sobre o 
pecado. 
Deus não é um credor precipitado que requer o pagamento imediato da 
dívida e que não dá nenhum tempo para o seu pagamento. 
A longanimidade de Deus não deve ser portanto um motivo para 
abusarmos da Sua bondade e graça, e assim nenhum crente verdadeiro 
deveria permitir que o canal da tristeza que conduz ao arrependimento 
seja obstruído pela corrupção do pecado. 
O juízo do Senhor é como uma pedra que cai, cujo peso de impacto é maior 
quanto maior for o tempo da sua queda. 
Pecados contra a paciência de Deus são pecados terríveis porque nem 
mesmo os anjos caídos cometeram este tipo de pecado que é contra a 
misericórdia e longanimidade de Deus. 
 Então é preciso que o Espírito Santo produza em nós quebrantamento de 
coração e inspire nossas tristezas pelo pecado para que possamos 
expressá-las diante de Deus. 
O consolo prometido no texto da bem-aventurança é produzido 
pelo Espírito. 
39 
Observe que Deus reserva a melhor safra do seu vinho para o final. 
Primeiro ele prescreve tristeza pelo pecado e então serve por último o 
vinho da consolação. 
O diabo faz exatamente o contrário. Ele serve o melhor primeiro e reserva 
a pior safra para o final. 
Satanás oferece os seus pratos delicados diante dos homens. Ele lhes 
apresenta o pecado de uma forma colorida, atraente, com beleza, 
adocicado com prazer, com lucro, e então, no fim, a triste conta é 
apresentada para ser paga. 
Esta é a razão por que o pecado tem tantos seguidores, porque mostra o 
melhor primeiro. 
Mas Deus mostra o pior primeiro. Primeiro ele prescreve um remédio 
amargo, o do arrependimento, e é isto o que nos leva a chorar, mas então 
Deus nos dá uma recompensa, a de sermos consolados conforme a 
promessa da bem-aventurança. 
Por isso as lágrimas do evangelho não são perdidas porque são sementes 
de consolo divino. 
Depois da corrente de lágrimas o Espírito Santo faz fluir no nosso interior 
uma corrente de alegria. 
Daí, se dizer que aqueles que semeiam em meio a lágrimas ceifarão com 
alegria, conforme se lê no Sl 126.5. 
O coração quebrantado é esvaziado do orgulho e então Deus o enche com 
a Sua bênção. 
O vale de lágrimas traz ao espírito um paraíso de alegria. 
A alegria de um pecador impenitente produzirá tristeza, porque é sempre 
este o salário que é pago pelo pecado. 
Mas a tristeza do quebrantado produz alegria. “Sua tristeza será 
transformada em alegria” (João 16:20). 
As consolações que Deus dá aos quebrantados excedem todos os demais 
consolos e a raiz na qual estes confortos crescem é o Espírito Santo. 
Ele é chamado ”o Consolador” em João 14.26. 
E o Espírito consola aplicando as promessas a nós mesmos e nos ajudando 
a tirar águas desses mananciais da salvação. 
O Espírito derrama o amor de Deus no coração do crente e sussurra 
secretamente a ele o perdão que recebeu para os seus pecados, e esta 
visão do perdão dilata o coração com alegria. 
Estes confortos são reais e verdadeiros, porque o Espírito de Deus não 
pode testemunhar aquilo que é falso. 
40 
Há muitos nesta época que fingem confortar, mas os confortos deles são 
meras imposturas. 
Mas os confortos dos santos são verdadeiros porque eles têm o selo do 
Espírito Santo fixado neles. 
Quando um homem é trazido aos mandamentos de Cristo, para crer e 
obedecer, então ele fica preparado para receber a misericórdia. 
É por isso que antes de consolar o Espírito primeiro convence do pecado. 
E quando o coração é arado pelo convencimento do pecado, Deus semeia 
nele a semente do conforto. 
Assim, aqueles que se vangloriam de conforto, mas que nunca foram 
convencidos ainda de seus pecados, nem quebrantados por causa dos 
seus pecados, devem ter motivo para suspeitar que o conforto deles não 
passa de uma ilusão de Satanás. 
O Espírito de Deus é um Espírito santificante, antes de ser um Espírito 
consolador. 
Alguns falam do Espírito confortante mas nunca tiveram o Espírito 
santificante. 
Assim, suas alegrias são falsas, e estes falsos confortos deixarão os 
homens na morte. 
Eles terminarão em horror e desespero. 
Então os efeitos da verdadeira consolação do Espírito Santo são 
completamente diferentes dos confortos de Satanás, que muitos alegam 
ser de Deus. 
O diabo é capaz, não somente de se transfigurar em anjo de luz, como se 
lê em II Cor 11.14, como também em se disfarçar em consolador. 
Mas os consolos de Deus nos conduzem à humilhação porque não 
permitem que sejamos inchados com orgulho, apesar destes consolos do 
Espírito Santo elevarem o nosso coração em gratidão. 
E os confortos que Deus dá aos quebrantados não são misturados. Eles 
não trazem pesar conforme se afirma em II Cor 7.10. 
Mas os confortos mundanos são como água misturada com sujeira, 
porque em meio aos sorrisos o coração está triste. 
O pecador pode ter umrosto sorridente enquanto tem uma consciência 
que o acusa. 
Mas os confortos espirituais são puros. Eles não são misturados com culpa 
porque lançam fora o medo e trazem o perdão de Deus. De modo que o 
consolo que vem depois da tristeza pelo pecado é a alegria do Espírito 
Santo, e nada mais do que alegria. 
41 
Tão doces são estes confortos do Espírito que eles enfraquecem muito e 
moderam nossa alegria em coisas mundanas. 
Aquele que tem bebido da água do Espírito, não terá depois sede de água; 
e aquele homem que tem uma vez provado quão bondoso é o Senhor e 
bebido do Espírito, não terá sede imoderada por delícias terrenas. 
O Espírito Santo não pode produzir no espírito alegrias impuras tal como 
o sol não pode produzir trevas. 
Assim, aquele que tem os confortos do Espírito Santo se manifestando 
nele, nunca desejará negociar com o pecado, porque ele mataria tais 
confortos. 
Os confortos que Deus dá para os seus quebrantados nesta vida são 
confortos gloriosos: “Alegria cheia de glória” como se lê em I Pe 1.8. 
Eles são gloriosos porque eles são um antegosto daquela alegria que nós 
teremos no céu. 
São tão gloriosos os confortos do Espírito que um crente nunca está tão 
triste que não possa se alegrar. 
Observe então que é verdadeiramente bem-aventurado o que chora, 
porque o quebrantado é um privilegiado, pois será confortado por Deus. 
Os olhos do quebrantado não devem portanto estar tão cheios de 
lágrimas a ponto de lhe impedir de enxergar as promessas de perdão no 
sangue de Jesus Cristo. 
A virtude e conforto de um remédio está em usá-lo. De igual modo quando 
as promessas forem aplicadas com fé, elas trarão conforto. 
Mas lembremos que uma mente mundana pode nos privar do conforto 
divino. 
Deus esconde o seu rosto daqueles que amam o mundo e que se 
conformam ao modo do mundo. 
Um coração, enquanto mundano, não deve contar com as consolações do 
Espírito Santo. Aquele que busca confortos terrenos apagará com estes 
falsos confortos o verdadeiro conforto do Espírito. 
Devemos evitar também a tentação de fazer dos confortos divinos o fim 
mesmo da vida cristã, porque até mesmo ao Senhor faltaram tais 
confortos em determinados momentos de seu ministério terreno, e é de 
se esperar que o mesmo suceda conosco. 
Mas embora um filho de Deus nem sempre tenha conforto expressado em 
flor, ele sempre o tem em semente. 
Embora ele não sinta conforto de Deus contudo ele está debaixo do Seu 
conforto. 
42 
Um crente pode ser elevado em graça e ser rebaixado em conforto. 
As montanhas altas estão sem flores. 
As minas de ouro têm pouco ou nenhum trigo crescendo nelas. 
O coração de um crente pode ser uma mina de ricos filões de graça, 
entretanto ser estéril de conforto. 
Entretanto, o quebrantado é o herdeiro do conforto, porque somente por 
um breve momento Deus poderá abandonar as pessoas do Seu povo como 
vemos em Isaías 54.7, contudo há um tempo que vem brevemente 
quando os quebrantados terão todas as lágrimas enxugadas de seus 
olhos, e serão plenamente cheios de conforto. 
Esta alegria está reservada para o céu. Porque se diz que são bem 
aventurados os que choram porque deles é o reino dos céus. Aleluia. 
Amém! 
 
Vamos da continuidade ao nosso comentário sobre as bem-aventuranças, 
falando agora sobre a terceira bem-aventurança, citada por Jesus no 
texto de Mateus 5.5, no qual lemos o seguinte: 
 
“Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra.”. 
 
Esta mansidão tem um aspecto duplo, mansidão para com Deus e 
mansidão para com o homem. 
Na mansidão para com Deus duas coisas são insinuadas: a primeira é a 
submissão à Sua vontade; e a segunda, o dobrar-se à Sua Palavra. 
Ser manso então em relação a Deus significa seguir o exemplo de 
mansidão que Jesus nos deixou sendo submisso à vontade do Pai, e por 
ter se dobrado inteiramente à Sua palavra, vivendo debaixo do exclusivo 
poder e direção do Espírito Santo. 
Assim, é espiritualmente submisso aquele que se conforma à mente de 
Deus, e não luta contra as instruções da Sua santa Palavra, mas com as 
corrupções do seu coração. E quão feliz é isto, quando a Palavra vem com 
majestade e é recebida com mansidão no coração, como se diz em Tiago 
1.21. 
Este ato de receber a Palavra com mansidão referido por Tiago, significa 
acatar com submissão tudo que nos é ordenado nela pelo Senhor. 
A mansidão consiste basicamente em três coisas: a primeira, suportar 
danos; a segunda, perdoar danos, e a terceira, recompensar o mal com o 
bem. 
43 
Vamos repetir para você poder memorizar em que consiste basicamente 
a mansidão: 
Primeiro, suportar danos. 
Segundo, perdoar danos. 
E terceiro, recompensar o mal com o bem. 
Quanto a suportar danos, podemos dizer desta graça da mansidão, que 
ela não é conseguida facilmente. 
Mas lembremos que um espírito submisso, tal como pano molhado, não 
pegará fogo facilmente. 
A mansidão é a rédea da raiva. 
As paixões são inflamáveis, mas a mansidão é a água divina que as apaga. 
A mansidão é a rédea da boca, porque amarra a língua e lhe dá um bom 
comportamento. 
A precipitação de espírito é oposta à mansidão. 
Quando o coração ferve em paixão e ira, ele se encontra longe da 
mansidão. 
A raiva pode ser encontrada num homem sábio, mas ele não se permitirá 
ser dominado por ela, no entanto a raiva permanece no coração dos tolos, 
e tem ali a sua moradia. 
O homem iracundo é como pólvora, sempre pronto a entrar em chamas 
ao menor atrito. 
A ira altera o estado de consciência tanto como o álcool o faz no que está 
embriagado. Assim o uso da razão é suspenso naquele que se deixa 
dominar pela ira. 
Somente em alguns casos é justificado ficarmos irados. Há uma ira santa. 
Aquela ira sem pecado que é contra o pecado. Na qual mansidão e zelo 
podem estar juntos. 
Em assuntos da defesa da verdade do evangelho, um crente deve ser 
vestido com o espírito de Elias, e estar “cheio da ira do Senhor” como se 
vê em Jer 6.11. 
Cristo era manso conforme se diz em Mt 11:29, contudo era zeloso, como 
se vê em João 2.14,15. E este Seu zelo pela casa de Deus o consumiu. 
A malícia também é oposta à mansidão. A malícia é o retrato do diabo. 
Um espírito malicioso não é um espírito manso. 
A disposição para se vingar também é oposta à mansidão. A vingança é 
um ofício para Deus e não para os homens. Por isso a Bíblia proíbe a 
vingança, como se vê em Rm 12.19. 
44 
Lutas espirituais são legítimas, quando consistem na luta contra o diabo, 
e com a parte carnal do homem, e abençoado é todo aquele que busca se 
vingar das suas luxúrias. 
Mas outros tipos de lutas são ilegais. 
Passar por um dano sem vingança não traz qualquer descrédito à honra 
de um homem. 
Um espírito nobre esquece um dano que tenha sofrido, ainda que 
injustamente. 
No entanto, a autodefesa, ou legítima defesa, como é mais conhecida, é 
consistente com a mansidão cristã. 
Neste sentido os magistrados são ministros de Deus para vingarem o mal, 
como citado em I Pe 2.14 e Rm 12.17, e assim, o exercício do ofício deles 
não é oposto à mansidão. 
A maledicência também é oposta à mansidão. A maledicência sempre 
carrega a intenção de desprezar, ofender e difamar outros. 
Quando Paulo chamou os Gálatas de insensatos, a sua intenção não era a 
de ofendê-los e difamá-los, senão apenas de reformá-los pela repreensão 
que lhes dirigiu. 
Não é mansidão mas fraqueza separar-nos da nossa integridade. 
Deve haver mansidão cristã, como também prudência cristã. Ambas 
devem caminhar lado a lado. 
É legítimo sermos nossos próprios defensores em face de acusações 
injustas que possamos sofrer. Somente haverá falta quando replicarmos 
os danos procurando pagá-los na mesma moeda com que os sofremos. 
Tendo considerado acerca da mansidão quanto ao seu aspecto de 
suportar danos, vejamos agora o relativo ao de se perdoar danos. 
Um espírito manso é um espírito perdoador. 
Por natureza os homens são dados a esquecerem a bondade que recebem 
de outros, mas lembram-se com facilidade dos danos que sofreram. 
Mas Deus exige que sejamos como Ele, perdoandode coração e 
esquecendo os danos que sofremos, conforme se exige em Mt 18.27. 
Deus perdoa completamente todos os nossos pecados. E um crente 
verdadeiramente manso também perdoa todos os danos dos seus 
ofensores, em face do arrependimento deles. 
Deus perdoa frequentemente porque nós pecamos frequentemente. 
Como Ele perdoa setenta vezes sete nos ordena também que façamos o 
mesmo. 
45 
É nosso dever estar sempre prontos para perdoar conforme se ordena em 
Col 3.13; ainda que tenhamos que suportar aqueles que parecem mais 
monstros do que homens, porque não deixam de nos fazer o mal a par de 
todo o bem que possamos lhes fazer. 
Mas nós cessaríamos de fazer o bem porque outros não cessaram de 
serem maus? 
Lembremos que quanto mais danos perdoarmos mais brilhará a nossa 
graça. 
Se faltar a algum crente esta virtude do perdão então lhe faltarão também 
as demais graças. Porque onde há uma graça, há todas as demais. 
Se a mansidão estiver faltando, o que haverá é apenas uma falsa corrente 
de graça. A fé será uma fábula, o arrependimento uma mentira, e a 
humildade, uma hipocrisia. 
E considerando que você diz que não pode perdoar, pense em seu pecado. 
Seu próximo não é tão ruim lhe ofendendo quanto você é por não lhe 
perdoar. 
Seu próximo, lhe ofendendo, transgride contra um homem, mas você, 
enquanto se recusa a lhe perdoar, peca contra Deus. 
Também considere o perigo que você está correndo negando-se a 
perdoar, porque Deus tem disposto o dever de perdoar de tal maneira que 
as suas ofensas não serão perdoadas por Ele, se você não perdoar as 
ofensas do seu próximo conforme vemos em Mc 11.26. 
O terceiro aspecto relacionado à mansidão é recompensar o mal com o 
bem; e este é um grau mais elevado do que o anterior. 
Jesus diz em Mt 5.43,44: “Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo, e 
odiarás o teu inimigo. 
Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos 
maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam 
e vos perseguem; para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus;”. 
E o apóstolo Paulo acrescenta em Rom 12.20,21: 
“Portanto, se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-
lhe de beber; porque, fazendo isto, amontoarás brasas de fogo sobre a sua 
cabeça. 
Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem.”. 
E também o apóstolo Pedro nos diz em I Pe 3.9: 
“Não tornando mal por mal, ou injúria por injúria; antes, pelo contrário, 
bendizendo; sabendo que para isto fostes chamados, para que por 
herança alcanceis a bênção.”. 
46 
A mansidão nos mostra a marca de um verdadeiro santo. Ele é de um 
espírito submisso, sincero. Ele não é provocado facilmente. 
Quando o crente se dispõe a vencer o mal com a mansidão, Deus honra a 
sua obediência à sua Palavra, fazendo com que triunfe a causa do bem. 
Deixe-me pedir a todos os vocês que se esforcem para buscarem esta 
graça superior da mansidão; conforme se ordena no texto de Sofonias 2.3: 
“Buscai ao Senhor, vós todos os mansos da terra, que tendes posto por 
obra o seu juízo; buscai a justiça, buscai a mansidão; pode ser que sejais 
escondidos no dia da ira do Senhor.”. 
Buscar insinua que nós podemos perder esta graça da mansidão, não a 
alcançando. Então, nós temos que fazer uma exibição pública depois de 
achá-la. E isto faremos mostrando que somos de fato mansos tanto para 
aprender de Deus, quanto para suportar danos e perdoar ofensas sofridas. 
A mansidão é necessária em tudo o que fizermos, especialmente quando 
estivermos instruindo outros no caminho da verdade conforme se ordena 
em II Tim 2.25. 
A mansidão conquista os oponentes da verdade. 
A mansidão é necessária quando ouvimos a Palavra, como se afirma em 
Tg 1.21. 
Aquele que ouve o sermão ou o ensino da verdade com preconceito e sem 
mansidão, não adquire nenhum bem, mas feridas. Ele transformará o 
azeite da graça de Deus em veneno e se ferirá com a espada do Espírito, 
que é a Palavra de Deus, em vez de vencer o Inimigo com ela. 
Paulo diz em Gál 6.1: “se algum homem chegar a ser surpreendido 
nalguma ofensa, vós, que sois espirituais, corrigi-o com espírito de 
mansidão; olhando por ti mesmo, para que não sejas também tentado.”. 
No original grego, o verbo para corrigir neste texto de Gálatas 6.1 é 
katartizo, que significa emendar, tal como um cirurgião faz a união de um 
osso fraturado com o cuidado de não causar outras lesões ao ferido. 
Somos indesculpáveis se não buscarmos a graça da mansidão porque 
temos este exemplo fixado na Bíblia, na vida dos servos de Deus e na do 
próprio Cristo. 
“Dizei à filha de Sião: Eis que o teu Rei aí te vem, manso, e assentado sobre 
uma jumenta.”(Mt 23.5). 
Jesus foi insultado, mas não insultou os seus agressores como se lê em I 
Pe 2.23. 
Jesus nos ordena em Mt 11.29 a aprendermos do Seu próprio exemplo de 
mansidão. 
47 
Moisés era o homem mais manso da terra, conforme se afirma em Nm 
12.3. Quando os israelitas murmuravam contra ele em vez de se irar, ele 
intercedia em favor deles (Êx 15.24, 25). 
A mansidão é um grande ornamento de um crente como afirmado em I Pe 
3.4. E quão agradável se torna aos olhos de Deus o crente que usa esta 
joia preciosa. 
Deus poderia facilmente esmagar os pecadores e enviá-los logo ao inferno 
mas Ele modera a Sua ira porque embora esteja cheio de majestade, 
contudo está cheio de mansidão. 
A mansidão forja um espírito nobre e excelente. Um homem manso é um 
homem valoroso. Ele adquire uma vitória sobre si mesmo. A paixão surge 
de fraqueza, mas o homem manso pode conquistar a sua fúria. 
Aquele que é tardio para se irar, ou seja, que é longânimo, é melhor do 
que o poderoso, e do que aquele que conquista uma cidade, como lemos 
em Pv 16.32. 
Ser manso é nadar contra a natureza, é contrariá-la, e portanto é algo 
difícil de ser conquistado, e por isso este esforço merece se 
recompensado, e daí se dizer que os mansos herdarão a terra. 
A paixão pode fazer um inimigo de um amigo, mas a mansidão, ao 
contrário, pode fazer um amigo de um inimigo. 
Quando é dito que os mansos herdarão a terra, não significa que eles não 
herdarão mais do que a terra. Eles herdarão o céu também. 
 
Nós procederemos agora ao comentário da quarta bem-aventurança 
citada por Jesus em Mateus 5.6: 
 
“Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça porque eles serão 
fartos.” 
 
Nós chegamos agora ao quarto passo da bem-aventurança. 
A fome e a sede espiritual são abençoadas porque é prometido que serão 
saciadas por Deus. 
Toda fome e sede relativas à justiça do reino de Deus serão saciadas. 
A fome e a sede natural são desejos por alimento e água necessários para 
crescimento ou para a manutenção da vida. O pão e a água naturais 
provêm o sustento do corpo natural; e o pão e a água espirituais provêm 
o sustento do corpo espiritual. 
E qual é o significado da justiça referida por Jesus? 
48 
Esta justiça é evangélica, a saber, que alcançamos por causa da nossa fé 
no evangelho. Ela é uma justiça dupla: uma que nos atribuída e outra que 
é implantada em nós. 
A justiça evangélica que nos é atribuída por Deus no dia da nossa 
conversão, quando cremos pela primeira vez em Cristo, recebendo-O em 
nossos corações, é a relativa à nossa justificação. Esta justiça que nos é 
atribuída é a justiça do próprio Cristo. 
 Ela nos é atribuída pela nossa fé nEle. Em virtude desta justiça, quanto à 
condenação eterna, Deus olha para o crente que foi justificado por tal 
justiça de Jesus, como se ele nunca tivesse pecado. Esta é uma justiça 
perfeita. É por causa desta justiça com a qual fomos justificados na 
conversão, que se diz em Col 2.10 que os crentes se encontram perfeitos 
em Cristo diante de Deus: “E estais perfeitos nele, que é a cabeça de todo 
o principado e potestade;”. 
É por causa desta justiça que lhe foi atribuída na conversão, que o crente 
terá fome daquela outra justiça que é implantada. 
Uma justiça implantada se refere à retidão inerente à pessoa do crente, 
ou seja, às graças do Espírito; à santidade do coração. 
Esta fomepor esta justiça que é implantada comprova a existência da 
verdadeira vida espiritual. 
Daí Cristo afirmar que estes que têm fome e sede de justiça serão 
saciados, porque foram vivificados pelo Espírito Santo na conversão, e 
agora podem ter esta fome e sede, porque enquanto estavam mortos em 
delitos e pecados, sem a vida do Espírito Santo habitando neles, não 
poderiam ter tal fome e sede. 
O crente pode, no entanto, perder o seu apetite por esta justiça evangélica 
que deve alimentar o seu espírito, caso venha a entristecer e a apagar o 
Espírito Santo, porque, neste caso, apesar de ter sido vivificado por Cristo, 
estará como morto perante Deus, porque as graças do Espírito estão 
prontas a morrer naqueles que se afastam da comunhão com Jesus. 
Um homem morto não pode ter fome. A fome procede da vida. A fome 
espiritual se seguirá ao novo nascimento (I Pe 2.2). Assim, sem esta fome 
espiritual não pode haver crescimento espiritual, porque somente os que 
têm fome se disporão a se alimentar do verdadeiro alimento espiritual. 
Tudo o que Deus requer de Seus filhos, para participarem do Seu 
banquete espiritual é que eles tragam apenas o seu apetite, porque Ele 
tem estabelecido um preço que é acessível a todos para obtenção das 
coisas divinas, como se lê em Is 55.1,2: 
49 
“1 Ó vós, todos os que tendes sede, vinde às águas, e os que não tendes 
dinheiro, vinde, comprai, e comei; sim, vinde, comprai, sem dinheiro e 
sem preço, vinho e leite. 2 Por que gastais o dinheiro naquilo que não é 
pão? E o produto do vosso trabalho naquilo que não pode satisfazer? 
Ouvi-me atentamente, e comei o que é bom, e a vossa alma se deleite com 
a gordura.”. 
Assim não nos é ordenado que compremos a justiça com dinheiro. 
Se alguém convidar amigos à sua mesa, ele não espera que eles deveriam 
trazer dinheiro para pagar pelo jantar deles, mas que venham somente 
com apetite. Assim, o Senhor diz que não é penitência, peregrinação, 
farisaísmo que Ele requer. Traga somente seu estômago se você tem fome 
e sede de justiça. 
O pecado tem um gosto doce para os ímpios porque eles não têm 
nenhuma fome espiritual de justiça. Eles estão cheios da sua própria 
justiça como se vê em Rm 10.3. E um estômago cheio recusa o favo de 
mel. Esta é a doença de Laodiceia. Ela estava cheia e não tinha nenhum 
estômago para valorizar o colírio e o ouro de Cristo, conforme se lê em 
Apo 3.17. 
Não há ninguém que esteja tão vazio da graça como aquele que julga estar 
cheio. 
A Palavra reprova aqueles que em vez de terem fome e sede de justiça, 
têm fome e sede de riquezas. Esta é a fome e a sede dos homens 
cobiçosos. A avareza é idolatria como se afirma em Col 3.5. Muitos crentes 
erigiram o ídolo de ouro no templo dos seus corações. O pecado mais 
difícil de se desarraigar é o da cobiça. Geralmente quando outros pecados 
deixarem os homens, este permanece. 
E a cobiça, o amor ao dinheiro, é a raiz na qual nascem todos os males. E 
a cobiça não produzirá fome e sede de justiça, senão fome e sede de toda 
sorte de injustiças. 
Deste modo, o problema não está em ser a fome e sede fracas, mas haver 
a ausência total delas. Uma fome e sede fracas são como um pulso que 
bate fraco, mas mostra que há vida. E estes desejos fracos não devem ser 
desencorajados porque há uma promessa feita a eles de que a cana 
quebrada não será esmagada pelo Senhor como Ele afirma em Mt 12.20. 
Uma cana é algo fraco em si mesma, e quanto mais se a cana estiver 
quebrada, entretanto não será esmagada e florescerá como a vara seca 
de Arão. Olhando em sua fraqueza para Cristo, Seu Sumo-Sacerdote será 
ajudado por Ele porque é paciente, poderoso e misericordioso. 
50 
Se você não tem aquele apetite como antigamente pelas coisas divinas, 
contudo não seja desencorajado, porque com o uso adequado dos meios 
da graça você pode recuperar seu apetite. 
Chamamos de meios de graça a oração, o louvor, o jejum, a adoração, a 
meditação e prática da Palavra de Deus, a comunhão dos crentes, e o 
compromisso com a obra do evangelho. 
As riquezas não duram para sempre, mas a justiça dura para sempre e é 
por isso que os homens são exortados a trabalharem por este alimento 
que não perece, e não para ajuntar riquezas terrenas. 
A menos que nós tenhamos fome desta justiça evangélica nós não 
podemos obtê-la, porque Deus nunca jogará fora as Suas bênçãos 
naqueles que não as desejam. 
Assim como os exercícios físicos estimulam o apetite natural, de igual 
modo o exercício na piedade estimula o apetite espiritual, conforme se 
afirma em I Tim 4.7. 
Aos que têm fome e sede de justiça Deus promete dar-lhes plenitude de 
fartura e daí se dizer que os tais são bem-aventurados porque serão 
aperfeiçoados na justiça que eles desejam como algo vital para a sua 
subsistência espiritual. 
Deus saciará o espírito faminto porque Ele mesmo incitou esta fome. Ele 
plantou desejos santos em nós, e Ele não satisfaria esses desejos? 
Deus satisfará o faminto porque o espírito faminto é muito grato pela 
misericórdia. Deus ama dar a misericórdia dele onde ele pode ter um 
maior louvor. 
Nós nos encantamos em dar àqueles que são gratos. 
Deus enche o espírito faminto com plenitude de graça, paz e alegria. 
Assim é de fato uma grande bem-aventurança ter fome e sede de justiça. 
Considere por que Cristo recebeu o Espírito sem medida (João 3.34). Não 
foi para Si mesmo. Ele estava infinitamente cheio antes. Mas ele estava 
cheio com a unção santa para este fim, a saber, para que ele pudesse 
derramar a Sua maravilhosa graça no espírito faminto. 
 Você é ignorante? Cristo estava cheio com sabedoria para poder lhe 
ensinar. 
Você está sujo? Cristo estava cheio com graça para poder limpá-lo. 
A alma não virá então a Cristo que tem toda a plenitude para saciar o 
faminto? 
Peçamos portanto a Deus que jamais nos falte o apetite espiritual pelo 
qual Ele nos dará crescimento e força, para podermos fazer a Sua vontade. 
51 
 
 
 
Nós procederemos agora ao comentário da quinta bem-aventurança 
citada por Jesus em Mateus 5.7: 
 
 “Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão 
misericórdia.” 
 
Haveria necessidade de pregar sobre misericórdia mais do que nestes 
tempos desapiedados em que nós vivemos? 
Mas como muitos não sabem exatamente o que é misericórdia, falaremos 
primeiro sobre os vários tipos de misericórdia. 
A misericórdia é uma disposição por meio da qual nós carregamos no 
coração as misérias de outros e estamos prontos em todas as ocasiões a 
sermos instrumentos para o bem deles. 
Muitos confundem misericórdia com amor, mas há algumas diferenças 
marcantes entre ambos. 
Em algumas coisas o amor e a misericórdia são iguais, mas em outras eles 
diferem, como as águas de um rio que podem ter duas nascentes, mas se 
encontram no fluxo. 
O amor e misericórdia diferem nisto: o amor é mais extenso. O amor é um 
amigo constante que nos visita até mesmo quando estamos bem. 
Já a misericórdia é como um médico que só nos visita quando estamos 
doentes. 
O amor age mais por afeto. 
Mas a misericórdia age mais por um princípio de consciência. 
A misericórdia empresta sua ajuda a outros, mas O amor dá seu coração a 
outros. 
Deste modo, eles diferem, mas o amor e a misericórdia concordam em 
que ambos estão sempre prontos a prestarem bons serviços. 
A misericórdia procede de um trabalho da graça no coração. 
Por natureza, nós estamos bem longe da misericórdia. 
O pecador é por natureza uma oliveira brava e não uma oliveira que dá 
bom azeite. 
O caráter e vocação do homem natural é ser desapiedado como se lê em 
Rm 1.31; e a misericórdia que ele possui é um instinto natural e não a 
misericórdia santificada que é um fruto do Espírito Santo. 
52 
Por natureza nós não produzimos azeite, mas veneno; não o óleo da 
misericórdia, mas o veneno do pecado. 
Além desta falta da misericórdia divina que não pode ser achada na nossa 
natureza terrena, há algo que é também implantado por Satanás, porque 
o príncipe das trevas trabalha no coração dos homens como se vê em Ef 
2.2. 
E seele domina os homens não é de se estranhar que eles sejam inclinados 
a serem implacáveis e sem misericórdia. 
Afinal, que misericórdia pode ser esperada do inferno? 
De forma que, se o coração é afinado com a misericórdia, é por causa da 
mudança que a graça produziu nele, conforme se vê em Col 3.12. 
Assim, antes de um homem ser misericordioso, é necessário que seja uma 
nova criatura; e a misericórdia é algo para ser aprendido com Deus, que 
nos ensinará isto de modo prático, na experiência da vida. 
Nós devemos ser misericordiosos às almas de outros, especialmente 
aquelas que não foram salvas. 
Realmente este é o principal tipo de misericórdia, porque o espírito é a 
coisa mais preciosa que existe. 
Mais do que nós sentimos pela morte física de alguém, nós deveríamos 
sentir pela sua morte espiritual, porque este é o estado permanente de 
toda pessoa que não conhece a Cristo, e também devemos sentir pela sua 
morte eterna, que se seguirá à sua morte física. 
Assim uma alma misericordiosa reprovará os pecadores impenitentes na 
expectativa de que eles se convertam de seus pecados. 
Nós estaremos sendo misericordiosos quando lutarmos com eles pela 
salvação de seus espíritos e não permitirmos que eles desçam 
quietamente para o inferno. 
Se a casa de uma pessoa estivesse pegando fogo nós deixaríamos de lhe 
dar o devido aviso para não assustá-la quanto ao prejuízo que estava 
sofrendo? 
E nós ficaremos calados vendo alguém dormir o sono da morte e vendo o 
fogo da ira de Deus pronto para queimá-lo? 
Veja então como é um trabalho abençoado o trabalho do ministério! A 
pregação da Palavra nada mais é do que mostrar misericórdia às almas. 
Ministros que toleram o pecado por temor de não ofenderem as pessoas 
são maus ministros. 
É um erro pensar que ser agradável a todos, ainda que estejam perdidos 
em pecados é uma forma de mostrar estima e amizade por eles. 
53 
Na verdade, ainda que muitas pessoas se sintam ofendidas e ressentidas 
com os pastores, quando eles pregam de maneira veemente contra o 
pecado, não importa, porque aquele que faz isto está sendo 
verdadeiramente misericordioso para com elas, uma vez que é disto que 
depende o destino eterno feliz delas, caso venham a se arrepender dos 
seus pecados. 
Olhe como Jesus e João Batista pregavam em seus ministérios. Eles diziam 
“arrependei-vos e crede no evangelho” fazendo duras repreensões contra 
aqueles que viviam no pecado. 
Quando Jesus e João diziam aos fariseus que eles eram uma raça de 
víboras, que seriam cortados pela raiz pelo machado do juízo de Deus, eles 
estavam demonstrando verdadeiro amor e verdadeira misericórdia para 
com eles, porque estavam dando a eles o aviso solene do que lhes 
sucederia caso não se arrependessem dos seus pecados. 
Então fiel, misericordioso, e verdadeiramente amigo é o pastor que 
repreende aqueles que estão vivendo na prática deliberada do pecado. 
Ainda que aqueles que estão na carne façam um juízo errado pensando 
que isto é falta de misericórdia. 
Então estes pastores que não pregam contra o pecado são maus 
pastores. 
São ministros que não têm uma misericórdia verdadeira pelas almas 
perdidas. 
O cuidado deles é maior por dízimos do que por almas. 
Por realizações materiais do que por almas. 
Os tais são mercenários e não ministros de Cristo, e caso tenham tido uma 
chamada para o ministério, acabaram se desviando dela. 
Como podem ser chamados de pastores aqueles que não possuem 
intestinos de misericórdia? 
Tais homens não alimentam os espíritos das pessoas com verdades 
sólidas. 
Quando Cristo enviou os seus apóstolos, ele lhes deu o texto que eles 
deveriam pregar e ensinar. 
Os ministros de Cristo devem pregar as coisas que pertencem ao reino de 
Deus. 
Eles são desapiedados se em vez de repartir o pão da vida, encherem as 
cabeças das pessoas com especulações e noções vazias, que fazem apenas 
cócegas na consciência. 
54 
Há ministros que pregam como se eles estivessem falando uma língua 
desconhecida. 
Alguns ministros gostam de planar nas alturas como a águia e voam acima 
da capacidade das pessoas, e se esforçam bastante para serem mais 
admirados do que compreendidos. 
É falta de misericórdia para com as almas pregar para não ser entendido. 
Ministros deveriam ser estrelas para dar luz, não nuvens para esconder a 
verdade. 
É crueldade para com as almas quando nós andarmos para tornar as coisas 
fáceis em coisas difíceis. 
E muitos são culpados de subirem ao púlpito somente para exibirem a 
própria glória deles e divertirem as pessoas. 
Isto cheira mais a orgulho do que a misericórdia. 
Nós devemos também ser misericordiosos com os nomes de outros. 
Um bom nome é uma das maiores bênçãos na terra. 
Assim, é grande falta de misericórdia, uma grande crueldade, infamar o 
renome dos homens, conforme se vê em Rom 3.13. 
O homem orgulhoso e invejoso atacará a reputação de outros. 
E pensando em apagar os nomes que ataca, julga que o seu poderá brilhar 
mais do que os deles. 
O invejoso difama a dignidade dos outros, mas a Bíblia nos ensina a nos 
alegramos com a estima e fama de outros como se vê em Rm 1.8 e Hb 
11.2. 
A calúnia é portanto uma grande demonstração de falta de misericórdia. 
E a defesa do bom nome dos que são caluniados é uma grande 
demonstração de misericórdia. 
Lembremos que Deus requererá em juízo cada palavra ociosa que foi 
proferida pelos homens, especialmente aquelas que foram usadas para 
infamar outros. 
Em vez de infamarmos as pessoas, nós devemos ser misericordiosos em 
relação às ofensas que eles nos fazem. 
Estejamos prontos para mostrar misericórdia àqueles que nos 
prejudicaram. 
Nós lemos em Pv 19.11 que “A discrição do homem fá-lo tardio em irar-
se; e sua glória está em esquecer ofensas.”. 
Nós devemos ser misericordiosos às necessidades de outros. Considere os 
pobres; veja as lágrimas deles, e os seus suspiros e gemidos. 
55 
Deus demonstra a Sua misericórdia e cuidado com os pobres nos muitos 
mandamentos da Lei de Moisés que prescreveu para o benefício deles 
como se pode ver por exemplo em textos como Ex 23.11; Lev 19.9; 25.35 
e Dt 14.28,29. 
Na verdade Deus agrava o Seu juízo nos ricos mais do que nos pobres, 
porque se aos primeiros deu confortos e facilidades neste mundo, no 
entanto pesou muito sobre eles a responsabilidade de assistirem aos 
necessitados com suas riquezas, e na medida que não o fazem agravando 
a pobreza no mundo, sofrerão um maior juízo de condenação. 
No entanto, o pobre não foi cumulado com este peso de responsabilidade 
da parte de Deus, e nisto tem uma grande vantagem em relação aos ricos, 
e assim não houve nenhuma injustiça da parte de Deus em ter disposto a 
criação de tal sorte que houvesse pobres e ricos no mundo. 
Então a riqueza deve ser usada para a exibição de generosidade para com 
o próximo, conforme é da vontade de Deus. 
Por isso Deus requer as boas obras depois que somos justificados, mesmo 
que sejamos pobres, porque se somos pobres de bens materiais, nada nos 
impede de sermos ricos da graça de Jesus para usá-la em benefício de 
outros. 
Assim, apesar de sermos justificados somente pela fé, devemos lembrar 
que a fé justificadora nunca está só, porque deve ser acompanhada pelas 
boas obras. 
Embora as boas obras não sejam a causa da salvação, contudo elas são 
evidências da salvação. 
Embora elas não sejam o fundamento da nossa casa espiritual, contudo 
elas são a sua estrutura. 
Deste modo, não deve ser edificada uma fé em obras, mas devem ser 
edificadas obras em fé. 
As boas obras são a pedra de toque da fé como se vê em Tg 2.18. 
Estes frutos das boas obras adornam a árvore da justiça. Assim deixe a 
liberalidade da sua mão ser o ornamento da sua fé. 
Pelo menos em dois aspectos as boas obras são em algum senso, mais 
excelentes do que a fé. 
Porque as boas obras são de uma natureza diferente e mais nobre. 
Embora a fé seja mais necessária para nós mesmos, contudo as boas obras 
são mais benéficas a outros. 
A fé é uma graça que nós recebemos, mas as boas obras são para o bem 
de outros,e é uma coisa mais abençoada dar do que receber. 
56 
A fé é uma graça mais oculta. As boas obras são mais visíveis. 
A fé pode permanecer escondida no coração e pode não aparecer, mas 
quando são unidas as boas obras com a fé, a fé brilhará diante dos 
homens, por causa das nossas boas obras e trará glória ao Senhor. 
Lembremos sempre que fomos criados em Cristo Jesus para as boas obras 
como se afirma em Ef 2.10. 
Foi para este fim que fomos tornados filhos de Deus, em Cristo Jesus. 
E é nosso dever vivermos para atender ao propósito para o qual fomos 
criados. 
Através da misericórdia nos assemelhamos a Deus, que é um Deus de 
misericórdia. DEle é dito em Miqueias 7.18 que se deleita na misericórdia. 
Ele requer que o mal seja vencido com o bem. 
E exige que pratiquemos o bem como vemos em Hb 13.16: “Mas não vos 
esqueçais de fazer o bem e de repartir com outros, porque com tais 
sacrifícios Deus se agrada.” 
Antes de fechar este assunto eu devo dizer que tudo o que fizermos deve 
ser de modo livre e voluntário e devemos fazê-lo em Cristo e para Cristo, 
porque estão perdidas, as melhores obras que não são originadas da fé. 
Todo fruto aceitável a Deus deve ser produzido na Videira Verdadeira. 
As obras de misericórdia devem ser feitas em humildade e sem 
ostentação. 
E se a nossa ação em atender à necessidade do pobre for feita de tal forma 
que venha a humilhá-lo, isto será em si mesmo um mal maior do que a 
própria necessidade dele. 
Sejamos então criteriosos no exercício da misericórdia. 
 
Nós procederemos ao comentário da sexta bem-aventurança citada por 
Jesus em Mateus 5.8: 
 
“Bem-aventurados os puros de coração, porque eles verão a Deus.” 
 
