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TEORIA DO LABELLING APPROACH - ETIQUETAMENTO Júlia Monteiro Soriano Resumo: O objetivo deste artigo é explicar a Teoria do Labelling Approach, como surgiu, a influência de Erving Goffman, seu conceito, suas classificações e relacioná-la à seletividade do direito penal e das instâncias do controle social. Acerca do etiquetamento social, será exposta a relação entre a Teoria do Etiquetamento e a seletividade do direito penal como um todo e especificamente no Brasil. Ademais, serão apresentadas as drásticas consequências da estigmatização e dos desvios. Palavras-chave: Labelling Approach. Etiquetamento. Instâncias do controle social. Desvio primário. Desvio secundário. Estigma. Seletividade do sistema penal. Sumário: 1. Introdução 2. Erving Goffman e a sua contribuição para a criminologia 3. A Teoria do Labelling Approach 4. A seletividade no Brasil 5. Desvio Primário e Desvio Secundário 6. Consequências do Labelling Approach 7. Conclusão 2 1. Introdução O presente artigo tem o objetivo de explanar sobre Teoria do Labelling Approach, ou Teoria do Etiquetamento, desenvolvida no final da década de 1950 e começo da década de 1960, sob a forte influência do sociólogo Erving Goffman. Outros influenciadores serão citados ao longo do trabalho, como Howard Becker e Edwin Lemert, estudiosos estes que buscavam questionar o paradigma funcional dominante da criminologia e etiológico àquele tempo. Além de explicar no que consiste a Teoria do Labelling Approach, o presente trabalho aponta elementos e circunstâncias da atuação das instancias de controle social (formal e informal) e como funciona o processo de etiquetamento (desvio primário e desvio secundário). Outrossim, será relacionada a Teoria do Etiquetamento com a seletividade do sistema penal, principalmente no Brasil. Por fim, será apresentada a contextualização das consequências da estigmatização e o etiquetamento na vida do indivíduo marginalizada e na sociedade e assim chegar na conclusão sobre a importância da “destigmatização” para diminuir o índice de criminalidade. 2. Erving Goffman e a sua contribuição para a criminologia Para analisarmos a Teoria do Labelling Approach, necessário se faz a breve introdução do papel do sociólogo Erving Goffman no que diz respeito à criminologia. Considerado um dos mais influentes sociólogos do século passado, Erving Goffman fora pioneiro da microssociologia, através de exames empíricos das interações sociais cotidianas e desse método formulou seu pensamento teórico (a partir de pesquisas em relação aos comportamentos da vida cotidiana). Por meio científico, criou teoria para a construção social do eu. “A Representação do Eu na vida cotidiana”1 (1959) é o primeiro e um dos mais conhecidos trabalhos do sociólogo. Goffman propõe uma abordagem microssociológica para interpretar a vida social a 1 GOFFMAN, Erving. A Representação do Eu na vida cotidiana. São Paulo: Editora Vozes, 2014. 3 partir de uma análise das interações face a face e assim estabeleceu as bases para o estudo do gerenciamento de impressões. Igualmente relevante para o trabalho em tese, são os estudos de Goffman sobre as intuições mentais, consolidados na obra “Manicômios, Prisões e Conventos”2 (1961), onde o sociólogo mostra como este tipo de segregação atua sobre o indivíduo. A título exemplificativo, no manicômio, explica Goffman, que o comportamento do doente mental em face da instituição diz respeito muito mais à sua condição de internado do que propriamente à sua doença. Ainda, para a Criminologia, interessa saber que Goffman contribuiu significativamente no desenvolvimento da teoria da interação simbólica, isso porque seus estudos sobre a interação social fizeram marca permanente na forma como os estudiosos, como Howard Becker, consagram o estigma. Nesse sentido, sobre interacionismo simbólico: “Constitui um bom corretivo, relação aos excessos da escola quantitativa. Porém, em si mesmo, ele não permite que vocês estruturem ou organizem as coisas reais que vocês estudam. Ele se opõe a qualquer sistema, a qualquer descoberta minimamente sistemática. É assim que eu vejo as coisas. Desse ponto de vista, ele constitui uma abordagem meramente crítica, uma abordagem meramente crítica, uma abordagem bastante grosseira, que, em minha opinião, não pode levar a lugar nenhum. Eu não vejo como ele pode satisfazer vocês, a menos que não tenham a intenção de ser um crítico da sociologia, um crítico das outras