Deus é tão puro de olhos que não pode ver o mal, e não pode contemplar 
a perversidade, como se afirma em Hc 1.13. 
Isto significa que os olhos de Deus são perfeita e puramente bons e não 
páram para se deleitarem na observação da maldade. 
Os olhos de Deus não se detêm na contemplação do mal, antes têm 
repugnância a toda forma de maldade. 
57 
Isto sucede com Deus porque a pureza é uma coisa sagrada perfeitamente 
refinada e que se levanta em oposição a tudo o que é sujo. 
Nós devemos distinguir os vários tipos de pureza. Primeiro, há uma pureza 
primitiva que está originalmente e essencialmente em Deus. 
A santidade é a glória da divindade. Deus é o padrão e protótipo de toda 
a santidade. 
Segundo, há uma pureza criada. 
Assim, a santidade está nos anjos eleitos e esteve no começo da criação 
em Adão, antes dele cair no pecado. 
O coração de Adão não tinha a menor mancha ou impureza. 
Nós chamamos isto de ouro puro que não tem qualquer escória misturada 
nele. 
Tal era a santidade de Adão. 
Mas tal pureza absoluta como estava em Adão antes da sua queda no 
pecado, não será mais achada na terra. 
Nós temos que buscar tal pureza no céu para poder encontrá-la, e se a 
encontrarmos, ela será aqui na terra, uma pureza evangélica. 
Nesta pureza evangélica a graça se encontra misturada com algum 
pecado, como a escória no ouro. 
Deus chama esta mistura de pureza, em sentido evangélico. 
Onde houver uma presença de pureza com uma repugnância por nós 
mesmos por causa da nossa impureza, então podemos dizer que somos 
puros de coração. 
Esta pureza evangélica é a pureza que é citada nesta bem-aventurança de 
que os puros de coração são aqueles que verão a Deus. 
Porque é somente por meio da fé no sangue de Jesus, e pela obra de 
regeneração e santificação do Espírito Santo, mediante a Palavra de Deus, 
que nós somos de fato purificados dos nossos pecados e achados dignos 
de estarmos em comunhão com Deus. 
Por isso, desde o princípio é ensinado por Deus ao Seu povo que não é por 
nenhuma pureza pessoal própria, segundo o modo de pensar do homem 
e do mundo, que alguém pode estar de fato purificado aos Seus santos 
olhos divinos. 
Toda a pureza que tivermos será operada em nós pelo Espírito Santo, com 
base no sangue purificador de Cristo, conforme se vê tipificado desde os 
dias mais remotos, mesmo de Adão, nos sacrifícios de animais exigidos 
por Deus para que os pecadores pudessem se aproximar dEle. 
58 
E esta aproximação é feita pela fé. É pela fé no valor do sangue, na 
expiação de Jesus, e fé na Palavra de Deus, que somos de fato purificados. 
Assim, a simples educação não é nenhuma pureza. 
Um homem pode estar cheio de virtudes morais, de prudência, e 
temperança e contudo, ir para o inferno. 
A simples profissão de fé não é também nenhuma pureza. 
Um homem pode ter um nome de que vive, ou seja, ser considerado um 
crente, e ainda estar morto, como se vê em Ap 3.1. 
Ele pode ter como o joio, toda a aparência com o trigo, e no entanto, o 
diabo ainda reside na casa. 
Pureza de coração não exclui pureza de vida. 
Mas é chamado pureza de coração, porque esta é a coisa principal da 
santidade, pois não pode haver nenhuma pureza de vida sem isto. 
O grande cuidado de um crente deveria ser portanto o de manter o seu 
coração puro. 
Deve sobretudo ter atenção para que o amor ao pecado não entre no seu 
coração, porque é o pecado quem mata a pureza de coração. 
E uma das melhores formas de se prevenir do pecado é praticar a Palavra 
de Deus, guardando-a no coração. 
Porque se a Palavra habitar no coração, este não perderá a sua pureza, 
por ser penetrado pelo pecado. 
 Daí dizer o salmista, no Salmo 119.11: 
“Escondi a tua palavra no meu coração, para não pecar contra ti.”. 
A pureza é uma coisa ordenada pelo próprio Deus na Bíblia, como se vê 
em I Pe 1.16: “Ser-me-eis santos porque eu sou santo.”. 
Afinal, o que um Deus Santo pode fazer com servos profanos? 
Nada. Porque o pecado é uma enfermidade terrível, uma sujeira, uma 
imundície, uma pestilência dolorosa, é um vômito. 
O corpo de Cristo seria monstruoso se somente a cabeça fosse pura e não 
os membros também. 
Importa pois, na condição de membros do corpo de Cristo que sejamos 
achados em pureza de coração e vida, tal como o nosso Senhor, como se 
afirma em I Jo 3.2,3: 
“2 Amados, agora somos filhos de Deus, e ainda não é manifesto o que 
havemos de ser. Mas sabemos que, quando ele se manifestar, seremos 
semelhantes a ele; porque assim como é, o veremos. 
3 E todo o que nele tem esta esperança, purifica-se a si mesmo, assim 
como ele é puro.”. 
59 
A pureza deve ser principalmente do coração porque se o coração não é 
puro, nossa pureza não será diferente em nada de uma pureza farisaica. 
A santidade do fariseu consistia principalmente em exterioridades. A 
pureza deles era apenas externa. Eles nunca deram atenção ao interior do 
coração. 
O coração deve ser especialmente puro, porque é o coração que santifica 
tudo o que nós fazemos. 
Se o coração for santo, tudo será, porque o coração é o altar que santifica 
a oferta. 
Se nós devemos ser então puros de coração, nós não devemos nos 
contentar apenas com o nosso exterior. 
Educação não é suficiente, porque um porco pode ser lavado, contudo é 
ainda um porco. 
A educação nada faz além de ensinar boas maneiras a um homem, mas a 
graça o transforma no seu interior. 
A santidade de coração, a sua purificação está tipificada na Lei porque se 
exigia de Arão que ele lavasse as entranhas dos animais que eram 
oferecidos em sacrifício no Velho Testamento, como se vê em Lev 9.14. 
Esta pureza de coração não é sentimental mas real, operada pelo lavar do 
Espírito Santo mediante aplicação da Palavra de Deus. 
Satanás pode segurar um homem através de um só pecado específico. 
Almas impuras brincam com o pecado. Eles sentem prazer pela injustiça, 
e por isso Deus permite que sejam aprisionados pelo erro, como se afirma 
em II Tes 2.12. 
Este prazer pela injustiça mostra que a vontade está presa ao pecado. 
As Escrituras trovejam contra o pecado mas estes pecadores não temem 
este trovão. Ministros que são como Boanerges, vestidos do espírito de 
Elias, ainda que denunciem todas as maldições de Deus contra os pecados 
dos homens, contudo ainda assim eles não lhes dão a devida 
consideração. 
 O pecado os engana e os justifica, dizendoque Deus não pode afinal exigir 
uma tal pureza de coração a pecadores. No entanto é o que Ele requer de 
fato e o revelou de capa a capa na Bíblia. 
E esta resistência a crer no padrão de santidade e pureza que são exigidos 
por Deus em Sua Palavra é chamado pela Bíblia de coração mau de 
incredulidade, conforme se afirma em Hb 3.12. 
E este tipo de incredulidade é um tipo terrível porque chama Deus de 
mentiroso quando Ele afirma que devemos ser santos porque Ele é santo. 
60 
Aqueles que não creem nos mandamentos de Deus e que não se dispõem 
a honrá-los e praticá-los, nunca O amarão verdadeiramente, porque 
somente os que têm os mandamentos de Cristo e que os guardam são 
verdadeiramente aqueles que O estão amando. 
Não admira portanto que haja mesmo entre os filhos de Deus não poucos 
que não Lhe estejam amando de fato. 
A incredulidade endurece o coração e o torna hipócrita. E a falta de pureza 
do coração produzida pela incredulidade o expõe a se tornar um apóstata. 
Esta é a razão porque muitos que pareciam uma vez zelosos se encontram 
agora menosprezando os santos e justos caminhos do Senhor. 
Há uma antipatia entre um coração carnal e a santidade. 
E todo aquele que deprecia a pureza tem um coração impuro. 
Os carnais zombam daqueles que se esforçam para serem espirituais. 
Mas não é ordenado por Jesus em Mateus 5.48 que sejamos perfeitos 
como Deus é perfeito? 
Muitos tentam obter esta pureza de coração independentemente de 
serem batizados e andarem no Espírito Santo. No entanto, é 
absolutamente impossível vencer o pecado sem ser santificado pelo 
Espírito Santo, porque é Ele quem retira de nós não somente as impurezas 
como o nosso apego às coisas do mundo. 
Daí que se a pessoa não se consagrar inteiramente a Deus, ela nunca 
poderá experimentar esta pureza de coração que faz parte da 
santificação. 
Deus ama um coração quebrado, mas não um coração dividido. 
Porque somente um coração sincero seguirá a Deus completamente. 
Um homem de coração sincero nunca agirá contra a sua consciência. 
Um coração puro é um coração que se conduz pela verdade e sabe que é 
possível haver iluminação sem santificação, como bem o exemplificam 
Saul e Judas. 
Um homem pode reprimir e abandonar certos pecados, contudo não ter 
um coração puro, porque o coração puro detesta todos os pecados. 
Um homem pode reprimir o pecado pelo temor da penalidade, mas o de 
coração puro reprimirá o pecado por amor a Deus. 
Aqueles que protestam amar a Deus mas que têm ainda suas mentes 
aprisionadas ao prazer das impurezas que Deus condena, não têm ainda 
um coração puro. 
61 
Quando alguém chega a dizer com o salmista que odeia toda vereda de 
falsidade, isto é realmente excelente, porque agora o amor ao pecado foi 
de fato crucificado, e isto é indicativo de que se alcançou um coração puro. 
O salmista diz no Sl 119.104: “Pelos teus preceitos alcanço entendimento, 
pelo que aborreço toda vereda de falsidade.” 
Um coração puro evita a aparência do mal como se vê em I Tes 5.22. 
Um coração puro evita aquilo que pode ser interpretado como mal. 
Um coração puro executa deveres santos de uma maneira santa. 
Um coração puro terá uma vida pura, como se ordena em II Cor 7.1: 
“Ora, amados, visto que temos tais promessas, purifiquemo-nos de toda 
a imundícia da carne e do espírito, aperfeiçoando a santidade no temor 
de Deus.”. 
Onde há uma consciência boa haverá uma conversação boa. 
Alguns bendizem a Deus e eles têm bons corações, mas as vidas deles são 
más. 
Há uma geração que é pura aos seus próprios olhos e ainda não foi lavada 
da sua imundícia, como se afirma em Pv 30.12. 
Um coração puro está tão apaixonado por pureza que nada pode desviá-
lo disto. 
Deixe outros reprovarem a pureza, ele continuará amando a pureza. 
Ele sabe que se os cegos ridicularizarem um diamante, nem por isto o 
diamante terá menos valor pelo fato de estar sendo desprezado pelos que 
são cegos. 
Portanto, o puro de coração amará a santidade ainda que os cegos 
espirituais a desprezem. 
Lembremos que é a pureza de coração que nos torna parecidos com Deus. 
A infelicidade de Adão consistiu em que ele aspirou ser como Deus em 
onisciência; mas nós devemos nos esforçar para sermos como Deus em 
santidade. 
Sermos à imagem de Deus consiste em termos santidade. 
E para aqueles que não têm esta imagem em santidade, Jesus dirá que não 
os conhece. 
O Salmo 73.1 afirma que Deus é bom para com os puros de coração. 
Isto significa que Ele terá prazer em manifestar a Sua bondade aos tais, 
como recompensa do esforço deles para agradá-lo buscando viverem em 
sincera santidade. 
Tudo cooperará para o bem destes que amam verdadeiramente a Deus; 
porque são de coração puro, e buscam guardar os Seus mandamentos. 
62 
Por isso o puro de coração verá a Deus. 
Mas como nós atingiremos a pureza de coração? 
Isto é obtido pelo exercício das graças espirituais, mas especialmente pela 
prática da Palavra de Deus. 
Por se meditar frequentemente na Palavra de Deus. 
Jesus disse aos seus discípulos em Jo 15.3: “Vós já estais limpos pela 
palavra que vos tenho falado.”. 
E rogou ao Pai que os santificasse na verdade, como vemos em João 17.17: 
“Santifica-os na verdade, a tua palavra é a verdade.”. 
A pureza de coração é obtida também por se orar para se ter tal pureza. 
Vejamos agora de que maneira os puros de coração verão a Deus. 
O puro de coração verá o puro Deus, e há uma visão dupla que os santos 
têm de Deus. 
Primeiro, nesta vida; quer dizer, espiritualmente pelo olho da fé. A fé vê 
os atributos gloriosos de Deus na Sua Palavra. A fé vê Deus através das 
Suas ordenações. Assim Moisés viu aquele que é invisível como se afirma 
em Hb 11.27. 
Em segundo lugar os santos verão a Deus, na vida por vir. 
Nós veremos Deus como Ele é, conforme prometido em I Jo 3.2, na 
plenitude da Sua glória, porque teremos corpos glorificados, não de carne 
e sangue, mas corpos celestiais apropriados para terem tal visão de Deus, 
que é espírito. 
Será portanto uma visão perfeita. 
Nós veremos o rei na Sua formosura como se diz em Is 33.17. 
Ali entenderemos o por que é devida total pureza e santidade a um Deus 
tão puro e glorioso. 
Não se trata portanto, apenas de uma promessa de que os puros de 
coração verão a Deus, mas nesta promessa estão embutidas todas as 
consequências sagradas e espirituais que acompanharão este privilégio de 
poder ver a Deus, como recompensa de ter se empenhado na purificação 
do coração contra todos os tipos de pecados. 
Aqueles que honraram a Deus deste modo neste mundo, serão honrados 
e recompensados por Ele na glória. 
Porque se diz que bem-aventurados são estes que são puros de coração, 
porque verão a Deus. 
Como pode então uma pessoa estar confiante e segura de que verá a Deus 
se não tem tido tal pureza de coração aqui neste mundo? 
63 
Jesus não disse que bem-aventurados são os que forem purificados dos 
seus corações no céu para poderem ver a Deus; mas que bem-aventurados 
são os que são puros de coração neste mudo, porque estes, e somente 
estes podem ter a certeza de que verão a Deus no céu. 
 
Nós vamos proceder ao comentário da sétima bem-aventurança citada 
por Jesus em Mateus 5.9, de que bem-aventurados são os pacificadores, 
porque eles serão chamados filhos de Deus. 
 
Este é o sétimo degrau da escada de ouro que conduz à bem-aventurança. 
O trabalho da paz é um trabalho abençoado, e por isso se diz que são bem-
aventurados os pacificadores. 
A Bíblia une a pureza de coração à paz de espírito: 
“Mas a sabedoria que vem do alto é, primeiramente, pura, depois 
pacífica...” como se lê em Tg 3.17. 
E em Hb 12.14 nós lemos: “Segui a paz com todos, e a santificação...”. 
E aqui Jesus une puros de coração com pacificadores, como se não 
pudesse haver nenhuma pureza onde não há uma sincera busca de paz. 
Os que amam a paz do Senhor e que se empenham por serem achados em 
paz nEle são praticantes da verdadeira religião, porque é suspeita a 
religião que está cheia de facção e discórdia. 
Não se pode dizer que são bem-aventuradosaqueles que estão divididos 
em seus corações por disputas, invejas, iras, discórdias. Mas bem-
aventurados são todos aqueles que são promotores da paz, primeiro em 
si mesmos, vencendo a fúria pecaminosa de seus corações, e depois no 
trato com os seus semelhantes. 
Assim, antes que um homem possa ser um promotor da paz, ele deve ser 
um amante da paz. 
A paz de espírito é a beleza visível de um santo, que expressa a pureza 
escondida no interior do seu coração. 
O ornamento de um espírito pacifico e quieto é uma joia de grande valor 
à vista de Deus, como se lê em I Pe 3.4. 
Os crentes são ovelhas de Cristo, e a ovelha é uma criatura pacífica. 
Embora os crentes devam ser leões em relação à coragem para enfrentar 
o pecado, contudo eles devem ser cordeiros em relação à paz. 
Deus não estava no terremoto e nem no fogo, mas no cicio suave, quando 
falou com Elias na caverna. 
Assim Deus não está no espírito do iracundo, mas no espírito do pacífico. 
64 
Nós temos que ter paz em família, quer nos lares, quer na igreja. 
Isto é chamado de laço de paz em Ef 4.3. Sem este laço o que teremos 
serão partes isoladas e não uma unidade. 
A paz é o cinto que amarra os membros unidos numa família. 
Não pode haver nenhum verdadeiro conforto sendo cultivado em nossos 
lares, caso a paz não seja entretida como um ocupante permanente em 
nossas casas. 
Há uma paz paroquial, quando há uma doce harmonia, uma afinação de 
afetos, quando há um só sentir e querer, como diz o apóstolo Paulo em I 
Cor 1.10: 
“Rogo-vos, porém, irmãos, pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que 
digais todos uma mesma coisa, e que não haja entre vós dissensões; antes 
sejais unidos em um mesmo pensamento e num mesmo parecer.”. 
Uma só corda arruinada na harpa desafinará a música e impedirá a 
unidade harmoniosa da melodia. 
Um só membro ruim quer na família, quer na igreja, pode vir a prejudicar 
o todo. 
Por isso é ordenado na Palavra: “Tende paz entre vós.”, como se lê em I 
Tes 5.13. 
Há paz na igreja quando há unidade e verdade entre os seus membros. 
Nós devemos ser pacificadores porque nós fomos chamados à paz, 
conforme se afirma em I Cor 7.15. 
Deus nunca chamou qualquer homem à divisão. Isso é uma razão por que 
nós não deveríamos ser dados à discussão, porque nós não temos 
nenhuma chamada para isto. Mas Deus nos chamou à paz, para nos 
edificarmos mutuamente no corpo de Cristo. 
Por isso a natureza da graça no trabalho de mudar o coração é no sentido 
de torná-lo pacífico. 
Por natureza nós somos de uma disposição violenta. 
Quando Deus amaldiçoou a terra por causa do homem, a maldição foi a 
de que ela deveria produzir espinhos e cardos (Gên 3.18). O coração do 
homem natural está debaixo desta maldição. Produz nada mais do que os 
espinhos e cardos da discussão e da contenda. Mas quando a graça entra 
no coração ela o torna pacífico. Implantando no coração uma doçura e 
disposição amorosa. 
Assim a paz nos mostra o caráter de um verdadeiro santo. Ele é dado à 
paz. Ele é o guardião da paz. Ele é um filho da paz. 
65 
A paz que um crente busca não deve ter ligações de amizade com os que 
vivem no pecado. Embora nós devamos estar em paz com as pessoas 
deles, contudo nós devemos estar em guerra com os seus pecados. Nós 
devemos ter paz com as pessoas deles como sendo feitos à imagem de 
Deus, mas ter guerra com os pecados deles como sendo feitos à imagem 
do diabo. 
Nós devemos ter uma paz civilizada com o pior dos pecadores, mas não 
um laço de amizade, porque isto significa comunicar-se com as obras 
infrutíferas das trevas, como se afirma em Ef 5.11. 
O rei Josafá, embora fosse um crente devotado, foi culpado disto, em sua 
aliança com a casa de Acabe. Sua falta consistiu em não ter tido apenas 
uma paz civil com Acabe, mas ele formou laços de amizade com ele, e foi 
isto que despertou a ira de Deus em relação a Josafá. 
Assim, nós devemos ser úteis a todos os homens, aconselhá-los, aliviá-los, 
mas não devemos permitir ter muita familiaridade com eles, porque nós 
nunca devemos comprar a paz com a perda da santidade. 
Não devemos ter paz com outros sobre bases erradas. A verdade deve ser 
comprada e nunca vendida, como se afirma em Pv 23.23. 
A paz não deve ser comprada com a venda da verdade. A verdade é a base 
da fé. A verdade é a maior pedra preciosa das igrejas. A verdade é um 
depósito, um tesouro, que contém o que Deus nos confiou. 
Nós não devemos deixar nenhuma das verdades de Deus cair ao chão. 
Nós não devemos buscar a flor da paz quando isto implicar a perda da 
pérola da verdade. 
Alguns dizem que devemos estar unidos a todos, mas nós não devemos 
nos unir com o erro. 
Que comunhão tem a luz com a escuridão? Com se diz em II Cor 6.14?. 
Há muitos que têm paz com hereges que negam a Palavra, mas isto é uma 
paz diabólica. Amaldiçoada seja aquela paz que faz guerra contra o 
Príncipe da paz. Embora nós devamos ser pacíficos, contudo nós somos 
ordenados a defender a fé, como se ordena em Jd 3. 
Nós não devemos estar tão apaixonados pela coroa dourada da paz ao 
ponto de arrancar dela as joias da verdade. Se preciso for deixe que a paz 
se vá em vez da verdade. Os mártires prefeririam perder suas vidas a 
negarem a verdade. 
E é somente por este amor à verdade e sua prática que os servos de Cristo 
podem viver em verdadeira harmonia e paz, amando-se uns aos outros. E 
isto é o que Cristo espera daqueles que são seus, como se vê em Jo 13.35. 
66 
As tábuas do tabernáculo eram unidas pelos travessões de ouro que 
simbolizam o amor e a paz de Deus. De igual modo as suas cortinas eram 
unidas por laçadas que representavam os laços de amor e paz. 
Assim os corações dos crentes devem estar unidos pelos laços de unidade 
em amor e paz. 
Uma disposição pacífica é uma disposição divina. 
Deus Pai é chamado “o Deus de paz” em Hb 13.20. 
Deus Filho é chamado “o Príncipe da paz” em Is 9.6. E ele saiu do mundo 
deixando-nos um legado de paz, como se lê em Jo 14.27. 
Deus Espírito Santo é um Espírito de paz. Ele tomou a forma de uma 
pomba. Ele é o Consolador. 
Cristo orou em favor da paz entre as pessoas do Seu povo, como vemos 
em Jo 17.11, 21, 23. Ele orou para que os crentes fossem um, de modo que 
tivessem a mesma mente e coração. 
Cristo não somente orou pela paz, mas sangrou para isto. 
Ele não morreu somente para fazer paz entre Deus e os homens, mas 
também entre homens e homens. 
Discussão e contenda impedem o crescimento da graça. Quem se disporia 
a semear num campo repleto de espinheiros? Os espinhos sufocam a 
semente da graça e impedem a sua germinação e crescimento. 
Como a fé pode crescer num coração sem paz? Porque a fé opera pelo 
amor. 
Por isso Cristo exorta os crentes a terem paz uns com os outros, como se 
vê em Mc 9.50. 
Somente quando os corações dos crentes são uma casa espiritual 
adornada com a mobília da paz, então eles estão preparados para 
hospedarem o Príncipe da paz. 
Para mantermos esta mobília abençoada da paz em ordem é preciso não 
dar ouvidos aos fofoqueiros (Lev 16.16), que de alguma forma sempre 
procurarão nos exasperar e nos derrubar com os seus relatórios. E 
Satanás sempre procurará enviar suas correspondências a nós através 
destes seus mensageiros. O fofoqueiro é um incendiário. Ele ativa o carvão 
da contenção para nos indispor com os homens. 
O orgulho deve ser mortificado porque é a humildade a solda que une os 
crentes em paz. 
A inveja deve ser também mortificada porque a paz não pode habitar 
juntamente com este ocupante. 
67 
Nós não devemos somente abandonar estes pecados que são contrários à 
paz, como devemos nos esforçar para obter aquelas coisas que conduzem 
à paz, e dentre estas podemos destacar: 
A fé, porque ela realiza aquilo que a Palavra nos ordena. 
A Palavra diz em II Cor 13.11: ”vivei em paz”, e pela fé nós somos 
habilitados a crer e a obedecer tal ordenança. 
Podemos destacar também a prática da comunhão cristã que nos ajuda a 
vivermos em paz uns com os outros. 
Não devemos também nos concentrar nas falhas dos outros, mas nas 
graçasdeles. 
Não há nenhuma perfeição aqui neste mundo. Em vez de ressaltarmos as 
fraquezas deles devemos voltar nossa atenção para as suas virtudes. 
Devemos também orar para que Deus envie o Espírito da paz aos nossos 
corações. Oremos para que o Senhor extinga o fogo da contenda e acenda 
o fogo da compaixão em nossos corações. 
Os cristãos não devem ser apenas pacíficos, mas pacificadores, ou seja, 
eles devem levar outros a estarem em paz. Eles devem ser instrumentos 
da consolação do Espírito para trazer alívio aos corações atribulados. Eles 
devem ser o instrumento da reconciliação entre os pecadores e Deus, e da 
reconciliação entre irmãos. Esta é uma tarefa difícil mas que sempre 
contará com a bênção de Deus. 
Deus abomina os semeadores de discórdias entre irmãos, como se vê em 
Pv 6.19. 
As divisões obstruem o progresso do evangelho. Mas a obra de Deus 
avançará onde houver unidade e paz. 
Aquele que semeia paz colherá paz. 
 O pacificador morrerá em paz porque levará uma boa consciência com ele 
e deixará um bom nome atrás de si. 
Os pacificadores serão chamados filhos de Deus e nisto está o privilégio 
glorioso dos santos. Aqueles que fizeram a paz deles com Deus e 
labutaram para fazer a paz entre seus irmãos terão esta grande honra 
conferida a eles, a de serem chamados filhos de Deus. 
Eles serão reconhecidos como sendo da mesma disposição e natureza de 
Deus, semelhantes a Ele, seus imitadores amados que alcançaram o 
testemunho de Lhe terem agradado. Pelo seu procedimento pacífico e 
pacificador serão reconhecidos como sendo verdadeiramente filhos de 
Deus. Esta é então a marca essencial de um filho de Deus, a saber, aqueles 
que têm paz com Ele e com seus irmãos. 
68 
E devemos destacar a honra do nome dos filhos de Deus, porque eles são 
preciosos para o Pai deles. 
Deus os olha como pessoas honradas. 
O nome deles é precioso. 
As orações deles são preciosas. 
As lágrimas deles são preciosas. 
Os filhos de Deus têm títulos de honra. Eles são chamados de reis em Apo 
1.6. A excelência da terra no Sl 16.3. Vasos de honra em II Tim 2.21. 
O estado dos filhos de Deus é mais excelente e honrado do que o estado 
de Adão quando estava vestido de inocência no Éden, porque apesar de 
glorioso era mutável, e foi logo perdido, mas os filhos de Deus por adoção 
estão num estado inalterável, pela impossibilidade de caírem da posição 
de sua filiação. 
É prometido a eles que serão seguramente como os anjos eleitos do céu. 
Tal como os anjos eleitos, jamais serão lançados fora da presença de Deus 
por causa da eleição dos crentes, que foi conhecida por Deus antes mesmo 
da fundação do mundo. 
As correções divinas às quais eles estão submetidos não são para a 
confirmação da adoção deles como filhos, senão a prova do amor de Deus 
para com eles, que os está aperfeiçoando para poderem experimentar da 
Sua própria santidade, este fruto maravilhoso da árvore da vida celestial. 
 Um dos grandes privilégios da adoção é que se nós somos filhos, então 
Deus será paciente com muitas fraquezas. Um pai é muito paciente com 
um filho que ele ama. Ele os poupará ainda que não encubra o mal que 
eles venham a praticar. Ele não tomará vingança contra eles, mas terá 
piedade. 
Um pai se esforça para livrar os seus filhos do mal. E Deus move o céu e 
os anjos para a proteção dos seus filhos, quer dos males externos, quer do 
mal em seus corações. 
 E sendo filhos somos herdeiros de Deus e de todas as Suas boas 
promessas, como se vê em Hb 6.17. 
E se somos filhos, teremos sempre a bênção do nosso Pai celestial. 
 E os filhos de Deus não podem perecer eternamente porque a justiça de 
Deus está satisfeita quanto aos pecados deles. 
O sangue de Cristo é o preço que foi pago para que a justiça ficasse 
completamente satisfeita. 
Assim, esta bênção da salvação eterna é segura para os crentes 
verdadeiros, por causa da eleição deles, mas um viver abençoado neste 
69 
mundo é sempre condicional à obediência do crente à verdade, porque 
Deus mesmo dispôs esta verdade para incentivar os Seus filhos à 
santificação das suas vidas. 
De maneira, que ninguém espere um viver abençoado neste mundo, caso 
não esteja vivendo em conformidade com a vontade de Deus. 
 
Nós vamos proceder ao comentário relativo à oitava e última bem-
aventurança citada por Jesus em Mateus 5.10, de que bem-aventurados 
são os perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus.”. 
 
Nesta última bem-aventurança Jesus nos leva a considerar o custo da vida 
cristã. 
Nós teremos lágrimas de arrependimento e o sangue da perseguição, mas 
nós vemos aqui um grande encorajamento para nos impedir de desfalecer 
no dia da adversidade, porque nos é prometida a coroação no Seu reino 
celestial. 
A verdadeira piedade será perseguida. E é por isso que entramos no reino 
de Deus através de muitas tribulações como se afirma em At 14.22. 
Lutero disse apropriadamente que Cristo morreu para tirar a maldição de 
nós, mas não a cruz. 
Os santos não têm nenhuma promessa nas Escrituras que seriam livrados 
das provações. 
Embora sejam mansos, misericordiosos, puros de coração e pacificadores, 
a devoção deles não os protegerá de sofrimentos. 
A palavra grega para perseguir significa “vexar, molestar, fazer fugir, 
procurar a morte”. 
Há vários tipos de perseguição. Ela pode ser física e espiritual. Mas a sua 
causa e base geralmente serão ocasionadas pela perseguição do erro à 
verdade. 
Deus tem propósitos santos e sábios nas perseguições que permite que 
venham sobre os seus filhos. 
As provações refinam a fé dos crentes e distingue os verdadeiros santos 
dos hipócritas, porque somente uma fé genuína não é destruída pelas 
tribulações. 
Deus permite que seus filhos passem pelo forno das provações para que 
os seus corações sejam purificados. Ele remove as escórias do orgulho, 
impaciência, amor ao mundo e tudo aquilo que é contrário à santidade. 
70 
Estas perseguições decorrem sobretudo do fato de que há uma inimizade 
entre a semente da mulher e a semente da serpente. 
As tempestades de perseguições caem principalmente sobre os ministros 
do evangelho porque eles precisam ser mais refinados do que os demais 
crentes por conta do ofício sagrado que lhes foi confiado de apascentarem 
o rebanho do Senhor. 
Especialmente os ministros devem destruir o reino de Satanás e ele 
cuspirá todo o seu veneno neles. 
Se nós pisamos na cabeça do diabo ele nos ferirá o calcanhar. E o trabalho 
dos ministros é o de tirar as pessoas de Deus das garras do diabo. 
Assim, um pastor fiel sempre sofrerá provações e oposições. 
Agora, esta perseguição e sofrimento é o que torna um homem bem-
aventurado. Não a perseguição pelo fato de ser um malfeitor, mas por ser 
um amante da justiça divina. 
 É quando sofremos por causa do nosso amor à justiça, na defesa e 
pregação da verdade, no bom combate da fé, que somos bem-
aventurados. 
Estes guerreiros santos que defendem a causa da justiça de Cristo 
conquistarão o reino dos céus. 
Quando há fins bons em nosso sofrimento, pelos quais nós possamos 
glorificar a Deus, nós poderemos e daremos com isto, testemunho da 
verdade e mostraremos nosso amor a Cristo. 
Não há, neste tipo de sofrimento, no dizer do apóstolo, em I Pe 4.16, do 
que se envergonhar. 
Um amor verdadeiro não esfria e não recua por causa das aflições quanto 
ao ser amado. Ao contrário ele se mostra verdadeiro e fiel na sua 
perseverança muito mais nestas horas difíceis. O nosso relacionamento 
com o Senhor é da qualidade e nível de um matrimônio. E nossa união a 
Ele está sendo provada em todas as circunstâncias. 
Jesus nos deixou o legado da paz, mas também o das aflições, para que 
esta paz seja gloriosa, porque é dada sobrenaturalmente por Ele a nós em 
meio às aflições. 
Assim a Sua vitória triunfa sobre todas as circunstâncias difíceis que 
possamos experimentar. 
A justiça de Cristo com a qual os crentes estão vestidos, e a justiça que a 
graça tem implantado neles e que se manifesta nas suas boas obras darão 
ocasião a que sejam perseguidos poraqueles que são contrários à verdade 
e que não amam a luz, senão as trevas. 
71 
Há portanto um combate estabelecido, não propriamente contra a carne 
e o sangue, mas contra os poderes das trevas. 
E o medroso não está habilitado a lutar as guerras de Cristo. Um homem 
possuído de temor não consulta o que é melhor, mas o que é mais seguro. 
Para poder salvar a sua pele e propriedade ele agirá contra a sua própria 
consciência. 
O temor fará o pecado parecer pequeno e o sofrimento grande. 
 O medo enfraquece e lança fora a coragem. 
O temor é a raiz da apostasia. 
Então Cristo exorta os crentes a lançarem fora o medo e estarem prontos 
a sofrerem por amor à justiça. 
A causa do evangelho deve triunfar ainda que seja necessário ser escrita 
a vitória com o derramamento do sangue dos crentes pelos seus 
perseguidores. 
O bom soldado de Cristo suporta o sofrimento como se afirma em II Tim 
2.3; sofrimento este que lhe sobrevém no bom combate da fé. 
 Jesus nos exorta à fidelidade mesmo em face da morte porque nos tem 
prometido a coroa da vida em Apo 2.10. 
Mas é preciso que um crente aprenda primeiro a negar-se a si mesmo, ou 
seja, a negar o seu ego, antes que ele possa carregar a cruz. 
O eu se levantará contra a cruz, mas um ego negado não poderá nos 
impedir de carregá-la e o eu será definitivamente crucificado por ela. 
O velho homem detesta a cruz, mas a nova criatura a ama e não se opõe 
a ela, e a carrega voluntariamente, assim como Jesus carregou a Sua cruz. 
Pela fé nós podemos resistir até o sangue como se vê em Hb 11.34. 
A fé é uma graça vitoriosa. 
A fé une o espírito a Cristo e é esta Cabeça santificada que dá força aos 
Seus membros, de modo que tudo podemos em Jesus que nos fortalece. 
Deus prometeu estar com os santos nos seus sofrimentos. 
Ele fez promessas de libertação de todas as tribulações dos justos. 
Ele está no controle de todas as perseguições que eles possam sofrer e 
nada lhes sucederá em sua fidelidade a Deus, sem que Ele o permita. 
Assim, em tudo o que têm que sofrer, devem aprender a ver a mão do 
Senhor em tudo, e a esperar nEle, enquanto devem prosseguir adiante 
fazendo a Sua santa vontade. 
Aquele que recusa sofrer perseguição nunca será livre de sofrer, pois terá 
sofrimentos internos de consciência, e em se tratando de incrédulos, 
terão que padecer um sofrimento no fogo eterno. 
72 
Estes sofrimentos presentes não podem impedir um homem de ser 
abençoado. 
Muitos julgam que bem-aventurados são os ricos e os que não sofrem, 
mas Jesus diz que bem-aventurado são os que sofrem por causa da justiça, 
pois isto comprova que de fato estão do Seu lado, que eles se converteram 
das trevas para a luz, e figuram agora entre aqueles que serão coroados 
no céu. 
Por isso Tiago diz que é bem-aventurado aquele que suporta a tentação 
em Tg 1.11,12. E Pedro diz em I Pe 3.14 que se alguém sofre por causa da 
justiça, é feliz. 
Não receberemos nossas coroas por causa dos nossos sofrimentos, senão 
por causa de Cristo e da Sua graça, mas nossos sofrimentos estabelecerão 
os diferentes graus de glória de nossas coroas e tronos. 
Os tronos mais elevados do Seu reino, Cristo tem reservado para os Seus 
mártires. 
Há pois grande recompensa em sofrer por amor ao evangelho e por Cristo. 
 
Os versos 11 e 12 são uma explicação da bem-aventurança do verso 10: 
 
“11 Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguiram e, 
mentindo, disserem todo mal contra vós por minha causa. 
12 Alegrai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardão nos céus; 
porque assim perseguiram aos profetas que foram antes de vós.” (Mt 
5.11,12). 
 
O Cristão e a Perseguição 
 
Por D. M. Lloyd Jones (traduzido e adaptado por Silvio Dutra, assim como 
todas as demais citações de Lloyd Jones) 
 
O texto de Mateus 5.11,12 é uma espécie de explicação da bem-
aventurança do verso 10 de que bem-aventurados são os perseguidos por 
causa da justiça. 
O crente é perseguido porque é uma certa classe de pessoa e atua de uma 
certa forma. 
Esta bem-aventurança segue imediatamente à dos pacificadores. O crente 
é perseguido porque é pacificador. 
73 
Ser justo, praticar a justiça, significa na realidade ser como o Senhor Jesus 
Cristo. 
Portanto, são bem-aventurados os que são perseguidos por serem como 
Ele. Os que são como Ele sempre sofrem perseguição. 
O Senhor mesmo nos disse que deveríamos saber que o mundo Lhe havia 
aborrecido, antes de aborrecer a nós, seus discípulos. E se caso fôssemos 
do mundo, o mundo amaria o que era seu, porém não somos do mundo, 
porque Ele nos escolheu do mundo, e é por isso que o mundo nos 
aborrece. E que por não serem os servos maiores do que o seu senhor, por 
isso assim como Lhe haviam perseguido, também nos perseguiriam (João 
15.18-20). 
Paulo disse que todos os que quiserem viver piedosamente em Cristo 
Jesus padecerão perseguição (II Tim 3.12). 
Este é o ensino. Vejamos como se coloca em prática em toda a Bíblia. Por 
exemplo, Abel foi perseguido por seu irmão Caim. Moisés foi sujeito a 
cruel perseguição. Vejamos a forma com que Davi foi perseguido por Saul, 
e a terrível perseguição que tiveram que sofrer Elias e Jeremias. Recordam 
a história de Daniel, e como foi perseguido? Cada um destes homens mais 
notáveis do Antigo Testamento referenda o ensino bíblico. Foram 
perseguidos, não porque foram de caráter difícil, nem por serem 
demasiado zelosos, senão simplesmente por serem justos. No Novo 
Testamento encontramos exatamente o mesmo. Pensem nos apóstolos, 
e na perseguição que tiveram que suportar. 
Me pergunto se alguém tem sofrido mais do que o apóstolo Paulo, apesar 
de sua amabilidade, gentileza e justiça. Leiam as descrições que faz de 
seus sofrimentos. Não surpreende que tenha dito que todos os que 
querem viver piedosamente em Cristo Jesus padecerão perseguição. Ele a 
conheceu e sofreu. Porém, não cabe dúvida que o exemplo supremo é o 
próprio Senhor. Ah! Nós o temos em toda sua perfeição absoluta, total, 
com toda sua amabilidade e mansidão, de quem se pôde dizer que não 
esmagaria a cana quebrada, e que não apagaria o pavio fumegante. Nunca 
ninguém foi tão amável e gentil. Porém, vejam o que lhe sucedeu e o que 
lhe fez o mundo. Leiam também a ampla história da Igreja Cristã e 
encontrarão que essa afirmação se tem cumprido sem cessar. Leiam as 
vidas dos mártires, de John Huss, dos pais protestantes. Leiam também a 
história moderna e, observem a perseguição que sofreram os líderes do 
avivamento evangélico do século dezoito. Não muitos têm conhecido o 
que é sofrer como Hudson Taylor, missionário à China, que viveu neste 
74 
século. Soube o que é viver submetido a violenta perseguição. É uma 
comprovação do que diz esta bem-aventurança. 
Quem persegue os justos? Quando alguém lê as Escrituras e a história da 
Igreja, descobre que a perseguição não somente é levada a cabo pelo 
mundo. Algumas perseguições mais violentas que os justos têm sofrido 
são das mãos da própria Igreja, das mãos de gente religiosa. 
Frequentemente tem sido realizada por crentes nominais. Tomemos o 
exemplo do próprio Senhor. Quem foram seus principais perseguidores? 
Os fariseus e os escribas, e os doutores da lei. Aos primeiros cristãos 
também, os que mais lhes perseguiram foram os judeus. Depois, leiam a 
história da Igreja, e verão a perseguição por parte da Igreja Católica a 
alguns daqueles homens da Idade Média que haviam visto a verdade e 
que trataram de vivê-la pacificamente. Como os perseguiram as pessoas 
religiosas nominais! Assim foi também com a história dos primeiros 
puritanos. Este é o ensino da Bíblia, e a história da Igreja a tem 
corroborado, que a perseguição pode chegar, não somente de fora como 
também de dentro. 
O cristianismo formal é frequentemente o maior inimigo da fé genuína. 
Porém vou fazer outra pergunta. Por que são perseguidos assim os justos? 
E sobretudo, por que são perseguidos os justos e não os bons e os nobres? 
A resposta, me parece, é muito simples. Aos bons e aos nobres se 
persegue muito poucas vezes porquea todos nos parece que são como 
nós mesmos em nossos melhores momentos. Pensamos: “eu também 
posso ser assim caso me proponha a sê-lo”, e os admiramos porque é uma 
maneira de acharmos a nós mesmos. Porém, os justos são perseguidos 
porque são diferentes. (levemos também principalmente em conta que há 
poderes espirituais malignos operando contra os filhos de Deus, e os 
demônios sabem reconhecer perfeitamente qual é a diferença essencial 
entre uma pessoa justificada pela fé, agora herdeira do céu, e aqueles que 
parecem justos aos olhos dos homens e a seus próprios olhos, e que na 
verdade estão ainda condenados ao inferno de fogo – nota do tradutor). 
Por isso os fariseus e os escribas odiaram a nosso Senhor. Não foi porque 
era bom, foi porque era diferente. Havia algo nEle que os condenava. 
Sentiam que Sua justiça lhes fazia parecer muito pouca coisa. E isto lhes 
desagradava. Os justos talvez, não digam nada; não condenam os ímpios 
por palavras, porém, ser o que são, de fato lhes condena, faz com que se 
sintam infelizes. Por isso os ímpios odeiam os justos e procuram encontrar 
faltas neles. O povo diz: “eu creio que se seja cristão, porém isso é 
75 
demasiado, é ir muito longe”. Esta foi a explicação para a perseguição de 
Daniel. Sofreu tanto porque era justo. Porém diziam: “Este homem nos 
condena com o que faz; temos que apanhá-lo em alguma falta”. 
Este é sempre o problema, e foi a explicação também no caso de nosso 
Senhor. Os fariseus o odiavam por sua santidade, justiça e verdade total e 
absoluta. 
É óbvio, pois, que de tudo isso se pode sacar certas conclusões. Em 
primeiro lugar, nos fala muito acerca de nossas ideias a respeito da Pessoa 
de Jesus Cristo. Se nosso conceito dEle é tal que o vejamos como alguém 
a quem os não cristãos têm que admirar e aplaudir, estamos equivocados. 
O efeito de Jesus sobre seus contemporâneos foi que muito lhe 
apedrejaram, lhe odiaram, e por fim decidiram matá-lo, preferindo a um 
assassino em vez dEle. Este é o efeito que Jesus sempre produz no mundo. 
Porém há outras ideias acerca dEle. Há pessoas mundanas que nos dizem 
que admiram a Jesus, porém é porque não o têm visto jamais. Se o 
tivessem visto, o odiariam como o odiaram Seus contemporâneos. Ele não 
muda; o homem sim, muda. Tenhamos pois, cuidado de que nossas ideias 
acerca de Cristo sejam tais que o homem natural não Lhe possa admirar 
ou aplaudir facilmente. 
Isto conduz à segunda conclusão. Esta bem-aventurança põe à prova 
nossas ideias acerca do que é o crente. O crente é como seu Senhor, e por 
isso o Senhor disse dele: “Ai de vós quando os homens falarem bem de 
vós! Porque assim fizeram seus pais com os falsos profetas” (Lc 6.26). E 
contudo, não é nossa ideia de que um crente perfeito é quem seja uma 
pessoa amável, popular, que nunca ofende aos demais, com quem é fácil 
de entender-se? Porém se esta bem-aventurança é verdade, esse não é o 
verdadeiro crente, porque o cristão de verdade é alguém ao qual nem 
todo mundo louva. Não louvaram a nosso Senhor, e nunca louvarão a 
quem é como Ele. 
A seguinte conclusão se refere ao homem natural, não regenerado, e é 
esta. A mente natural, como diz Paulo, é inimizade contra Deus. Ainda que 
fale de Deus, na realidade o odeia. E quando o Filho de Deus veio à terra 
o odiaram e crucificaram, e assim segue sendo a atitude do mundo em 
relação a Ele. 
Isto nos leva à última conclusão. O novo nascimento é uma necessidade 
absoluta se alguém quer chegar a ser um crente. Ser crente em última 
instância, é ser como Cristo, e ninguém nunca pode ser como Cristo sem 
mudar completamente. Devemos libertar-nos da velha natureza que 
76 
odeia a Cristo e à justiça; necessitamos de uma nova natureza que amará 
estas coisas e que O amará, e com isto, chegará a ser como Ele. 
Finalmente, façamos a nós esta pergunta: Sabemos o que é ser perseguido 
por causa da justiça? Para chegar a ser como Cristo temos que chegar a 
ser luz; a luz sempre dissipa as trevas, e por isso as trevas odeiam a luz. 
Não temos de ofender; não temos de ser néscios; não temos de ser 
temerários; nem sequer temos de exibir nossa fé. Não temos de fazer 
nada que atraia perseguição. Porém, por ser simplemente como Cristo a 
perseguição será inevitável. Todavia, isto é o glorioso. Alegremo-nos 
disso, dizem Pedro e Tiago. E nosso Senhor mesmo diz que somos bem-
aventurados, felizes, se somos assim. Porque se alguém é perseguido por 
causa de Cristo, por causa da justiça, em certo sentido, tem conseguido 
uma prova final do fato de que é um cristão, cidadão do reino dos céus. 
Porque a vós, escreve Paulo, não somente é concedido que creiais em 
Cristo, mas que padeçais por Ele (Fp 1.29). E contemplo a esses primeiros 
cristãos aos quais as autoridades perseguiram e lhes ouço darem graças a 
Deus porque por fim lhes havia considerado dignos de sofrer por seu 
nome. 
Queira Deus, por meio de seu Santo Espírito, dar-nos uma grande 
sabedoria, discrição, conhecimento e compreensão em tudo isto, a fim de 
que se tivermos que chegar a sofrer, possamos estar seguros de que é por 
causa da justiça, e possamos ter o consolo pleno desta gloriosa bem-
aventurança. 
 