formas de sociologia. E há pessoas que são analistas do que outras disseram na sociologia. Eu suponho que o interacionismo simbólico convenha perfeitamente para isso. Porém, para o trabalho de análise propriamente dito, quando vocês se põem a estudar algo, vocês se interessam em demonstrar que isso apresenta uma determinada organização, uma determinada estrutura. Do contrário, vocês provavelmente não terão descoberto nada [...] A tese [do interacionismo simbólico] é, talvez, a de que não existe modelo; ou melhor, de que os modelos surgem pelo fato de que as pessoas se consideram mutuamente e se colocam em relação às outras. Portanto, Blumer convém perfeitamente para fornecer uma perspectiva bastante ampla e geral sobre a ação social. Mas ele não apresenta 2 GOFFMAN, Erving. Manicômio, Prisões e Conventos. São Paulo: Perspectiva, 2019. 4 nada para a etapa seguinte, quando se trata de organizar as coisas. Nesse sentido, ele me parece sem interesse.”3 Para a Criminologia, Goffman trouxe uma importante contribuição no que diz respeito ao estigma, na sua obra “Estigma: Notas sobre a manipulação da Identidade deteriorada” (1963), onde fica evidenciado os conceitos de estigma e identidade social, o alinhamento grupal e a identidade pessoal, o eu e o outro, o controle da informação, os desvios e o comportamento desviante, detendo-se em todos os aspectos da situação da pessoa estigmatizada.4 Nesta obra, o autor explana sobre a possibilidade de exclusão de um individuo da sociedade pela soma dos processos de exclusão. Daí surge uma nova perspectiva sobre desvio, que fica estigmatizado pela culpa individual, senão vejamos: “Um indivíduo que poderia ser facilmente recebido na relação social quotidiana possui um traço que se pode impor atenção afastar aqueles que ele encontra, destruindo a possibilidade de atenção para outros tributos seus.” 5 Verifica-se, portanto, o desviante é considerado como tal, não pelo ato que pratica, mas pelo rótulo que lhe foi colocado e este rótulo é capaz de excluí-lo da sociedade, atribuindo-lhe o estigma. “Enquanto o estranho está à nossa frente, podem surgir evidências de que ele tem um atributo que o torna diferente de outros que se encontram numa categoria em que pudesse ser incluído, sendo, até, de uma espécie menos desejável [...]. Assim deixamos de considere-la criatura comum e total, reduzindo-a a uma pessoa estragada e diminuída. Tal característica é estigma, especialmente quando o seu efeito de descrédito é muito grande [...]. O 3 VERHOEVEN, 1994/2000 apud NIZET; RIGAUX. Op. Cit. P. 104 4 GOFFMAN, Erving. Estigma: Notas sobre a manipulação da Identidade deteriorada. São Paulo. LTC. 1981. 5 GOFFMAN. Op. Cit. 1982, p. 14. 5 termo estigma, portanto será usado em referência a um atributo profundamente depreciativo, mas o que é preciso, na realidade, é uma linguagem de relações e não atributos. Um atributo que estigmatiza alguém pode confirmar a normalidade de outrem, portanto ele não é, em si mesmo, nem horroroso nem desonroso.” 6 Com a memorável ascendência de Erving Goffman, surgiu a Teoria do Labelling Approach, que iremos aprofundar no trabalho em tese. 3. A Teoria do Labelling Approach A Teoria do Labelling Approach, também conhecida como Teoria do Etiquetamento, fora desenvolvida no fim da década de 1950 e começoda década de 1960, resultado de mudanças sociocriminais que sofreu o direito penal. O novo padrão tem por objetivo de análise o fenômeno de controle social. A partir deste momento, a criminologia passa a observar o desviante como um membro de uma sociedade, não somente suas características individuais, analisando situações em que o individuo passa a ser considerado um desviante. Assim, a criminalidade passa a ser um rótulo, uma etiqueta, atribuídos a determinados indivíduos por meio de processos de interações sociais. Para Howard Becker, os grupos sociais criam os desvios ao fazerem as regras cuja infração constitui o desvio e ao aplicarem tais regras a certos indivíduos em particular, qualificam-os como marginais. No mesmo sentido, Alessandro Baratta sustenta: “[...] o criminoso então não seria um indivíduo ontologicamente diferente, mas um status social atribuído a certos sujeitos selecionados pelo sistema penal e pela sociedade que classifica a conduta de tal individuo como se 6 Idem, p. 12 e 13. 6 devesse ser assistida por esse sistema. Os conceitos desse paradigma marcam a linguagem da criminologia contemporânea: o comportamento criminoso como comportamento rotulado como criminoso.” 