Alegria na Tribulação 
 
Não há dúvida que Jesus sublinhou que o crente é diferente. 
Ele mesmo disse, como recordam que: “Não penseis que vim trazer paz à 
terra; não vim trazer paz à terra, mas espada” (Mt 10.34). Em outras 
palavras: “O efeito de meu ministério será divisão, inclusive entre pai e 
filho, e mãe e filha, e os inimigos do homem serão os da sua própria casa”. 
O evangelho de Jesus Cristo cria uma divisão bem marcada entre o que é 
crente e o que não é. 
O próprio não crente o demonstra perseguindo o crente. 
A forma como o persegue não importa; o fato é que seja na forma que for, 
vai fazê-lo. 
O não crente tem antagonismo ao crente. Por isso, como vimos, a última 
bem-aventurança é uma pedra de toque muito sutil e profunda do crente. 
77 
Há algo no caráter do crente, por ser semelhante a nosso Senhor, que 
sempre atrai perseguição. Ninguém tem sido perseguido neste mundo 
como foi o próprio Filho de Deus, e o servo não é maior do que o seu 
senhor. Por isso tem o mesmo destino. 
O não crente tende a perseguir e a dizer toda classe de mentiras contra o 
crente. Por que? Porque é basicamente diferente, e o não crente o vê. O 
crente não é como os demais somente com alguma mínima diferença, mas 
é essencialmente diferente. Tem uma natureza diferente e é um homem 
diferente. 
(Esta diferença entre o crente e o não crente não é causada por Deus, 
porque Ele não faz acepção de pessoas, e é Seu desejo que todos se salvem 
e cheguem ao conhecimento da verdade. Não é portanto Deus, quem 
impede qualquer pessoa de vir a Cristo para ser transformada por Ele num 
crente. É a própria pessoa que se endurece e que resiste a se submeter ao 
Senhor. Não reconhecendo portanto, que o propósito da sua criação por 
Deus foi para que O servisse e adorasse, em plena comunhão com Ele, 
baseada no amor. No entanto, como Deus é luz e santo, não é possível ter 
tal comunhão com Ele caso não permitamos o trabalho da graça no nosso 
coração, lavando-nos de nossos pecados e transformando-nos à 
semelhança de Jesus, para que possamos ser reconciliados em amizade e 
amor com o nosso Criador –nota do tradutor) 
O segundo princípio é que a vida do crente é dominada por Jesus Cristo, 
pela lealdade a Jesus, pela preocupação de tudo fazer por Cristo. 
Por que os perseguem? 
Porque vivem por Cristo. 
O objetivo de todo crente deveria ser viver por Cristo e já não por si 
mesmo. 
As pessoas andam em desacordo e se perseguem mutuamente, inclusive 
quando não são crentes, porém, não é por causa de Cristo. 
Todavia, os crentes não devem se sentir ofendidos pelo que lhes fazem. E 
devemos acrescentar algo a isto, porque estas coisas são muito sutis. 
Se conhecemos algo da psicologia de nossa alma e da vida cristã – 
empregando o termo “psicologia” em seu sentido verdadeiro e não no seu 
sentido moderno, pervertido – devemos dar-nosconta de que há de se 
dar um passo além. 
Nunca devemos deixar que a perseguição nos deprima. Não que se sinta 
desprezo por quem nos persiga, mas podemos dizer: “Por que deve ser 
assim? Por que me trata deste modo?” Em consequência, um sentimento 
78 
de depressão parece se apoderar da vida espiritual e se tende a perder o 
rumo da vida cristã. Isto é algo que nosso Senhor também censura. Ele diz 
em forma positiva e clara: “Regozijai-vos. Alegrai-vos”. 
Temos visto no estudo das bem-aventuranças que ninguém pode fazer-se 
cristão com seus próprios esforços. 
Alegrar-se pelas perseguições sofridas é completamente impossível para 
o homem natural. Nem sequer pode dominar o espírito de vingança. 
Somente o crente pode fazê-lo, não por causa do seu próprio poder, mas 
pela vida de Cristo que se manifesta nele. 
O crente não se alegra pela perseguição propriamente dita. Ao contrário, 
ela é algo pelo qual lamentar. A perseguição é algo que o crente sempre 
deve lamentar, porque causa dores, em razão de que homens e mulheres 
debaixo do domínio do pecado e de Satanás, se conduzem de forma muito 
inumana e maligna. 
Por que então é ordenado pelo Senhor que o crente se alegre na 
perseguição? A primeira razão, como já temos dito, é porque a 
perseguição que é por causa de Cristo, prova de quem é e para o que é. 
“Alegrai-vos porque grande é o vosso galardão nos céus, porque assim 
perseguiram aos profetas que foram antes de vós”. 
Por isso, se vêm que são perseguidos e que são ditas coisas más de vocês, 
por causa de Cristo, saibam que são como os profetas, que foram servos 
de Deus, e que agora estão se regozijando na glória de Deus. 
Este é o motivo porque temos que nos alegrar. Esta é uma das formas em 
que nosso Senhor converte tudo em vitória. Em certo sentido, faz inclusive 
com que o próprio diabo seja causa de bênção. O diabo, por meio de seus 
agentes persegue ao crente e o faz infeliz. Porém se considerarmos isto 
numa perspectiva adequada, encontramos razão para nos alegrarmos. 
Então podemos dizer ao diabo: “graças a você, está sendo demonstrado 
que sou filho de Deus, porque se não fosse, nunca me perseguirias assim 
por causa de Cristo, e não haveria em mim poder para me alegrar em meio 
a tais perseguições.” 
 
Logo após as bem-aventuranças Jesus disse que os crentes são o sal da 
terra e a luz do mundo (v. 13 a 16). Para comentar este tema, 
continuaremos transcrevendo adaptações de sermões que traduzimos, de 
autoria de Lloyd Jones. 
 
 
79 
O SAL DA TERRA 
 
“13 Vós sois o sal da terra; mas se o sal se tornar insípido, com que se há 
de restaurar-lhe o sabor? para nada mais presta, senão para ser lançado 
fora, e ser pisado pelos homens. 
14 Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada 
sobre um monte; 
15 nem os que acendem uma candeia a colocam debaixo do alqueire, mas 
no velador, e assim ilumina a todos que estão na casa. 
16 Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as 
vossas boas obras, e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus.” (Mt 5.13-
16) 
 
Chegamos agora a uma nova seção do Sermão do Monte. Nos versículos 
3 a 12 de Mateus 5, nosso Senhor e Salvador tem esboçado o caráter do 
cristão. Aqui no versículo 13 dá um passo mais além e aplica sua descrição. 
Uma vez visto o que é o crente, agora passamos a considerar como o 
crente deveria manifestar o que é. Ou, se preferem, havendo dado conta 
do que somos, agora devemos passar a considerar o que devemos ser. 
O crente não é alguém que viva isolado. Está no mundo, embora não 
pertença a ele, e tem relação com o mundo. 
Na Bíblia sempre se encontram as duas coisas juntas. É dito ao crente que 
não deve ser do mundo nem em ideias, nem em perspectiva, porém, isto 
nunca significa que se separe do mundo. Esse foi o erro do monasticismo, 
o qual ensinava que viver a vida cristã significava, necessariamente, 
separar-se da sociedade e viver uma vida de contemplação. 
Isto é negado constantemente na Escritura, sobretudo neste versículo que 
temos começado a estudar, onde nosso Senhor chega às conclusões do 
que havia dito anteriormente. 
Notem que em I Pe 2, Pedro faz exatamente o mesmo. Diz: “Mas vós sois 
a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido, para 
que anuncieis as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua 
maravilhosa luz;” (I Pe 2.9). 
Em nossa passagem diz-se exatamente o mesmo. Somos pobres de 
espírito, misericordiosos, mansos, temos fome e sede de justiça, a fim de 
que, num sentido, possamos ser o sal da terra. Passamos, pois, da 
contemplação do caráter do crente à consideração da função e propósito 
do crente neste mundo, segundo a mente e propósito de Deus. 
80 
Em outras palavras, nestes versículos que seguem imediatamente, nos é 
explicado de forma muito clara a relação do crente com o mundo em 
geral. 
Em certo sentido podemos dizer que esta questão da função do crente no 
mundo é hoje em dia um dos assuntos mais prementes com o qual se 
enfrenta tanto a igreja como cada um dos crentes dos nossos dias. 
É claro que trata de um tema muito vasto, e em muitos aspectos 
aparentemente difícil, porém a Escritura trata do mesmo com muita 
clareza. 
No versículo que estamos estudando temos uma exposição muito 
característica do ensino bíblico típico relativo ao mesmo. Parece-me que 
é importante devido à situação do mundo. Como vamos estudar os 
versículos 11 e 12, a muitos de nós pode muito bem parecer que seja um 
problema mais difícil. 
Vemos aí que é provável que soframos perseguição, à medida que o 
pecado que há no mundo, se estenda mais, e é provável que a perseguição 
à igreja seja incrementada. 
De fato, como sabem, há muitos crentes no mundo de hoje que já estão 
passando por isso. Sejam quais forem, pois, as circunstâncias nas que nos 
achemos, nos convém pensar nisto com muito cuidado, a fim de que 
saibamos orar adequadamente por nossos irmãos e ajudá-los com 
conselhos e instruções. 
À parte do fato da perseguição, contudo este problema é premente, 
porque se nos apresenta no país nesta hora. Qual deve ser a relação do 
crente com a sociedade e com o mundo? 
Estamos no mundo, não podemos sair dele, porém o problema vital é: que 
podemos fazer como crentes numa situação como essa? Sem dúvida 
estamos diante de um problema essencial, que devemos analisar. 
Neste versículo temos a resposta ao mesmo. Antes de tudo, consideremos 
o que diz o texto sobre o mundo, e logo o que diz acerca do crente no 
mundo. 
“Vós sois o sal da terra”. Isto não somente descreve o crente, descreve 
indiretamente o mundo no qual se acha o crente. Equivale neste lugar à 
humanidade em geral, aos que não são crentes. Qual, pois, é a atitude 
bíblica diante do mundo? Não há imprecisão nenhuma quanto ao ensino 
bíblico a este respeito. 
Chegamos, de muitas maneiras, ao problema crucial do século vinte, que 
é indubitavelmente um dos períodos mais interessantes que o mundo tem 
81 
conhecido. Não duvido em afirmar que nunca houve um século que tenha 
demonstrado tão bem como é atual a verdade do ensino bíblico. É um 
século trágico, e o é sobretudo porque a vida do mesmo tem destruído 
completamente a filosofia preferida que havia idealizado. 
Como sabem, nunca houve um período do qual se houvesse esperado 
tanto. É realmente patético ler os prognósticos dos pensadores (assim 
chamados), filósofos, poetas e líderes até finais do século dezenove. Quão 
triste é ver este otimismo, fácil e confiante que tiveram, tudo o que 
esperavam do século vinte, a época dourada que iria chegar. Tudo se 
baseava na teoria da evolução, não somente no sentido biológico, como 
também no filosófico. A ideia principal era que toda a vida progrediria, se 
desenvolveria, avançaria. Isto nos era dito num sentido biológico; o 
homem havia procedido do animal e havia chegado a uma certa fase de 
desenvolvimento. 
Porém, este progresso era enfatizado mais em função da ideologia, do 
modo de pensar e perspectivas do homem. Não iria mais fazer guerras, 
muitasenfermidades seriam vencidas, o sofrimento iria não somente 
diminuir, senão desaparecer. Iria ser um século surpreendente. A maior 
parte dos problemas seria resolvida, porque o homem havia finalmente 
começado a pensar. 
As massas, por meio da educação, não iriam mais se entregar à 
embriaguez e ao vício. E como as nações iriam aprender a pensar e a se 
reunir para conversar em vez de começar a guerrear, todo o mundo iria se 
converter rapidamente num paraíso. 
Não estou caricaturizando a situação, porque se cria em tudo isto com 
muita confiança. Por meio de leis parlamentares e reuniões internacionais 
iriam resolver todos os problemas, agora que o homem havia começado 
por fim a usar a cabeça. 
Não muitos dos que vivem no mundo de hoje, porém, creem nisto. 
Alguma vez ou outra, contudo, aparece algum elemento deste ensino, 
mas já não é algo sobre o que haja o que se discutir. 
Recordo que faz muitos anos quando comecei a pregar, que dizia isto 
mesmo em público, e frequentemente me tinham por uma pessoa rara, 
por ser pessimista, por ser alguém que seguia uma teologia que havia 
saído de moda. Porque o otimismo liberal prevalecia naquela ocasião, 
apesar da primeira guerra mundial, todavia já não é assim. Se tem 
reconhecido a falácia desse modo de pensar e aparecem livros que atacam 
toda essa ideia confiante do progresso inevitável. 
82 
A Bíblia sempre tem ensinado isto, e nosso Senhor o diz com perfeição 
quando afirma: “vós sois o sal da terra”. Que implica isto? Implica com 
clareza a corrupção da terra, implica uma tendência à contaminação a se 
converter em algo fétido e podre. É isto o que a Bíblia diz acerca do 
mundo. É um mundo caído, pecaminoso e mal. Tende ao mal e às guerras. 
É como a carne que tem tendência a se decompor. É algo que somente se 
pode conservar em bom estado com a ajuda de algum preservativo ou 
antisséptico. 
Como consequência do pecado e da queda, a vida no mundo em geral 
tende a se decompor. Essa, segundo a Bíblia, é a única ideia adequada que 
se pode ter da humanidade. Longe de haver na vida e no mundo uma 
tendência a ascender, o que se dá é o oposto. O mundo, por si mesmo, 
tende a se infectar. Há nele germes do mal, micróbios, agentes infecciosos 
no próprio corpo dos homens que a não ser que sejam controlados, 
causam enfermidades. Isto é algo obviamente básico e primordial. Nossa 
ideia do futuro depende disso. Se alguém tem isto diante de si, então 
entenderá muito bem o que tem sucedido neste século. Num sentido, 
portanto, nenhum crente deveria se sentir surpreendido o mínimo que 
seja pelo que vem ocorrendo. Se essa posição bíblica é acertada, então o 
surpreendente é que o mundo seja todavia bom, porque em sua vida e 
natureza mesmas há tendência à putrefação. 
A Bíblia contém muitas ilustrações disso. Sua manifestação aparece já no 
primeiro livro. Deus havia feito o mundo perfeito, porém devido ao 
pecado, este elemento pecaminoso e contaminador começou a se fazer 
ver. Leiam o capítulo sexto de Gênesis e verão o que Deus diz: “Não 
contenderá o meu Espírito com o homem para sempre”. A contaminação 
havia chegado a ser tão grande, que Deus teve que enviar o dilúvio. Depois 
dele pôde começar de novo, porém este princípio mau seguiu se 
manifestando até chegar a Sodoma e Gomorra com seus incríveis 
pecados. Isto é o que a Bíblia nos apresenta sem cessar. Esta tendência 
persistente à putrefação sempre se manifesta. 
É evidente, pois, que este fato deve dirigir nosso pensamento e nossas 
previsões relativas à vida neste mundo, e relativas ao futuro. O que 
muitos se perguntam hoje é: Que nos espera? Se não colocamos este 
ensino bíblico no centro do nosso pensamento, nossas profecias serão 
necessariamente falsas. O mundo é mau, pecador e mostrar-nos otimistas 
em relação ao mesmo não é somente totalmente antibíblico senão que 
vai contra a tudo o que a própria história nos ensina. 
83 
Passamos contudo, ao segundo aspecto desta afirmação porque ela é 
mais importante. Que se diz ao crente que está no mundo, ao tipo de 
mundo a que temos nos referido? Se diz que tem que ser como sal “vós, 
somente vós” – porque isto exige o texto – “sois o sal da terra”. Que nos 
diz isto? Primeiro é o que temos recordado ao estudar as bem-
aventuranças. Somos distintos do mundo. Não faz falta insistir nisto, 
porque é perfeitamente óbvio. O sal é essencialmente diferente daquilo 
em que é colocado, e num sentido exercita todas suas qualidades sendo 
diferente. Como diz nosso Senhor – “se o sal perder o seu sabor, com que 
se salgará? Não serve mais para nada, senão para ser lançado fora e 
pisado pelos homens”. 
A característica mesma da condição do sal indica uma diferença, porque 
um pouquinho de sal é percebido imediatamente, mesmo numa grande 
massa. A não ser que tenhamos uma ideia clara acerca disto, nem sequer 
podemos começar a pensar acertadamente sobre o que seja a vida cristã. 
O crente é diferente dos demais. É tão diferente como o é o sal da carne 
na qual ele é colocado. Esta diferença externa todavia tem que ser 
enfatizada e sublinhada. 
O crente não somente tem que ser diferente, tem que se gloriar nesta 
diferença. Tem de ser tão diferente dos demais como o Senhor Jesus Cristo 
foi no mundo em que viveu em seu ministério terreno. O crente é uma 
classe distinta, única, notável de pessoas, tem de haver nele algo que o 
distinga, e que se reconheça óbvia e claramente. Que cada um, pois, se 
examine. 
Porém, continuemos a considerar mais diretamente a função do crente. 
Nisto o problema se apresenta um pouco mais difícil e frequentemente 
discutível. Parece-me que a primeira coisa que o Senhor sublinha é que 
uma das funções principais do crente em relação à sociedade é negativa. 
Qual é a função do sal? Alguns dirão que é dar saúde, que dá vida e saúde, 
porém me parece que isto é uma ideia muito equivocada da função do sal. 
Sua missão não é dar saúde, é impedir a putrefação. 
A função principal do sal é preservar e atuar como antisséptico. Tomemos, 
por exemplo um pedaço de carne. Há certos germes em sua superfície que 
talvez tenham penetrado na mesma, vindos do próprio animal ou da 
atmosfera, e corre o perigo de apodrecer. A função do sal com o qual se 
cobre a carne é preservá-la contra estes agentes que tende a apodrecê-la. 
A função principal do sal, portanto, é negativa e não positiva. Este 
postulado é fundamental. Não é a única função do crente no mundo, 
84 
porque, como veremos adiante, também temos de ser a luz do mundo, 
porém, em primeiro lugar isto tem de ser nosso efeito como crentes. 
Pergunto-me: Quantas vezes pensamos sobre nós desta forma, como 
agentes do mundo com a função de prevenir este processo concreto de 
putrefação e decomposição? 
Outra função subsidiária do sal é dar sabor, ou impedir que os alimentos 
sejam insípidos. Esta é sem dúvida outra função do sal (se adequada ou 
não, não me compete discuti-la) e é muito interessante observá-la. 
Segundo esta afirmação, portanto, a vida sem o cristianismo é insípida. 
Não prova isto o mundo de hoje? Observemos a obsessão com prazeres. 
É evidente que a pessoa acha a vida monótona e aborrecida, de maneira 
que deve ir passando de um prazer a outro, porém o crente não necessita 
destes passatempos porque tem um sabor na vida – sua fé cristã. Se isto 
lhe falta, é porque o seu sal está perdendo o sabor, por sua negligência 
quanto à sua santificação e devoção ao Senhor, que é Aquele que salga a 
nós mesmos. 
Tiremos o cristianismo da vida e do mundo, e no que a vida tão insípida 
se converte, sobretudo quando alguém envelhece ou se encontra no leito 
de morte? Carece completamente de gosto, por isso os homens têm de se 
drogar de diferentes maneiras, ou com narcóticos, ou com música, ou com 
qualquer outra coisa deste mundo. 
O crente, pois, primeiramente e sobretudo, deveria ter essa função, 
porém como consegui-la? Aqui encontramos a resposta. Vou apresentá-la 
primeiro no que considero como ensino positivo do Novo Testamento. 
Depois poderemos examinarcertas críticas. Neste caso, creio que a 
distinção vital é entre a igreja como tal e o crente individual. Alguns dizem 
que os crentes deveriam atuar como sal da terra, por meio de 
pronunciamentos da Igreja quanto à situação geral do mundo 
relativamente a problemas políticos, econômicos e internacionais ou 
outros semelhantes. Dizem que o crente funciona como sal da terra nesta 
forma geral, por meio destes comentários acerca da situação do mundo. 
Agora, a meu juízo, esta é uma interpretação errônea do ensino bíblico. 
Desafiaria a qualquer um que me mostre este ensino no Novo 
Testamento. “Ah, dizem, encontra-se nos profetas do Antigo 
Testamento”. Sim, porém a resposta é que no Antigo Testamento a Igreja 
era a nação de Israel e não havia distinção entre Igreja e Estado. Os 
profetas teriam portanto que se dirigir à nação toda e falar acerca de toda 
a sua vida, porém a Igreja no Novo Testamento não está identificada com 
85 
nenhuma nação nem nações. A consequência é que nunca se encontra o 
apóstolo Paulo ou nenhum outro apóstolo que faça comentários acerca 
do governo do Império Romano; nunca os encontramos enviando 
resoluções à Corte imperial para que se fizesse isso ou aquilo. Não, nunca 
se encontra isto na Igreja, tal com aparece no Novo Testamento. 
Sugiro, portanto, que o crente tenha de funcionar como o sal da terra num 
sentido muito mais individual. Ele o faz com sua vida e conduta individual, 
sendo o que é em todos os âmbitos nos quais se encontre. Por exemplo, 
um grupo de pessoas talvez esteja falando de uma forma indigna. De 
repente um crente entra a formar parte do grupo e imediatamente sua 
presença produz efeito. Não diz uma palavra, porém os demais começam 
a mudar a forma de falar. Está atuando como sal e está controlando a 
tendência da putrefação e decomposição. Somente por ser crente, devido 
à sua vida e conduta geral já está controlando esse mal que estava se 
manifestando, como faz em todos os âmbitos e situações. Pode fazê-lo, 
não somente em sua condição privada em sua casa, no trabalho, na 
oficina, ou em qualquer lugar em que se encontre, senão também como 
cidadão no país em que vive. Aí se torna importante a diferença, porque 
nesta matéria tendemos a ir de um erro a outro. Alguns dizem: “Sim, tem 
toda a razão, não compete à Igreja como tal intervir em assuntos políticos, 
econômicos ou sociais. O crente não tenderia a se ocupar para nenhum 
destes assuntos, o crente não deve votar, não tem por que intervir no 
controle dos negócios e da sociedade”. Isto, segundo creio, é igualmente 
falacioso, porque o crente como indivíduo, como cidadão de um estado, 
tem de se preocupar com estas coisas. Pensem em grandes homens, como 
o Lord Shaftesbury e outros, os quais como cristãos e cidadãos, 
trabalharam tanto em relação à melhoria das leis e das condições do 
trabalho nas fábricas. Pensem em William Wilberforce e em todos os que 
se empenharam na abolição da escravatura. Como cristãos, somos 
cidadãos de um país e temos responsabilidade como tal, e por isso 
devemos atuar como sal indiretamente em muitos aspectos, porém isto é 
muito diferente de que a Igreja o faça. 
Alguém poderia perguntar: “Por que faz esta distinção?”. Quero 
responder esta pergunta. A missão principal da igreja é evangelizar e 
pregar o evangelho. Pensemos nisto. Se a Igreja cristã de hoje passasse a 
maior parte do tempo acusando o comunismo, parece-me que a 
consequência principal seria que os comunistas não escutariam a 
pregação do evangelho. Se a Igreja sempre acusa uma parte da sociedade, 
86 
estará fechando a porta da evangelização a esta parte. Se pegarmos a 
ideia que tem o Novo Testamento destes assuntos devemos crer que o 
comunista tem alma que deve ser salva igual a todo mundo. É minha 
missão, como pregador do evangelho e representante da Igreja, 
evangelizar aos homens de todas as classes e condições. 
Quando a Igreja começa a intervir em assuntos políticos, econômicos e 
sociais, se põem obstáculos à tarefa evangelística que Deus lhe tem 
designado. Já não poderia dizer que não conheço a ninguém segundo à 
carne, e por isso pecaria. Que cada indivíduo desempenhe seu papel como 
cidadão e permaneça no partido político que escolher. Isto terá que 
decidir como indivíduo. A Igreja como tal não tem de se preocupar com 
essas coisas. Nossa missão é pregar o evangelho e levar a mensagem de 
salvação a todos, e, graças a Deus, os comunistas podem se converter e 
serem salvos. A Igreja tem que se preocupar com o pecado em todas as 
suas manifestações, e o pecado pode ser tão terrível num capitalista como 
num comunista, num rico como num pobre, pode se manifestar em todas 
as classes sociais, em todos os tipos e grupos. 
Outra forma em que funciona este princípio pode ser vista no fato que, 
depois de cada avivamento e reforma na Igreja, toda a sociedade tem 
recolhido os benefícios. Leiam o relato dos grandes avivamentos e o 
verão. Por exemplo, no avivamento que ocorreu sob Richard Baxter em 
Kiderminster, na Inglaterra, no século XVII, não somente os crentes se 
avivaram, senão muitos que não eram crentes se converteram e entraram 
na Igreja. Além disso, toda a vida da cidade sentiu os efeitos; e o mal, o 
pecado e o vício se reduziram. Isto ocorreu porque a Igreja censurou estas 
coisas, não porque a Igreja persuadiu o Governo para que promulgasse 
leis, senão pela simples influência dos crentes. Assim tem sido sempre. 
Sucedeu o mesmo nos séculos XVII e XVIII e no começo deste século no 
avivamento que ocorreu em 1904-5. Os crentes, sendo o que devem ser, 
influenciam a sociedade de forma quase automática. 
Prova disto se encontra na Bíblia e também na história da Igreja. No 
Antigo Testamento, depois de cada reforma e avivamento houve 
benefícios gerais para a sociedade. Recordemos também a Reforma 
Protestante e veremos imediatamente que afetou a vida em geral. O 
mesmo é verdade quanto à Reforma Puritana. Não me refiro às leis do 
Parlamento que os Puritanos conseguiram promulgar, senão a sua forma 
geral de vida. Historiadores competentes estão de acordo em dizer que o 
que salvou este país de uma revolução como a que sofreu a França em fins 
87 
do século XVIII não foi senão o avivamento evangélico. E isto ocorreu não 
porque fizera algo diretamente, senão porque massas de indivíduos 
haviam se tornado cristãos e viveram esta vida melhor com uma 
perspectiva mais elevada. Toda a situação política percebeu os efeitos, e 
as grandes leis que se promulgaram no século passado se deveram 
sobretudo ao fato de que havia muitos cristãos no país. 
Finalmente, não é por acaso o presente estado da sociedade e do mundo 
uma prova perfeita deste princípio? Creio que é certo que nos últimos 
cinquenta anos a Igreja Cristã tem prestado mais atenção direta a 
assuntos políticos, econômicos e sociais que nos cem anos anteriores. 
Todos temos ouvido falar do significado social do cristianismo. As 
Assembleias Gerais de Igrejas e de distintas denominações têm enviado 
aos governos pronunciamentos e resoluções. Todos nos temos 
interessado muito pela aplicação prática, porém qual é o resultado? 
Ninguém pode discuti-lo. O resultado é que estamos vivendo numa 
sociedade que é muito mais imoral que há cinquenta anos, em que cada 
dia vão aumentando o vício e a violação da lei. Não está claro que ninguém 
pode fazer estas coisas senão na forma bíblica? Embora tentemos 
consegui-las diretamente através da aplicação de princípios, descobrimos 
que não podemos alcançá-lo. O problema principal é que há poucos 
crentes, e os que são crentes não são suficientemente salgados. Com isto 
não quero dizer “agressivos”, quero dizer crentes no sentido genuíno. 
Devo admitir também que não se pode dizer de nós que quando entramos 
numa casa, os ali presentes mudam logo em seguida na forma de falar e 
conversar, precisamente porque temos chegado. Aí é onde fracassamos 
lamentavelmente. Um só homem verdadeiramente santo irradia esta 
influência, o grupo em que se encontra sentirá sua influênciae presença. 
O problema é que o sal se tem tornado insípido em tantos casos; e não 
influímos os demais sendo santos na forma que deveríamos. Embora a 
Igreja faça grandes pronunciamentos acerca da guerra, da política e de 
outros temas importantes, o homem comum não se sente afetado; porém 
se temos num tribunal a quem seja um cristão verdadeiro cuja vida tenha 
sido transformada pela ação do Espírito Santo, este alguém afetará aos 
que o rodeiam. 
Assim, podemos atuar como sal da terra em tempos como os nossos. Não 
é algo que possa fazer a Igreja em geral, é algo que deve ser feito por cada 
crente individualmente. É o princípio de infiltração celular. Um pouco de 
sal produz efeito na grande massa devido à sua qualidade essencial que 
88 
de uma forma ou outra penetra tudo. Parece-me que este é o grande 
chamamento que nos fazem tempos como estes. Contemplemos a vida e 
a sociedade neste mundo. Não é evidente que esteja corrompida? 
Contemplemos a decomposição que se tem apoderado de todas as classes 
de pessoas. Contemplemos tantos divórcios e separações, tantas chacotas 
que fazem com o que é mais santo na vida, esse aumento da embriaguez 
e desperdício. Estes são os problemas, e é evidente que não se pode 
solucionar por meio de leis. Os periódicos não parecem nem tocar nisso. 
De fato nada o resolverá, salvo a presença de um número cada vez maior 
de crentes que controlem a putrefação, a contaminação, a decomposição, 
o mal e o vício. Cada um de nós em nosso círculo, pode controlar este 
processo, e assim, toda a massa se preservará. 
Que Deus nos dê graça para examinarmos à luz desta ideia tão sincera. A 
grande esperança da sociedade de hoje está no número cada vez maior de 
cristãos. Crentes genuínos e que vivam a genuína vida cristã. Que a Igreja 
de Deus se dedique a isso e não a gastar energias e tempo em assuntos 
que não lhe competem. Que cada cristão se assegure de que possui esta 
qualidade essencial de ser sal, de que por ser o que é, constitui um 
controle ou antisséptico na sociedade, impedindo-lhe que se corrompa, e 
que volte, talvez, a uma época de trevas. 
Antes do avivamento Metodista, a vida em Londres, como se pode ver nos 
livros que se escreveram desde então, era quase incrível como havia tanta 
embriaguez, vícios e imoralidades. Não corremos o perigo de retornar a 
isto? Acaso nossa geração não está em decadência de uma forma visível? 
Somos vocês e eu e outros como nós, crentes, os únicos que podemos 
impedi-lo. Que Deus nos dê a graça de fazê-lo. 
Suscita em nós o dom, Senhor, e faça-nos tais que sejamos realmente 
como o Filho de Deus e influenciemos todos os que entrem em contato 
conosco. 
 
QUE VOSSA LUZ BRILHE 
 
Logo após ter concluído o discurso sobre as bem-aventuranças em Mt 5.1-
12, Jesus afirmou imediatamente em seguida que o crente é o sal da terra 
(v. 13) e a luz do mundo (v.14), e ao desdobrar o significado de ser o crente 
tal luz do mundo Ele disse o seguinte em Mt 5.14b-16: “não se pode 
esconder uma cidade edificada sobre um monte; nem se acende a candeia 
e se coloca debaixo do alqueire, mas no velador, e dá luz a todos que estão 
89 
na casa. Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam 
as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus.”. 
Jesus queria que todos os crentes, de todas as épocas, vissem com clareza 
que nós somos o que Ele nos tem feito a fim de que façamos algo. Este é 
o tema que se encontra ao longo de toda a Bíblia. 
Isto se vê muito bem na afirmação do apóstolo Pedro: 
“Mas vós sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo 
adquirido, para que anuncieis as virtudes daquele que vos chamou das 
trevas para a sua maravilhosa luz;” (I Pe 2.9). 
Este é o tema, em certo sentido, de todas as cartas do Novo Testamento, 
o qual nos demonstra uma vez mais que é tolo considerar o Sermão do 
Monte como destinado tão somente a alguns crentes que viverão numa 
época ou dispensação futura. A Igreja não deve aceitar o ensino que a 
santidade é algo para ser vivido somente no porvir mas é essencialmente 
necessário que o crente cumpra o propósito de Deus de que viva como sal 
e luz neste mundo, porque o ensino dos apóstolos, como vimos em nosso 
estudo, na introdução geral ao Sermão do Monte, não é somente uma 
elaboração do que temos aqui. 
Suas cartas nos dão muitos exemplos de como se põe em prática isto que 
estamos estudando. 
Em Filipenses 2.15,16, o apóstolo Paulo descreve os crentes como luzeiros 
no mundo, e lhes exorta por isso a reterem a Palavra da vida. 
Ele emprega constantemente a comparação da luz com as trevas para 
mostrar como o crente atua na sociedade, por ser cristão. 
Nosso Senhor parece muito desejoso de deixar isto bem impresso em nós. 
Temos que ser o sal da terra. Muito bem, porém recordemos: se o sal 
perde o sabor, com que será salgada? Não serve mais para nada senão 
para ser lançado fora e pisado pelos homens. 
Somos a luz do mundo. Contudo, recordemos que não se pode esconder 
uma cidade edificada sobre um monte. Nem se acende uma luz para ser 
colocada debaixo de um cesto, mas sim num candelabro, e assim ilumina 
todos os que estão na casa. Logo temos esta exortação final que sintetiza 
tudo: “Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam 
as vossas boas obras, e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus.” (Mt 
5.16). 
Em razão da forma como Jesus põe isto em relevo torna-se óbvio que 
devemos examiná-lo. Não basta somente recordar que temos de atuar 
como sal na terra ou como luz no mundo. Devemos compreender também 
90 
o fato de que isto deve se converter no mais importante da vida, pelas 
razões que vamos estudar. Talvez a melhor maneira de fazê-lo é 
apresentá-lo em forma de afirmações ou proposições sucessivas. 
O que deve primeiro ser examinado é o por quê do nosso dever de sermos 
sal e luz como cristãos, e por que devemos desejar sê-lo. 
Parece-me que nosso Senhor apresenta três razões básicas. 
A primeira é que, por definição, temos que ser assim. 
As comparações que emprega sugerem esse ensino. 
O sal é para salgar, nada mais. 
A luz tem como função e propósito iluminar. 
Devemos começar por aí e darmo-nos conta de que estas coisas são 
evidentes por si mesmas e não necessitam de ilustração. 
Porém, quando dizemos isto, não tende a agir como uma forma de 
reprovação para nós? 
Somos muito propensos a esquecer estas funções essenciais do sal e da 
luz. 
À medida que avançarmos na exposição, creio que concordarão que 
necessitamos que isto nos seja recordado constantemente. 
A lâmpada, como diz nosso Senhor, é suspensa e fixada para que ilumine 
a casa. 
O propósito é que a luz se difunda no ambiente. 
Esta, portanto, é nossa primeira afirmação. Temos que dar-nos conta do 
que é o cristão, por definição, e esta é a definição que nosso Senhor nos 
deu acerca do que ele é. 
Portanto, desde o começo, quando partimos para descrever o crente a 
nosso modo, esta definição nunca deve incluir menos que isso. O essencial 
nele é isto: “sal e luz”. 
Porém passemos à segunda razão. Parece-me que é a de que nossa 
posição não é somente contraditória senão ridícula se não atuamos assim. 
Temos que ser como uma cidade edificada sobre um monte. E uma cidade 
edificada sobre um monte não pode ser escondida. Noutras palavras, se 
somos verdadeiros crentes isto não pode ser escondido. Ou dito ainda de 
outra maneira, o contraste entre nós e os demais tem que ser totalmente 
evidente e perfeitamente óbvio. 
Porém, nosso Senhor não se deteve aí, e foi mais além. Pede-nos, que 
imaginemos a alguém que acende uma luz e imediatamente a coloca 
debaixo de um cesto em vez de colocá-la num candelabro. 
91 
Certos comentaristas antigos têm dedicado muito tempo para definir o 
que seja alqueire, às vezes com resultados curiosos. Mas a mim, me 
parece que o importante é saber que se oculta a luz, e não importa muito 
o modo de se fazer isto. 
O que nosso Senhor diz é, que isto é um procedimento ridículo e 
contraditório. O propósito deacender uma luz é para que ilumine. E todos 
estaremos de acordo que é totalmente ridículo que alguém a cubra com 
algo que lhe impede de alcançar este propósito. 
Sim, mas recordemos o que nosso Senhor está falando acerca de nós, 
como crentes. Existe o perigo, ou pelo menos a tentação, de que o crente 
se comporte dessa forma ridícula e vã, e por isso isto é sublinhado deste 
modo. 
Parece dizer “não se escondam deliberadamente”, “não ocultem a luz que 
vocês são”, “porque devem ser como a cidade edificada num monte, que 
não pode ser ocultada. Como podem então ocultar esta luz 
deliberadamente?” 
Passemos à última fase de sua argumentação. Fazer isto, segundo nosso 
Senhor, é nos tornarmos totalmente inúteis. Isto é chocante, e não cabe 
dúvida de que emprega estas duas comparações para ressaltar este ponto 
concreto. O sal sem sabor para nada serve, tanto como uma luz que foi 
acesa e acabou sendo ocultada. E isto se aplica a tudo o mais. Tomemos 
as flores, por exemplo, quando estão vivas são muito formosas e 
perfumadas, porém quando morrem não se tornam completamente 
inúteis? Por isso são jogadas fora ou podem ser usadas como esterco. 
Assim ocorre com muitas outras coisas. Elas se tornam inúteis quando sua 
função principal já não se realiza. 
Todavia, servem para alguma outra função secundária. Porém o 
extraordinário no caso do sal é que enquanto deixa de salgar não serve 
para mais nada. Torna-se até difícil saber o que se possa fazer com ele 
nesta condição imprestável, porque não serve sequer para adubo. Deixa 
de ter qualquer função, e por isso é lançado fora. 
O mesmo ocorre com a luz. Sua característica essencial é iluminar e não 
tem realmente nenhuma outra função. Sua qualidade essencial é sua 
única qualidade, e uma vez que a perde, torna-se completamente inútil. 
Segundo a argumentação de nosso Senhor, isto é o que há para se dizer 
do crente. E isto é de uma lógica inevitável, porque não há nada no 
universo de Deus que seja mais inútil do que um crente puramente de 
aparência. 
92 
O apóstolo Paulo descreve isto quando fala de certas pessoas que teriam 
aparência de piedade, porém negavam a eficácia dela. Parecem cristãos 
porém não são. Desejam apresentar-se como cristãos, porém não agem 
como tais. São sal sem sabor, luz sem lume, se é possível se imaginar algo 
assim. Talvez seja possível quando pensamos na ilustração da luz 
escondida debaixo do cesto. Quando pensamos na experiência de 
observação de alguém específico, vemos o quanto isto é uma pura 
verdade. 
O crente nominal sabe bastante do cristianismo, para que o mundo lhe 
considere incômodo, porém não sabe o suficiente para ser útil para o 
mundo. 
Não está de acordo com o mundo porque sabe o suficiente para temer 
certas coisas, e os que vivem como mundanos sabem que ele deseja ser 
diferente e que não pode ser como aqueles que são do mundo. 
Por outro lado, não tem uma verdadeira comunhão com os crentes. Possui 
um “cristianismo” suficiente para fazer com que os demais se percam, 
porque ninguém se converterá com o seu testemunho e ensino, porém 
não o suficiente para torná-los felizes, para dar-lhes paz, alegria e 
abundância de vida. 
Parece-me que essas pessoas são as mais infelizes do mundo. Não atuam 
nem como mundanas, nem como cristãs. Não são nada, nem sal nem luz, 
nem uma coisa nem outra. E de fato, vivem como párias, párias, por assim 
dizer, do mundo e da Igreja. Não querem considerar-se como sendo do 
mundo, enquanto que por outro lado, não participam da plena vida da 
Igreja. Assim o sentem eles próprios e os demais. Sempre há essa barreira. 
São párias. Ou são mais do que isso, em certo sentido, porque o que é 
completamente mundano não pretende coisa alguma, porque pelo menos 
tem o seu grupo. 
Estas são pois, as pessoas mais trágicas e patéticas, e a advertência solene 
que temos neste versículo é a advertência de nosso Senhor contra os que 
vivem neste estado e condição. 
As parábolas de Mateus 25 referendam isto, nelas se nos diz da exclusão 
definitiva de tais pessoas, como sal que se lança fora. 
Para sua surpresa virão a achar-se do lado de fora da porta, pisoteados 
pelos homens. A história demonstra isto. Tem havido certas Igrejas que, 
havendo perdido o sabor, ou havendo deixado de irradiar a luz verdadeira, 
têm sido pisoteadas. Houve noutro tempo uma Igreja muito vigorosa na 
África do Norte, que produziu muitos crentes santos, inclusive o grande 
93 
Santo Agostinho. Porém perdeu o sabor e a verdadeira luz, e por isso foi 
pisoteada e deixou de existir. O mesmo tem sucedido noutros países. Que 
Deus nos dê graça para ter em conta esta solene advertência. A profissão 
puramente superficial do cristianismo virá a acabar assim. 
Talvez o possamos resumir assim. O crente verdadeiro não pode ser 
ocultado, não pode passar despercebido. O que vive e atua como 
verdadeiro crente se destacará. Será como o sal, será como uma cidade 
situada sobre um monte, como candeia posta num candeeiro. 
Porém podemos acrescentar algo. O verdadeiro crente não deseja ocultar 
esta luz. Vê o ridículo que é pretender ser crente e apesar disso tentar 
ocultá-lo. O que entende o significado de ser cristão, o que entende o que 
a graça de Deus tem significado para ele, e compreende o que, em última 
instância, Deus tem feito a fim de que influencie outros, não pode ser 
ocultado. Não somente isto, não deseja ocultá-lo, porque pensa assim: “o 
último fim e objetivo de tudo isso é que aja dessa maneira”. 
Estas comparações e ilustrações, têm, pois, como fim, segundo a intenção 
de nosso Senhor, mostrar-nos que qualquer desejo que achemos em nós 
de ocultar o fato de que somos crentes, não somente tem que ser 
considerado como ridículo e contraditório, e caso, o aceitemos e 
persistamos nisso, podemos ser conduzidos a uma exclusão final. 
Assim, se vemos em nós uma tendência a esconder a nossa luz, devemos 
começar a nos examinar e a tratar de nos assegurar de que é realmente 
“luz”, porque a luz que o Senhor conduz ao cumprimento de sua função 
não pode ser ocultada, senão revelada. 
É um fato que o sal e a luz querem manifestar a sua qualidade essencial, 
de modo que se há algo de incerteza quanto a isso, devemos nos examinar 
para descobrir a causa desta posição ilógica e contraditória. Ou para dizê-
lo de uma forma mais simples. Da próxima vez que me encontrar com essa 
tendência de encobrir o fato de que sou crente, talvez com o fim de 
congraciar-me com alguém ou de evitar perseguições, tenho que pensar 
no que acende a luz e a oculta debaixo do cesto. Pois enquanto vejo o 
ridículo que há nisto, reconhecerei que a mão sutil que me oferecia este 
cesto para esconder a minha luz era a mão do diabo. Portanto a 
rechaçarei, e a luz brilhará com mais esplendor. 
Esta é a primeira afirmação. 
Passemos agora à segunda, a qual é muito prática. 
Como podemos nos assegurar de que atuamos realmente como sal e luz? 
94 
Num sentido ambas ilustrações o indicam, porém a segunda é talvez mais 
simples que a primeira. 
Os comentaristas têm se interessado muito por isto e dão o exemplo de 
um homem que uma vez, estando de viagem, encontrou um tipo de sal 
que havia perdido o sabor. Quão néscios nos tornamos ao começar a 
estudar a Bíblia em função de palavras e não de doutrina! E uma vez 
aprendida a doutrina não praticá-la, de modo que isto seja visto em 
testemunho pelas demais pessoas. Não faz nenhuma falta ir ao Oriente 
para encontrar sal sem sabor, o único propósito de nosso Senhor foi o de 
mostrar o ridículo de toda esta ação. 
A segunda ilustração é mais concreta. A lâmpada necessita somente de 
duas coisas – azeite e pavio, as quais sempre estão juntas. 
Claro que há pessoas que às vezes falam do azeite somente, enquanto 
outras somente mencionam o pavio. 
Porém, sem azeite e pavio nunca teremos luz. Ambas são absolutamente 
essenciais, e por isso temos que prestar atenção a ambas. 
A parábola das dez virgens nos ajuda a lembrar disso. O azeite é 
totalmente essencial e vital, nada podemos fazersem ele, e as bem-
aventuranças tratam precisamente de sublinhar este fato. 
Temos que receber esta vida, esta vida divina. Não podemos atuar como 
luz sem ela. Somos somente a luz do mundo enquanto o que é a luz do 
mundo atua em nós e por meio de nós, a saber nosso Senhor mesmo. 
A primeira coisa pois, que devemos nos perguntar é: Tenho recebido esta 
vida divina? Sei que Cristo mora em mim? Paulo intercedia em favor dos 
efésios para que Cristo morasse em seus corações com abundância, pela 
fé, a fim de que pudessem ser enchidos de toda a plenitude de Deus. Toda 
a doutrina referente à ação do Espírito Santo consiste essencialmente 
nisto. Não consiste em se outorgar dons particulares, tais como o de 
línguas ou alguma das outras coisas pelas quais o povo tanto se interessa. 
Seu propósito é dar vida e as graças do Espírito, o qual é o caminho mais 
excelente. Estou seguro de que tenho o azeite, a vida, que somente o 
Espírito de Deus pode me dar? 
A primeira exortação, pois, deve ser que o busquemos sem cessar. Isto 
significa, desde já, oração, que é a ação para recebê-lo. 
Frequentemente costumamos pensar que estes convites benévolos de 
nosso Senhor são algo que se dá uma vez para sempre. Diz, “vinde a mim” 
se quereis a água da vida, “vinde a mim” se quereis o pão da vida. Porém 
tendemos a pensar que uma vez que temos ido a Jesus já temos para 
95 
sempre esta provisão. Não é assim. É uma provisão que temos que 
renovar, que temos que ir buscar constantemente. Temos que viver em 
contato com Ele, porque somente quando recebemos sem cessar esta vida 
podemos atuar como sal e luz. 
Porém, desde já, não somente significa oração constante, significa o que 
nosso Senhor mesmo descreve como “fome e sede de justiça”. Isto é 
interpretado no sentido de algo que nunca se interrompe. Somos 
saciados, sim, porém sempre desejamos mais. Nunca permanecemos 
parados, nunca descansamos nos galardões e dizemos: “recebemos de 
uma vez por todas”. Nunca. Seguimos tendo fome e sede, seguimos 
dando-nos conta da necessidade perene que temos dEle e desta provisão 
de vida e de tudo o que nos possa dar. Por isso seguimos lendo a Palavra 
de Deus para que possamos aprender muito acerca dEle e da vida que nos 
oferece. 
A provisão de azeite é essencial. Leiam as biografias daqueles que 
obviamente têm sido como cidades situadas sobre um monte que não se 
podem ocultar. Verão que não dizem: “Tenho ido a Cristo de uma vez por 
todas, e esta é a experiência culminante da vida que durará para sempre”. 
De modo nenhum, eles nos dizem que sentiram uma necessidade absoluta 
de passar horas em oração, de estudo da Bíblia e meditação. Nunca 
deixaram de ir buscar o azeite e de receber a provisão do mesmo. 
O segundo elemento essencial é o pavio. Devemos nos ocupar também 
disso. Para manter a lâmpada ardendo o azeite não é suficiente, porque 
tem que avivar constantemente o pavio. Foi isto que disse nosso Senhor 
com o fato de ser o crente luz do mundo. 
Muitos de nós não temos conhecido outra coisa além da eletricidade. 
Porém, alguns talvez recordem como se devia ter cuidado com o pavio. 
Quando começava a fumegar, não iluminava, de maneira que tinha que 
ser avivado, e isto era um processo delicado. Que significa isto na prática? 
Creio que significa que temos que recordar constantemente as bem-
aventuranças. Deveríamos lê-las todos os dias. Temos que recordar 
diariamente o que é ser pobre de espírito, misericordioso, manso, 
pacificador, de coração limpo, e assim sucessivamente. 
Não há nada que sirva melhor para manter o pavio em bom 
funcionamento que recordar o que sou pela graça de Deus, quanto à nova 
natureza recebida do Espírito, e o que tenho de ser na prática como um 
crente. Parece-me que deveria fazer isto todas as manhãs antes de 
começar o dia. Em tudo o que faço e digo, tenho que ser como esse 
96 
homem que vejo nas bem-aventuranças. Comecemos com isso e nos 
concentremos nisso. 
Porém não somente temos de recordar as bem-aventuranças, temos de 
viver de acordo com elas. Que significa isto? Significa que temos de evitar 
tudo o que se opõe às mesmas, que temos que ser completamente 
diferentes do mundo. É algo trágico ver crentes que não querem ser 
diferentes nem sofrer perseguição, parecem viver o mais próximo que 
podem do mundo. Porém isto é uma contradição de termos. Não há meio 
termo entre luz e trevas, é uma coisa ou outra. E não há acordo possível 
entre elas. Ou se é luz, ou se é trevas. E o crente tem que ser assim na 
terra. Não somente não devemos ser como o mundo, senão que temos 
que esforçar-nos em ser o mais diferentes dele que possamos. 
Num sentido positivo, contudo, significa que deveríamos demonstrar esta 
diferença em nossa vida, e isto, desde logo, pode ser feito de mil maneiras. 
Não posso dar uma lista completa quanto ao que significa, mas, no 
mínimo significa viver uma vida separada. 
O mundo se está tornando cada vez mais grosseiro, rude, feio, estrepitoso, 
sujo. 
Creio que estamos de acordo nisso. 
À medida que a influência cristã vai diminuindo no país, todo o tom da 
sociedade se torna mais baixo, inclusive as pequenas gentilezas são cada 
vez mais escassas. O crente não deve viver assim. Tendemos muito a nos 
limitarmos a dizer: “sou crente”, ou “não é maravilhoso ser crente?”, para 
logo depois, sermos bruscos e desatenciosos. Recordemos que estas são 
as coisas que proclamam aquilo que somos. Temos que ser humildes, 
pacíficos em nosso falar e atuar, e sobretudo em nossas reações diante 
dos demais. Creio que o crente tem maiores oportunidades hoje que há 
um século, devido ao estado atual do mundo e da sociedade. Creio que as 
pessoas nos observam muito de perto por nos dizermos cristãos, e 
observam as reações que teremos diante dos demais, e diante do que 
dizem e fazem em relação a nós. 
Nós nos iramos? O não crente o faz, o crente não deveria fazê-lo. Deve ser 
como o homem das bem-aventuranças, e por isso reage de forma 
diferente. E quando se acha diante de acontecimentos mundiais, diante 
de guerras e rumores de guerras, diante de calamidades, enfermidades, e 
tudo o mais, não se angustia, nem fica perturbado ou se irrita. O mundo 
reage assim, o crente não. É essencialmente diferente. 
97 
O último princípio é a importância suprema de fazer tudo isto de forma 
adequada. Temos considerado o que é ser como sal, temos examinado 
porque temos de ser como luz. Temos visto como é ser assim, como nos 
assegurar de que o somos de fato. Porém deve ser feito da forma 
adequada. Assim brilhe a vossa luz diante dos homens” – a palavra 
importante aqui é “assim” – “para que vejam vossas boas obras, e 
glorifiquem vosso Pai que está nos céus”. Tem que haver uma ausência de 
ostentação e exibicionismo. É difícil na prática, não é verdade? Situar a 
linha divisória entre funcionar verdadeiramente como sal e luz, e contudo 
não se fazer culpado de ostentação? Porém é isto que se nos diz que 
façamos. Temos que viver de tal modo que os demais vejam nossas boas 
obras, porém que elas glorifiquem não a nós, mas a nosso Pai que está nos 
céus. 
É difícil atuar como verdadeiro crente, e contudo não cair no 
exibicionismo. 
Nisto está incluída a pregação do evangelho. Ao revelá-lo em nossa vida 
diária devemos recordar que o crente não atrai a atenção sobre si. Ele não 
pode se esquecer da pobreza de espírito, da mansidão e de todas as outras 
coisas. Noutras palavras, temos de fazer tudo por Deus, para Sua glória. O 
eu tem que estar ausente, e deve ser completamente afastado com todas 
as suas sutilezas, por amor a Ele e por Sua glória. 
Segue-se que temos que fazer todas estas coisas de tal forma que 
conduzamos a outros homens a glorificarem a Deus, a entregarem-se a 
Ele. “Assim brilhe vossa luz diante dos homens, para que vendo vossas 
boas obras, glorifiquem vosso Pai que está nos céus”. Sim, e vê-las de tal 
modo que eles por sua vez glorifiquem a seu Pai que está nos céus. Não 
somente temos de glorificar nosso Pai, temos de levar outras pessoas a 
glorificarem-nOtambém. 
Isto, por sua vez conduz ao fato de que, por sermos verdadeiramente 
crentes, temos de ter grande tristeza no coração por essas pessoas. Temos 
de nos dar conta de que estão em trevas, e em estado de contaminação. 
Noutras palavras, quanto mais aproximarmos nossas vidas do Senhor, 
tanto mais nos tornaremos semelhantes a Ele, e Ele teve uma grande 
compaixão pelas pessoas. Viu as pessoas como ovelhas que não têm 
pastor. Teve grande compaixão por elas, e isto determinou Seu 
procedimento. Não se preocupou consigo mesmo; teve compaixão da 
multidão. Assim temos de viver vocês e eu, assim temos de considerar 
estas coisas. Noutras palavras, em todas nossas ações e viver cristão estas 
98 
três coisas devem ocupar sempre um ponto proeminente. Fazer tudo por 
Ele e por Sua glória. Conduzir os homens a Ele para que o glorifiquem. Que 
tudo se baseie no amor e compaixão por eles em sua condição perdida. 
Esta é a forma em que nosso Senhor nos exorta a demonstrarmos o que 
tem feito por nós. Devemos viver como pessoas que têm recebido dEle 
vida divina. Ele coloca diante de nós este quadro maravilhoso de sermos 
como Ele neste mundo. Os homens começavam a pensar em Deus ao vê-
lo. Temos lido nos evangelhos como era frequente que os homens dessem 
glória a Deus depois de tê-lo visto realizar um milagre? Diziam: “nunca 
vimos coisas como estas dantes” e glorificavam ao Pai. Vocês e eu temos 
que viver assim. Noutras palavras, temos de viver de tal modo que, 
quando os demais nos vejam, passemos a ser uma interrogação para eles, 
no sentido de que se perguntarão: “Que é isto?”. Por que esses são tão 
diferentes em seu comportamento e reações? E há algo neles que não 
podemos explicar.”. E chegarão à única explicação verdadeira, que é a de 
que somos o povo de Deus, filhos de Deus, herdeiros de Deus, e co-
herdeiros com Cristo. Temos chegado a ser o reflexo de Jesus, aqueles nos 
quais a vida do Senhor tem sido reproduzida. E assim como Ele é a luz do 
mundo, então nós temos que ser também a luz do mundo. 
 
A LUZ DO MUNDO 
 
Em Mateus 5.14 temos uma das afirmações mais surpreendentes e 
extraordinárias acerca do cristão que jamais se tem feito. Se alguém tem 
em conta o quadro, e recorda as pessoas às quais Jesus dirigiu estas 
palavras, aprenderá verdades notáveis. É uma afirmação cheia de 
significado e de implicações profundas quanto ao entendimento da 
natureza da vida cristã. 
É uma grande característica da verdade bíblica que pode sintetizar, por 
assim dizer, o conteúdo de toda nossa posição num versículo sério como 
este. “Vocês”, disse nosso Senhor, olhando essas pessoas simples, essas 
pessoas completamente sem importância do ponto de vista do mundo, 
“vocês são a luz do mundo”. 
É uma dessas afirmações que sempre deveriam produzir em nós o efeito 
de erguer a cabeça, de fazer-nos dar conta do quão magnífico e notável é 
ser um cristão. 
Isto se converte inevitavelmente numa prova boa e completa da nossa 
posição e experiência. Todas estas afirmações que se fazem do crente 
99 
sempre conduzem a isto, e devemos ter sempre o cuidado que assim se 
dê de fato conosco. 
O “vocês” a quem se refere esta afirmação significa simplesmente nós 
mesmos. O perigo é sempre que leiamos uma afirmação como esta e 
pensemos em alguém diferente, a saber, os primeiros crentes, ou os 
crentes em geral. Porém se refere a nós, individualmente, se pretendemos 
ser crentes de verdade. 
É lógico, pois, que uma afirmação assim requer uma análise detalhada. 
Antes de intentá-lo, contudo, devemos estudá-lo em geral e tratar de 
retirar disso as implicações mais óbvias. 
Antes de tudo vejamos qual é seu significado negativo. Porque a força 
verdadeira da afirmação é esta: “vocês, e somente vocês, são a luz do 
mundo”. O “vocês” é enfático e comporta esta ideia. Imediatamente 
compreendemos que implicam certas coisas. A primeira é que o mundo 
está em trevas. 
Isto, de fato, é um dos pontos básicos que o evangelho cristão sempre 
realça. 
Talvez em nenhuma outra passagem da Bíblia se veja este contraste 
marcado entra a ideia cristã da vida e todas as outras ideias, com mais 
clareza, que num versículo como este. 
O mundo sempre fala de sua civilização. Esta é uma de suas frases 
favoritas, sobretudo desde o Renascimento dos séculos XV e XVI quando 
os homens voltaram a se interessar pelo conhecimento. 
Todos os pensadores consideram que esse foi o ponto decisivo na história, 
uma grande linha divisória, que separa a história das civilizações, e todos 
estão de acordo em que essa civilização moderna, tal como vocês e eu a 
conhecemos, começou realmente a partir de então. Houve uma espécie 
de novo nascimento da razão e da cultura. 
Voltaram a descobrir os clássicos gregos; e seu ensino e conhecimentos, 
num sentido puramente filosófico, e todavia mais num sentido científico, 
realmente começaram a dirigir e controlar a perspectiva e vidas de 
muitos. 
Logo, houve, como sabem, uma restauração parecida no século XVIII, que 
se chamou a si mesma “Iluminismo”. 
Os que se interessam pela história da Igreja Cristã e da fé cristã devem ter 
em conta este movimento. Foi o começo, num sentido, do ataque contra 
a autoridade da Bíblia, porque pôs a filosofia e pensamento humanos no 
100 
lugar da revelação divina e da revelação da verdade ao homem, por parte 
de Deus. 
Isso continuou até o tempo presente, e o que quero sublinhar é que 
sempre se apresenta como luz, e os que se interessam por este 
movimento sempre se referem a ele como “Iluminismo”. O conhecimento, 
dizem, é o que traz luz, o que brilha, e é evidente que em muitos aspectos 
é assim. Seria néscio negá-lo. O aumento do saber sobre os processos 
naturais e acerca das enfermidades físicas e de muitas outras coisas tem 
sido realmente fenomenal. 
O novo saber também tem lançado luz sobre o funcionamento do cosmos, 
e tem aumentado a compreensão de muitos aspectos diferentes da vida. 
Porém, isto, muitos costumam chamar frequentemente de “iluminação” 
como consequência do saber e da cultura. E contudo, apesar de tudo isto, 
segue de pé a afirmação bíblica. “vocês, e somente vocês, são a luz do 
mundo”. 
E esta luz conduz ao que é eterno e verdadeiro. 
O conhecimento médico por exemplo na prevenção de enfermidades, 
pode prolongar, quando é possível, o curso da vida física por apenas uns 
poucos anos, e depois, será inevitável ter que enfrentar a realidade da 
morte. Mas a luz do evangelho nos crentes revela um caminho que conduz 
à verdadeira vida e à eternidade. E quão frágeis e passageiros são todos 
os benefícios alcançados pelo mero conhecimento humano. 
A Escritura segue proclamando que o mundo, tal como é, está em trevas 
e enquanto alguém começa a contemplar as coisas seriamente pode-se 
demonstrar facilmente que é a pura verdade. 
A tragédia de nosso século tem sido que nos temos concentrado somente 
num aspecto do saber. 
Nosso conhecimento tem sido conhecimento das coisas, de coisas 
mecânicas, de coisas científicas, conhecimento da vida num sentido mais 
ou menos biológico e mecânico. 
Porém, nosso conhecimento dos verdadeiros fatores que fazem a vida, 
não tem aumentado em nada. 
Por isso, o mundo está em tal estado hoje em dia. 
Porque, como se tem indicado constantemente, apesar de haver 
descoberto todo esse novo saber, temos fracassado no descobrimento do 
mais importante de tudo, a saber, como aplicar nosso saber. 
101 
Esta é a essência do problema relativo à força atômica. A tragédia é que 
não temos conhecimentos suficientes de nós mesmos que nos permitam 
saber como podemos aplicar esta força, agora que a temos descoberto. 
E se soubéssemos, não poderíamos ultrapassar sequer os limites da 
existência física, que têm sido fixados pelo Senhor desde a criação, e que 
foram reduzidos drasticamente, porque sabemos que no princípio os 
homens viviam até 900 anos, sendo esta marca reduzida para o limite de 
600, depois 500, 400, 200, chegando ao de 100 que tem perdurado até 
nossos dias, e que poucos atingem, em condições de plenovigor físico. 
Se não se pode, por decreto de Deus acrescentar-se um palmo ao curso da 
existência, quanto mais resolver definitivamente o problema do pecado 
que reside em todas as pessoas. 
Aí reside a dificuldade. 
Nosso saber é mecânico e científico. 
Porém, quando passamos aos problemas fundamentais da vida, do ser e 
existir, não é óbvio que a afirmação de nosso Senhor permanece sendo 
verdade, que o mundo está num estado de trevas horrendas? Se Ele diz 
que o crente é a luz do mundo, então por conseguinte Ele diz também que 
o mundo está todo em trevas. 
Pensemos nisso no campo da vida e conduta pessoais. Muitos homens de 
grande saber em muitos terrenos fracassam completamente em sua vida 
pessoal. Vejamos-lhes no campo das relações de uns com outros. 
Precisamente quando nos encontramos nos gloriando do quanto 
iluminados somos, do muito que sabemos, há essa ruptura trágica nas 
relações pessoais. É um dos maiores problemas morais e sociais da 
sociedade. 
Vejam como temos multiplicado nossas instituições e organizações. 
Temos que instruir acerca de coisas nas quais as pessoas nunca foram 
instruídas dantes. Por exemplo, temos que ter agora cursos de instrução 
matrimonial. Até este século as pessoas se casavam sem estes 
conselheiros que agora parecem essenciais. Todos eles dizem bem às 
claras que quanto aos problemas mais importantes da vida, como evitar o 
mal, o pecado, tudo que é baixo e indigno, com ser puros, retos, castos e 
íntegros, que há muitas trevas. 
Logo, à medida que se passa a outras esferas e se contempla as relações 
entre grupos, encontramos a mesma situação, e por isso temos esses 
grandes problemas industriais e econômicos. 
102 
Num nível todavia mais elevado, vejamos as relações entre nações. Este 
século, no qual tanto falamos do saber e da cultura, prova que o mundo 
está num estado de trevas completas em relação a estes problemas vitais 
e fundamentais. 
Porém devemos ir mais além. Nosso Senhor não somente afirma que o 
mundo está num estado de trevas; chega a dizer que ninguém senão o 
cristão pode dar conselho e instrução relativamente a isto. 
Disso nos gloriamos como cristãos. Os maiores pensadores e filósofos se 
sentem desconcertados diante dos tempos atuais e me seria muito fácil 
apresentar-lhes muitas citações de seus escritos para demonstrá-lo. 
Não importa que se considere no campo da pura ciência ou da filosofia 
quanto a estes problemas definitivos; os escritores não acertam ao 
tentarem explicar ou entender seu próprio século. A razão está em que 
sua teoria básica é que o que o homem necessita é aumentar o saber. 
Creem que se o homem tiver esses conhecimentos os aplicaria à solução 
dos seus problemas. Porém é evidente que o homem não o está fazendo. 
Tem os conhecimentos, porém não os aplica, e isto é o que deixa os 
“pensadores” perplexos. Não entendem o problema verdadeiro do 
homem; não são capazes de dizer-nos onde está a raiz do estado atual do 
mundo, e muito menos são capazes de dizer-nos o que se pode fazer para 
resolvê-lo. 
Recordo, faz uns anos, que li a crítica de um livro que tratava destes 
problemas, a crítica foi escrita por um conhecido professor de filosofia 
deste país. Expressou-se assim: “Este livro enquanto análise é muito bom, 
porém não vai além da análise e por isso não ajuda grande coisa. Todos 
sabemos analisar, porém a pergunta vital que queremos que se responda 
é: qual é a raiz última do problema? Que se pode fazer?”. E quanto a isto 
nada disse, porém deu ao livro o impressionante título de A Condição 
Humana. Assim é. Pode alguém procurar uma ou outra vez nos maiores 
filósofos e pensadores e nunca o levam a nada além da análise. São 
excelentes na apresentação do problema e em apresentar os diferentes 
fatores que atuam. Porém, quando se lhes pergunta onde está a última 
raiz disso, e o que pensam fazer, deixam-nos sem resposta. É evidente que 
não têm nada para dizer. É óbvio que neste mundo não há luz nenhuma 
aparte do que oferece o povo cristão e a fé cristã. E não exagero. Quero 
dizer que somos realistas e damo-nos conta disso, e de quanto nosso 
Senhor falou, faz mais de dois mil anos, não somente disse a verdade 
quanto ao seu próprio tempo, senão que também a disse relativamente a 
103 
todas as épocas subsequentes. Não esqueçamos que Platão, Sócrates, 
Aristóteles e todos os demais, haviam ensinado vários séculos antes de 
terem sido pronunciadas essas palavras de Jesus. Foi depois desse 
florescer surpreendente da mente e do intelecto que nosso Senhor fez 
esta afirmação. 
Contemplou esse grupo de pessoas comuns e insignificantes e disse 
“vocês e somente vocês são a luz do mundo”. E não fez nenhuma alusão 
aos filósofos que haviam vivido dantes, como Platão, Sócrates e 
Aristóteles porque não havia neles nenhuma luz que conduzisse à 
verdade. Então quando disse que somente os crentes são a luz do mundo, 
isto é uma afirmação tremenda e estremecedora, e eu diria que por 
muitas razões dou graças a Deus de estar pregando este evangelho hoje e 
não há cem anos atrás. Se houvesse afirmado isto cem anos antes as 
pessoas teriam zombado, porém hoje já não zombam porque a história 
mesma demonstra cada vez mais a verdade do evangelho. As trevas do 
mundo nunca têm sido mais evidentes que hoje, e diante delas temos esta 
afirmação surpreendente e profunda. Esta é a implicação negativa do 
texto. 
Consideremos agora suas implicações positivas. Diz: “vocês”. Em outras 
palavras afirma que o crente comum, embora talvez nunca tenha 
estudado filosofia, sabe mais da vida e a entende melhor que alguém 
grande e experiente que não seja crente. Este é um dos temas básicos do 
Novo Testamento. 
O apóstolo Paulo, ao escrever aos coríntios disse bem claramente quando 
afirmou “Visto como na sabedoria de Deus o mundo não conheceu a Deus 
pela sua sabedoria, aprouve a Deus salvar os crentes pela loucura da 
pregação.” (I Cor 1.21). Isto que parece ridículo para o mundo é sabedoria 
de Deus. Este é o paradoxo extraordinário que se nos apresenta. A 
implicação do mesmo deve ser óbvia, mostra que somos chamados a fazer 
algo positivo. Esta é a segunda afirmação que faz nosso Senhor 
relativamente à função do crente neste mundo. Uma vez descrito o crente 
em geral nas bem-aventuranças, a primeira coisa que diz é: “vocês são o 
sal da terra”. Agora diz, “vocês são a luz do mundo”, e somente vocês. 
Porém recordemos sempre que isto se diz dos crentes comuns, não de 
certos crentes somente. Aplica-se a todos os que têm o direito de receber 
este nome. 
Imediatamente surge a pergunta. Como pois, se cumprirá isto em nós? 
Uma vez mais se nos conduz ao ensino referente à natureza do crente. A 
104 
melhor maneira de entendê-lo, me parece, é esta. O Senhor que disse: 
“vocês são a luz do mundo”, também disse, “eu sou a luz do mundo”. Estas 
duas afirmações devem ser tomadas sempre juntas, já que o crente é luz 
do mundo, somente por sua relação com Ele que é a luz do mundo. 
Nosso Senhor afirmou que havia vindo trazer luz. Sua promessa é que “o 
que me segue não andará em trevas, senão que terá a luz da vida”. Agora, 
contudo, diz também: “vocês são a luz do mundo”. 
Consequentemente, Ele, e somente Ele nos dá esta luz vital relativa à vida. 
Porém não se detém aí, também nos faz luz. Recordem como o apóstolo 
Paulo o disse em Efésios 5, onde afirma: “porque noutro tempo éreis 
trevas, porém agora sois luz no Senhor”. 
Por isso não somente temos recebido luz, temos sido feitos luz, nos 
convertemos em transmissores de luz. Noutras palavras, é este 
extraordinário ensino da união mística entre o crente e seu Senhor. Sua 
natureza entra em nós a fim de que sejamos, num sentido, o que Ele é. É 
básico que tenhamos presentes ambos aspectos deste assunto. Como 
crentes no evangelho temos recebido luz, conhecimento e instrução. 
Porém, além disso, tem passado a fazer parte de nós, de maneira que 
somos também luz no Senhor. Tem-se convertido na nossa vida, a fim de 
que assim possamos refleti-la. O notável, portanto,é que nos é lembrado 
nesta passagem a nossa íntima relação com Ele. O crente tem recebido e 
se tem convertido em partícipe da natureza divina. A luz que é Cristo 
mesmo, a luz que é em último termo Deus, é a luz que tem o crente. 
“Deus é luz e não há nele treva nenhuma”. “Eu sou a luz do mundo”. 
“Vocês são a luz do mundo”. A forma de entender isto é mediante a 
compreensão do ensino de nosso Senhor referente ao Espírito Santo em 
João 14.23, onde diz: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e 
meu Pai o amará, e viremos para ele, e faremos nele morada.” De fato a 
consequência da sua vinda será esta. Meu Pai e Eu moraremos em vocês, 
estaremos em vocês e vocês estarão em nós. Deus que é o pai das luzes, é 
a luz que está em nós. Ele está em nós e nós estamos nEle, e por isso se 
pode dizer do crente: “vocês são a luz do mundo”. 
É interessante observar que, segundo nosso Senhor, este é o segundo 
grande resultado de ser a classe de crente que Ele tem descrito nas bem-
aventuranças. Deveríamos também considerar a ordem em que se fazem 
estas afirmações. A primeira que o Senhor nos diz é: “vocês são o sal da 
terra”, e somente depois disto diz: “vocês são a luz do mundo”. Por que 
não disse isto na ordem contrária? É um ponto prático muito interessante 
105 
e importante. O primeiro efeito do crente no mundo é geral, em outras 
palavras, é mais ou menos negativo. Temos aqui um homem que se tem 
feito cristão, vive em sociedade, e no trabalho. Como é crente, 
imediatamente produz um certo efeito, um efeito de controle, que 
estudamos antes no comentário sobre ser sal da terra. Somente depois 
disto tem esta função específica e concreta de atuar como luz. Em outras 
palavras, a Bíblia, ao tratar do crente, sempre sublinha primeiro o que ele 
é, antes de começar a falar do que ele faz. Como crente, deveria sempre 
produzir este efeito geral nos demais, antes de produzir este efeito 
específico. 
Onde quer que me encontre, imediatamente esse algo diferente que há 
em mim deveria produzir efeito, e isto por sua vez deveria levar aos 
demais a contemplar-me e dizer: “Há algo especial neste homem”. 
 Logo, ao observarem minha conduta, começam a me fazer perguntas. 
Neste ponto entra em jogo o elemento de “luz”, posso falar-lhes e ensinar-
lhes. Muito frequentemente tendemos a mudar a ordem. Falamos numa 
forma muito iluminada, porém nem sempre vivemos como sal da terra. 
Tanto que se nos agrada ou não, nossa vida deveria ser sempre a primeira 
a falar, e se os lábios falarem mais do que a vida, pouco servirá. Com 
frequência a tragédia tem sido que as pessoas proclamam o evangelho de 
palavra, porém sua vida e comportamento é negação do mesmo. O 
mundo não lhes dá grande atenção. Não esqueçamos nunca esta ordem 
que o Senhor escolheu deliberadamente: “sal da terra” antes de “luz do 
mundo”. 
Somos algo, antes de começarmos a atuar como algo. Ambas coisas 
deveriam sempre caminhar juntas, porém a ordem e a sequência deveria 
ser a que Ele estabelece nesta passagem. 
Tendo isto presente, consideremos agora de modo prático como o crente 
deve mostrar que é realmente a luz do mundo? Isto se transforma numa 
pergunta simples: Qual é o efeito da luz? Que faz na realidade? Não cabe 
duvida de que a primeira coisa que a luz faz é manifestar as trevas e tudo 
o que pertence às trevas. 
Imaginemos uma casa escura, e quando se acende uma luz. Ou pensemos 
nas luzes dianteiras de um automóvel que transita numa estrada escura. 
Como diz a Bíblia: “Tudo o que se manifesta é luz”. 
Num sentido estamos conscientes das trevas até que a luz não apareça, e 
isto é fundamental. Falando da vinda do Senhor a este mundo, Mateus 
disse: “O povo que andava nas trevas viu grande luz”. 
106 
A vinda de Cristo e do evangelho são tão fundamentais que se pode 
expressar assim; e o primeiro efeito de sua vinda ao mundo é que tem 
manifestado as trevas da vida do mundo. 
Isto é algo que sempre, e inevitavelmente, faz qualquer pessoa boa ou 
santa. 
Sempre necessitamos de algo que nos mostre a diferença, e a melhor 
maneira de revelar uma coisa é por contraste. 
Isto faz o evangelho, e todo cristão o faz. Como disse o apóstolo Paulo, a 
luz clareia o oculto das trevas, e por isso diz: “os que se embriagam, é de 
noite que se embriagam”. 
O mundo todo se divide em “filhos da luz” e “filhos das trevas”. Grande 
parte da vida do mundo está debaixo de uma espécie de capa de trevas. 
As coisas piores sempre ocorrem sob o manto das trevas, inclusive o 
homem natural, degenerado e em estado de pecado, se envergonha de 
tais coisas à luz do dia. Por que? Porque a luz o manifesta. 
O crente é a luz do mundo dessa forma. É inevitável. Por ser crente mostra 
um estilo diferente de vida, e isto de imediato manifesta a verdadeira 
índole e natureza da outra forma de viver. 
No mundo, portanto, é como uma luz que se acende, e imediatamente as 
pessoas começam a pensar, a maravilhar-se e a sentir-se envergonhadas. 
Quanto mais santa uma pessoa, mais cedo e tanto mais claramente isto 
ocorrerá. 
Não lhe fará falta dizer uma só palavra, somente por ser o que é faz que 
os demais se sintam envergonhados do que fazem, e deste modo atua 
verdadeiramente como luz. 
Proporciona um modelo, mostra que há outra maneira de viver que é 
possível para o gênero humano. 
Manifesta portanto, o erro e o fracasso da forma de pensar e de viver do 
homem. Como vimos, ao tratar do crente como sal da terra, o mesmo se 
pode dizer dele como luz do mundo. 
Todo verdadeiro avivamento espiritual tem produzido este efeito. Uns 
tantos cristãos numa região ou grupo afetarão a vida de todos. E isto se 
dará ainda que os demais estejam ou não de acordo com seus princípios, 
lhes fazem sentir que depois de tudo o sistema cristão é adequado e o 
outro é indigno. O mundo tem descoberto que a honestidade é a melhor 
política. Como alguém tem dito, esta é a classe de tributo que a hipocrisia 
sempre rende à verdade, tem de admitir no fundo do coração que a 
verdade tem razão. 
107 
A influência que o crente tem como luz no mundo é demonstrar que estas 
outras cousas pertencem às trevas. Prosperam nas trevas, e seja pelo que 
for não podem resistir à luz. 
Isto se afirma em forma explícita em João 3, onde o apóstolo diz: “E a 
condenação é esta: Que a luz veio ao mundo, e os homens amaram mais 
as trevas do que a luz, porque as suas obras eram más.” (João 3.19). Nosso 
Senhor acrescenta que tais homens não vêm para a luz, porque, se o 
fizerem, receberão reprovação por suas obras, e eles não querem isto. 
Essa foi, desde o princípio a causa principal do antagonismo dos escribas 
e fariseus contra nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. 
Esses homens, mestres da lei, experientes, num sentido, da vida religiosa, 
odiaram e perseguiram ao Senhor. Por que? A única resposta adequada 
se encontra em sua pureza absoluta, em sua santidade total. Sem dizer 
nem uma só palavra contra eles no começo - porque não lhes acusou até 
o final – sua pureza fez que se vissem como realmente eram, e por isso o 
odiaram. Perseguiram-no e por fim o crucificaram, somente porque era a 
luz do mundo. Revelou e manifestou o oculto das trevas que havia neles. 
Vocês e eu temos que ser assim neste mundo, por somente viver a vida 
cristã temos de produzir este efeito. 
Demos um passo mais além e digamos que a luz não somente revela o 
oculto das trevas, senão que também explica a causa das trevas. Por isso 
é algo tão prático e importante nestes tempos. Já lhes tenho recordado 
que os melhores pensadores do mundo acadêmico de hoje se acham 
desorientados quanto à raiz do mal no mundo. Faz uns anos foram 
radiodifundidas duas conferências a cargo dos chamados humanistas, Dr. 
John Huxley e Professor Gilbert Murray. Ambos admitiram com toda 
franqueza que não poderiam explicar a vida como é. O dr Huxley disse que 
não podia encontrar um fim nem um significado para a vida. Para ele tudo 
era fortuito. O professor Gilbert Murray tampouco sabia explicar a 
segunda guerra mundial e o fracassoda Liga das Nações. Como corretivo, 
não teria nada que oferecer mais que a cultura que tem estado à nossa 
disposição durante séculos, e que tem fracassado. 
Aqui é onde os crentes têm a luz que explica a situação. A única causa dos 
problemas do mundo atual, desde o nível pessoal ao internacional, não é 
nada mais do que a separação do homem em relação a Deus. Esta é a luz 
que somente os crentes possuem, e que podem dar ao mundo. Deus tem 
feito de tal modo o homem que este não pode viver a verdade a não ser 
que tenha uma relação adequada com Deus. Assim foi feito. Deus o fez, e 
108 
o fez para si. E Deus tem estabelecido certas normas em sua natureza e 
em seu ser e existência, e a não ser que se conforme a elas irá se 
equivocar. 
Esta é a causa do problema. Todas as dificuldades que o mundo de hoje 
experimenta podem ser atribuídas, em última instância, ao pecado, 
egoísmo, e busca de proveito próprio. Todas as disputas, conflitos e mal 
entendidos, todas as dívidas e malícia, todas estas coisas se devem a isso 
e a nada mais. Assim pois, somos a luz do mundo num sentido muito real 
nestes tempos, porque somente nós possuímos a explicação adequada da 
causa do estado do mundo. Tudo se deve à queda, todos os problemas 
começaram ali. Quero voltar a citar João 3.19: “E a condenação é esta: 
Que a luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a 
luz, porque as suas obras eram más.”. Esta é a condenação e nada mais. 
Esta é a causa do problema. Que sucede pois? Se a luz tem vindo a este 
mundo na pessoa de Jesus Cristo, por que anda mal o mundo em pleno 
século vinte? O versículo que acabamos de citar dá a resposta. Apesar de 
todo o saber que se tem acumulado nos últimos duzentos anos, desde 
começos do Iluminismo até meados do século dezoito, o homem caído por 
natureza todavia ama mais as trevas do que a luz. A consequência é que, 
apesar de saber o que é justo, prefere o mal e o pratica. 
Tem uma consciência que lhe adverte antes de praticar o mal. Contudo o 
faz. Talvez o lamente, porém o pratica. Por que? Porque lhe agrada. O 
problema do homem não está no intelecto, está na sua natureza – as 
paixões e os prazeres. Este é o fator dominante. E embora se eduque nada 
conseguirá porque sua natureza seguirá sendo pecaminosa e caída. 
Esta pois é a condenação, e ninguém pode advertir ao mundo moderno 
exceto o cristão. O filósofo não somente não fala sobre isto, também não 
lhe agrada tal ensino. Não lhe agrada que lhe digam que apesar de seus 
vastos conhecimentos, não é mais do que um montão de argila humana 
comum como qualquer outro, e que é criatura de paixões, prazeres e 
desejos. Porém esta é a verdade. Como no caso, dos dias de nosso Senhor, 
muitos destes filósofos do mundo antigo, que saíram da vida pela porta 
do suicídio, assim sucede hoje em dia. 
Desconcertados, perplexos, sentindo-se frustrados, havendo intentado 
todos os tratamentos sociológicos, psicológicos e de outras classes, e 
contudo indo de mal a pior, os homens se rendem desesperados. 
O evangelho lhes molesta quando aponta que terão que confrontar a si 
mesmos, e sempre lhes diz o mesmo: “os homens amaram mais as trevas 
109 
do que a luz”. Este é o problema, e o evangelho é o único que o diz. 
Constitui uma luz no firmamento, e deveria revelar-se por nosso meio em 
meio aos problemas deste mundo tenebroso, miserável e infeliz dos 
homens. 
Porém, graças a Deus que não nos detemos aí. A luz não somente 
manifesta as trevas, mas apresenta e oferece a única saída das trevas. 
Aqui é onde todo crente deveria por mãos à obra. O problema do homem 
é o problema da natureza caída, pecaminosa, contaminada. Não se pode 
fazer nada? Temos provado que o conhecimento, a educação, os pactos 
políticos, as assembleias internacionais, não têm conseguido nada. Não 
resta esperança? Sim, há uma esperança abundante e perene: “tem que 
nascer de novo”. O que o homem necessita não é de mais luz, necessita 
de nova natureza que ame a luz e que odeie as trevas. O homem necessita 
se voltar para Deus. Não basta dizê-lo, porque, se fosse assim, o 
deixaríamos num estado de maior desesperança. Nunca encontrará o 
caminho até Deus, por mais que o tente. Porém o crente está aí para dizer-
lhe que há um caminho até Deus, um caminho muito simples. É conhecer 
a Jesus de Nazaré. Ele é o Filho de Deus e veio do céu à terra para buscar 
e salvar o que se havia perdido. Veio para trazer luz às trevas, para 
manifestar a causa das trevas, para mostrar o novo caminho para sair 
delas e ir a Deus no céu. Jesus, não somente tem carregado sobre Si a 
culpa desta terrível condição de pecado que nos tem causado tantos 
problemas, senão que nos oferece uma vida e natureza novas. Não 
somente nos dá um ensino novo ou uma compreensão nova do problema, 
não somente procura perdoar os pecados passados, faz-nos homens 
novos com desejos novos, aspirações novas, perspectiva nova e 
orientação nova. Porém sobretudo nos dá essa vida nova, a vida que ama 
a luz e odeia as trevas, no lugar de amar as trevas e odiar a luz. 
Os crentes, vocês e eu, vivemos em meio de pessoas que vivem em densas 
trevas. Nunca encontraram luz alguma neste mundo a não ser no 
evangelho que nós cremos e ensinamos. Eles nos observam. Vêm algo 
diferente em nós? 
Nossas vidas são uma reprovação silenciosa das vidas de tais pessoas? 
Vivemos de tal modo que as induzimos a vir a nós para nos perguntarem: 
Por que parecem sempre tão felizes? Como se mostram sempre tão 
equilibrados? Como podem aceitar as coisas como o fazem? Por que não 
dependem como nós de ajudas e prazeres artificiais? Que têm que não 
temos? 
110 
Se o fazem assim então podemos comunicar-lhes essas novas tão 
maravilhosas, surpreendentes, embora tragicamente omitidas, de que 
Cristo Jesus veio ao mundo salvar aos pecadores, e para dar aos homens 
uma nova natureza e uma nova vida, e para fazê-los filhos de Deus. 
Somente os crentes são a luz do mundo de hoje. Vivamos e atuemos como 
filhos da luz. 
 
Depois de ter-se referido aos crentes como sal da terra e luz do mundo, 
Jesus disse o seguinte em relação à lei: 
 
“17 Não penseis que vim destruir a lei ou os profetas; não vim destruir, 
mas cumprir. 
18 Porque em verdade vos digo que, até que o céu e a terra passem, de 
modo nenhum passará da lei um só i ou um só til, até que tudo seja 
cumprido. 
19 Qualquer, pois, que violar um destes mandamentos, por menor que 
seja, e assim ensinar aos homens, será chamado o menor no reino dos 
céus; aquele, porém, que os cumprir e ensinar será chamado grande no 
reino dos céus.” 
 