7 O crime, a partir do novo paradigma, passa a ser algo que foi estipulado por complexos processos de interação social e não mais como consequência de uma conduta. O desvio só é infração porque alguém determinou. O crime então é definido pelo que as instâncias de controle social definem e não pela conduta do agente. Em relação às instâncias de controle, observamos a existências de duas: a) informal; e b) formal. As de controle informal são a própria sociedade. Como por exemplo: a família, a escola, a opinião pública etc. Já as de controle formal são as estatais como: o executivo, o legislativo e o judiciário. Para Antonio García-Pablos de Molina: “Os agentes de controle social informal tratam de condicionar o indivíduo, de discipliná-lo a partir de um largo e sutil processo (...) Quando as instancias informais do controle social fracassam, entram em funcionamento as instancias formais, que atuam de modo coercitivo e impõem sanções qualitativamente distintas das sanções sociais: são sanções estigmatizastes que atribuem ao infrator um singular status (de desviados, perigosos ou delinquentes)”. Assim, os controles criam os normais (nós) e os outsiders (eles). Nós, os normais, são os responsáveis pelos valores, pelas ideologias dominantes das sociedades. Já os outsiders são os rotulados negativamente pelos controles sociais. São os estigmatizados. 7 BARATTA. Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal.3. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002. P. 11. 7 Em “Outsiders: Estudos de sociologia do desvio” (1963), Becker explica de que forma as regras são feitas e como, em certos momentos, tentam impô-las. Essas regras sociais definem padrões de comportamentos, definindo uns como certos e outros como errados, assim quando algum indivíduo desvia-se da regra dada como certa, é considerado outsider pelo grupo de certos.8 Becker conclui que surgindo a intolerância, e esta pode alcançar um traficante de drogas ou alguém que bebeu com excesso em uma festa e que se comporta de maneira inconveniente (ponderações de Sergio Salomão Shecaira)9, haverá uma espécie de estigmatização do agente. Conclui-se, então, que o indivíduo não é criminoso pelo ato que pratica, mas sim pela etiqueta que lhe é colocada e tal rótulo é capaz de excluí-lo da sociedade, sendo estigmatizado e rejeitado. Assim, pela Teoria do Labelling Approach, as instâncias do controle social é que definem quem serão punidos. Ocorre que existe uma seletividade no sistema, existe apenas alguns crimes que são perseguidos pelas instâncias de controle social, pois crimes de cifra dourada, por exemplo, são cometidos por quem elegeu os representantes e, portanto, não são perseguidos. Ora, quem legislaria contra si mesmo? Em relação à seletividade dos etiquetamentos dos controles sociais, tem-se, também, as cifras ocultas da criminalidade, onde certos crimes nunca são punidos pelas instâncias de controle oficiais. Senão vejamos: “A cifra oculta dos delitos é um fenômeno a ser considerado na análise das estatísticas criminais, posto que a criminalidade real é muito maior que a oficialmente registrada. E há vieses nas notificações dos crimes, os quais produzem uma visão distorcida do fenômeno criminal. O sistema penal não 8 BECKER, Howard S. Outsiders: Estudos de sociologia do desvio. Rio de Janeiro. Zahar. 2008. P. 15. 9 SHECAIRA, Sergio Salomão Criminologia. São Paulo: Ed. RT, 2004. P. 292 8 consegue lidar com a totalidade dos crimes de uma sociedade, o que o torna instrumento seletivo de pessoas e de condutas.”10 Nem todos os crimes são perseguidos, apenas os cometidos pelos indivíduos categorizados, com isso passa-se a perseguir somente uma classe de indivíduos e punir tipos específicos de crime. Segundo Eugenio Raúl Zafffaroni: “[...] estes estereótipos permitem a catalogação dos criminosos que combinam com a imagem que corresponde à descrição fabricada, deixando de fora outros tipos de delinquentes (delinquência de colarinho branco, dourada, de trânsito, etc.).11 4. A seletividade no Brasil O sistema carcerário brasileiro é o retrato da seletividade punitivista. O perfil da população carcerária brasileira é composto maioritariamente por jovens de 18 – 29 anos, que correspondem 55% do total de encarcerados. Dados sobre a cor dos presos, no Brasil, demonstram que 61,6% dos presos são declarados negros. Tal assimetria fica mais clara quando se afere a porcentagem de negros e brancos na população geral em alguns estados e o número encarcerados. Em Santa Catarina, a título exemplificativo, a população negra e parda representa 15,72% da população do estado, ao mesmo tempo que a população carcerária negra é de 36,76%. Já em São Paulo, onde a população negra geral representa mais de um terço, porém mais da metade da população carcerária é de negros ou pardos. 