Cristo e o Antigo Testamento 
 
“17 Não penseis que vim destruir a lei ou os profetas; não vim destruir, 
mas cumprir. 
18 Porque em verdade vos digo que, até que o céu e a terra passem, de 
modo nenhum passará da lei um só i ou um só til, até que tudo seja 
cumprido. 
19 Qualquer, pois, que violar um destes mandamentos, por menor que 
seja, e assim ensinar aos homens, será chamado o menor no reino dos 
céus; aquele, porém, que os cumprir e ensinar será chamado grande no 
reino dos céus. 
20 Pois eu vos digo que, se a vossa justiça não exceder a dos escribas e 
fariseus, de modo nenhum entrareis no reino dos céus.” (Mt 5.17-20) 
 
Nos versos anteriores a estes (13 a 16) Jesus havia dito que o crente é o 
sal da terra e a luz do mundo e que as suas obras devem resplandecer para 
que Deus seja glorificado por meio delas. 
111 
O Senhor disse que somos cidadãos do reino dos céus, e devido a isso, 
temos que manifestar as características de tal cidadania. E devemos fazê-
lo para o fim de Deus ser glorificado. 
Suscita-se então a pergunta, como temos que fazê-lo. 
Este é o tema que se nos apresenta. A resposta pode ser formulada assim: 
temos que viver uma vida justa. Esta é a palavra que sintetiza a vida cristã: 
“justiça”, ou retidão. E o tema do resto do Sermão do Monte é, em muitos 
aspectos, este, de que o tipo de vida reta que o crente deve viver. Até Mt 
7.14 é este o tema dominante. 
O que é esta justiça ouretidão que temos que manifestar? Qual é a índole 
da mesma? Os versículos 17 a 20 deste quinto capítulo são uma espécie 
de introdução geral ao tema. 
Nosso Senhor apresenta este problema global da justiça e da vida justa 
que tem que caracterizar o crente. Antes de entrar em detalhes, propõe 
certos princípios gerais. 
Assim, logo nos versículos 17 e 18 afirma que tudo o que vai ensinar está 
de acordo com o ensino da Escritura do Velho Testamento. 
 A segunda proposição que apresenta nos versos 19 e 20 é que o seu 
ensino está em desacordo absoluto com o ensino dos fariseus e escribas. 
Jesus não se contentou em apresentar somente a Sua doutrina, como 
também criticou outras doutrinas. Ele criticou o ensino dos fariseus e 
escribas, e o desmascarou e atacou com frequência. 
Hoje há uma tendência em se ensinar somente aquilo que se julga 
positivo, e muito desagrada a muitos evangélicos terem que criticar outras 
posições. 
No entanto, é indispensável que façamos o mesmo que fizera o nosso 
Senhor. 
(Certamente não se trata de se abrir uma guerra chamada santa, ou se 
deixar dominar por amargura de espírito contra aqueles que andam 
errados doutrinariamente, mas é nosso dever desmascarar o erro onde 
quer que ele se encontre, quer no nosso próprio meio ou não, com vistas 
a manter a verdade divina entre as pessoas, para que possam achar a vida 
abundante que Jesus veio nos trazer – nota do tradutor). 
Os judeus consideravam os escribas e os fariseus como sendo os 
expoentes das Sagradas Escrituras. 
(No entanto Jesus sublinhou que eles erravam tanto na exposição das 
Escrituras quanto na sua prática, mas Ele não somente faria a exposição 
correta do ensino da verdade das Escrituras, como também cumpriria 
112 
perfeitamente todas as suas santas exigências. Assim, não veio destruir a 
revelação do Antigo Testamento, mas confirmá-la, inclusive naqueles 
aspectos relativos à transposição profetizada no Velho Testamento, da 
Antiga para a Nova Aliança. Era nEle, Jesus, que tal teria cumprimento. 
Jesus comprovou a validade das Escrituras do Velho Testamento na Antiga 
Aliança, vivendo sob os costumes dos judeus determinados pela Lei para 
o referido período do Antigo Testamento, como também, inaugurou uma 
Nova Aliança, revogando a obrigatoriedade de cumprimento das 
disposições cerimoniais da Lei, especialmente para que o evangelho 
alcançasse também as nações gentias – nota do tradutor). 
Com seu ensino Jesus destacou que a lei de Deus é absoluta e que não 
pode ser mudada, nem modificada no mínimo. É absoluta e eterna. Suas 
exigências são permanentes, e nunca podem ser revogadas, nem 
reduzidas “até que passem o céu e a terra”. Esta última expressão significa 
o fim dos tempos. O céu e a terra são sinal de continuidade. Enquanto 
permanecerem, diz nosso Senhor, nada desaparecerá, nem um jota ou til 
da lei. Não há nada menor que isto no alfabeto hebraico. 
Isto indica que a lei que Deus promulgou, e que pode ser encontrada no 
Antigo Testamento e em tudo o que os profetas disseram, se cumprirá até 
o mínimo detalhe, e permanecerá até que se tenha cumprido até a 
perfeição. 
Logo, a vinda do Senhor teve o propósito de conduzir até a perfeição tudo 
o que está contido na lei e nos profetas. 
(De fato, muito do que está profetizado no Velho Testamento teve 
cumprimento quando Jesus se manifestou em carne, e muito ainda do que 
está profetizado ainda aguarda pelo respectivo cumprimento, e as 
palavras de Jesus asseguram que tudo será cumprido a seu tempo, sem 
falhar – nota do tradutor). 
 
Cristo Cumpre a Lei e os Profetas 
 
Nunca devemos separar o Antigo Testamento do Novo. Me parece cada 
vez mais que é muito lamentável que se publique somente o Novo 
Testamento, porque tendemos a cair no erro grave de pensar que, porque 
somos cristãos, não necessitamos do Antigo Testamento. Foi o Espírito 
Santo quem guiou a Igreja Cristã, que era em grande parte gentia, a 
incorporar as Escrituras do Antigo Testamento com as Escrituras do Novo 
e a considerá-las como uma só coisa. Estão indissoluvelmente vinculadas 
113 
entre sí, e há muitos sentidos em que se pode dizer que não se pode 
entender o Novo Testamento sem a verdade e a luz que nos dá o Antigo 
Testamento. Por exemplo, é quase impossível sacar qualquer proveito na 
epístola aos Hebreus, a não ser que conheçamos as Escrituras do Antigo 
Testamento. 
Deus nunca mostrou com maior clareza a natureza inviolável e absoluta 
de Sua própria Lei, quando colocou seu próprio Filho debaixo da mesma. 
Observem quão cuidadoso foi nosso Senhor em observar a lei; Ele a 
obedeceu até em seus mínimos detalhes. Não somente isto, ensinou a 
outros a amarem a lei e a explicou confirmando-a constantemente e 
afirmando a necessidade absoluta de obedecê-la. 
Jesus cumpriu perfeitamente as exigências da Lei, até mesmo quando 
morreu em nosso lugar, fazendo-se pecado por nós. Ao morrer na cruz, 
cumpriu de forma passiva a exigência da Lei, determinando a condenação 
e a morte daquele que a violasse. Assim, ao morrer carregando sobre si os 
nossos pecados, Jesus estava cumprindo completamente a Lei, em suas 
santas exigências. 
O castigo não poderia ser anulado. Deus não poderia considerar 
pecadores culpados como sendo inocentes. Então a Lei teve que ser 
cumprida para que pudéssemos ser perdoados, por sermos considerados 
por Deus como tendo morrido juntamente com Cristo. 
Ao morrer na cruz, oferecendo-se como oferta pelos nossos pecados, 
Jesus deu cumprimento a todos os símbolos existentes na Lei de Moisés, 
quanto às ofertas e abluções pelos pecados. 
(Nos versos 19 e 20 do quinto capítulo Jesus afirmou: 
“19 Qualquer, pois, que violar um destes mandamentos, por menor que 
seja, e assim ensinar aos homens, será chamado o menor no reino dos 
céus; aquele, porém, que os cumprir e ensinar será chamado grande no 
reino dos céus. 
20 Pois eu vos digo que, se a vossa justiça não exceder a dos escribas e 
fariseus, de modo nenhum entrareis no reino dos céus.” (Mt 5.19,20). 
Jesus sublinha a importância dos crentes não violarem os mandamentos 
da Lei, e de darem a devida honra e cumprimento à Lei (v. 19). No entanto, 
destacou que se espera dos crentes uma justiça superior à dos escribas e 
fariseus, que era meramente baseada no esforço de cumprir a lei. E 
destacou que é por esta justiça que se entra no reino dos céus (v. 20), a 
saber, a justiça que é pela fé nEle, e pela qual somos justificados para 
sermos reconciliados eternamente com Deus. Justificação esta, que nos 
114 
sendo imputada, atribuída, nos capacitará a receber em nossa própria 
natureza a justiça evangélica que nos é implantada progressivamente pelo 
trabalho do Espírito Santo, com base na graça, na fé e no arrependimento, 
que consiste no trabalho da regeneração e da santificação do Espírito – 
nota do tradutor). 
Qual é a relação do crente com a lei? Pode-se responder assim. O crente 
já não está sob a lei no sentido de que a lei é um pacto de obras. Este é 
todo o argumento de Gálatas 3. O crente não está sob a lei nesse sentido; 
sua salvação não depende que cumpra a lei, porque tem sido libertado da 
maldição da lei; e já não está sob ela como uma relação contratual entre 
ele e Deus. Todavia, isto não o dispensa da lei como norma de vida. O 
problema se suscita porque nos confundimos quanto à relação entre a lei 
e a graça. Tendemos a ter uma ideia equivocada da lei e a pensar nela 
como se fosse algo que se opõe à graça. Porém, não é assim. A lei somente 
se opõe à graça, quando, em outro tempo havia um pacto de lei, e agora 
estamos debaixo de um pacto de graça. Tampouco, há de se pensar que a 
lei é idêntica à graça. Nunca foi assim. A lei nunca foi dada para salvar o 
homem, porque não pode salvá-lo, senão unicamente a graça. 
Muitos têm uma ideia equivocada em relação à graça, porque pensam que 
a graça é algo separado da lei. A isto se chama antinomianismo, a atitude 
dos que abusam da doutrina da graça para levar uma vida de pecado e 
indolência. Dizem: “não estou sob a lei,senão sob a graça, e portanto, não 
importa o que faça”. Foi por isso que Paulo escreveu o sexto capitulo de 
Romanos, para demonstrar como tal ideia é errônea e falsa quanto à 
graça. 
Um dos propósitos da graça, é o de capacitar-nos a cumprir a lei. Nosso 
problema é que temos às vezes uma ideia equivocada quanto à santidade. 
Não temos que considerar a santificação como uma experiência que 
temos que receber. Não. Santidade significa ser justo, e ser justo significa 
cumprir a lei. 
Nunca devemos separar estas duas coisas. A graça não é sentimento. A 
santidade não é uma experiência. Devemos ter esta mente e disposição 
novas que nos conduzem a amar a lei e a desejar guardá-la, e Cristo, com 
seu poder nos capacita para cumpri-la. 
 
 
 
 
115 
Justiça Maior do que a dos Escribas e Fariseus 
 
“Pois eu vos digo que, se a vossa justiça não exceder a dos escribas e 
fariseus, de modo nenhum entrareis no reino dos céus.” (Mt 5.20). 
 
Os escribas e fariseus pareciam ao povo judeu serem pessoas muito 
santas. Porém, nosso Senhor demonstrou com clareza que careciam tanto 
de justiça quanto de santidade. Eles não amavam a Deus e ao próximo 
como convinha. Não tinham misericórdia pelos pecadores e não estavam 
em nada interessados em alcançá-los para uma vida de justiça e de 
santidade. Eles não interpretavam nem entendiam corretamente a lei. 
Os escribas e fariseus eram em muitos sentidos as pessoas mais notáveis 
da nação judaica. Os escribas eram homens que se dedicavam 
exclusivamente a explicar e a ensinar a lei, eram as grandes autoridades 
na lei de Deus. Dedicavam toda a sua vida ao estudo e à ilustração da 
mesma. Mais que qualquer outro grupo de pessoas, podiam, portanto, 
pretender estar preocupados com a lei. Copiavam-na com cuidado, e 
passavam a vida ocupados com a lei, e todos tinham grande consideração 
por eles por esta mesma razão. 
Os fariseus eram homens notáveis e famosos por sua “santidade”. A 
própria palavra “fariseu” significa “separado”. Eram pessoas que se 
consideravam aparte, porque haviam composto um código cerimonial 
relacionado com a lei que era mais rigoroso que a própria lei de Moisés. 
Haviam estabelecido regras e normas de vida e conduta que em seu rigor 
excediam tudo quanto se continha nas Escrituras do Antigo Testamento. 
(Quanto deste comportamento farisaico há no meio da própria Igreja, 
apesar de Jesus ter advertido quando a este fermento de hipocrisia 
farisaica, que acrescenta costumes rigorosos à vontade revelada de Deus, 
para colocar fardos pesados sobre os ombros das pessoas, para passar a 
imagem de uma pretensa santidade? – nota do tradutor). 
Por isso Jesus apresentou o exemplo do publicano e do fariseu que 
subiram ao templo para orarem. O fariseu disse que jejuava duas vezes 
por semana. Porém no Antigo Testamento não há nenhuma passagem 
que requeira isto. De fato pede que se jejue uma vez por ano. Porém 
pouco a pouco esses homens haviam elaborado o seu próprio sistema e 
haviam conseguido impô-lo ao povo, ao qual exortavam e mandavam que 
jejuassem duas vezes por semana em vez de uma vez por ano. Desse modo 
haviam chegado a formar seu próprio código rigoroso de moral e conduta, 
116 
e em consequência disso, todos teriam aos fariseus como modelos de 
virtude. 
O homem comum dizia de si mesmo: “Ah, não tenho qualquer esperança 
de chegar a ser tão religioso como os escribas e os fariseus. São 
excelentes; vivem como santos. Esta é a sua profissão; este é o seu único 
objetivo no sentido religioso, moral e espiritual”. Porém, aí interveio 
nosso Senhor, anunciando a esta gente que a não ser que sua justiça fosse 
maior do que a dos escribas e fariseus não poderiam jamais entrar no 
reino dos céus. 
Jesus estabelece aqui, como postulado, que a justiça do crente, do menor 
deles, deve exceder a dos escribas e fariseus. Devemos portanto, analisar 
a profissão da fé cristã, à luz desta análise de Jesus Cristo. 
A religião dos escribas e fariseus era completamente externa e formal em 
vez de ser uma religião do coração. 
O reino de Deus se ocupa do coração; não são minhas ações externas, 
senão o que há dentro de mim, o que importa. 
Jesus acusou os fariseus e escribas por se preocuparem mais com o 
cerimonial do que com o moral. Eles eram muito cuidadosos 
externamente; eram sumamente meticulosos em lavar as mãos quanto 
aos aspectos cerimoniais da lei. Porém não se preocupavam tanto dos 
aspectos morais da lei. E isto não continua sendo um perigo terrível? Há 
um tipo de religião – e, por desgraça, me parece que vai se fazendo cada 
vez mais comum – que vacila em ensinar, que devemos apenas ir à igreja 
aos domingos pela manhã, e não importa muito o que façamos no 
restante do dia. 
Muitos pensam que estão corretos diante de Deus por apenas 
participarem da santa ceia, e pensam que estão livres depois para fazerem 
o que quiserem. 
Então há esta tendência para se pensar, tal como os fariseus, que desde 
que se tenha comparecido ao culto, isto nos basta. 
O objetivo final dos fariseus não era o de glorificar a Deus senão a si 
mesmos. Quando cumpriam seus deveres religiosos pensavam em si 
mesmos e no seu próprio bem-estar. 
Este é um perigo sempre presente na Igreja de fazermos somente aquilo 
que consideramos ser nossa obrigação religiosa. 
(Quantos têm sido impulsionados pelo Espírito Santo, para serem 
instrumentos de Deus para abençoarem as vidas de muitos? Quando falta 
isto, nossa religião é vã, porque quando estamos realmente em comunhão 
117 
com Deus, Ele desperta em nós um grande interesse em nos esforçarmos 
para abençoar as pessoas, e Ele nos capacita efetivamente a isto, criando 
as condições para que sejamos instrumentos úteis para promover a 
aproximação de outros ao Seu trono de graça, para serem abençoados e 
guiados na verdade, tanto quanto nós. Então a nossa religiosidade será 
sempre medida pelo grau da nossa misericórdia e amor ao próximo – nota 
do tradutor). 
 
É de Vital Importância Conhecer o Espírito da Lei 
Além da Letra da Lei 
 
Ao usar a fórmula “ouvistes o que foi dito aos antigos, eu porém vos digo” 
no Sermão do Monte, nosso Senhor Jesus Cristo não estava fazendo 
alterações na Lei de Moisés, porque havia afirmado antes que não veio 
revogar a Lei, mas cumpri-la. Afinal, como Deus que é, Ele próprio havia 
dado a Lei a Moisés, e portanto, estava não modificando mas revelando o 
espírito da Lei, por uns poucos exemplos que havia tomado para 
apresentar em seu ensino relativo à forma de um crente se relacionar com 
a Lei. Ele tinha em vista combater especialmente o ensino errôneo dos 
escribas e fariseus quanto ao modo de se aplicar a Lei, pois eles não 
atentavam para o espírito da Lei, senão para a letra, e ainda assim, não 
faziam uma exposição adequada da letra da Lei sem alterar o modo como 
se encontra registrada nas Escrituras. Eles se valiam da ignorância do povo 
de um modo geral da língua hebraica, na qual a Lei encontrava-se escrita, 
porque desde que haviam sido deportados para Babilônia os judeus 
começaram a falar o aramaico no lugar do hebraico, e praticamente 
somente os escribas e fariseus detinham o conhecimento do hebraico, de 
maneira que tinham facilidade para ocultar o verdadeiro significado da Lei 
para o povo. Entretanto faltava a eles próprios, a sabedoria para 
entenderem o verdadeiro significado e forma de aplicação dos preceitos 
de Deus constantes da Sua Palavra. Então Jesus tratou de expor a 
verdadeira maneira de se tratar com a Lei, que como veremos adiante, era 
bastante diferente do modo como a mesma era apresentada ao povo 
pelos escribas e fariseus. 
A situação dos judeus nos dias de Jesus era muito semelhante à das nações 
nos dias da Reforma Protestante, quando as Escrituras eram lidas apenas 
em Latim pela Igreja Romana. E para terem acesso às Escrituras as pessoas 
tinham que recorrer aos padres supondo que eles poderiam dar-lhes as 
118 
explicações que buscavam de maneira conveniente e verdadeira. O que a 
Reforma Protestante fez foi colocar a Bíblia nas mãosdo povo, permitindo 
que fosse lida na própria língua deles, e comprovarem o falso ensino e as 
explicações errôneas do evangelho que lhes haviam sido dadas. 
Assim, como os judeus dependiam nos dias de Jesus dos escribas e fariseus 
para ter acesso às Escrituras, o que lhes foi ensinado como sendo a lei, não 
o era em absoluto. Consistia sobretudo em interpretações e tradições que 
eles haviam acrescentado à lei ao longo dos séculos. De tal maneira 
haviam acrescentado suas próprias interpretações que era quase 
impossível naquele tempo dizer o que era de fato a Lei e qual era a sua 
interpretação. 
Então quando Jesus disse “ouvistes o que foi dito aos antigos, eu porém 
vos digo” Ele certamente estava pretendendo afirmar senão que tudo o 
que eles vinham ouvindo desde há muito da parte dos escribas e fariseus 
deveria ser entendido à luz da interpretação correta que Ele apresentaria 
agora quanto à forma de se honrar e aplicar a Lei de Deus à vida, pelos 
exemplos que seriam destacados por Ele (homicídio, adultério, amor ao 
próximo etc – Mt 5.27-43) para ilustrar o quanto erroneamente eles 
haviam sido ensinados quanto ao modo de se considerar a Lei. 
Ele não estava portanto dizendo: “a lei de Moisés dizia, eu porém vos 
digo”. Lembremos que Ele havia confirmado e não revogado a Lei. Senão 
que estava afirmando: “vocês têm sido ensinados assim quanto à Lei, eu 
porém vos digo...”, afirmando a Sua própria autoridade como quem tinha 
a interpretação autêntica da Lei, por ter sido Ele próprio o Seu autor. 
Como Jesus queria ensinar-nos o espírito da lei, os princípios da Lei, se 
tomarmos estas ilustrações do Sermão do Monte, particularmente as de 
Mateus 5.27-43, e as convertermos em lei, estaremos negando o que Ele 
quis fazer. Jesus fez isto porque conhece bem a natureza humana e sabe 
que é dada a se apegar mais a dogmas do que a princípios. Esta é a causa 
do sucesso de várias seitas em obterem adeptos. O homem natural gosta 
de uma lista concreta de ordenanças. Porém isto não é possível no caso 
do evangelho, não é possível de modo algum no reino de Deus. Se na 
dispensação da Antiga Aliança havia espaço para uma postura legalista, 
ainda que não fosse este o objetivo de Deus com a doação da Lei, 
entretanto não há nenhum espaço para tal legalismo na dispensação da 
Nova Aliança. 
Mas mesmo na Nova Aliança, como é também ao homem que se destina 
o mandamento, este sempre achará mais fácil ser legalista do que viver 
119 
em função de princípios, que apontem para uma santidade de toda a vida, 
quer do corpo, quer da alma, quer do espírito. Em vez de se buscar o 
espírito da lei, será comum ver a busca da letra da lei. No entanto a lei não 
é tanto um código ético, mas um esboço de um estilo de vida, que aponta 
o modo pelo qual devemos viver neste mundo. 
Se tomarmos as seis afirmações que Jesus fez em Mt 5.27-43 em função 
da fórmula “ouvistes o que foi dito, eu porém vos digo”, veremos que o 
princípio que Ele utiliza é o mesmo em cada caso. Num trata da 
moralidade sexual, no seguinte do homicídio, e noutro do divórcio. Porém 
o princípio é sempre o mesmo. Nosso Senhor, como Mestre sabia que é 
importante ilustrar um princípio, e por isso deu seis exemplos de uma 
verdade. Vejamos agora este princípio comum que se encontra nos seis 
exemplos, de modo que quando passemos a estudar cada um dos 
exemplos, possamos ter bem presente que o desejo básico do Senhor era 
mostrar o significado e intenção verdadeiros da lei. E corrigir as conclusões 
errôneas que os escribas e fariseus haviam tirado dela e todas as noções 
falsas que haviam baseado nela. 
Estes são portanto os princípios a que nos referimos: primeiro, o que 
sobretudo conta é o espírito da lei, e não somente a letra. A lei teria que 
ser algo vivo, aplicável à vida e não mecânico. O problema dos fariseus e 
dos escribas era que não somente se concentravam na letra, como 
também excluíam o espírito. O homem sempre se fixa mais na forma do 
que no conteúdo, mais na letra do que no espírito. Por isso Paulo disse 
que a letra mata, mas o espírito vivifica (II Cor 3.6), e o pensamento 
principal de Paulo neste capítulo de Coríntios é que Israel tinha se 
concentrado tanto na letra da lei, que havia perdido o espírito da lei. O 
propósito específico da letra é dar corpo ao espírito, e o espírito é o que 
realmente importa, não a simples letra. Tomemos por exemplo, a questão 
do homicídio. Os escribas e fariseus criam que haviam cumprido a lei com 
perfeição se não matassem de fato a ninguém. Porém, com isso não 
entendiam nada do espírito da lei, e que este não diz respeito que não 
tenho somente que não matar literalmente a ninguém, mas que minha 
atitude em relação aos outros tem que ser justa e amorosa. Pode-se dizer 
o mesmo das demais ilustrações que Jesus fez, de maneira que Ele e os 
apóstolos resumem toda a Lei no amor ao próximo, afirmando que aquele 
que ama tem cumprido a Lei. 
É evidente pois, que se confiamos somente na letra entenderemos mal a 
lei. 
120 
Tomemos agora o segundo princípio, que não é senão uma outra maneira 
de expressar o primeiro. A conformidade à lei não tem que ser 
considerada somente em função de atos. Os pensamentos, motivos e 
desejos são igualmente importantes. A lei de Deus se ocupa tanto do que 
conduz aos atos como dos atos propriamente ditos. Isto não quer dizer 
que os atos não importam, quer dizer que não importam somente os atos, 
porque Deus leva em consideração o que os motiva. Assim não é somente 
o ato consumado do homicídio ou do adultério que contam para Deus mas 
os desejos da mente e do coração do homem que o conduz a praticar tais 
atos ou a pensar em praticá-los,. 
Como os maus pensamentos e as más ações procedem do coração o que 
importa é o coração do homem. Por isso não se deve pensar na lei de 
Deus, em agradar a Deus somente em função do que fazemos ou 
deixemos de fazer, porque é a atitude interna que Deus sempre leva em 
conta. O estado de nossa alma e coração. 
Um outro princípio é que se deve pensar na lei não somente de forma 
negativa, mas também de forma positiva. O propósito último da lei não é 
somente impedir que façamos certas coisas que são más, seu verdadeiro 
objetivo é nos guiar de forma positiva, não somente para que façamos o 
que é bom, como também para amá-lo. 
Há quem pense na santidade e na santificação de maneira puramente 
mecânica. Pensam que desde que não se embriaguem, que deixem de ir 
ao teatro, etc, tudo vai bem. Sua atitude é puramente negativa. Não 
parece importar que alguém seja invejoso, ciumento, rancoroso. O fato de 
que esteja cheio de orgulho parece não importar contanto que não se faça 
certas coisas. 
O quarto princípio é que o propósito da lei tal como Cristo o propõe, não 
é manter-nos num estado de obediência a normas opressoras, senão 
fomentar o livre desenvolvimento de nossa vida espiritual. Isto é de 
importância vital. Não devemos pensar na vida santa, no caminho da 
santificação, como algo áspero e penoso que nos coloca num estado de 
escravidão. De maneira alguma, porque há a possibilidade gloriosa que 
nos é oferecida no evangelho de Cristo para que nos desenvolvamos como 
filhos de Deus, crescendo à medida da estatura da plenitude de Cristo. O 
apóstolo João nos diz em sua primeira carta que os mandamentos do 
Senhor não são penosos, de maneira que se você e eu consideramos o 
ensino ético do Novo Testamento como algo que nos paralisa, se 
pensamos nele como algo que nos restringe totalmente, significa que não 
121 
temos entendido o propósito do evangelho de nos conduzir à liberdade 
gloriosa dos filhos de Deus, e estes preceitos específicos não são mais do 
que exemplos concretos de como podemos chegar a isso e a desfrutá-lo. 
Isto, por seu turno, nos conduz ao quinto princípio que é a lei de Deus, e 
todas estas instruções éticas da Bíblia, nunca devem ser consideradas 
como um fim em si mesmas. Nunca devemos pensar nelas como algo que 
temos que colocar na parede e dizer, como faziam os escribas e fariseus:“Bem, não sou réu de nada disso, e portanto tudo vai bem. Sou justo e 
tudo vai bem entre Deus e eu.”. Isto porque consideravam a lei como algo 
em si mesma. A codificaram deste modo, e contanto que cumprissem este 
código diziam que tudo estava bem. Segundo nosso Senhor, esta é uma 
ideia falsa sobre a lei. Porque não é à lei que temos que dirigir nossas 
perguntas, mas a uma pessoa, ao próprio Deus. Como está minha relação 
com Deus? Tenho lhe agradado? Noutras palavras, a pergunta que tenho 
que fazer não é somente se tenho cometido homicídio ou adultério, se sou 
culpado desta ou daquela coisa, e caso contrário dar graças a Deus porque 
tudo vai bem. Não. Uma abordagem correta seria perguntar se tenho 
colocado Deus como o primeiro em minha vida, se tenho vivido para Sua 
honra e glória, se o tenho conhecido melhor a cada dia, se tenho zelo por 
Sua honra e glória, e se há algo em mim que não se assemelha a Cristo, 
em pensamentos, imaginações, desejos e impulsos. Esta é a forma correta 
de se perguntar em relação aos princípios revelados na Lei. Ela nos foi 
dada para os conduzir a isto. Assim o legalista se examina à luz de um 
código mecânico de normas e regras, mas o que vive em santidade 
verdadeira pelo poder do Espírito se examina à luz de uma Pessoa viva. E 
assim como não temos que considerar a lei como um fim em si mesma, de 
igual modo não temos que considerar assim o Sermão do Monte. 
São instrumentos que têm como finalidade nos conduzir a uma relação 
autêntica e viva com Deus. Devemos ter sempre cuidado portanto para 
não fazer do Sermão do Monte o que os escribas e fariseus fizeram com a 
Lei de Moisés. 
Não podemos viver a vida cristã aparte de uma relação direta, viva e 
genuína com Deus. 
 
Não Matarás 
 
“21 Ouvistes que foi dito aos antigos: Não matarás; e, quem matar será 
réu de juízo. 
122 
22 Eu, porém, vos digo que todo aquele que se encolerizar contra seu 
irmão, será réu de juízo; e quem disser a seu irmão: Raca, será réu diante 
do sinédrio; e quem lhe disser: Tolo, será réu do fogo do inferno. 
23 Portanto, se estiveres apresentando a tua oferta no altar, e aí te 
lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, 
24 deixa ali diante do altar a tua oferta, e vai conciliar-te primeiro com teu 
irmão, e depois vem apresentar a tua oferta. 
25 Concilia-te depressa com o teu adversário, enquanto estás no caminho 
com ele; para que não aconteça que o adversário te entregue ao guarda, 
e sejas lançado na prisão. 
26 Em verdade te digo que de maneira nenhuma sairás dali enquanto não 
pagares o último ceitil.” (Mt 5.21-26) 
 
Para detalhar em que consistia a justiça que deveria exceder em muito a 
dos escribas e fariseus, conforme havia citado no verso precedente a estes 
(v. 20), Jesus começou a ilustrá-la com o ensino destes versos 21 a 26. 
Este é o primeiro dos seis exemplos que Jesus apresentou para sua 
interpretação da lei de Deus em contraposição à dos escribas e fariseus. 
Os escribas e fariseus eram culpados de terem restringido o sentido e 
aplicação da lei. 
Ao terem agregado ao mandamento não matarás das tábuas da lei de 
Moisés, o de que o assassino se faria réu de juízo, os escribas e fariseus 
reduziram e confinaram as sanções divinas que acompanhavam o 
mandamento “não matarás” a um simples castigo da parte das mãos dos 
magistrados civis. 
A consequência é que ensinavam simplesmente: “Não deves matar 
porque se o fizeres correrás o perigo de que o magistrado civil te 
condene”. Esta era a interpretação total e completa deles, do grande 
mandamento que diz: “Não matarás”. Em outras palavras, haviam 
esvaziado o mandamento de seu grande conteúdo e o haviam reduzido a 
uma simples questão de homicídio. 
Além disso, não mencionavam nada relativamente ao juízo de Deus. 
Parece que importava-lhes somente o juízo da corte local. Haviam 
convertido o mandamento em algo puramente legal, e somente da letra 
da lei que dizia: “se cometeres homicídio, se seguirão certas 
consequências”. 
123 
Assim, para os escribas e fariseus, desde que não se cometessem 
homicídios, tudo estava bem diante de Deus, porque davam o 
mandamento não matarás por cumprido. 
Mas Jesus disse: Não. Não. Nisto se vê precisamente como o conceito 
geral de justiça e de lei, do ensino dos escribas e fariseus se converteu 
numa farsa completa. Tem restringido de tal modo a lei, a têm limitado 
tanto que de fato já não é a lei de Deus. Não transmite a exigência que 
Deus tinha em mente quando a promulgou. 
Vejamos como nosso Senhor colocou a descoberto essa falácia dos 
escribas e fariseus e como nos mostra que se a consideramos assim, 
entendemos mal o significado da santa lei de Deus. Apresenta sua ideia e 
exposição em três princípios que passamos a analisar. 
O primeiro princípio é que o que importa não é a letra senão o espírito. A 
lei diz: “Não matarás”, porém isto não significa tão somente “Não 
cometerás homicídio”. Interpretá-la assim é definir a lei com uma forma 
que nos permita pensar que podemos cumpri-la. (Por exemplo, se não 
matamos alguém, podemos pensar que temos cumprido a lei, apesar de 
odiar a muitos e de ofendê-los e prejudicá-los, quando sabemos que isto 
não é verdadeiro – nota do tradutor). 
Assim, podemos muito bem ser culpados de violar esta mesma lei numa 
forma sumamente grave. Nosso Senhor passa a explicá-lo. Este 
mandamento diz, inclui não somente o ato físico de matar, senão também 
a ira contra um irmão. A verdadeira forma de entender o “Não matarás” 
é esta: ”Qualquer que se enfureça contra seu irmão, será culpado de 
juízo”. 
Agora começamos a ver algo do verdadeiro conteúdo espiritual da lei. 
Nessa antiga lei dada por meio de Moisés estava todo esse conteúdo 
espiritual. 
Não imaginemos, portanto, que já não temos nada a ver como cristãos, 
com a lei de Moisés. 
Segundo nosso Senhor Jesus Cristo, abrigar inimizade no coração, é ser 
culpado de algo que, diante de Deus, é homicídio. 
Odiar, enfurecer-se, abrigar esse sentimento desagradável e odioso de 
ressentimento contra uma pessoa é homicídio. 
Porém isto não é tudo. Não somente não devemos nos irar; nunca 
devemos sequer mostrar desprezo. Porque qualquer que chamar seu 
irmão de raka será culpado ante o concílio. Desprezar a um irmão 
124 
chamando-o de raka, é, segundo nosso Senhor, algo que, diante de Deus, 
é terrível. 
Desprezo, sentimentos de burla e mofa, nascem do espírito que em última 
instância, conduz ao homicídio. 
Por várias razões, talvez não deixemos que se expresse em verdadeiro 
homicídio. Porém, por desgraça, frequentemente nos temos matado uns 
aos outros no pensamento e no coração, não é certo? Temos fomentado 
pensamentos contra pessoas, e esses pensamentos são tão maus como o 
homicídio. Podemos destruir a reputação de alguém, podemos quebrar a 
confiança de alguém em si mesmo por meio de críticas. 
Isto indica nosso Senhor nesta passagem, e o propósito que o guia é 
mostrar que tudo isto está incluído no mandamento, “Não matarás”. 
Matar não significa somente destruir a vida fisicamente, significa também 
tratar de destruir o espírito e a alma, destruir a pessoa na forma que seja. 
Nosso Senhor logo passa ao terceiro ponto: ”qualquer que lhe diga: Tolo, 
será exposto ao inferno de fogo”. Isto significa expressão ofensiva, 
difamação. Significa o ódio e inimizade de coração que se manifestam por 
meio de palavras. 
Estamos sem dúvida, diante de uma afirmação muito importante. “Quer 
dizer”, pergunta alguém, “que a ira é sempre má? Que sempre é 
proibida?” “Acaso não há exemplos”, pergunta outro, “no próprio Novo 
Testamento em que nosso Senhor falou desses fariseus em termos fortes; 
quando por exemplo se referiu a eles como sendo cegos e hipócritas, ou 
quando se voltou ao povo para dizer-lhes: “Oh insensatos e tardos de 
coração para crer”, e “insensatos e cegos”? Como pode proibir então que 
empreguemos os mesmos termos? Como reconciliar este ensino com 
Mateus 23 onde maldiz aos fariseus? Estas perguntas não são difíceis de 
responder. 
Quando nosso Senhor lançouas maldições, o fez com caráter judicial. O 
fez como quem tem recebido autoridade de Deus. Nosso Senhor 
pronuncia sentença final sobre os fariseus e escribas. Como Messias, tem 
autoridade para fazê-lo. Lhes havia oferecido o evangelho, lhes havia 
brindado com todas as oportunidades. Porém eles as haviam rechaçado. 
Não somente isto, devemos recordar que nosso Senhor sempre diz tais 
coisas contra a religião falsa e a hipocrisia. O que na realidade censura é a 
justiça própria que repudia a graça de Deus e inclusive se justificaria a si 
mesma diante de Deus e o rechaçaria. É judicial, e se vocês e eu podemos 
125 
dizer que empregamos tais expressões nesse sentido, então não caímos 
nesse pecado. 
O mesmo ocorre com os Salmos imprecatórios, que turbam a tanta gente. 
O salmista, sob inspiração do Espírito Santo, pronuncia sentença não 
somente contra seus próprios inimigos, senão contra os inimigos de Deus 
e contra aqueles que ultrajam a Igreja e o Reino de Deus, tal como 
aparecem nele e na nação. Em outras palavras, nossa ira deve se dirigir 
somente contra o pecado; nunca devemos nos irar com o pecador, senão 
somente sentir pesar e compaixão. 
Diante do pecado, da hipocrisia, da injustiça e de todo tipo de mal, 
deveríamos sentir ira. Assim, se cumpre a exortação de Paulo aos efésios: 
“Irai-vos e não pequeis”. 
As duas coisas não são incompatíveis. A ira de nosso Senhor sempre foi 
uma indignação justa, ira santa, expressão da ira de Deus mesmo. 
Recordemos que “a ira de Deus se revela desde o céu contra toda 
impiedade e injustiça dos homens que detêm com injustiça a verdade” 
(Rom 1.18). Nosso Deus, contra o pecado, é fogo consumidor. Não cabe 
dúvida disso. Deus odeia o mal. A ira de Deus se desencadeia contra ele e 
se derrama sobre ele. Isto é parte essencial do ensino bíblico. 
Quanto mais nos santificamos, maior ira sentimos contra o pecado. 
Porém, nunca devemos, repito, irar-nos contra o pecador. Nunca devemos 
irar-nos com uma pessoa como tal; devemos distinguir entre a pessoa e o 
que ela faz. Nunca devemos ser culpados de sentir desprezo e nem de 
ofender. 
Passemos agora à segunda afirmação: “Nossa atitude não deve ser 
negativa, senão positiva.”. Nosso Senhor o disse assim. Depois de haver 
sublinhado o aspecto negativo passa a formulá-lo de forma positiva, 
assim: ” 23 Portanto, se estiveres apresentando a tua oferta no altar, e aí 
te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, 24 deixa ali 
diante do altar a tua oferta, e vai conciliar-te primeiro com teu irmão, e 
depois vem apresentar a tua oferta.” 
Estamos diante de algo muito importante e significativo. Não somente 
não há que se abrigar pensamentos maus e homicidas no coração contra 
alguém; o mandamento de não matar significa realmente que deveríamos 
tomar medidas para reconciliar-nos com nosso irmão. O perigo é que não 
detenhamos o negativo, e creiamos que, como não temos cometido 
homicídio, então tudo vai bem. Porém, há um segundo passo que temos 
126 
esquecido, a saber: devemos chegar ao ponto que não haja nenhum mal 
entendido sequer, em espírito, entre nosso irmão e nós. 
Tentamos expiar os fracassos morais tratando de compensar o mal com o 
bem. Trata-se do perigo de oferecer certos sacrifícios rituais para cobrir os 
fracassos morais. Os fariseus eram experientes nisso. Iam ao templo com 
regularidade, eram sempre meticulosos nestas matérias de detalhes e 
minúcias da lei. Porém julgavam e condenavam constantemente aos 
demais com desprezo. Evitavam que a consciência lhes acusasse dizendo: 
“Depois de tudo dou culto a Deus; levo minha oferta ao altar”. 
Compensamos uma coisa com outra, pensando que este bem compensa 
aquele mal. Não, não, diz nosso Senhor. Deus não é assim. Isto é tão 
importante, que, inclusive se me encontrar diante do altar com uma 
oferta para Deus, e de repente recordar algo que tenho dito ou feito, algo 
que faz que outra pessoa tropece ou erre; se descobrisse que em meu 
coração há pensamentos ofensivos e indignos contra ele ou que criem 
obstáculos, então nosso Senhor nos diz que deveríamos, em certo sentido, 
inclusive deixar Deus esperando em lugar de seguir adiante com a oferta. 
Devemos nos reconciliar primeiro com o irmão e somente depois votar 
para fazer a oferta. Diante de Deus de nada vale o ato de culto se 
aceitamos um pecado conhecido. 
Finalmente, Jesus ensinou acerca deste princípio:” 25 Concilia-te depressa 
com o teu adversário, enquanto estás no caminho com ele; para que não 
aconteça que o adversário te entregue ao guarda, e sejas lançado na 
prisão. 26 Em verdade te digo que de maneira nenhuma sairás dali 
enquanto não pagares o último ceitil.” 
Jesus diz que não devemos demorar para acertar a situação. Não somente 
devemos pensar em função de nosso irmão que temos agravado, ou pelo 
qual sentimos inimizade, devemos sempre pensar em nós mesmos diante 
de Deus. Deus é o Juiz. Deus é o Justificador. Sempre nos exige estas 
coisas, e tem poder sobre todos os tribunais do céu e da terra. É o Juiz, e 
suas leis são absolutas. Tem direito a exigir até o último centavo. Que 
vamos fazer, pois? Você e eu estamos em viagem neste mundo, e aí está 
a lei com suas exigências. É a lei de Deus. Diz: “Que ocorre com tua relação 
com o irmão, que ocorre com isso que há em teu coração? Não tens lhe 
dado a devida atenção? Aja rápido, diz Cristo. Talvez não estejas aqui 
amanhã e irás para a eternidade como estás. Ponha-te logo em acordo 
com o teu adversário enquanto estás caminhando neste mundo. 
 
127 
 
A Pecaminosidade Extraordinária do Pecado 
 
“27 Ouvistes que foi dito: Não adulterarás. 
28 Eu, porém, vos digo que todo aquele que olhar para uma mulher para 
a cobiçar, já em seu coração cometeu adultério com ela. 
29 Se o teu olho direito te faz tropeçar, arranca-o e lança-o de ti; pois te é 
melhor que se perca um dos teus membros do que seja todo o teu corpo 
lançado no inferno. 
30 E, se a tua mão direita te faz tropeçar, corta-a e lança-a de ti; pois te é 
melhor que se perca um dos teus membros do que vá todo o teu corpo 
para o inferno.” (Mt 5.27-30) 
 
Os escribas e fariseus haviam reduzido o mandamento que proíbe o 
adultério ao simples ato físico de adulterar; e pensavam que desde que 
não cometessem o ato propriamente dito, o mandamento estaria 
perfeitamente cumprido. 
Eles haviam esquecido todo o espírito da lei. Como temos visto, isto é algo 
muito vital para uma verdadeira compreensão do evangelho do Novo 
Testamento: “a letra mata, porém o espírito vivifica.” 
Os dez mandamentos não podem ser tomados separadamente. Por 
exemplo, o décimo diz que não se deve desejar a mulher do próximo, e 
isto, obviamente, deveria ser tomado com relação a este mandamento de 
não cometer adultério. O apóstolo Paulo, nesta afirmação vigorosa de 
Romanos 7, confessa que ele próprio havia caído nesse erro. Diz que foi 
quando se deu conta de que a lei dizia: “Não cobiçarás”, que começou a 
entender o significado da concupiscência. Antes disso havia pensado na 
lei em função de atos somente. Porém, a lei de Deus não se limita às ações, 
diz: “Não cobiçarás”. A lei sempre havia insistido na importância do 
coração, e essa parte, com suas ideias ritualísticas do culto a Deus e seu 
conceito puramente mecânico da obediência, ele havia esquecido 
completamente. 
Nosso Senhor, portanto, quer sublinhar essa importante verdade para 
deixá-la bem gravada em seus seguidores. Os que pensam que podem 
adorar a Deus e conseguir a salvação com suas próprias ações são réus de 
tal erro. Por isso nunca entendem o caminho cristão da salvação. Nunca 
têm chegado a ver que em última instância é uma questão do coração; 
128 
senão que pensam que, enquanto não façam certas coisas e façam certas 
boas obras, estão justificados diante de Deus. 
Assim, às pessoas que diziam, “contanto que alguém não cometa 
adultério já têm cumprido esta lei”, Jesus Cristo diz: “todo aquele que 
olhar para uma mulher para a cobiçar, já em seu coração cometeu 
adultério com ela.”Tornamos a encontrar pois, o ensino de nosso Senhor relativo à natureza 
do pecado. Todo o propósito da lei, como Paulo nos recorda, era mostrar 
a malícia extraordinária do pecado. Porém, ao interpretá-lo mal desta 
forma, os fariseus o haviam debilitado. Talvez em nenhuma outra parte 
tenhamos uma acusação tão terrível do pecado tal como realmente é, do 
que nas palavras de nosso Senhor neste caso. 
Claro que sei que a doutrina do pecado não goza de boa reputação hoje 
em dia. O povo não gosta da ideia, e trata de explicá-la de forma 
sociológica, em função de processo e temperamento. O homem procede 
por evolução de seres inferiores, dizem, e pouco a pouco vão sacudindo 
estas relíquias de seu passado e natureza inferiores. Deste modo negam 
por completo a doutrina do pecado. 
Porém está claro que se pensamos assim, as Escrituras tornam-se sem 
significado, porque no Novo Testamento e também no Antigo, essas ideias 
são básicas. Por isso devemos analisá-las, porque nos tempos atuais nada 
há tão premente e necessário como entender bem a doutrina bíblica 
relativa ao pecado. 
Todos estamos debaixo da influência do idealismo, que tem predominado 
nos últimos cem anos, essa ideia de que o homem vai se aperfeiçoando, e 
de que a educação e a cultura vão melhorar a humanidade. Assim, a maior 
parte dos nossos problemas procedem daí. 
Não há evangelismo verdadeiro sem a doutrina do pecado, e sem 
entender o que é o pecado. 
Portanto, o evangelismo deve começar pela santidade de Deus, a 
condição pecadora do homem, as exigências da lei, o castigo a que a lei 
condena e as consequências eternas do mal e de praticar o mal. Somente 
o homem que chega a ver a sua maldade e culpa desta forma, recorre a 
Jesus Cristo para achar libertação e redenção. A fé no Senhor que não se 
baseia nisto, não é fé genuína. Pode-se ter inclusive fé sociológica no 
Senhor Jesus Cristo; porém a fé genuína O vê como quem nos liberta da 
maldição da lei. O verdadeiro evangelismo começa assim, e obviamente é 
129 
um chamamento ao arrependimento, arrependimento diante de Deus e 
fé em nosso Senhor Jesus Cristo. 
Jesus ensina claramente nesta passagem do Sermão do Monte, que o 
pecado não é somente uma questão de ações e de obras; é algo dentro do 
coração que conduz à ação. Em outras palavras, o que aqui se ensina é o 
que aparece ao largo da Bíblia acerca deste tema, a saber, que não quer 
se ocupar tanto dos pecados como do pecado. Os pecados não são senão 
sintomas de uma enfermidade chamada pecado e não são os sintomas 
que importam senão a enfermidade, porque o que mata é a enfermidade 
e não os sintomas. 
Finalmente o pecado é destruidor: “29 Se o teu olho direito te faz 
tropeçar, arranca-o e lança-o de ti; pois te é melhor que se perca um dos 
teus membros do que seja todo o teu corpo lançado no inferno. 30 E, se a 
tua mão direita te faz tropeçar, corta-a e lança-a de ti; pois te é melhor 
que se perca um dos teus membros do que vá todo o teu corpo para o 
inferno.” 
O pecado destrói o homem; introduziu a morte na vida do homem e no 
mundo. 
Sempre conduz à morte, e finalmente ao inferno, ao sofrimento e castigo. 
Assim, se neste momento não nos sentimos manchados, que Deus tenha 
misericórdia de nós. Se nos sentimos satisfeitos com nossa vida porque 
não temos cometido a ação do adultério, ou do homicídio, afirmo que não 
nos conhecemos, que não conhecemos a negrura e sujidade de nosso 
coração. Devemos escutar o ensino do bendito Filho de Deus e 
examinarmos nossos pensamentos, desejos, imaginação. E a não ser que 
sintamos que somos vis e sujos, e que necessitamos que Jesus nos 
purifique e limpe, a não ser que nos sintamos impotentes com uma total 
pobreza de espírito, e a não ser que sintamos fome e sede de justiça, lhes 
digo que oxalá Deus tenha misericórdia de nós. 
Dou graças a Deus, por ter o evangelho que me diz que Outro que é 
imaculado, puro e completamente santo tem tomado sobre Si meu 
pecado e minha culpa. Tenho sido lavado em Seu precioso sangue, e me 
tem dado Sua própria natureza. Quando me dei conta de que necessitava 
de um coração novo, achei que, graças a Deus, Ele havia vindo para dá-lo 
a mim. 
 
 
 
130 
Mortificação do Pecado 
 
“27Ouvistes que foi dito: Não adulterarás. 
28 Eu, porém, vos digo que todo aquele que olhar para uma mulher para 
a cobiçar, já em seu coração cometeu adultério com ela. 
29 Se o teu olho direito te faz tropeçar, arranca-o e lança-o de ti; pois te é 
melhor que se perca um dos teus membros do que seja todo o teu corpo 
lançado no inferno. 
30 E, se a tua mão direita te faz tropeçar, corta-a e lança-a de ti; pois te é 
melhor que se perca um dos teus membros do que vá todo o teu corpo 
para o inferno.” (Mt 5.27-30). 
 
Nosso Senhor quis ensinar ao mesmo tempo a natureza verdadeira e 
horrível do pecado, o perigo terrível que o pecado significa para nós, e a 
importância de fazer frente ao mesmo e de repudiá-lo. Por isso o expressa 
deliberadamente desta maneira. Fala de membros valiosíssimos, o olho e 
a mão, e especifica o olho direito e a mão direita. Por que? Nós cremos 
que o olho e a mão, e especialmente o olho direito e a mão direitos são 
mais importantes que os esquerdos. Nosso Senhor quis dizer portanto que 
se aquilo mais precioso que temos, for a causa de pecarmos, devemos nos 
livrar disso. Tal é a importância do pecado para nos privar da verdadeira 
vida que Jesus expressou esta importância de tal maneira. 
Como enfrentaremos pois este problema do pecado? 
Gostaria de frisar que não se trata simplesmente de não cometer certos 
atos. Inclui isto mas é muito mais do que isso. A contaminação do pecado 
deve ser enfrentada no coração porque Jesus diz que aquele que olhar 
para uma mulher para cobiçá-la, cometeu adultério com ela em seu 
coração. 
Não cabe a menor dúvida que um conceito inadequado do pecado é a 
causa principal da falta de santidade e de santificação, e isto é resultante 
em grande parte de um ensino errôneo sobre a natureza da santificação. 
Devemos captar a ideia de pecado, como algo distinto dos pecados. Temos 
que saber que o Filho de Deus teve que vir dos céus para passar por tudo 
o que passou, inclusive morrer na cruz. Em nenhuma outra parte se 
manifesta a natureza do pecado com cores mais terríveis do que na morte 
do Filho de Deus. 
A segunda coisa que devemos ter em conta é a importância da alma e o 
seu destino eterno. “Melhor é que se perca um dos teus membros do que 
131 
todo o teu corpo ser lançado no inferno”. Adverte-nos nosso Senhor, e o 
repete duas vezes para colocá-lo em relevo. A alma é tão importante que 
se o olho direito é causa de queda no pecado, é melhor arrancá-lo, livrar-
se dele, não num sentido físico. Há muitas coisas na vida e no mundo que, 
em si mesmas, são muito boas e proveitosas. Porém nosso Senhor nos diz 
aqui que se inclusive estas coisas nos fazem tropeçar devemos repudiá-
las, ainda que sejam tão importantes como um dos membros valiosos do 
nosso próprio corpo. 
Se minhas faculdades, tendências, sentimentos, emoções, habilidades, 
me conduzem ao pecado, então devo repudiá-las. Devo levar estas coisas 
à morte da cruz, inclusive o afeto natural pelos meus familiares (Lc 14.26), 
caso eles venham a se tornar causa de tropeço para a minha santificação. 
Tal é a importância do destino eterno da alma que tudo o mais deve estar-
lhe subordinado. Tudo o mais é secundário quando ela está em jogo. 
Não devemos permitir que nada se interponha entre nós e o destino 
eterno da nossa alma. 
Temos que nos dar conta de que tudo o que temos de fazer neste mundo 
é preparar-nos para a eternidade. 
O terceiro ponto é que devemos odiar o pecado e fazer tudo o que 
possamos para destruí-lo seja ao custo do que for. Devemos nos esforçar 
em odiar o pecado. Os puritanos sabiam analisar o pecado e denunciá-lo, 
e muitos se riam deles e os chamavam de especialistas em pecados. Que 
se ria o mundo que quiser, porém está a maneira de se santificar. 
Estudemos os puritanos, leiamos o que a Bíblia diz do pecado,e quanto 
mais o fizermos nós mais o odiaremos e faremos todo o possível para 
livrar-nos dele. 
O quarto ponto é que devemos ter um coração puro e limpo, um coração 
livre de cobiças e desejos. A ideia não é que estejamos livres de certas 
ações, senão que nosso coração seja purificado. “Bem aventurados os de 
coração puro porque eles verão a Deus.”. Nunca devemos pensar na 
santidade somente como não fazer algo errado, mas principalmente em 
cultivarmos um coração puro. Quando temos um conceito puramente 
negativo relativo à santidade, podemos ficar autosatisfeitos. Mas se 
examinarmos o nosso coração, e chegarmos a conhecer o que os puritanos 
sempre chamavam de “a corrupção de nosso coração” nos ajudaria na 
santificação. Porém não agrada a muitos examinarem seus corações. 
Geralmente nos orgulhamos do nome de evangélicos e nos sentimos 
muito felizes porque somos ortodoxos e porque não somos como os 
132 
liberais ou modernistas e outros grupos da igreja que estão obviamente 
equivocados. Ficamos satisfeitos com a posição em que estamos e 
pensamos erradamente que devemos apenas manter esta posição. Porém 
isto significa que não conhecemos nosso coração, e nosso Senhor exige 
um coração limpo. Pode-se cometer pecado no coração, Ele diz, sem que 
ninguém o veja. Porém Deus o vê, e diante de Deus é horrível, repugnante, 
feio, sujo. Pecado do coração! 
O último ponto é a importância da mortificação do pecado. O puritano 
John Owen escreveu um grande tratado sobre este assunto. 
O conceito genuíno da mortificação do pecado se encontra em muitas 
passagens do Novo Testamento como Rom 8.13; 13.14 e I Cor 9.27, por 
exemplo. 
Nestas passagens nós vemos que a natureza terrena, o velho homem, a 
carne, o homem exterior devem ser crucificados para que sejam mortos. 
Nunca devemos fazer provisão para os desejos da carne (Rom 13.14) diz-
nos o apóstolo. 
Isto demonstra que há um sentido prático nesta mortificação na qual está 
incluído portanto o ato de repudiarmos tudo aquilo que possamos tocar, 
ou ver, ou fazer e que nos leve a contaminar o nosso coração. Todo tipo 
de imagem virtual ou real que sejam sugestivas para o pecado devem ser 
repudiadas. Tudo o que se ler, tudo que se ouvir, tudo o que se ver. 
Devemos evitar a todo custo. Ainda que isto nos traga o sentimento de 
estar cortando algum órgão nobre do nosso corpo. 
A carne gosta destas coisas, portanto tenhamos cuidado e privemo-nos 
delas, contrariando a nossa vontade. 
Estas coisas são fontes de tentação, e quando lhes dedicamos o nosso 
tempo nós estamos fazendo provisão para os desejos da carne. Nós 
estamos colocando combustível na chama do pecado que opera no nosso 
corpo. 
Mas argumentam conosco que muitas destas coisas são de autores 
brilhantes, que elas são educativas, que elas servem para nos manter 
atualizados com o mundo; mas nosso Senhor diz que devemos arrancar o 
olho e a mão. Ainda que me tenham na conta de ignorante por evitar estas 
coisas é melhor ser ignorante para o bem da minha alma, do que 
prejudicá-la por manter contato com estas coisas. 
Isto também significa evitar as conversações néscias e as estórias que são 
insinuantes e sujas. Digamos que não queremos ouvi-lo, que não nos 
interessa. 
133 
Devemos ter cuidado com quem nos reunimos. Em outras palavras, 
devemos ter cuidado de evitar tudo aquilo que tende a manchar ou 
impedir a nossa santificação. Devemos também nos abster de toda 
aparência de mal, isto é, de qualquer forma de pecado. Não importa que 
forma assuma. Tudo o que sei que me prejudica, e tudo o que me 
perturba, transtorna e excita, seja o que for, devo evitá-lo. Devo colocar 
como o apóstolo, o meu corpo em servidão ao Espírito de Deus. Devo fazer 
morrer a natureza terrena. 
Alguém poderá dizer que isto é um escrúpulo mórbido que me deixará 
atormentado e triste. Bem, há pessoas que se tornam mórbidas. Mas se 
há morbidez é porque a pessoa está relacionando a santidade consigo 
mesma, porque os escrúpulos mórbidos se concentram nas pessoas. Mas 
a verdadeira santidade se preocupa sempre em agradar a Deus. Em 
glorificá-lo e honrá-lo. Se isto estiver presente nunca há o risco de se 
tornar mórbido, e a santificação traz o fruto da paz e da alegria do Espírito 
Santo que é contrário a toda forma de morbidez. 
Devemos por fim vigiar e orar para fazer frente a todas as insinuações do 
mal. 
Para o verdadeiro crente não há maior estímulo e incentivo na luta para 
fazer morrer as obras da carne do que isto. O objetivo de nosso Senhor ao 
vir a este mundo e suportar toda sorte de sofrimentos até a morte na cruz 
foi para livrar-nos do presente século mau, para redimir-nos de toda 
iniquidade, e para escolher um povo exclusivo Seu, zeloso de boas obras. 
O propósito de tudo é que fôssemos santos e sem mancha diante dEle. Se 
seu amor e sofrimentos significam algo para nós, nos conduziriam 
inevitavelmente a estar de acordo com esse amor que exige em troca toda 
minha vida, toda minha alma, tudo o que tenho. 
Finalmente, estas reflexões devem nos conduzir a ver a necessidade 
absoluta que temos do Espírito Santo. Vocês e eu temos que fazer estas 
coisas. Porém, necessitamos de poder e da ajuda que somente o Espírito 
Santo pode nos dar. É pelo Espírito que fazemos morrer as obras da carne. 
Se nos entregarmos a este trabalho de mortificação do pecado, o Espírito 
nos dará do Seu poder. 
Portanto não devemos fazer o que sabemos que é mau. Vivamos no poder 
do Espírito. 
Desenvolvamos nossa salvação com temor e tremor. 
134 
Conhecendo a natureza terrível do pecado nós não tentaremos mortificá-
los com nossas próprias forças mas com o poder do Espírito, sabendo que 
é Deus quem realiza em nós o querer e o efetuar. 
 
Sobre o Divórcio 
 
“31 Também foi dito: Quem repudiar sua mulher, dê-lhe carta de divórcio. 
32 Eu, porém, vos digo que todo aquele que repudia sua mulher, a não ser 
por causa de infidelidade, a faz adúltera; e quem casar com a repudiada, 
comete adultério.” (Mt 5.31,32). 
Nós analisaremos esta passagem do Sermão do Monte em conjunto com 
o texto de Mt 19.3-12: 
“3 Então chegaram ao pé dele os fariseus, tentando-o, e dizendo-lhe: É 
lícito ao homem repudiar sua mulher por qualquer motivo? 
4 Ele, porém, respondendo, disse-lhes: Não tendes lido que aquele que os 
fez no princípio macho e fêmea os fez, 
5 E disse: Portanto, deixará o homem pai e mãe, e se unirá a sua mulher, 
e serão dois numa só carne? 
6 Assim não são mais dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus 
ajuntou não o separe o homem. 
7 Disseram-lhe eles: Então, por que mandou Moisés dar-lhe carta de 
divórcio, e repudiá-la? 
8 Disse-lhes ele: Moisés, por causa da dureza dos vossos corações, vos 
permitiu repudiar vossas mulheres; mas ao princípio não foi assim. 
9 Eu vos digo, porém, que qualquer que repudiar sua mulher, não sendo 
por causa de fornicação, e casar com outra, comete adultério; e o que 
casar com a repudiada também comete adultério. 
10 Disseram-lhe seus discípulos: Se assim é a condição do homem 
relativamente à mulher, não convém casar. 
11 Ele, porém, lhes disse: Nem todos podem receber esta palavra, mas só 
aqueles a quem foi concedido. 
12 Porque há eunucos que assim nasceram do ventre da mãe; e há 
eunucos que foram castrados pelos homens; e há eunucos que se 
castraram a si mesmos, por causa do reino dos céus. Quem pode receber 
isto, receba-o.” (Mt 19.3-12). 
 
Nós temos aqui a lei de Cristo para o caso de divórcio, oriunda de uma 
discussão com os fariseus. Tão pacientemente Ele suportou as 
135 
contradições dos pecadores, que as transformou em instruções para os 
seus próprios discípulos. 
Nós vemos nestes versículos: 
O caso proposto pelos fariseus (v.3). Eles lhes perguntaram se era lícito 
um homem se divorciar da sua mulher, sem que estivessem desejando 
realmente serem ensinados por Ele. Algum tempo atrás na Galileia Ele 
havia também se pronunciado contra o divórcio no Sermão do Monte (Mt 
5.31,32). Eles pensavam que ele se prenderia aos afetos das pessoas em 
vez de aosSeus preceitos. Ou pensavam que ele diria que os divórcios não 
eram legais, e assim teriam ocasião para dizer que ele estava negando a 
Lei de Moisés, que os permitia. 
Apesar de a Lei de Moisés prever que os divórcios somente poderiam ser 
admitidos por causas justas, eles estavam tentando ao Senhor com a 
insinuação de divórcios por quaisquer motivos. 
Qualquer motivo, especialmente o desgosto no matrimônio em relação ao 
cônjuge foi descartado por Jesus, porque o matrimônio é uma instituição 
universal para crentes e descrentes, para temperamentos brandos ou 
fortes, enfim, para quaisquer condições pessoais, então, nada há que 
justifique a dissolução do laço senão a única razão apresentada por Jesus 
de fornicação. Evidentemente, não era a ocasião para Ele declarar, como 
o apóstolo Paulo viria a fazer depois, que há a parte inocente, e livre para 
contrair novas núpcias, quando a outra parte decide desfazer o laço por 
qualquer outro motivo. 
As Escrituras do Velho Testamento estão repletas de princípios que 
revelam o quanto Deus detesta o divórcio, o repúdio, o adultério, mas 
como os fariseus não faziam um uso correto das Escrituras, eles 
desconsideravam completamente o que nelas estava contido a tal 
respeito, e seguiam a tradição que eles próprios inventaram para 
justificarem o divórcio, com base no único preceito de que Deus havia 
permitido através de Moisés que fosse dada carta de divórcio caso alguém 
pretendesse desfazer o laço matrimonial. No entanto, eles 
desconsideravam também o contexto em que tal permissão havia sido 
concedida, e conforme se encontra registrado no Pentateuco (Dt 24.1). 
Citamos apenas a título de exemplo que Deus realmente não aprova o 
divórcio, a afirmação que consta em Malaquias 2.16: “Porque o Senhor, o 
Deus de Israel diz que odeia o repúdio...”. 
Os fariseus sempre consideravam tudo pelo ângulo simplesmente 
jurídico-legal, e as Escrituras, e Cristo, o autor delas, sempre enfatizam o 
136 
ângulo espiritual, e os princípios espirituais que se encontram por detrás 
do preceito legal. A letra da Lei é apenas um corpo do espírito que há na 
Lei. Mas os fariseus não conseguiam ver o espírito, senão apenas a letra, 
e assim erravam duplamente tanto por desconhecerem o poder de Deus 
quanto o verdadeiro significado das Escrituras. 
Então Jesus os levou a considerar o propósito de Deus na criação do 
homem e da mulher, e quanto à instituição do matrimônio. Ele remontou 
até ao primeiro casal no Éden, que se encontrava em perfeição antes da 
queda no pecado, formando uma perfeita unidade diante de Deus e com 
Ele. Como poderia então Deus aprovar a separação daquilo que Ele havia 
unido para durar perpetuamente? 
Não seria por um simples ato legal, isto é, baseado no comprimento da 
Lei, sem levar em conta as condições previstas na própria Lei, e ainda que 
estas fossem consideradas, que aos olhos de Deus seria aprovada 
qualquer separação baseada em motivos injustificados. Na verdade, aos 
olhos do Senhor não há nada que justifique a separação, e até mesmo o 
ato de adultério seria uma concessão para liberar a parte inocente da 
continuidade do laço, no caso de apesar de perdoar a parte culpada, não 
se sentisse encorajada a continuar confiando na mesma. Assim, estaria 
liberada até mesmo para contrair novas núpcias sem achar-se com culpa 
diante de Deus. 
Por isso Jesus citou aos fariseus a lei fundamental do matrimônio 
conforme consta nas Escrituras: 
“Portanto, deixará o homem pai e mãe, e se unirá a sua mulher, e serão 
dois numa só carne. Assim não são mais dois, mas uma só carne.” (v. 5, 6). 
E concluiu: “Portanto, o que Deus ajuntou não o separe o homem.” (v. 6b). 
Ele afirmou assim o princípio de que o matrimônio aos olhos de Deus é 
uma instituição que Ele criou para durar e não para ser considerada 
pusilanimemente, por quem quer que seja. 
O princípio que norteia a união matrimonial não é se me sinto ou não feliz 
na mesma. Se sou de temperamento compatível ou não com o meu 
cônjuge, mas que uma vez consumada a conjunção carnal, passo a ser um 
com aquele com o qual me ajuntei sexualmente. 
Por isso Paulo considera um ato de adultério o de quem se relaciona com 
uma meretriz, porque fazendo-se um só corpo com ela através do ato 
sexual, peca contra Cristo, com quem está unido pela fé. Fazendo-se uma 
só carne com a meretriz, ele é visto aos olhos de Deus tão prostituído 
quanto a prostituída à qual se uniu. 
137 
“15 Não sabeis vós que os vossos corpos são membros de Cristo? Tomarei, 
pois, os membros de Cristo, e fá-los-ei membros de uma meretriz? Não, 
por certo. 
16 Ou não sabeis que o que se ajunta com a meretriz, faz-se um corpo com 
ela? Porque serão, disse, dois numa só carne.” (I Cor 6.15,16). 
Isto tudo porque a relação matrimonial, para Deus, é mais íntima e 
próxima do que a existente entre pais e filhos, e se a relação filial não pode 
ser violada tão facilmente, quanto mais a matrimonial. 
Um filho pode abandonar seus pais, ou os pais abandonarem seus filhos 
senão pelo motivo do casamento destes? Veja então o peso que Deus 
colocou na instituição do matrimônio que Ele próprio criou. Quantos 
ignoram isto, e pecam grosseiramente a este respeito? Entretanto, a par 
da sua ignorância, são achados em culpa perante Deus, porque a própria 
natureza ensina que a família possui um caráter sagrado para o Criador. 
Os filhos trazem a herança genética comum de seus pais, e isto é um 
grande argumento para que vejam que são realmente marido e esposa, 
uma só carne diante de Deus. É pela união de ambos que outros seres 
humanos chegam ao mundo, e não com as características genéticas de 
outras pessoas, senão somente daqueles que os geraram. Deus poderia 
gerar as pessoas por outro caminho escolhido por Ele, mas determinou 
fazê-lo pelo matrimônio para atender a vários propósitos específicos, 
como o do aprendizado do amor não interesseiro, da submissão, dentre 
tantos outros revelados na Palavra (vide especialmente Efésios 5.22-33). 
Então a unidade dos filhos com seus pais, está diretamente dependente 
da unidade entre os próprios pais. E unidade sobretudo espiritual, em 
amor, baseada na verdade, conforme Deus havia intentado desde o 
princípio. Um casamento assim constituído depois que o pecado entrou 
no mundo, seria portanto o que melhor responderia ao propósito original 
de Deus. 
No entanto, nada justifica a separação, mesmo nos múltiplos casos em 
que casais têm se unido, onde há por exemplo parte crente, e parte não 
crente, parte santificada (crente fiel) e não santificada (crente infiel) etc. 
Porque, pelo poder de Deus, é possível até mesmo que as partes que 
impedem o cumprimento do Seu propósito original, sejam trazidas à 
referida condição, pelo arrependimento ou conversão. 
Não há impossíveis para o Senhor, e Ele sempre honrará de uma forma ou 
de outra aqueles que O honram. Caso haja relutância da parte ofensora 
da Sua vontade em consertar-se, Ele cuidará da parte que se manter fiel a 
138 
Ele. Tudo coopera para o bem dos que amam a Deus. Isto nunca deve ser 
esquecido, mesmo no caso de uma união conjugal aparentemente 
desafortunada. Aquele que tem o Senhor por Seu ajudador não tem nada 
e ninguém a temer neste mundo. E pode aprender, tal como o apóstolo 
Paulo a viver contente em toda e qualquer circunstância, inclusive nesta 
de um jugo desigual imposto por um dos consortes que insista caminhar 
contrariamente à vontade de Deus. Isto é possível porque o amor de Deus 
que é derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo, nos leva a 
suportar todas as coisas mediante o poder do Senhor que nos fortalece 
nas circunstâncias difíceis. E este amor sobrenatural, conforme definido 
em I Cor 13, tudo suporta, tudo sofre, tudo espera, porque é paciente, 
benigno, longânimo e em nada é egoísta. E tudo fará para agradar e 
honrar a Deus, cumprindo tudo o que Ele nos tem ordenado em Sua 
Palavra, e dentre estes mandamentos, o de permanecer casado fazendo 
todas as coisas por amor, não como para homens, mas para Elemesmo, e 
pelo desejo de ser-Lhe obediente em tudo. 
A edificação de um lar verdadeiro depende na verdade mais da operação 
de Deus do que dos próprios cônjuges, conforme se afirma nas Escrituras 
(Sl 127.1). Realmente há poderes terríveis que operam contra a unidade 
do casal, especialmente os espíritos malignos, que somente o poder do 
Senhor pode repreender. Especialmente casais cristãos ficarão sujeitos a 
estes ataques em razão do ódio que o diabo tem contra Deus, e tudo fará 
para tentar frustrar o plano que Ele determinou para o casamento desde 
antes da fundação do mundo. Se não houver então um caminhar em 
fidelidade de ambos os cônjuges com Deus, dificilmente haverá uma 
comunhão plena entre eles, porque sem levar em conta o próprio pecado 
deles que ainda opera na carne, há estes espíritos que somente podem 
ser vencidos quando estamos revestidos com toda a armadura de Deus. 
Entretanto, para que não houvesse uma desesperança numa das partes 
que pretenda edificar a sua casa, enquanto a outra permanece infiel à 
vontade de Deus, Ele estabeleceu o princípio da parte crente santificar a 
não crente (I Cor 7.14), isto é, eles estarão indiretamente debaixo da 
proteção de Deus prevista para o matrimônio por causa da fidelidade da 
parte crente a Ele. Então vale a pena esforçarmo-nos para buscar a face 
do Senhor e a Sua vontade, para termos paz em casa, pela retribuição da 
honra que Lhe devotarmos, pela repreensão que Ele fará aos espíritos que 
se levantam contra nós. 
139 
 Esta união matrimonial somente deve ser desfeita pela vontade de Deus, 
pela morte de um dos cônjuges, mas nunca pela própria vontade do 
homem, nem mesmo dos magistrados, porque afinal, não foi o homem 
que planejou a instituição do matrimônio, senão Deus. Por isso Jesus disse 
que o que Deus ajuntou não o separe o homem. 
O profeta Malaquias declarou ao povo de Israel qual havia sido um dos 
principais motivos de Deus não estar mais se agradando deles, apesar de 
estarem banhando os seus altares com lágrimas, não porém de 
arrependimento, mas pela dura condição de vida em que eles se 
encontravam: 
“14 E dizeis: Por quê? Porque o Senhor foi testemunha entre ti e a mulher 
da tua mocidade, com a qual tu foste desleal, sendo ela a tua 
companheira, e a mulher da tua aliança. 
15 E não fez ele somente um, ainda que lhe sobrava o espírito? E por que 
somente um? Ele buscava uma descendência para Deus. Portanto guardai-
vos em vosso espírito, e ninguém seja infiel para com a mulher da sua 
mocidade.” (Mal 2.14,15). 
Os israelitas estavam endurecidos em seus pecados, e esta foi a mesma 
razão de Jesus ter dito aos fariseus porque Moisés havia permitido que 
dessem carta de divórcio às suas esposas debaixo do Antigo Pacto. 
Como eles não viam o matrimônio como uma instituição divina, e não 
cumpriam os propósitos fixados por Deus para ela, o Senhor havia 
permitido o divórcio, mas não consentido com isto, porque nunca foi da 
vontade dEle que fosse separado o que Ele uniu. 
Então se um homem trataria severa e duramente a sua esposa, sem 
qualquer consideração para com ela, ficando muito longe do amor que 
deveria devotar a ela, como o que Cristo tem pela Igreja, e se na dureza 
de seu coração, nada melhor poderia ser esperado desta pessoa, melhor 
seria então que se separasse, mas não sem deixar de atender às 
necessidades legais da repudiada, daí a razão da carta oficial de divórcio 
que deveria ser passada pelas autoridades, para garantir o direito daquela 
que tivesse sido deixada sem causa pelo seu marido. 
Deus não somente vê, mas prevê a dureza dos corações dos homens, e por 
isso vestiu os mandamentos do Velho Testamento ajustando-os ao caráter 
das pessoas, que ele sabia previamente, viveriam entregues à dureza de 
seus corações, sem arrependimento, por causa do pecado que há no 
mundo. 
140 
Mas um crente que conhece a vontade de Deus a respeito do matrimônio, 
não deve seguir esta norma concessiva que Ele havia dado desde Moisés, 
mas seguir o mandamento de amar a esposa assim como Cristo amou a 
Igreja, e a esposa amar e respeitar o marido sendo submissa a ele. E 
mesmo no caso de alguém ser crente e estando em jugo desigual, há a 
possibilidade de se contar com o favor e proteção de Deus, conforme 
comentamos antes, por um viver fiel a Ele. 
Se a lei de Moisés considerou a dureza dos corações dos homens, a graça 
de Cristo no evangelho a cura, e pode transformar corações de pedra em 
corações de carne. 
Se pela lei vem o pleno conhecimento do pecado, pelo evangelho, este é 
dominado e vencido. 
É interessante observar que se por uma lado a Lei procurava mitigar a 
dureza de coração permitindo o divórcio, por outro lado condenava o 
crime de adultério com a punição de morte (Dt 22.22). Mas o evangelho 
de Jesus Cristo mitiga o rigor da pena do adultério, e prescreve o divórcio 
como uma possível penalidade se a parte ofendida assim o desejar. 
É importante também observar que a palavra usada por Jesus em nosso 
texto, no original grego, não é adultério, mas fornicação (de porneia), 
designando provavelmente uma impureza cometida antes do 
matrimônio, e que viesse a ser descoberta posteriormente. 
A lei de Cristo tende a restaurar o homem na sua integridade primitiva, tal 
como estava no Éden, antes da entrada do pecado no mundo. E a lei do 
amor e perpetuidade conjugal não é nenhum novo mandamento, porque 
foi instituída por Deus desde o princípio. Então esta lei, conforme 
reafirmada por Cristo é para o nosso próprio bem e de toda a sociedade, 
inclusive para o próprio mundo secular, haja vista que na maior parte dos 
casos não serão apenas os cônjuges as partes afetadas por um divórcio, 
mas também os filhos oriundos do seu casamento. 
Os próprios discípulos de Jesus não haviam entendido ainda o princípio 
sábio e bom que há na lei do amor e da perpetuidade do matrimônio, e se 
precipitaram concluindo que se um homem não podia, aos olhos de Deus 
se separar da sua esposa quando bem lhe agradasse, sabendo eles, que se 
o fizessem, a consequência seria a de terem que prestar contas com Deus 
no futuro tribunal de Cristo, então, segundo eles seria melhor não casar 
nunca e permanecerem solteiros. 
141 
Entretanto, desde o princípio, quando nenhum divórcio foi permitido, 
Deus disse que não é bom que o homem esteja só, e os abençoou, o 
homem e sua esposa, em sua união conjugal. 
E apesar de o casamento trazer consigo muitas cruzes, não é apenas nele 
que acharemos cruzes neste mundo, mas em todas as áreas de atividade 
e de relacionamentos. Estas cruzes, num mundo de pecado, nos ajudarão 
no nosso aperfeiçoamento em santidade, especialmente, em ensinar-nos 
a orar a Deus sem cessar e a depender dEle, conforme sempre foi da Sua 
vontade. Assim aquilo que parece ser contra nós, é a nosso favor, na 
modelagem do nosso caráter à semelhança ao de Cristo. E o modo de 
carregar estas cruzes é com paciência e gratidão a Deus em nossos 
corações. 
É nosso dever carregar nossa cruz depois de termos nos auto negado 
perante o Senhor. Não importa o que sintamos ou qual seja a nossa 
vontade, senão a vontade de Deus para nossa vida. 
O matrimônio é um laço, um jugo que voluntariamente tomamos, e que 
segundo a vontade de Deus, devemos continuar carregando com amor, 
paciência, mansidão e voluntariamente, isto é, de livre e boa vontade. 
Entretanto, o Senhor afirmou que há realmente casos em que as pessoas 
permanecerão solteiras, não pela mera vontade delas, mas por ter sido 
esta a vocação escolhida por Deus para elas, para atender a propósitos 
específicos, tal como foi o caso do profeta Jeremias e do apóstolo Paulo. 
Nestes casos excepcionais dirigidos pela vontade de Deus é de se supor 
que é melhor o aumento da graça do que o aumento da família, e o 
relacionamento com o Pai e seu Filho Jesus Cristo será preferido antes de 
qualquer outro tipo de companheirismo. 
Mas Jesus desaprovou totalmente como sendo danoso, proibir 
matrimônios, porque nem todos estão vocacionados para permanecerem 
solteiros, edevem portanto suportar o jugo do estado de casado, sem 
estar debaixo da tentação de evitar ou fugir do jugo que é imposto pela 
vocação recebida de Deus neste mundo. 
Assim, aqueles que sofreram a calamidade de terem sido feito eunucos 
pelos homens, ou por um defeito de nascença, sendo impossibilitados 
fisicamente de contraírem núpcias, não deveriam de fato se casarem, mas 
recorrerem à providência de Deus para superarem a condição que lhes foi 
imposta, independentemente da vontade deles. Apesar desta 
calamidade, há a oportunidade de servirem melhor e desimpedidamente 
a Deus no estado de solteiros. 
142 
De maneira que é uma virtude e graça divina aqueles que se fizeram 
eunucos por amor ao reino de Deus, atendendo à vocação recebida do 
próprio Deus para servi-lo em tal estado de solteiro. Estes que foram 
capacitados a terem uma indiferença santa a todos os prazeres do estado 
de casado, serão honrados pelo Senhor no voto de celibato que fizeram, 
em obediência à vontade de Deus, que correspondeu à própria vontade 
deles. 
Por isso Jesus disse que este estado de solteiro é uma condição que pode 
ser suportada somente por aqueles a quem é dada tal capacitação pelo 
próprio Deus. 
Finalmente, gostaríamos de registrar um fato real para ilustrar a 
possibilidade de alguém ser feliz apesar de não ter um casamento nos 
moldes que Deus planejou para esta instituição desde o princípio. Trata-
se de uma esposa que chamaremos de “J” cujo marido chamaremos de 
“M”. Eles se encontram casados há mais de trinta e cinco anos, tendo dois 
filhos com cerca de trinta anos de idade. “J” se converteu a Jesus depois 
de alguns anos de casada, tendo seu esposo “M” permanecido incrédulo 
até o presente. Ele se opôs duramente a ela quanto ao fato de ter que 
deixá-lo em casa, ainda que uma só vez aos domingos, para ir à igreja. Ela 
ficou por um bom tempo em oração para que Deus trabalhasse no coração 
de “M” porque não queria agir de forma insubmissa. Ela tanto orou que 
ele consentiu que assistisse somente os cultos das noites de domingo. Isto 
foi uma grande alegria e vitória para ela. Sabemos que continua orando 
para que ele aceite a sua participação nas demais programações de sua 
igreja. Mas o que é digno de registro é o fato de que ao exigir que ela 
permaneça em casa no domingo pela manhã, ele não fica em casa porque 
sempre se reúne com um grupo de companheiros para ficarem bebendo 
num bar da esquina onde residem. Você perguntará qual é o perfil de 
crente de “J”: uma mulher infeliz? Desgostosa da vida e com o seu Deus? 
Ao contrário, ela se esforça para ser uma boa esposa, apesar de tudo, 
conforme ordenado pela Bíblia, e é uma mulher feliz, cheia de fé e a 
alegria no Senhor Jesus. Ela conta o modo sobrenatural como Deus exerce 
governo sobre o seu marido, de maneira que ele tem sido, apesar de suas 
fraquezas, cada vez mais atencioso para com ela, e suas idas para o bar 
estão ficando menos frequentes. Ela sabe que é por amor a ela, que Deus 
não permite que os espíritos malignos tenham livre acesso ao seu lar, e 
assim ela sempre tem desfrutado em casa a paz de Jesus em sua vida. 
Sempre apegada à Palavra de Deus é uma fonte de inspiração e socorro 
143 
para muitas vidas, sempre compartilhando com seus irmãos em Cristo 
porções da Palavra de Deus com fé e alegria no Espírito. Estas joias são 
exemplos que Deus nos dá para seguirmos e para que nos consolemos nas 
aflições que teremos que experimentar enquanto neste mundo. 
 
O Crente e os Juramentos 
 
“33 Outrossim, ouvistes que foi dito aos antigos: Não jurarás falso, mas 
cumprirás para com o Senhor os teus juramentos. 
34 Eu, porém, vos digo que de maneira nenhuma jureis; nem pelo céu, 
porque é o trono de Deus; 
35 nem pela terra, porque é o escabelo de seus pés; nem por Jerusalém, 
porque é a cidade do grande Rei; 
36 nem jures pela tua cabeça, porque não podes tornar um só cabelo 
branco ou preto. 
37 Seja, porém, o vosso falar: Sim, sim; não, não; pois o que passa daí, 
vem do Maligno.” (Mt 5.33-37) 
 
Um dos principais propósitos da lei de Moisés relativa ao cumprimento 
dos juramentos era o de restringir a prática da mentira. 
Havia a tendência do povo de fazer juramentos pelas coisas mais triviais e 
não cumpri-los. 
Com o menor pretexto juravam em nome de Deus. O objetivo da lei foi, 
pois, acabar com esses juramentos volúveis e feitos às pressas, de 
demonstrar que fazer um juramento era algo muito grave, algo que havia 
que se reservar somente para as causas e condições e levavam algo de 
grave e excepcional importância especial para o indivíduo ou para a 
nação. 
O povo de Israel deveria recordar que tudo o que faziam era importante 
porque eram o povo de Jeová que é santo. Eram o povo de Deus, e se lhes 
recordava que inclusive seu falar e conversação, e sobretudos nos 
juramentos, tudo deveria ser feito de tal forma que refletissem que Deus 
lhes estava contemplando. 
É necessário analisar com cuidado a proibição de Jesus relativa a 
juramentos neste texto, porque Ele mesmo disse que não veio revogar a 
lei e os profetas, mas cumprir. E se Deus fosse contrário a todo tipo de 
juramento, Ele não teria apresentado mandamentos relativos à prática de 
144 
juramento na lei de Moisés. É dito nas Escrituras que o próprio Deus jurou 
por si mesmo quando fez a promessa da Nova Aliança a Abraão. 
A conclusão a que chegamos, baseados na Bíblia, é que, ainda que haja 
que se restringir o jurar, há certas ocasiões solenes e vitais quando é lícito 
jurar. 
Está bastante claro que ao proibir juramentos vãos, nosso Senhor queria 
proibir o uso do nome sagrado de Deus para blasfemar ou maldizer. O 
nome de Deus e de Cristo nunca devem ser usados deste modo. Por isso 
Jesus condena tal prática de maneira absoluta e total. 
Além de proibir o jurar pelo nome de Deus, também proibiu juramento 
por alguma criatura, porque tudo pertence a Deus. 
Toda palavra proferida deve ser digna de crédito, inclusive na conversação 
comum. É nisto que consiste o sim, sim, não, não proferido por Jesus. 
Deus é verdadeiro, e portanto, tudo o que procede de nossa boca deve ser 
verdadeiro. 
Para nós o jurar falso é terrível. Nunca pensaríamos em cair nele. Porém, 
dizer mentiras é tão mal como jurar falso, porque, como crentes, sempre 
deveríamos falar na presença de Deus. Somos seu povo, e uma mentira 
que digamos alguém pode se interpor entre sua alma e sua salvação em 
Jesus. 
Tudo o que fazemos tem suma importância. Não devemos exagerar nem 
permitir que os demais exagerem ao falarem conosco, porque o exagero 
se converte em mentira. Produz uma impressão falsa nos ouvintes. Tudo 
isto está incluído neste texto. Uma vez mais, examinemo-nos. Deus tenha 
misericórdia de nós, porquanto somos como os escribas e fariseus, 
tratando de distinguir entre mentiras grandes e pequenas, mentiras e 
coisas que não são propriamente mentiras. Somente há uma maneira de 
resolver isto. Não lhes estou exortando a que sejam mórbidos, nem a que 
caiam em escrúpulos enfermiços, porém, devemos dar-nos conta de que 
estamos sempre na presença de Deus. Dizemos que andamos neste 
mundo em intimidade com Ele e com seu Filho, e que o Espírito Santo 
habita em nós. Muito bem: “Não entristeçais o Espírito Santo de Deus”, 
diz Paulo. Ele tudo vê e ouve – todo exagero, toda mentira insinuada. E 
por que se entristece? Porque é Espírito da verdade, e perto dEle não pode 
haver mentira. 
 
 
 
145 
Olho por Olho e Dente por Dente 
 
“38 Ouvistes que foi dito: Olho por olho, e dente por dente. 
39 Eu, porém, vos digo que não resistais ao homem mau; mas a qualquer 
que te bater na face direita, oferece-lhe também a outra; 
40 e ao que quiser pleitear contigo, e tirar-te a túnica, larga-lhe também 
a capa; 
41 e, se qualquer te obrigar a caminhar uma milha, vai com ele duas. 
42 Dá a quem te pedir, e não voltes as costas ao que quiser que lhe 
emprestes.” (Mt 5.38-42) 
 
A frase “olho por olho e dente por dente” encontra-se em Ex 21.24, e 
como todas as sanções da Lei mosaicatinha por alvo controlar os 
excessos, e neste caso o que se pretendia controlar era a ira, a violência e 
o desejo de vingança. E não é sem razão que há tal dispositivo na Lei, 
porque por natureza somos dados a nos vingarmos daqueles que nos 
prejudicam. 
Então Deus colocou este dispositivo na Lei para que os que viessem a usar 
de violência soubessem que não ficariam impunes e que receberiam a 
justa retribuição do próprio ato que praticaram contra outrem, em si 
mesmos. 
A expressão olho por olho, dente por dente era uma forma de se dizer que 
a punição não deveria ficar aquém e nem ir além da transgressão 
praticada. Assim, a Lei ajustou o castigo à transgressão de modo que não 
ficasse aquém da mesma, e nem mesmo que a excedesse. E a Lei foi dada 
com o fim preventivo principalmente de se evitar os excessos na aplicação 
das penas pelas autoridades encarregadas de fazer justiça. Era portanto, 
uma norma que não foi dada para ser executada pelo povo de Israel, mas 
pelos seus juízes. 
Mas os escribas e fariseus dos dias de Jesus haviam deturpado esta 
aplicação preventiva da Lei, dando-lhe um sentido negativo para atender 
aos próprios interesses deles em insistir na aplicação da Lei de forma 
legalista, pensando somente nos seus direitos. Em vez de desencorajarem 
a prática de atos de vingança pela aplicação judiciosa do princípio legal, 
eles acabavam por estimulá-la com o próprio sentimento de vingança que 
habitava em seus corações e que podemos ver bem exemplificado na 
maneira como conduziram Jesus para ser julgado e condenado à morte de 
146 
cruz pelos romanos, quando o próprio Pilatos havia reconhecido que não 
havia nenhuma culpa em Jesus, que lhe tornasse digno de morte. 
Para bem entendermos o ensino de Jesus devemos ter sempre presente 
que Ele não proferiu o Sermão do Monte como um código legal, ou como 
um conjunto de regras para abranger toda a nossa conduta em todos os 
aspectos da vida. Ele não é uma nova lei para substituir a lei mosaica, mas 
foi proferido para enfatizar o espírito da lei, especialmente contra o 
ensino errôneo dos escribas e fariseus. Para revelar que a lei é muito mais 
do que simples letra, e que tendo um espírito somente pode ser entendida 
e vivida por aqueles que são capacitados pela graça de Deus para tal. 
O Senhor disse que não devemos resistir ao homem mau. É o que está 
escrito mas se o aplicarmos de forma estrita e rigorosa chegaremos a 
interpretações ridículas e até mesmo impossíveis. Leão Tolstoy, usando 
este texto influenciou a muitos ensinando que tais palavras deveriam ser 
aplicadas de maneira literal, e assim não deveria haver exército, polícia e 
juízes porque seria anti-cristão. E afirmava isto com base nas palavras de 
Jesus de que o mau não deve ser resistido. E se a polícia resiste ao mau, 
então deve ser abolida. 
Mas devemos levar em conta alguns princípios básicos para uma correta 
interpretação das palavras de Jesus. O primeiro deles é que este ensino 
não é para nações ou para o mundo. Ele se aplica exclusivamente aos 
cristãos, particularmente no cumprimento da missão deles de pregarem o 
evangelho a toda criatura. 
É ao crente que Jesus dirige este ensino e não ao homem natural, vítima 
do pecado e de Satanás, e que de modo algum pode viver uma tal vida 
como esta. É preciso ter nascido de novo para viver de tal modo. 
Consequentemente, pegar este ensino e transformá-lo numa política de 
países e nações é uma heresia. Deus tem instituído as autoridades, que 
trazem a espada para castigo dos malfeitores, e o crente deve crer na lei 
e na ordem, e nunca deve ser negligente nos seus deveres de cidadão de 
um Estado, porque Deus lhe tem imposto este dever. 
As autoridades devem controlar a ilegalidade, restringir o crime e o vício 
e para isto devem usar o principio de justiça com equidade, conforme 
ensinado no ”olho por olho, dente por dente”. É algo para ser usado 
portanto, pelas autoridades com a promulgação e aplicação de leis justas, 
e não por indivíduos, conforme ensinavam os escribas e fariseus, e muito 
menos no caso de crentes que estão debaixo de algo muito mais elevado 
que é o respeito e acatamento das leis por amor a Deus e pela capacitação 
147 
da Sua graça, e não pelo simples temor da punição, conforme é o caso da 
maioria daqueles que são do mundo. 
Vemos então que o ensino de Jesus de que não se deve resistir ao homem 
mau nada tem a ver com as nações ou com o chamado pacifismo cristão, 
nem com o socialismo cristão ou outras coisas semelhantes a estas. 
O fato de ser ordenado ao crente que não resista ao homem mau não 
significa que deve sujeitar-se a ele praticando o mal tal como ele, mas que 
não deve tentar vencê-lo com a energia de seus próprios poderes e 
capacidade, senão entregar-se a Deus, pela fé, que é justo Juiz. E isto o 
levará a dar um passo mais adiante, que é o de orar pelos seus 
perseguidores e pelos que lhes maldizem na expectativa que se 
arrependam de seus pecados e se convertam a Deus. Sem tal disposição 
será praticamente impossível pregar o evangelho, porque é fato notório 
que os pecadores resistem a vir a Cristo e não raro, costumam infamar 
aqueles que são os instrumentos usados por Ele para trazê-los a Si. 
Assim, este ensino de Jesus se aplica somente ao crente em suas relações 
pessoais, e não enquanto cidadão de seu país. 
A relação do crente com o Estado é descrita em várias outras passagens 
da Bíblia, mas não nesta passagem do Sermão do Monte (Rom, I Pe 2 etc). 
O verso 42, que faz parte do conjunto deste ensino, inclui a questão de 
dar e emprestar a quem nos pede, sem lhe virar as costas. Ora, alguém 
diria, o que isto tem a ver com olho por olho, com não resistir ao mau, 
com oferecer a outra face, com dar a capa a quem nos leva a túnica 
pleiteando por ela em juízo, com caminhar duas milhas com quem nos 
obriga a caminhar uma? Parece que não deveria estar inserido aqui. Mas 
é justamente esta inclusão do verso 42 que nos ajuda a entender melhor 
o ensino de Jesus nesta passagem. Isto nos leva a entender que o Senhor 
queria enfocar o problema do eu e da nossa atitude para conosco mesmo. 
Ele está dizendo que se pretendemos ser cristãos, devemos morrer para o 
eu. Não está sendo enfocado se devemos ou não servir o Exército, ou 
qualquer outra coisa, mas o modo como penso de mim mesmo e de minha 
atitude para comigo mesmo. 
É um ensino muito espiritual que ilustra de maneira prática a atitude 
adequada que devo ter para comigo mesmo em relação ao espírito de 
auto defesa que se coloca imediatamente em movimento quando me 
fazem algo mau (ser atacado pelo homem mau) ou que me seja incômodo 
(dar e emprestar). 
148 
Devo também examinar o desejo de vingança e o espírito de represália 
que é tão inerente ao eu natural. 
Deste modo, esta atitude do eu diz respeito às injustiças que sofremos 
quanto às exigências da comunidade e do Estado, e por fim da atitude 
quanto às posses pessoais. Nosso Senhor põe por descoberto esta coisa 
horrível que controla o homem natural – o eu, essa herança terrível que 
provém do homem caído e que faz que o homem se glorifique a si mesmo 
e se tenha por deus. 
O erro dos escribas e fariseus portanto, foi que interpretaram “olho por 
olho, dente por dente”, numa perspectiva puramente legal, ou como algo 
físico e material. Assim seguem atuando os homens. Reduzem este ensino 
surpreendente à questão da pena de morte ou se têm que participar ou 
não das guerras. Não, diz Cristo, “é uma questão espiritual, é questão de 
toda a tua atitude, sobretudo da tua atitude para contigo mesmo e se 
queres ser meu discípulo, deves morrer para ti mesmo.”. Nós vemos isto 
em Mt 16.24: “Então disse Jesus aos seus discípulos: Se alguém quer vir 
após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz, e siga-me;”. 
 
A Capa e a Segunda Milha 
 
“40 e ao que quiser pleitear contigo, e tirar-te a túnica, larga-lhe também 
a capa; 
41 e, se qualquer te obrigar a caminhar mil passos, vai com ele dois mil.” 
(Mt 5.40,41) 
 
O conjunto dos mandamentos dosversos 38 a 42 significa isto: não 
devemos nos preocupar com as ofensas e agravos pessoais que 
recebamos, sejam de ordem física ou de qualquer outra. Ser golpeado na 
face é humilhante ofensivo. Porém, se pode ofender de muitas maneiras. 
Pode-se ofender com a língua ou com o olhar. Nosso Senhor deseja criar 
em nós um espírito que não se ofenda facilmente por essas coisas, e que 
não busquemos represálias imediatas. Deseja que cheguemos a um 
estado no qual nos sintamos indiferentes quanto ao ego e ao apreço 
próprio. 
O ensino de nosso Senhor nesta passagem não quer dizer que não 
devemos nos preocupar com a defesa da lei e da ordem. Oferecer a outra 
face não quer dizer que não importa nada o que possa ocorrer no âmbito 
nacional, que haja ordem ou caos. De nenhum modo. Este foi o erro de 
149 
Tolstoy, que dizia que não deveria haver polícia, nem soldados ou 
magistrados, por causa de uma compreensão incorreta destes 
mandamentos de Jesus. 
O que nosso Senhor diz é que não tenho que me preocupar comigo 
mesmo, por minha honra pessoal e assim sucessivamente. 
Porém isto é muito diferente de não se preocupar com as leis e com a 
ordem, ou com a defesa dos fracos e indefesos. 
A ilustração relativa a este assunto que nosso Senhor utiliza quanto à 
túnica e a capa significa que não devemos nos fixar na tendência de fazer 
valer os nossos direitos legais. 
Para tanto deu o exemplo do homem que levanta um pleito diante de um 
tribunal judaico do passado para ficar com minha túnica. Segundo a lei 
judaica não se podia levantar pleito contra ninguém para tirar-lhe a capa, 
ainda que fosse legal fazê-lo em relação à túnica. 
Porém nosso Senhor diz: “ao que quiser pleitear contigo, e tirar-te a 
túnica, larga-lhe também a capa”. 
Esta é também uma questão difícil, e a única forma de resolver o problema 
é fixar-se bem no princípio, que é esta tendência de exigir sempre os 
direitos legais. Vemos isto frequentemente nos tempos atuais. Há quem 
não se canse de dizer que o verdadeiro problema do mundo de hoje é que 
todo mundo fala de seus direitos e não de seus deveres. 
Nosso Senhor se ocupa desta tendência nesta passagem. 
Os homens sempre pensam em seus direitos e dizem: “todo mundo deve 
respeitá-los”. Este é o espírito do mundo e do homem natural que deve 
conseguir o que é seu e insiste nisso. Este, nosso Senhor quer demonstrar, 
não é o espírito cristão. Diz que não devemos insistir em nossos direitos 
legais, inclusive se às vezes podemos sofrer injustiças como resultado 
disso. 
Agora, é importante colocar ao lado deste princípio, outros mandamentos 
de Jesus, como por exemplo o de Mt 18.15-17, no qual diz: 
“15 Ora, se teu irmão pecar, vai, e repreende-o entre ti e ele só; se te ouvir, 
terás ganho teu irmão; 
16 mas se não te ouvir, leva ainda contigo um ou dois, para que pela boca 
de duas ou três testemunhas toda palavra seja confirmada. 
17 Se recusar ouvi-los, dize-o à igreja; e, se também recusar ouvir a igreja, 
considera-o como gentio e publicano.” (Mt 18.15-17) 
Em outras palavras, não parece que nos está dizendo que devemos 
apresentar a outra face ou que demos a capa além da túnica. 
150 
Lemos também em João 18.22,23 a quem lhe havia dado uma bofetada: 
“22 E, havendo ele dito isso, um dos guardas que ali estavam deu uma 
bofetada em Jesus, dizendo: É assim que respondes ao sumo sacerdote? 
23 Respondeu-lhe Jesus: Se falei mal, dá testemunho do mal; mas, se bem, 
por que me feres?” 
Protestou como veem, contra quem lhe havia ferido injustamente. 
Como podemos explicar estas aparentes contradições? Nosso Senhor, no 
Sermão do Monte parece dizer-nos que sempre temos que apresentar a 
outra face, e que se alguém nos põe em pleito para tirar-nos a túnica que 
devemos dar-lhe também a capa. Porém, Ele próprio, quando foi golpeado 
na face, não apresentou a outra, senão que protestou. E o apóstolo Paulo 
insistiu em Filipos, depois de ter sido surrado com varas, sem um 
julgamento formal, que seus agressores se retratassem pública e 
formalmente. Se aceitamos o princípio original, não é difícil harmonizar 
os dois tipos de afirmações. Pode ser compreendido assim. Esses casos 
não são exemplos de nosso Senhor ou de Paulo insistindo em seus direitos 
pessoais. O que nosso Senhor fez foi censurar a violação da lei e fez o 
protesto para defender a lei. Disse àqueles homens de fato o seguinte, em 
outras palavras: “Não sabeis, que golpeando-me assim violais a lei?”. Não 
disse: “Por que me ofendeis?” 
E o apóstolo Paulo fez exatamente o mesmo. Não protestou porque lhe 
haviam encarcerado. O que lhe preocupou foi que os magistrados vissem 
que ao prendê-lo haviam feito algo ilegal e haviam violado a lei que teriam 
o dever de aplicar. De maneira que lhes recordou a dignidade e a honra 
devidas à lei. 
Quanto a andar a segunda milha, era um costume muito comum no 
mundo antigo, por meio do qual o governo teria o direito de mandar a um 
homem quanto a uma questão de transporte. Teria que transportar uma 
carga, de modo que as autoridades tinham o direito de mandar-lhe a 
qualquer parte, e de levar a dita carga desde o lugar designado até a 
seguinte etapa. 
Este direito era exercido por um país que tivesse conquistado a outro, e 
naquele tempo os romanos haviam conquistado a Palestina. O exército 
romano controlava a vida dos judeus, e com frequência faziam isso. 
Talvez alguém se achava ocupado em algo pessoal, quando de repente se 
apresentava um pelotão de soldados e lhe diziam que deveria levar uma 
carga até um certo ponto. Se fosse uma milha de distância, a isto se refere 
151 
nosso Senhor dizendo que deveria se dispor a caminhar mais uma milha 
além da exigida. 
Estamos de novo diante de algo muito importante e prático. O princípio é 
que, não somente temos que fazer o que nos é pedido, senão ir mais além 
no espírito do ensino de nosso Senhor nesta passagem. Nela se destaca o 
desgosto pessoal que o homem natural tem diante das exigências que lhe 
faz o governo. Se refere ao ódio que sentimos pelas leis que não nos 
agradam, às que nos temos oposto. 
Tomemos por exemplo a questão do pagamento de impostos. Talvez não 
gostemos disso e o odiemos, porém, o princípio que se aplica é 
exatamente o mesmo que o do caso das duas milhas. 
Nosso Senhor diz que não somente não devemos ficar aborrecidos com 
estas coisas, mas que devemos fazê-las voluntariamente, e estar inclusive 
dispostos a ir mais além do que nos é exigido. 
Nosso Senhor condena todo ressentimento que possamos sentir contra o 
governo legítimo de nosso pais. O governo que está no poder tem o direito 
de fazer estas coisas, e nosso dever é cumprir a lei. E devemos fazê-lo 
ainda que estejamos completamente em desacordo com o que se faz, e 
ainda que o consideremos injusto. Se tem autoridade legal e sanção 
legítima, nosso dever é fazê-lo. 
 
Negar-se a Si Mesmo e Seguir a Cristo 
 
“38 Ouvistes que foi dito: Olho por olho, e dente por dente. 
39 Eu, porém, vos digo que não resistais ao homem mau; mas a qualquer 
que te bater na face direita, oferece-lhe também a outra; 
40 e ao que quiser pleitear contigo, e tirar-te a túnica, larga-lhe também 
a capa; 
41 e, se qualquer te obrigar a caminhar uma milha, vai com ele duas. 
42 Dá a quem te pedir, e não voltes as costas ao que quiser que lhe 
emprestes.” (Mt 5.38-42). 
 
Ninguém pode praticar o que nosso Senhor ilustra aqui nesta passagem a 
não ser que tenha subjugado o eu, com seu direito relativo a si mesmo, o 
direito de decidir o que tem de fazer, e sobretudo deve subjugar o que 
costumamos chamar de “direitos do eu”. Em outras palavras, não 
devemos nos preocupar com nada que se refira a nós mesmos. Todo o 
problema da vida consiste em última instância nessa preocupação com o 
152 
eu; e assim o que Jesus ensina nesta passagem é que devemos nos livrar 
do eu completamente. 
Devemos livrar-nos desta tendência constante de velar pelos interesses 
do eu, de estar tão atento a agravos e ofensas, sempre na defensiva. Tudo 
deve desaparecer, e isto significa quedevemos deixar de ser tão sensíveis 
quanto ao eu. Esta sensibilidade mórbida, esta situação em que o eu 
sempre se encontra, em tão delicado equilíbrio, que a mínima 
perturbação pode alterar esse equilíbrio, deve ser descartada. 
O apóstolo Paulo diz o seguinte de si mesmo em I Cor 4.3: “Todavia, a mim 
mui pouco se me dá de ser julgado por vós, ou por qualquer tribunal 
humano; nem eu tampouco a mim mesmo me julgo.”. Ele havia colocado 
nas mãos de Deus o problema de julgar, e desta maneira, havia chegado a 
um estado em que nada poderia feri-lo. Este é o ideal que deve ser 
buscado – esta indiferença ao eu e aos seus interesses. 
Uma afirmação que o grande George Muller fez em certa ocasião acerca 
de si mesmo parece ilustrar isto muito claramente. Ele assim escreveu: 
“Houve um dia em que morri, morri completamente, morreu George 
Muller e as suas opiniões, preferências, gostos e vontade; morri para o 
mundo, para a sua aprovação ou crítica; morri para a aprovação ou 
censura, inclusive de meus irmãos e amigos, e desde então tenho 
procurado somente apresentar-me como aprovado para Deus.”. 
Esta é uma afirmação que deve ser ponderada a fundo. Não posso 
imaginar uma síntese mais perfeita e adequada do ensino de Jesus nessa 
passagem, do que esta. 
Muller pôde morrer para o mundo e para a sua aprovação e censura, 
morrer inclusive para a aprovação ou censura de seus amigos e 
companheiros mais íntimos. Veja a sequência que Muller apresenta: 
Primeiro o mundo, depois os amigos e companheiros. Porém, o mais difícil 
é morrer para si mesmo, para a própria aprovação ou censura de si 
mesmo. Há muitos grandes artistas que mostram desdém pela opinião do 
mundo. Se o mundo não aprovar as suas obras, pior para o mundo, diz o 
grande artista. Mas podem ser sensíveis à opinião das pessoas que lhes 
são mais achegadas. Porém o cristão deve alcançar a fase em que supere 
inclusive isto e dar-se conta que não deve deixar que seja dominado por 
isso. E então deve passar à fase final, isto é, ao que pensa de si mesmo – 
à aprovação ou censura de si mesmo, à forma em que não julga mais a si 
mesmo, tal como o apóstolo Paulo. 
153 
Enquanto estivermos preocupados com isto, não estaremos a salvo das 
outras duas formas. De maneira que a chave de tudo, como nos recorda 
George Muller, é que devemos morrer para nós mesmos. George Muller 
havia morrido para si mesmo, para sua opinião, para suas preferências, 
para seus gostos, para a sua vontade. Sua única preocupação , sua única 
ideia era mostrar-se aprovado para Deus. 
E é exatamente isto que Jesus ensinou aqui, isto é, que o crente deve 
chegar a uma situação e estado em que possa dizer isto. 
É certo que o mundo despreza a quem é assim e admira a pessoa 
agressiva, a pessoa que luta por seus direitos, e que está sempre disposta 
para defender-se e defender a sua honra. 
Assim, somente o cristão pode colocar em prática este ensino do Senhor. 
Com isto, Ele nos diz que devemos ser completamente diferentes, que 
temos que mudar por completo, e que temos que chegar a ser um novo 
ser. E somente quem nasceu de novo do Espírito pode aprender a viver de 
tal forma. 
Agora, como se pode viver este tipo de vida na prática? 
Primeiro devemos enfocar o problema do eu de uma maneira honesta. 
Devemos deixar de apresentar desculpas, e examiná-lo de uma forma 
honesta, direta e concreta. 
Como nos comportamos quando estamos sofrendo uma injustiça? 
Quando somos incomodados e ofendidos? Quando o mecanismo natural 
de autodefesa entra em operação devo me perguntar o seguinte: Qual é 
a minha verdadeira preocupação em relação a isto? Preocupo-me 
verdadeiramente com algum princípio geral de justiça? Devemos escutar 
a voz que fala dentro de nós e diz: “Sabes perfeitamente bem que é o teu 
eu, esse orgulho horrível, essa preocupação por ti mesmo, por tua 
reputação, por tua grandeza” – sim, é isso, devemos admiti-lo e confessá-
lo. Será sumamente doloroso, e contudo, se queremos elevar-nos até o 
ensino de nosso Senhor, temos que passar por este processo da negaçäo 
do eu. 
Nós vemos por este ensino do Sermão do Monte, que quando Jesus 
ensinou que devemos nos auto negar para segui-lo, tomando a nossa cruz, 
Ele estava se referindo muito mais do que a uma simples mudança de algo 
de natureza nocional, intelectual, ou filosófica. 
Devemos considerar de modo prático até que ponto o eu controla a nossa 
vida. Examinem suas vidas, seu trabalho diário, as coisas que fazem, os 
contatos que têm que estabelecer com as pessoas. Pensem por um 
154 
momento até que ponto o eu entra em tudo isto. É uma descoberta 
surpreendente e terrível ver até que extremo o interesse próprio e a 
preocupação por si mesmo estão implicados, inclusive na pregação do 
evangelho. É uma descoberta horrível. Mas queremos mudar, e por que? 
Por causa da glória de Deus, ou pela própria glória? Tudo o que dizemos e 
fazemos, a impressão que produzimos nas pessoas, o quê nos preocupa 
na realidade? Se analisarem toda sua vida, não somente suas ações e 
conduta, senão sua roupa, seu aspecto, tudo, se surpreenderão por 
descobrir até que ponto esta atitude insana relativa ao eu entra em todas 
as coisas. 
Alguma vez temos nos dado conta de até que ponto a infelicidade, os 
problemas, os fracassos de nossas vidas se devem a uma só coisa, a saber, 
ao eu. Recordemos os períodos tristes, de tensão, de irritabilidade, o mau 
caráter, as coisas feitas e ditas das quais nos envergonhamos, as coisas 
que nos turbaram, e que nos desequilibraram. Examinemos uma por uma, 
e nos surpreenderemos em descobrir que quase todas elas têm relação 
com este problema do eu, da sensibilidade, do buscar sempre o eu. Essa 
vida da alma deve ser negada. Ela deve morrer, não a alma propriamente 
dita, mas o estarmos sob o controle dela. Por isso Jesus falou da 
necessidade de perdermos a nossa vida (alma – psiquê) para acharmos a 
verdadeira vida do céu, que procede de Deus. 
Foi o eu o responsável pela queda no Éden. O eu sempre significa desafiar 
a Deus, e por isso é sempre algo que nos separa dele. 
Todos os momentos de infelicidade na vida se devem em última instância 
a esta separação de Deus. Uma pessoa que está em verdadeira comunhão 
com Deus é feliz. Não importa que esteja na prisão, que tenha os pés 
amarrados ao tronco, que esteja queimando numa fogueira; é feliz em sua 
comunhão com Deus. Não tem sido esta a experiência dos santos ao longo 
dos séculos? 
E a causa da separação de Deus é o eu. Quantas vezes nos sentimos 
infelizes, isto é, de uma forma ou de outra buscamos a nós mesmos e 
pensamos em nós mesmos, em vez de buscar a comunhão com Deus. O 
homem, segundo a Bíblia, foi criado para viver completamente para a 
glória de Deus. Foi criado para amar ao Senhor com todo o seu coração, 
com toda a sua alma, e com toda a sua mente e com todas as suas forças. 
Todo o ser do homem (espírito, alma e corpo) foi criado para glorificar a 
Deus. 
155 
Por conseguinte, todo o desejo de glorificar a si mesmo ou de proteger os 
próprios interesses é necessariamente pecaminoso, porque almejo a mim 
mesmo em vez de almejar a Deus e de buscar a sua honra e glória. E é 
exatamente isto o que Deus tem condenado no homem. É isto que o 
coloca debaixo da maldição e da ira de Deus. 
Assim, a santidade significa a libertação desta vida centrada no eu. Daí ser 
importante estudar sobre a separação de alma e espírito operada pela 
Palavra, quando tratamos do assunto da santificação. Deste modo, a 
santificação não é para ser concebida primordialmente em função de atos, 
senão em função de uma atitude em relação a si mesmo. Não significa 
basicamente que não se faça certas coisas e que se faça outras. Há pessoas 
que nunca fazem certas coisas que são consideradas pecaminosas, porém 
estão cheias de orgulho. Por isto devemos considerar a santidade em 
função do eu e de nossa relação para com nós mesmos, e devemos dar-
nos conta de que a essência da santidade é que possamos dizer com 
George Mulller que temos morrido, morrido completamente,para este eu 
que tem causado tanta ruína na nossa vida. 
Finalmente, passemos ao nível mais elevado e examinemos o problema 
do eu à luz de Cristo. Por que o Senhor veio a este mundo? Veio em última 
instância para livrar os homens do eu. Nós vemos nEle perfeitamente esta 
vida desinteressada. Pensemos da sua vinda da glória do céu ao estábulo 
de Belém. Por que veio? Há uma só resposta para a pergunta. Não pensou 
em si mesmo. Este é o cerne da afirmação que Paulo faz em Filipenses 2, 
de que Jesus sendo igual a Deus, não pensou nisto; não se aferrou a isso, 
ao direito que tinha de manifestar sempre a sua infinita glória. Humilhou-
se, e negou a si mesmo. Nunca haveria uma encarnação se o Filho de Deus 
não colocasse o eu, por assim dizer, de lado. 
Depois, vemos essa Sua vida desinteressada na terra. Frequentemente 
repetiu que as palavras que proferia não as falava de Si mesmo, e as ações 
que realizava não eram suas, mas do Pai, que lhas havia dado. Assim 
entendo o ensino de Paulo acerca da humilhação voluntária da cruz. 
Significa que, ao se tornar semelhante ao homem, se fez voluntariamente 
dependente de Deus; não pensou nada em si mesmo. Disse que veio fazer 
a vontade de Deus, e dependeu completamente de Deus para tudo, nas 
palavras que pronunciou e em tudo o que fez. Não viveu o mínimo para si 
mesmo. E Paulo diz que devemos ter o mesmo sentimento que houve em 
Cristo Jesus. 
156 
Ele era inocente e sem culpa, e contudo, quando lhe maldiziam, não 
respondia com maldição; quando padecia, não ameaçava, senão se 
entregava ao Pai que julga retamente (I Pe 2.23). A cruz de Cristo é o 
exemplo supremo, e a argumentação do Novo Testamento é esta, que se 
dizemos que cremos em Cristo e cremos que Ele morreu por nossos 
pecados, significa que nosso maior desejo deveria ser morrer para o eu. 
Este é o propósito último da Sua morte, não somente que pudéssemos 
receber perdão, ou que pudéssemos ser salvos do inferno. Foi mais para 
que pudesse constituir um novo povo, uma nova humanidade, uma nova 
criação, e que constituísse um novo reino com Ele. 
Ele é o primogênito entre muitos irmãos, é o modelo. Deus nos fez como 
Paulo diz aos efésios, “sua feitura, criados em Cristo Jesus” (Ef 2.10). 
Temos de ser feitos conforme à imagem do seu Filho. Assim afirma a 
Bïblia. De maneira que podemos dizer que a razão da sua morte na cruz 
foi que nós pudéssemos ser salvos e livrados da vida do eu. “Um morreu 
por todos, logo todos morreram;” diz o apóstolo Paulo. E por que? Ele 
mesmo dá a resposta logo em seguida: “e ele morreu por todos, para que 
os que vivem não vivam mais para si, mas para aquele que por eles morreu 
e ressuscitou.” (II Cor 5.14,15). Esta é a vida para qual Deus nos tem 
chamado. Não a vida de autodefesa ou de sensibilidade, senão uma vida 
tal que, inclusive se nos ofendem, não agiremos em represália; se 
recebermos uma bofetada na face direita estaremos dispostos a 
apresentar a outra; se alguém nos tomar a túnica estaremos dispostos a 
dar-lhe também a capa; se nos obrigarem a levar uma carga por uma 
milha, iremos duas; se alguém vier nos pedir algo, não diremos que temos 
direito de estar apegados ao que nos pertence, mas que se houver real 
necessidade, estaremos prontos a ajudar e a dar. Tenho acabado com o 
eu, tenho morrido para mim mesmo, e minha única preocupação é a glória 
e honra de Deus. 
Esta é a vida para a qual nos chama o Senhor Jesus Cristo. Ele morreu para 
que possamos vivê-la. 
Graças a Deus que o evangelho nos diz também que Jesus ressuscitou e 
que tem enviado à Igreja, e a cada um dos que creem nEle, o Espírito Santo 
com todo seu poder renovador e fortalecedor. Se tentarmos viver este 
tipo de vida por nós mesmos, estaremos condenados ao fracasso. Mas 
com a bendita promessa do Espírito Santo de vir morar e atuar em nós, 
temos esperança. Deus tem feito possível esta vida e se George Muller 
pôde morrer para o eu, por que não deveríamos cada um de nós, que 
157 
somos cristãos, morrer do mesmo modo para o eu que é tão pecador, que 
conduz a tanta calamidade, desdita e dor, e que em última instância é uma 
grande negação da obra bendita do Filho de Deus, na cruz, no monte 
Calvário. 
 
Amar aos Inimigos 
 
“43 Ouvistes que foi dito: Amarás ao teu próximo, e odiarás ao teu 
inimigo. 
44 Eu, porém, vos digo: Amai aos vossos inimigos, e orai pelos que vos 
perseguem; 
45 para que vos torneis filhos do vosso Pai que está nos céus; porque ele 
faz nascer o seu sol sobre maus e bons, e faz chover sobre justos e injustos. 
46 Pois, se amardes aos que vos amam, que recompensa tereis? não fazem 
os publicanos também o mesmo? 
47 E, se saudardes somente os vossos irmãos, que fazeis demais? não 
fazem os gentios também o mesmo? 
48 Sede vós, pois, perfeitos, como é perfeito o vosso Pai celestial.” (Mt 
6.43-48) 
 
Nestes versículos 43-48 temos a última das seis ilustrações que nosso 
Senhor utilizou para explicar seu ensino relativo à lei de Deus para o 
homem, em contraposição com a interpretação pervertida dos escribas e 
fariseus. 
(Não era portanto, nenhum acerto na lei que Jesus estava fazendo nestas 
passagens, mas dando a correta interpretação da lei, contra o ensino 
errôneo que vinha sendo ministrado aos judeus. De igual modo, há tal 
necessidade ainda em nossos dias na Igreja, porque há muitos que não 
interpretam a Palavra de Deus corretamente, apesar de alegarem serem 
os autênticos guardiões da Palavra, tal como os escribas e fariseus se 
tinham em tal conta. É importante pois, à luz do que temos aprendido que 
não devemos ser crédulos, isto é, não darmos crédito simplesmente ao 
que nos é ensinado relativamente à Bíblia, pela mera alegação de que 
devemos nos submeter à autoridade daqueles que nos ensinam. Se o 
ensino for correto amém. Mas, caso contrário, devemos nos submeter à 
verdade revelada, e não à suposta verdade, que é resultante de uma 
interpretação incorreta das Escrituras – nota do tradutor). 
158 
Por exemplo, nosso Senhor utilizou para explicar seu ensino relativo à lei 
de Deus para o homem, em contraposição com a interpretação pervertida 
dos escribas e fariseus, a afirmação que estes faziam que se deveria amar 
o próximo e que se deveria odiar os inimigos. Imediatamente alguém 
pergunta: onde encontraram isto no Antigo Testamento? Há nele alguma 
afirmação que diga isto? A resposta é, desde pronto: Não. Porém, era isto 
que ensinavam os escribas e fariseus e o interpretavam assim. Diziam que 
o próximo era somente um israelita; ensinavam pois os judeus a amarem 
os judeus, porém lhes diziam também que os demais teriam que 
considerá-los não somente como estranhos senão como inimigos. 
De fato chegaram inclusive a indicar que era quase um direito, um dever, 
odiar aos estrangeiros. Sabemos pela história do ódio e ressentimento 
que dividia o mundo antigo. Os judeus consideravam a todos os demais 
com cães e muitos gentios depreciavam os judeus. Havia esse horrível 
muro de separação que dividia o mundo e que produzia com isso uma 
intensa animosidade. Havia, portanto, muitos entre os zelosos escribas e 
fariseus que pensavam que honravam a Deus depreciando a todos os que 
não eram judeus. Pensavam que deveriam odiar a seus inimigos. Porém 
essas duas afirmações não podem ser achadas juntas em nenhuma 
passagem do Antigo Testamento. 
(Disto os crentes devem aprender que não estão honrando a Deus quando 
desprezam aqueles que não são crentes. Deus não faz acepção de pessoas 
e lhes ordena que amem a seu próximo como a si mesmos. Não importa o 
quanto sejam perseguidos ou desprezados. Devem amar seus inimigos, 
conforme Jesus nos ensinou. Este amor aos inimigos não significa contudo 
em estar em acordo com eles e concordar com tudo o que fazem. Ao 
contrário, nós vemos o próprio Senhor advertindo seriamente os escribas 
e fariseus. Não se deve negociar a paz com a venda da verdade. Dizer a 
verdade. Repreender o errado. São formas de se expressar amor pelo 
próximo, porque com isto estamos zelando pelo destino eterno de suaalma. A pregação densa e forte do evangelho, chamando as pessoas ao 
arrependimento, tal como havia feito por exemplo, João, o Batista, em 
relação aos escribas e fariseus era uma grande prova de amor, e não o 
contrário, porque todo aquele que lhe desse ouvido e se arrependesse, 
seria livrado da condenação eterna. O crente pode ser amaldiçoado por 
seus inimigos, mas é seu dever esforçar-se para que eles cheguem a 
alcançar a bênção da salvação em Jesus Cristo, que deve ser oferecida a 
todos sem exceção – nota do tradutor). 
159 
Nosso padrão de tratamento das pessoas deve ser o mesmo com o qual 
são tratadas por Deus. Ele é completamente longânimo e não busca fazer 
mal a ninguém por causa das ofensas que recebe dos pecadores. 
Ele é perfeito em misericórdia e somos chamados a seguir o Seu exemplo. 
Assim, a forma de tratar as demais pessoas nunca deve depender do que 
são, ou do que nos tenham feito. 
(É importante observar de modo prático, que Deus abençoa os ímpios 
dando-lhes chuvas, o calor do sol, colheitas, saúde e tantos outros bens 
que não podemos enumerar, provando assim a Sua completa bondade. 
Por outro lado, não deixa o homem, por causa da condenação eterna que 
lhe aguarda por causa do pecado, sem as aflições que lhe acompanham 
neste mundo, tanto internas, quanto externas, que provam que 
realmente, apesar de toda a bondade de Deus, e de ter criado tudo muito 
bom, como afirmou no princípio da criação, no entanto, esta se 
corrompeu por causa do pecado, e necessita da redenção e restauração 
que são operadas somente por Jesus. Então, este inferno que pode ser 
sentido na alma, por causa do pecado, que se traduz em desarmonia em 
relacionamentos, em depressões e tantas outras enfermidades da alma, 
são indicações misericordiosas da parte de Deus para nos alertar que há 
um inferno eterno aguardando por todo aquele que não se arrepender de 
seus pecados e se voltar para Ele. Então, quando se vive na paz e no amor 
que há em Cristo Jesus, comprova-se também, por outro lado, que há 
também um céu de bênção e glória eternas, que são acessados por meio 
da comunhão com Jesus, e que aguarda por todos aqueles que amam 
verdadeiramente ao Senhor – nota do tradutor). 
Deus contempla o mundo e vê nele tanto pecado e miséria, porém o vê 
como algo que provem da atividade de Satanás. Porém há um sentido em 
que vê ao homem injusto de um modo diferente. Preocupa-se por ele, por 
seu bem-estar, e por isso faz que o sol venha para ele, e que a chuva desça 
sobre ele. Nós devemos aprender a fazer isto. Devemos aprender a olhar 
os outros e dizer: “Se fazem isto contra mim, por que o fazem?” Porque 
são vítimas de Satanás; porque lhes governa o deus deste mundo e são 
suas vítimas indefesas. Não devo chatear-me. Vejo-lhes como pecadores 
abocanhados pelo inferno. Devo fazer todo o possível para salvá-los 
porque é assim que Deus opera, que deseja que todos se salvem e 
cheguem ao conhecimento da verdade, e que não tem prazer na morte 
espiritual e eterna de ninguém. 
160 
Foi por amar o homem perdido no pecado que Deus enviou seu Filho 
unigênito ao mundo para salvá-lo. 
Este amor aos inimigos nada tem a ver com sentimentalismo. Há uma 
grande dose de sentimentalismo em relação a isto. Há quem diz que tem 
que fazê-lo para que todos se tornem nossos amigos. Esta é por vezes a 
base do pacifismo. Pensam que as pessoas mudarão desde que as 
tratemos com amabilidade. Há quem pense assim, porém devemos ser 
realistas e não sentimentalistas, porque sabemos que isto não é correto e 
que não é eficaz. Não, nossa ação não tem como objetivo fazer com que 
se tornem nossos amigos. 
Outros pensam que o amor aos inimigos significa não lhes impor qualquer 
forma de disciplina. Esta é a ideia sociológica moderna em relação ao 
problema. Pensam erroneamente que sem castigos e sem disciplina as 
pessoas se tornam melhores. Pensam que apenas devemos ser amáveis. 
Como pois, podemos manifestar o amor de Deus nos contatos com outras 
pessoas? Deste modo: “Bendizei aos que vos maldizem. Orai pelos que vos 
perseguem.” 
Isto pode ser dito com outras palavras da seguinte forma: “Respondam 
com palavras amáveis aos que lhes dirigem palavras ofensivas”. Quando 
ouvimos palavras duras temos a tendência de responder do mesmo modo. 
Porém nossa norma deve ser de palavras amáveis em vez de ásperas. 
Em segundo lugar: “façam o bem aos que vos odeiam”, quer dizer atos de 
benevolência em vez de atos malévolos. Quando alguém se tem mostrado 
realmente malévolo e cruel para conosco, não devemos responder com a 
mesma moeda. 
Devemos orar pelas pessoas que nos perseguem. Devemos cair de joelhos 
e falar conosco mesmo antes de fazê-lo com Deus. Em lugar de nos 
mostrarmos amargurados e duros, em lugar de reagir em função do ego e 
com o desejo de cobrarmos o fato, devemos recordar que tudo o que 
fizermos deve estar debaixo de Deus e diante de Deus. 
Devemos entender a diferença entre amar e agradar. Cristo disse: “Amai 
os vossos inimigos” e não que “Agradem seus inimigos”, Agradar é algo 
muito mais natural que amar. Não somos chamados a agradar a todo 
mundo. Não é possível. Porém nos é ordenado amar. É ridículo mandar 
que alguém agrade outra pessoa. Depende da constituição física, de 
temperamento e de mil e uma coisas mais. Isto não importa. O que 
importa é que oremos pela pessoa que não nos agrada. Isto não é agrado, 
senão amor. 
161 
O amor é mais que sentimento. O amor no Novo Testamento é muito 
prático, porque este é o amor de Deus, que guardemos os seus 
mandamentos. O amor é ativo. 
 
Que Fazeis Demais? 
 
“E, se saudardes somente os vossos irmãos, que fazeis demais? não fazem 
os gentios também o mesmo?” (Mt 5.47) 
 
Nesta expressão temos, uma vez mais, uma das definições perfeitas 
quanto ao que constitui o crente. Apresenta-se o aspecto dual: desalento 
e alento; a queda e o levantamento. Aqui está: “Que fazeis demais?” 
Nosso Senhor começou dizendo: “Porque lhes digo que se vossa justiça 
não for maior que a dos escribas e fariseus, não entrareis no reino dos 
céus”. Os escribas e fariseus tinham normas elevadas, porém a justiça à 
qual nosso Senhor se refere é mais que essa justiça; há algo especial nela. 
Nosso Senhor nos diz nesta passagem que o caráter único do crente é 
duplo. Antes de tudo é um caráter único que lhes separa de tudo o que 
não é cristão. “Porque se amais aos que lhes amam, que recompensa 
tereis? Não fazem o mesmo os publicanos?”. Eles podem fazê-lo, porém 
vocês são diferentes. O crente é diferente dos demais. Faz o que fazem os 
demais, é certo, porém faz algo mais. É isto que nosso Senhor vem 
colocando em todo o tempo, em relevo. Qualquer um pode levar uma 
carga por uma milha, mas o crente é quem vai a segunda. Sempre faz mais 
do que os demais. Isto é, sem dúvida, tremendamente importante. 
O crente, segundo a definição de nosso Senhor, não é somente alguém 
que dá mais do que os demais; faz o que os outros não podem fazer. 
(Como por exemplo amar os inimigos e fazer o bem aos que lhe 
perseguem. O homem natural não pode fazer isto, senão apenas amar os 
que lhe amam –nota do tradutor). 
“Sede pois, vós perfeitos, como vosso Pai que está nos céus é perfeito”. 
Isto é estupendo, porém é a definição essencial do crente. O crente tem 
de ser como Deus, tem de manifestar em sua vida diária neste mundo 
cruel, algo das características do próprio Deus. Tem que viver como viveu 
o Senhor Jesus Cristo, seguir suas normas e imitar seu exemplo. Não 
somente será distinto dos demais. Tem que ser como Cristo. O que temos 
que nos perguntar, se queremos saber com certeza se somos ou não 
verdadeiros cristãos, é isto: “Há isso em mim que não se pode explicar em 
162 
termos naturais? Há algo especial e único em mim e em minha vida que 
nunca será encontrado em um não cristão? 
Que é o cristão? Não é alguém que lê o Sermão do Monte e diz: “Vou viver 
assim, vou seguir a Cristo e imitar seu exemplo. Essa é a vida que vou viver 
com minha grande força e vontade”.Nada disso. Lhes direi o que é o 
cristão. É alguém que se tem convertido em filho de Deus e que possui 
uma relação única com Deus. Isto o faz especial. “Que fazeis demais?” 
Deveria ser especial, vocês deveriam ser especiais, porque são pessoas 
especiais. 
Deus se tem convertido no Pai dos crentes. Não é o Pai do não cristão; 
para eles é Deus e nada mais, o grande Legislador e Juiz. Porém, para o 
crente, Deus é Pai. 
Como pode um homem que nunca tem tido o amor de Deus derramado 
em seu coração amar os seus inimigos e fazer todas estas coisas? É 
impossível. Não pode fazê-lo; e além disso não o faz. Nunca tem havido 
um homem fora de Cristo que o tenha podido fazer. 
Concluo, pois, com esta penetrante pergunta. É a pergunta mais profunda 
que um homem pode fazer para responder nesta vida. Há algo especial 
em mim? Não pergunto se vivemos uma vida moral, reta, boa. Não 
pergunto se oramos, se vamos à igreja com regularidade. Não pergunto 
nada disso. Há pessoas que fazem todas estas coisas e contudo não são 
crentes. Se isto é tudo, que fazemos mais que os demais, que há em mim 
que seja especial? Há em nós algo desta qualidade especial? Há algo de 
nosso Pai em nós? Esta é a pedra de toque. Se Deus é nosso pai, de uma 
forma ou de outra, o parentesco familiar estará aí, os laços de nosso 
parentesco inevitavelmente se manifestarão. Que há de especial em nós? 
Deus nos conceda que ao examinarmos a nós mesmos, possamos 
descobrir algo desse caráter único e dessa separação que não somente 
nos divide dos demais, senão que proclama que somos filhos de nosso Pai 
que está nos céus. 
 
Mateus 5.1 Jesus, pois, vendo as multidões, subiu ao monte; e, tendo se 
assentado, aproximaram-se os seus discípulos, 
Mateus 5.2 e ele se pôs a ensiná-los, dizendo: 
Mateus 5.3 Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o 
reino dos céus. 
Mateus 5.4 Bem-aventurados os que choram, porque eles serão 
consolados. 
163 
Mateus 5.5 Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra. 
Mateus 5.6 Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça porque 
eles serão fartos. 
Mateus 5.7 Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão 
misericórdia. 
Mateus 5.8 Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a 
Deus. 
Mateus 5.9 Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão 
chamados filhos de Deus. 
Mateus 5.10 Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da 
justiça, porque deles é o reino dos céus. 
Mateus 5.11 Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e 
perseguiram e, mentindo, disserem todo mal contra vós por minha causa. 
Mateus 5.12 Alegrai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardão nos 
céus; porque assim perseguiram aos profetas que foram antes de vós. 
Mateus 5.13 Vós sois o sal da terra; mas se o sal se tornar insípido, com 
que se há de restaurar-lhe o sabor? para nada mais presta, senão para ser 
lançado fora, e ser pisado pelos homens. 
Mateus 5.14 Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade 
situada sobre um monte; 
Mateus 5.15 nem os que acendem uma candeia a colocam debaixo do 
alqueire, mas no velador, e assim ilumina a todos que estão na casa. 
Mateus 5.16 Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que 
vejam as vossas boas obras, e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus. 
Mateus 5.17 Não penseis que vim destruir a lei ou os profetas; não vim 
destruir, mas cumprir. 
Mateus 5.18 Porque em verdade vos digo que, até que o céu e a terra 
passem, de modo nenhum passará da lei um só i ou um só til, até que tudo 
seja cumprido. 
Mateus 5.19 Qualquer, pois, que violar um destes mandamentos, por 
menor que seja, e assim ensinar aos homens, será chamado o menor no 
reino dos céus; aquele, porém, que os cumprir e ensinar será chamado 
grande no reino dos céus. 
Mateus 5.20 Pois eu vos digo que, se a vossa justiça não exceder a dos 
escribas e fariseus, de modo nenhum entrareis no reino dos céus. 
Mateus 5.21 Ouvistes que foi dito aos antigos: Não matarás; e, Quem 
matar será réu de juízo. 
164 
Mateus 5.22 Eu, porém, vos digo que todo aquele que se encolerizar 
contra seu irmão, será réu de juízo; e quem disser a seu irmão: Raca, será 
réu diante do sinédrio; e quem lhe disser: Tolo, será réu do fogo do 
inferno. 
Mateus 5.23 Portanto, se estiveres apresentando a tua oferta no altar, e 
aí te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, 
Mateus 5.24 deixa ali diante do altar a tua oferta, e vai conciliar-te 
primeiro com teu irmão, e depois vem apresentar a tua oferta. 
Mateus 5.25 Concilia-te depressa com o teu adversário, enquanto estás 
no caminho com ele; para que não aconteça que o adversário te entregue 
ao guarda, e sejas lançado na prisão. 
Mateus 5.26 Em verdade te digo que de maneira nenhuma sairás dali 
enquanto não pagares o último ceitil. 
Mateus 5.27 Ouvistes que foi dito: Não adulterarás. 
Mateus 5.28 Eu, porém, vos digo que todo aquele que olhar para uma 
mulher para a cobiçar, já em seu coração cometeu adultério com ela. 
Mateus 5.29 Se o teu olho direito te faz tropeçar, arranca-o e lança-o de 
ti; pois te é melhor que se perca um dos teus membros do que seja todo 
o teu corpo lançado no inferno. 
Mateus 5.30 E, se a tua mão direita te faz tropeçar, corta-a e lança-a de ti; 
pois te é melhor que se perca um dos teus membros do que vá todo o teu 
corpo para o inferno. 
Mateus 5.31 Também foi dito: Quem repudiar sua mulher, dê-lhe carta de 
divórcio. 
Mateus 5.32 Eu, porém, vos digo que todo aquele que repudia sua mulher, 
a não ser por causa de infidelidade, a faz adúltera; e quem casar com a 
repudiada, comete adultério. 
Mateus 5.33 Outrossim, ouvistes que foi dito aos antigos: Não jurarás 
falso, mas cumprirás para com o Senhor os teus juramentos. 
Mateus 5.34 Eu, porém, vos digo que de maneira nenhuma jureis; nem 
pelo céu, porque é o trono de Deus; 
Mateus 5.35 nem pela terra, porque é o escabelo de seus pés; nem por 
Jerusalém, porque é a cidade do grande Rei; 
Mateus 5.36 nem jures pela tua cabeça, porque não podes tornar um só 
cabelo branco ou preto. 
Mateus 5.37 Seja, porém, o vosso falar: Sim, sim; não, não; pois o que 
passa daí, vem do Maligno. 
Mateus 5.38 Ouvistes que foi dito: Olho por olho, e dente por dente. 
165 
Mateus 5.39 Eu, porém, vos digo que não resistais ao homem mau; mas a 
qualquer que te bater na face direita, oferece-lhe também a outra; 
Mateus 5.40 e ao que quiser pleitear contigo, e tirar-te a túnica, larga-lhe 
também a capa; 
Mateus 5.41 e, se qualquer te obrigar a caminhar mil passos, vai com ele 
dois mil. 
Mateus 5.42 Dá a quem te pedir, e não voltes as costas ao que quiser que 
lhe emprestes. 
Mateus 5.43 Ouvistes que foi dito: Amarás ao teu próximo, e odiarás ao 
teu inimigo. 
Mateus 5.44 Eu, porém, vos digo: Amai aos vossos inimigos, e orai pelos 
que vos perseguem; 
Mateus 5.45 para que vos torneis filhos do vosso Pai que está nos céus; 
porque ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons, e faz chover sobre 
justos e injustos. 
Mateus 5.46 Pois, se amardes aos que vos amam, que recompensa tereis? 
não fazem os publicanos também o mesmo? 
Mateus 5.47 E, se saudardes somente os vossos irmãos, que fazeis 
demais? não fazem os gentios também o mesmo? 
Mateus 5.48 Sede vós, pois, perfeitos, como é perfeito o vosso Pai 
celestial. 
 
 
 
Mateus 6 
 
“1 Guardai-vos de fazer as vossas boas obras diante dos homens, para 
serdes vistos por eles; de outra sorte não tereis recompensa junto de 
vosso Pai, que está nos céus. 
2 Quando, pois, deres esmola, não faças tocar trombeta diante de ti, como 
fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem glorificados pelos 
homens. Em verdade vos digo que já receberam a sua recompensa. 
3 Mas, quando tu deres esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz 
a direita; 
4 para que a tua esmola fique em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te 
recompensará.” (Mt 6.1-4) 
 
166 
Chegamos agora a uma seção completamente nova do Sermão do Monte, 
que engloba todo este sexto capítulo. 
Estamos diante do que poderíamoschamar de descrição do cristão que 
vive sua vida neste mundo na presença de Deus, em submissão ativa a 
Deus, e em dependência total dEle. 
Não existe maior falácia do que imaginar que no momento em que alguém 
se converte e que se torna cristão, que todos seus problemas são 
resolvidos e que todas as suas dificuldades desaparecem. 
A vida cristã está cheia de dificuldades, cheia de dores e de insídias. 
Por isso necessitamos da Bíblia. Das instruções detalhadas que nos são 
dadas por Cristo e pelos apóstolos, porque a vida do crente neste mundo 
é uma vida cheia de problemas. 
Há perigos latentes na própria prática da vida cristã, e também em nossas 
relações com outras pessoas neste mundo. 
Ao examinarem sua própria experiência, e também, ao lerem as biografias 
dos servos de Deus, descobrirão que muitos têm passado por dificuldades, 
e muitos têm sido encontrados por um tempo cheios de amargura, e têm 
perdido sua experiência de alegria e felicidade da vida cristã, porque têm 
se esquecido destes aspectos. 
Como veremos, há pessoas que estão equivocadas em sua vida religiosa, 
e há outras que parecem andar bem neste sentido, porém, devido a 
tentações muito sutis no aspecto mais prático, tendem a andar mal. Por 
isso, temos que examinar ambos aspectos. 
Convém portanto, advertir desde o começo, que este sexto capítulo é 
muito penetrante, de fato, poderíamos inclusive dizer que é muito 
doloroso. 
Às vezes, me parece que é um dos capítulos mais incômodos de toda a 
Bíblia. Move e examina e nos põe um espelho frente aos olhos, e não nos 
permite escapar. Não há outro capítulo que sirva melhor que este para 
estimular a própria humilhação e humildade. 
Porém devemos dar graças a Deus por isso, porque o cristão deveria estar 
sempre desejoso em conhecer a si mesmo. 
Somente o homem que tem visto verdadeiramente a si mesmo, tal como 
é, tem a probabilidade de recorrer a Cristo, e buscar a plenitude do 
Espírito de Deus, que é o único que pode consumir os vestígios do ego e 
tudo o que tende a fazer com que se perca o viver cristão. 
 Como no capítulo anterior, neste também se ensina, em certo sentido, o 
contraste com o ensino dos escribas e fariseus. Agora, não se enfatiza 
167 
tanto o ensino, senão a vida prática, incluindo aí, a piedade e toda nossa 
conduta religiosa. 
O primeiro versículo (“Guardai-vos de fazer as vossas boas obras diante 
dos homens, para serdes vistos por eles; de outra sorte não tereis 
recompensa junto de vosso Pai, que está nos céus.”) é a introdução da 
mensagem dos versículos 2 a 18. 
Depois, o Senhor dá três exemplos ou ilustrações do princípio geral do 
primeiro versículo, relativos à esmola, à oração e ao jejum. 
A vida cristã é sempre um assunto de equilíbrio, porque é uma vida que 
dá a impressão de ser contraditória, porque ao mesmo tempo que Jesus 
ordena que façamos nossas obras diante dos homens para que o Pai seja 
glorificado, Ele também ordena que nos guardemos de fazer as nossas 
obras diante dos homens para sermos vistos por eles. 
Contudo, é apenas uma aparente contradição, porque o que se proíbe não 
é o fazer as obras diante dos homens, mas o motivo errado, a saber, para 
a nossa própria glória, em vez de fazê-lo exclusivamente para a glória de 
Deus. 
Portanto os extremos de conduta em relação às obras que fazemos para 
Deus devem ser evitados, a saber: recolhermo-nos como eremitas ou em 
mosteiros para não sermos vistos pelos homens, e por outro lado, 
exibirmo-nos por motivo de ostentação e autoglorificação. É necessário 
buscar o equilíbrio. 
(Tem-se confundido portanto, nesta questão de equilíbrio, quanto às 
acusações que são dirigidas contra os pentecostais, chamando-os de 
exagerados e desequilibrados em sua adoração no culto público. Ora, se 
os motivos são corretos, a saber, para a exclusiva glória de Deus, então, 
tal como não se podia acusar os primeiros 120 cristãos que foram 
revestidos do poder do Espírito falando em línguas e glorificando a Deus 
a plenos pulmões, a ponto de terem sido infamados por muitos que diziam 
que estavam embriagados, de igual modo não se pode acusar de 
desequilibrados aqueles que adoram a Deus na liberdade do Espírito. A 
este respeito, vale lembrar que Jesus não repreendeu, a pedido dos 
fariseus, os seus discípulos que gritavam “Hosana” quando entrou 
triunfalmente montado num jumento em Jerusalém, dizendo, que caso 
eles se calassem, as pedras clamariam – nota do tradutor). 
Se compreendermos que o que importa é o grande princípio, o espírito 
que guia a nossa ação, então não cairemos no erro, e não nos desviaremos 
nem para a direita, nem para a esquerda. 
168 
Além disso, não deixaremos de receber a recompensa divina que é 
prometida àqueles que não fazem suas obras com o propósito da 
autoglorificação. 
O desejo da recompensa é legítimo e o Novo Testamento inclusive o 
incentiva. O Novo Testamento nos ensina que haverá um juízo de 
recompensa. Haverá quem receberá muitos açoites, e quem receba 
poucos. Todas as ações dos homens serão julgadas, porque é necessário 
que todos compareçamos diante do tribunal de Cristo, para que cada um 
receba segundo o que tenha feito enquanto no corpo, seja o bem ou seja 
o mal. Deveríamos portanto, nos interessarmos por esta assunto da 
recompensa. 
Não há nada mau nisso, contanto que o que se deseje seja a recompensa 
da santidade, a recompensa de estar com Deus. 
Quanto à recompensa devemos saber que não recebem recompensa de 
Deus, os que a buscam dos homens. Este pensamento é aterrador, porém 
é uma afirmação absoluta, porque Jesus diz: “Guardai-vos de fazer as 
vossas boas obras diante dos homens, para serdes vistos por eles; de outra 
sorte não tereis recompensa junto de vosso Pai, que está nos céus.” 
Se temos recebido a recompensa dos homens, em qualquer aspecto, não 
se receberá nada de Deus. 
Se ao pregar o evangelho o que me preocupa é o que os outros pensem 
de minha pregação, neste caso, esta será a única coisa que vou receber, e 
nada de Deus. É algo absoluto. 
Vejamos agora, o que nosso Senhor diz acerca deste assunto concreto com 
respeito ao dar esmolas. 
Jesus diz que não se deve tocar trombeta diante de nós quando damos 
esmola, e que não saiba a nossa mão esquerda o que faz a direita. 
É evidente que isto é uma metáfora que foi usada pelo Senhor, porque 
não se tocava trombeta quando os judeus davam esmolas, especialmente 
os escribas e fariseus. 
Não é que sempre haja um pregoeiro óbvio que vá adiante de nós 
anunciando as nossas esmolas. Porém, quando examinamos realmente 
nosso coração, vemos que há formas sutis de fazer a mesma coisa. 
(O modo justo de ajudar o próximo é fazê-lo secretamente, e é a isso que 
o Senhor quer se referir ao dizer que não saiba a nossa mão esquerda o 
que faz a direita. Este é um modo de dizer que se possível deveria ser um 
segredo até para nós mesmos, algo para não ficarmos nos lembrando para 
o nosso próprio louvor e glória. 
169 
Fazê-lo assim também não expõe o ajudado a nenhum tipo de 
humilhação, quer da nossa própria parte, quer da parte de outros. De 
modo que seria uma boa norma, manter o anonimato quando prestamos 
auxílio, especialmente financeiro, a alguém – nota do tradutor) 
Nosso Senhor nos ordena a fazer todas essas coisas movidos por Deus, e 
guiados pelo Espírito Santo, e logo esqueceremos de qualquer mérito 
próprio em fazê-las. 
Quando tudo fazemos por amor a Deus, esquecidos de nós mesmos, 
receberemos recompensa de Deus. Nada do que tivermos feito para o 
bem do nosso próximo, cairá no esquecimento. 
Deus tudo tem registrado em seus livros contábeis. Nada esquecerá de 
lançar na nossa conta para recompensar-nos. Ainda que não nos 
recompense abertamente neste mundo, certamente nos recompensará 
abertamente no grande dia quando os segredos de todos os homens serão 
manifestos, ao se abrir o grande Livro, quando se anunciará diante de 
todos a sentença final. Todos os detalhes do que tivermos feito para glória 
de Deus serão anunciados e proclamados e se atribuirá o mérito, a honrae a glória. 
 
Quando Orares 
 
“E, quando orardes, não sejais como os hipócritas; pois gostam de orar em 
pé nas sinagogas, e às esquinas das ruas, para serem vistos pelos homens. 
Em verdade vos digo que já receberam a sua recompensa.” (Mt 6.5) 
 
O Senhor nos advertiu para que não sejamos como os hipócritas, que 
oram de pé nas sinagogas e nas esquinas das ruas para serem vistos pelos 
homens. Tem dito que as vãs repetições de nada valem em si mesmas e 
por si mesmas, e que a simples quantidade de orações não produz 
benefícios especiais. Também tem dito que se deve orar em secreto, e que 
nunca se deve preocupar acerca dos homens e nem acerca do que os 
homens possam pensar. 
A oração é sem dúvida, a atividade mais elevada da alma humana. O 
homem nunca é maior do que quando se encontra de joelhos diante de 
Deus. 
E não é incomum que aqueles que têm muito para falar na oração na 
presença de outros, pouco tenham a dizer a Deus, quando em privado. No 
entanto, não deveria ser assim. 
170 
A característica mais destacada de todas as pessoas santas que o mundo 
tem conhecido tem sido que não somente tenham dedicado muito tempo 
à oração em privado, senão que têm achado uma grande satisfação nisso. 
Quanto mais santa é a pessoa, mais tempo dedica à conversação com 
Deus. Assim, pois, é um assunto de importância vital e absoluta. 
João, o Batista, havia ensinado seus discípulos a orar. Os discípulos de 
nosso Senhor sentiram a mesma necessidade quando Lhe pediram que 
lhes ensinasse a orar. 
Não há dúvida de que esta é nossa maior necessidade. Perdemos as 
bênçãos mais importantes da vida cristã porque não sabemos orar bem. 
Necessitamos de instrução em todos os sentidos sobre esta questão. 
Necessitamos que nos seja ensinado a orar, e pelo que orar. Precisamos 
dedicar algum tempo para estudar o Pai Nosso, porque envolve todas 
estas duas coisas de forma surpreendente e maravilhosa. 
(A oração modelar do Pai Nosso contém tudo, de forma resumida, que é 
necessário à oração. Nós veremos cada uma destas instruções do Senhor 
quanto à forma que devemos orar, mais adiante, valendo-nos do 
comentário de Thomas Watson relativo ao assunto – nota do tradutor). 
 
Como Orar 
 
“5 E, quando orardes, não sejais como os hipócritas; pois gostam de orar 
em pé nas sinagogas, e às esquinas das ruas, para serem vistos pelos 
homens. Em verdade vos digo que já receberam a sua recompensa. 
6 Mas tu, quando orares, entra no teu quarto e, fechando a porta, ora a 
teu Pai que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te 
recompensará. 
7 E, orando, não useis de vãs repetições, como os gentios; porque pensam 
que pelo seu muito falar serão ouvidos. 
8 Não vos assemelheis, pois, a eles; porque vosso Pai sabe o que vos é 
necessário, antes de vós lho pedirdes.” (Mt 6.5-8) 
 
Há uma forma equivocada e outra genuína, de orar. Nosso Senhor se 
ocupa de ambas. 
O erro essencial da forma equivocada é que se concentra em si mesma. É 
o ato de centrar a atenção naquele que está orando em vez de centrá-la 
nAquele a quem se oferece a oração. Esse é o problema, e nosso Senhor o 
mostra nesta passagem numa forma muito gráfica e pertinente, pois diz: 
171 
“Quando orardes, não sejais como os hipócritas, pois gostam de orar em 
pé nas sinagogas, e às esquinas das ruas, para serem vistos pelos 
homens.” Colocam-se de pé, nas sinagogas, numa posição proeminente. 
Recordemos da parábola de nosso Senhor acerca do fariseu e do 
publicano que foram ao templo orar. Aqui indica exatamente o mesmo. 
Nos diz que o fariseu se colocou o mais adiante que pôde, no lugar mais 
proeminente, para orar. O publicano, por outro lado, estava tão 
envergonhado e cheio de contrição que se inclinou o mais que pôde sem 
levantar a cabeça ao céu, senão tão somente exclamando: “Oh Deus, 
tenha misericórdia de mim, pecador!”. Também aqui nos diz nosso Senhor 
que os fariseus se colocam de pé nas sinagogas e nas esquinas das ruas, 
nos lugares mais visíveis, e oram para que os homens lhes vejam. 
“Certamente lhes digo que já receberam sua recompensa.” 
Segundo nosso Senhor, a razão para que orem nas esquinas das ruas é 
mais o menos a seguinte. O homem que se dirige ao templo para orar está 
desejoso de produzir a impressão de que é uma alma tão devota que nem 
sequer pode esperar chegar ao templo. De modo que se detém a orar na 
esquina da rua. Por esta mesma razão, quando entra no templo, passa 
adiante ao lugar mais visível possível. 
A segunda forma equivocada de orar se encontra nas seguintes palavras: 
“E, orando, não useis de vãs repetições, como os gentios; porque pensam 
que pelo seu muito falar serão ouvidos.” Se tomamos estes dois quadros 
juntamente, veremos que há dois erros básicos na raiz desta forma de orar 
a Deus. O primeiro é que meu interesse, se sou como o fariseu, está em 
mim mesmo, que sou o que ora. O segundo é que creio que a eficácia de 
minha oração depende do muito que ore, ou da forma particular em que 
ore. 
Examinemos estes dois pontos separadamente. 
O primeiro problema, pois, é o perigo de se interessar por si mesmo. Isto 
se manifesta de diferentes formas. O primeiro problema básico é que essa 
pessoa está desejosa de que os demais vejam que ela está orando. 
Esta é a causa de tudo. Está desejoso de desfrutar de uma reputação de 
homem de oração; está desejoso disto e o ambiciona, o que, por si só, já 
é mau. 
Ninguém deveria estar interessado em si mesmo, como nosso Senhor 
explica. 
O seguinte passo neste processo é que o desejo de que os outros nos 
vejam em oração, se converte em desejo positivo e real. O anterior, por 
172 
sua vez, conduz ao seguinte: a fazer coisas que garantam que os outros 
nos vejam. Isto é algo muito sutil. Nem sempre é evidente, como o que 
vimos no caso de dar esmola. Há um tipo de pessoa que se exibe 
constantemente se coloca numa posição proeminente, de forma que 
sempre atrai a atenção sobre si mesma. 
O que nosso Senhor diz acerca disto é: “Em verdade vos digo que já 
receberam a sua recompensa.” Que desejavam? Desejavam o louvor dos 
homens, e o conseguiram. E também hoje em dia se fala deles como 
grandes homens de oração, se fala deles como de pessoas que faziam 
orações belas, maravilhosas. Sim, obtêm tudo isso. Porém, pobres almas, 
é tudo o que conseguirão. Ao morrer se falará deles como gente 
maravilhosa neste assunto da oração; não obstante, creia-me, pobre alma 
humilde que não pode completar uma frase, porém que tem clamado a 
Deus em angústia, o tem alcançado de algum modo, e obterá recompensa, 
o que o outro nunca conseguirá. Porque desejavam o louvor dos homens, 
e foi apenas isso o que alcançaram. 
Passemos agora à forma correta de orar. 
“6 Mas tu, quando orares, entra no teu quarto e, fechando a porta, ora a 
teu Pai que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te 
recompensará. 
7 E, orando, não useis de vãs repetições, como os gentios; porque pensam 
que pelo seu muito falar serão ouvidos. 
8 Não vos assemelheis, pois, a eles; porque vosso Pai sabe o que vos é 
necessário, antes de vós lho pedirdes.” 
O que quer dizer? A única coisa importante ao orar em qualquer lugar é 
que devemos nos dar conta que estamos nos aproximando de Deus. Isto 
é a única coisa que importa. 
Porém, necessitamos de um pouco mais de instrução, e nosso Senhor nos 
dá tais instruções. Primeiro nos ordena que oremos em secreto, em nosso 
aposento, com a porta fechada. 
Isto não significa que as reuniões de oração estão sendo proibidas pelo 
Senhor, porque Ele também as recomenda. 
O princípio é que há certas coisas que devemos excluir, seja orando em 
público ou secretamente. Temos que excluir e esquecer os outros. 
Inclusive devemos esquecer de nós mesmos. Isto é o que significa entrar 
no aposento. É possível estar neste aposento quando se caminha numa 
rua muito movimentada. É um ato de retiro espiritual e não físico. 
Entramos neste aposento quando estamos em comunhão com Deus, e 
173 
ninguém sabe o que estamos fazendo. O mesmo princípio se aplica à 
oração pública,até mesmo quando oramos do púlpito, porque não 
estamos nos dirigindo à congregação, senão a Deus. Estou falando com 
Deus, estou dirigindo a oração a Deus, de modo que tenho que excluir e 
esquecer-me dos demais. (E se intercedermos em favor de alguém, isto 
será movido pelo Espírito, pelo fato de estar concentrado no Senhor – 
nota do tradutor). 
De nada serve entrar no aposento e fechar a porta se todo o tempo estou 
cheio de mim mesmo e pensando em mim mesmo, e me orgulhando de 
minha oração. Não, tenho que excluir tanto a mim mesmo quanto aos 
demais. Meu coração deve estar aberto única e totalmente a Deus. 
 
A Oração do Pai Nosso 
 
Tradução e adaptação de Sivlio Dutra do texto em domínio público, de 
autoria de Thomas Watson (1620-1686). 
 
Prefácio à Oração do Senhor 
 
“Pai nosso que estás nos céus,” 
Nesta Escritura duas coisas são observáveis: a introdução para a oração, e 
a própria oração 
A introdução para a Oração do Senhor é: ”Portanto vós orareis assim”. 
Nosso Senhor Jesus Cristo, nestas palavras, deu aos seus discípulos e a nós 
uma diretriz para a oração. Os dez mandamentos são a regra da nossa 
vida, o credo é o resumo da nossa fé, e a Oração do Senhor é o padrão de 
nossa oração. Como Deus prescreveu a Moisés um padrão do tabernáculo 
(Êxodo 25.9), assim Jesus prescreveu aqui um padrão de oração para nós: 
”Portanto vós orareis assim”. O significado é, faça disto a regra e o modelo 
pelo qual você deverá moldar as suas orações. Calvino dizia que nós 
devíamos examinar nossas orações por esta regra. Não que nós estejamos 
amarrados às palavras da Oração do Senhor. Porque Jesus não disse: “com 
estas palavras”, mas “desta maneira”. E “desta maneira” significa deixar 
que todos as nossas petições concordem com as coisas contidas na Oração 
do Senhor. Tertuliano chamava esta oração padrão de “breviário e 
compêndio do evangelho”. A exatidão desta oração aparece na dignidade 
do Autor. A exatidão da oração aparece na excelência do assunto. É como 
prata provada num forno, purificada sete vezes - Salmo 12: 6. Nunca 
174 
houve uma oração tão admiravelmente composto como esta. O assunto 
da oração é admirável, por causa da sua compreensão. É curto e 
expressivo, E por sua clareza. É clara e inteligível a todas as capacidades. 
Clareza é a graça da fala. E finalmente por sua perfeição, porque contém 
as principais coisas que nós temos que pedir, ou que Deus tenha que dar. 
Assim, devemos ter uma grande estima à Oração do Senhor; e deixar que 
ela seja o modelo e padrão de todas as nossas orações. Há um benefício 
duplo que surge em moldar nossas petições adequadamente a esta 
oração. Por este meio o erro em oração é prevenido. Não é fácil de 
escrever injustiça depois deste modelo; nós não podemos errar facilmente 
quando nós tivermos nosso padrão diante de nós. Por este meio são 
obtidas misericórdias pedidas; porque o apóstolo nos assegura que Deus 
nos ouvirá quando nós orarmos em conformidade com a vontade dEle - 1 
João 5.14. E seguramente nós oramos de acordo com a vontade dele 
quando nós orarmos de acordo com o padrão que ele nos deu. 
A oração propriamente dita consiste em três partes. 1. Um Prefácio. 2. 
Petições. 3. A Conclusão. O Prefácio à oração inclui: “Pai nosso que estás 
nos céus”. 
I. A primeira parte do Prefácio é “Pai nosso”. A palavra Pai é aplicada às 
vezes, pessoalmente: “Meu Pai é maior que eu” (João 14.28); mas Pai no 
texto é aplicado essencialmente à Divindade total. Este título, Pai, nos 
ensina que nós temos que nos endereçar em oração somente a Deus. 
Em que ordem temos que dirigir nossas orações a Deus? Aqui somente o 
Pai é nomeado. Mas nós podemos também dirigir nossas orações ao Filho 
e ao Espírito Santo? 
Embora somente o Pai seja nomeado na Oração do Senhor, contudo as 
outras duas Pessoas não são excluídas. O Pai é mencionado porque ele é 
o primeiro em ordem; mas são incluídos o Filho e o Espírito Santo porque 
eles são o mesmo em essência. Como todas as três Pessoas subsistem na 
Divindade, assim, embora em nossas orações, nomeemos uma Pessoa, 
nós temos que orar a todas. 
No prefácio, em vez de Pai Nosso, Jesus poderia ter usado Deus Altíssimo, 
Deus Todo Poderoso, Deus Nosso Rei, Deus Nosso Juiz, mas ele usou Pai 
Nosso por ser uma expressão de amor, de laço familiar, de indicação da 
filiação efetiva que os crentes têm com a Divindade, por causa da eleição 
deles; e também para servir de encorajamento para que seus filhos orem 
a ele. 
175 
Nenhuma pessoa pode dizer “Pai nosso que estás nos céus” além dos que 
são regenerados e santificados pelo Espírito Santo, porque é destes que 
se diz que receberam o poder de serem feitos filhos de Deus (João 1.12). 
Deus é o melhor Pai, porque ele é perfeito. Seu Pai que está no céu é 
perfeito. Ele é perfeitamente bom (Mt 5.48). Pais terrenos estão sujeitos 
a fraquezas. Elias, embora um profeta, era um homem sujeito a paixões 
como nós (Tiago 5: 17); mas Deus é perfeitamente bom. Toda a perfeição 
que nós podemos chegar a ter nesta vida é sinceridade. Nós podemos nos 
assemelhar um pouco a Deus, mas não igualá-lo; pois ele é infinitamente 
perfeito. 
E é infinitamente perfeito em sabedoria, e isto implica que Ele sempre 
sabe o que é melhor para nós. E pode fazer com que todas as coisas 
trabalhem para o bem dos seus filhos (Rom 8.28). 
Ele é também um Pai perfeitamente amoroso (I Jo 4.16). 
Ele é um Pai infinitamente rico que fará com que todos os seus filhos 
entrem na posse de uma riquíssima herança eterna, na condição de co-
herdeiros com Cristo, e isto significa que todas as coisas designadas para 
serem herdadas por Cristo também serão herdadas por eles. Cristo tem 
um trono? Então eles também terão. Cristo tem uma coroa? Então eles 
também terão. E assim por diante. 
Deus é um Pai perfeitamente educador e pode reformar os seus filhos 
quando eles tomarem cursos ruins. Deus pode mudar os corações dos seus 
filhos.pelo Seu próprio poder. 
Assim, a honra daqueles que têm a Deus por Pai é maior que a que é 
conferida aos príncipes da terra, pois são preciosos para Deus. Eles são 
guiados e protegidos por Deus, sendo guardados como um tesouro 
precioso (Mal 3.17). Os nomes dos filhos de Deus estão escritos no Livro 
da Vida (Fp 4.3) e jamais serão retirados dali (Apo 3.5). 
Deus faz de seus filhos por adoção mais achegados do que os anjos, 
porque os anjos são amigos de Cristo, mas os crentes são os membros do 
Seu corpo. E que consolo é isto para os santos, porque os filhos de Deus 
são menosprezados neste mundo, e injuriados e caluniados, mas Deus 
porá honra nos seus filhos no último dia e os coroará com felicidades 
imortais, para inveja dos adversários deles. 
Mas estes membros de Cristo são filhos por adoção por causa da grande 
misericórdia de Deus. Por meio dela obtiveram acesso a todas estas graças 
e à maior delas que é a salvação de suas almas da condenação eterna. Por 
isso é um ato de grande ingratidão, um grande abuso do amor de Deus, 
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apanhar as joias das Suas misericórdias, e fazer uso delas para pecar. Deus 
faz infinitamente mais por Seus filhos do que pelos outros, pois plantou a 
Sua graça neles, e deu somente a eles poderem participarem da Sua 
intimidade e favor, então pecar deliberadamente contra a Sua bondade 
paterna é um ato de traição e rebeldia. Somente os crentes podem pecar 
contra o sangue precioso de Cristo, porque foi somente a eles que o Seu 
sangue purificou. E portanto, isto é uma grande ingratidão para com o 
grande favor que recebemos de nosso Pai divino. Assim, é um sinal de 
filiação a Deus quando podemos lamentar pela odiosidade dos nossos 
pecados, porque certamente o Espírito Santo nos convencerá disto. 
Somente os verdadeiros filhos de Deus podem ter um temor santo dEle, 
especialmente de entristecerem o Espírito Santo com os seus 
pecados. Eles também terão um santo temor pela Sua Palavra e a 
honrarão esforçando-se para pô-la em prática em suas próprias vidas. 
Estes filhos de Deus confiam inteiramente que foi por causa da eleiçãopela graça e misericórdia de Deus que foram feitos Seus filhos, e não por 
qualquer coisa boa que existisse neles próprios. Eles sabem que é por pura 
graça e misericórdia que irão para o céu. Mas os hipócritas pensam que 
fingindo grande reverência aos santos do passado irão para o céu, 
confiando em sua própria justiça e bondade, pois eles canonizam os 
santos mortos, para fingirem temor a Deus, mas perseguem os santos que 
estão vivos. Destes, podemos dizer juntamente com o apóstolo em Hb 
12.8: que são bastardos e não filhos. 
Se nós amarmos nosso Pai divino, nós seremos defensores para ele, pois 
nos levantaremos na defesa da Sua verdade. Somente os filhos de Deus 
não podem ouvir o Seu nome sendo desonrado e permanecerem calados. 
Cristo tem confirmado o nosso nome no céu e nós nos envergonharemos 
de confirmar o nome dele na terra? 
Um filho de Deus o amará acima de todas as demais coisas: sejam 
propriedades, honrarias, fama etc. Um filho de Deus procurará acima de 
tudo honrar o Seu Pai divino (Mal 1.6). E a melhor maneira de demonstrar 
esta honra ao Senhor é tendo um temor reverente dEle. E isto consiste 
basicamente em não ousarmos fazer qualquer coisa que ele tenha 
proibido na Sua Palavra. 
Aquele que é filho de Deus se assemelha a Ele. Ele traz a imagem do Seu 
Pai celestial e busca renovar-se e crescer diariamente nesta imagem dia a 
dia (Col 3.10). Ele busca se assemelhar mais e mais em santidade que é a 
glória da divindade. A santidade de Deus é a pureza intrínseca da Sua 
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essência. Aqueles que têm a Deus por Seu Pai participam da natureza 
divina, entretanto não da Sua essência divina, contudo trazem a 
semelhança divina, e assim como o selo deixa a sua impressão na cera, os 
crentes têm a santidade de Deus estampada e impressa neles. 
Nós sabemos que Deus é nosso Pai porque nós temos o Espírito Santo 
habitando em nós. E o Espírito intercede por nós e testifica com o nosso 
espírito que somos filhos de Deus. 
Os filhos de Deus são aqueles que foram renovados pelo Espírito Santo, e 
esta renovação é efetuada sobretudo na regeneração, que é chamada de 
um nascimento do Espírito (João 3.5). Esta regeneração é uma 
transformação ou mudança de natureza, a que Paulo chama de renovação 
da mente (Rom 12.2). Aquele que nasce de Deus tem um coração novo, 
não em substância, mas em qualidades. As cordas do violão podem ser as 
mesmas, mas a melodia é alterada. Esta regeneração é também chamada 
de circuncisão do coração (Col 2.11). E como na circuncisão do prepúcio 
havia uma dor na carne, assim na circuncisão espiritual há uma dor no 
coração, há uma tristeza que surge de um senso de culpa pessoal por 
causa do nosso pecado, e da ira de Deus contra o pecado. A regeneração 
afeta a pessoa toda (espírito, alma e corpo – I Tes 5.23). E é a regeneração 
a fonte de toda a verdadeira alegria, porque faz com que Deus seja agora 
nosso Pai. E então podemos dizer: “Pai nosso que estás nos céus”. 
Dizemos Pai nosso porque pela regeneração fomos adotados numa 
grande família de muitos irmãos, que tal como nós, também foram 
regenerados pelo Espírito. 
Nós sabemos que Deus é nosso Pai porque somos guiados pelo Espírito 
(Rom 8.14), e este é mais um sinal dos que são filhos de Deus: eles são 
dirigidos pelo Espírito. Não basta que um recém-nascido viva e chegue ao 
mundo, ele deve ser devidamente cuidado pelos seus pais. E não ocorre 
algo diferente disso em relação aos novos convertidos. 
Ninguém que não permita ser conduzido pelo Espírito Santo tem o direito 
de chamar a Deus de Pai. Aqueles que são conduzidos pelo espírito de 
Satanás podem sim dizer: Pai nosso que estás no inferno. 
Aqueles que promovem divisões e escândalos no corpo de Cristo, por 
ensinarem de modo contrário à sã doutrina, não têm o direito de dizer Pai 
nosso que estás nos céus, porque não agem como devem agir os que são 
verdadeiramente filhos de Deus: Assim, todo crente autêntico fará bem 
em se afastar deles. 
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“Rogo-vos, irmãos, que noteis os que promovem dissensões e escândalos 
contra a doutrina que aprendestes; desviai-vos deles.” (Rom 16.17). 
Estes, como diz Paulo, não conhecem o caminho da paz (Rom 3.17). 
O diabo produziu a primeira grande divisão no céu. Assim, aqueles que 
criam divisões têm por Pai ao diabo. Se o que está sendo pregado e 
ensinado é a sã doutrina, se há paz entre os crentes na comunhão do 
Espírito, e alguém dizendo-se ser também filho de Deus levanta-se contra 
isto, na verdade seu verdadeiro pai é o diabo que é o pai de contendas e 
divisões contra a verdade. 
O reino de Satanás cresce fazendo divisões. Crisóstomo citou que quando 
ocorreram muitas conversões na igreja de Corinto, Satanás se apressou 
em represar a corrente de conversões, lançando a semente da discórdia e 
da divisão entre eles. E o diabo sabe muito bem que Cristo não pode ter o 
corpo dele dividido, pois sendo corpo, deve ser achado em unidade. 
Se Deus é um Pai, então podemos deduzir que tudo o que ele dá aos seus 
filhos é por amor. Se lhes dá prosperidade é por amor. 
E este amor não exclui o fato dEle nos disciplinar e corrigir (Apo 3.19). 
Gregório de Nanziazeno dizia que as aflições são setas afiadas, mas que 
elas são atiradas pela mão de um Pai amoroso. A correção é a escola do 
caráter. Deus humilha com amor para poder nos purificar. E a correção é 
tão necessária quanto o pão diário. E por meio das aflições Deus pode 
acelerar o nosso crescimento em graça. Quando a luz for retirada nós 
podemos ainda ver um arco-íris no céu. A fé como a estrela, brilha mais 
forte na noite escura das aflições. 
E tal como José falou rudemente aos seus irmãos, contudo havia nele um 
coração cheio de amor por eles, de igual modo ainda que o olhar de Deus 
não seja amistoso por causa das nossas transgressões, ainda há nEle um 
coração de Pai cheio de amor. 
Por isso, por maior que seja a prosperidade dos ímpios neste mundo, quão 
triste é o caso deles porque não têm a Deus como Pai. Eles não podem 
dizer Pai nosso que está no céu. Eles podem dizer nosso Juiz, mas não 
nosso Pai. Deus não é o Pai deles. Ele afirma que nunca os conheceu (Mt 
7.23), e é por isso que o ímpio quando morre em seus pecados não pode 
esperar nenhuma misericórdia de Deus como um Pai. . 
Então todos aqueles que ainda são estranhos para Deus devem se esforçar 
para entrarem nesta família divina, até que possam dizer Pai nosso que 
estás no céu, em seus corações. 
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Assim como o mar cobre grandes rochas, o mar da compaixão de Deus 
pode cobrir grandes pecados, e assim ninguém deve ser desencorajado de 
ir à presença de Deus rogando-Lhe por misericórdia e perdão dos seus 
pecados. 
E nós devemos ser humildes para que o Espírito Santo nos transforme e 
ensine a sermos verdadeiros filhos de Deus. Nós podemos ler muitas 
verdades na Bíblia, mas nós não as podemos conhecer salvo se Deus, pelo 
Seu Espírito as aplicar às nossas almas. Deus não somente ensina nossos 
ouvidos, mas nossos corações, e ele não informa somente nossa mente, 
mas nossas vontades e inclinações. Nós nunca aprendemos até que Deus 
nos ensine. Se Ele é nosso Pai, Ele nos ensinará como ordenar nossos 
negócios com discrição (Sl 112.5) e como nos conduzir sabiamente. Ele nos 
ensinará o que responder quando nós estivermos diante de governadores 
e Ele porá palavras em nossas bocas (Mt 10.18-20). 
Deus repreenderá os grandes do mundo para não prejudicarem os Seus 
filhos, porque eles são sagrados para Ele, e não permitirá que lhes façam 
injustiças sem o Seu consentimento e que não seja para o próprio 
aproveitamento e correção deles. Ele dirá em relação a eles: “Não toqueis 
nos meus ungidos” (Sl 104.14,15). E por ungidos devemos entender os 
filhos de Deus que têm a unção do Espírito Santo. 
Deus se encanta na companhia de seus filhos e Ele ama ver o semblante 
deles e ouvir a sua voz (Cantares 2.14). Se dois ou três de seus filhos se 
reunirem, Ele estará entre eles. 
E assim como um pai se compadece das fraquezas de seus filhos, Deus 
também se compadece das nossas

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