12 10 MANDARINO, Renan Posella. A participação de vítima no controle da cifra oculta da criminalidade. Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFC. P. 17. 11 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidadas: a perda da legitimidade do sistema penal. ed. Rio de Janeiro: Revan, 1991. P. 130. 12 Índices do perfil carcerário brasileiro. Disponível em: https://tempodepolitica.com.br/populacao-carceraria- brasileira/#:~:text=O%20perfil%20da%20popula%C3%A7%C3%A3o%20carcer%C3%A1ria,dos%20jovens%20%C 3%A9%20ainda%20maior. Acesso em 25 de outubro de 2020. https://tempodepolitica.com.br/populacao-carceraria-brasileira/#:~:text=O%20perfil%20da%20popula%C3%A7%C3%A3o%20carcer%C3%A1ria,dos%20jovens%20%C3%A9%20ainda%20maior https://tempodepolitica.com.br/populacao-carceraria-brasileira/#:~:text=O%20perfil%20da%20popula%C3%A7%C3%A3o%20carcer%C3%A1ria,dos%20jovens%20%C3%A9%20ainda%20maior https://tempodepolitica.com.br/populacao-carceraria-brasileira/#:~:text=O%20perfil%20da%20popula%C3%A7%C3%A3o%20carcer%C3%A1ria,dos%20jovens%20%C3%A9%20ainda%20maior 9 Ainda, a Infopen revelou os índices de grau de escolaridade. Mais de 75% dos presos têm até o ensino fundamental, destes 53% possuem o Ensino fundamental incompleto e 6% são analfabetos, ou seja, a maioria da população carcerária é analfabeta ou possui um grau extremamente baixo de escolaridade. 13 Em relação aos crimes pelos quais os indivíduos encontram-se presos, no Brasil, tem-se o seguinte levantamento: 28% dos detentos cumpriam pena por crime de tráfico de drogas, 25% por roubo, 13% por furto e 10% por homicídio. Portanto, percebe-se que os crimes perseguidos e rotulados no Brasil, são os crimes de rua, os visivelmente praticados e, crimes que são cometidospela parcela da população que fora excluída da sociedade, pelo seu baixíssimo grau de escolaridade, pela sua cor e pela sua condição financeira. O Labelling Approach no Brasil, a rotulação, está enraizado no sistema penal brasileiro, a provar pela opinião pública e pelo legislativo. Vejamos: 14 13 Índices do perfil carcerário brasileiro. Disponível em: https://tempodepolitica.com.br/populacao-carceraria- brasileira/#:~:text=O%20perfil%20da%20popula%C3%A7%C3%A3o%20carcer%C3%A1ria,dos%20jovens%20%C 3%A9%20ainda%20maior. Acesso em 25 de outubro de 2020. 14 Imagem extraída do artigo: O criminoso segundo a teoria do “labelling approach”. Disponível em: https://fabiofettuccia.jusbrasil.com.br/artigos/175496748/o-criminoso-segundo-a-teoria-do-labelling-approach . Acesso em 26 de outubro de 2020. https://tempodepolitica.com.br/populacao-carceraria-brasileira/#:~:text=O%20perfil%20da%20popula%C3%A7%C3%A3o%20carcer%C3%A1ria,dos%20jovens%20%C3%A9%20ainda%20maior https://tempodepolitica.com.br/populacao-carceraria-brasileira/#:~:text=O%20perfil%20da%20popula%C3%A7%C3%A3o%20carcer%C3%A1ria,dos%20jovens%20%C3%A9%20ainda%20maior https://tempodepolitica.com.br/populacao-carceraria-brasileira/#:~:text=O%20perfil%20da%20popula%C3%A7%C3%A3o%20carcer%C3%A1ria,dos%20jovens%20%C3%A9%20ainda%20maior 10 Ora, “jovens de classe média” presos com 300kg de maconha são apenas jovens, mas se o preso for um estigmatizado, um perseguido pelo sistema penal, é “traficante”, mesmo que a quantidade de entorpecente seja consideravelmente menor. Fica ainda mais evidente analisando a legislação penal. Senão vejamos: “Furto Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.” “Lesão corporal Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: Pena - detenção, de três meses a um ano.” A pena do crime de furto é de reclusão, de 1 a 4 anos e multa, já a pena do crime de lesão corporal é de detenção, de 3 meses a 1 anos. Ora, quem subtrair coisa alheia móvel de outrem pode, começar a cumprir pena em regime fechado, pelo prazo de até 4 anos, ou mais, a depender das condições, sendo que quem ofender a integridade física de outrem terá, na pior das hipóteses, quando da fixação da pena base, pena equivalente à pena mínima do furto. Essa comparação evidencia que o Brasil atribui mias proteção ao patrimônio particular do que a integridade física da pessoa humana. No mesmo sentido, a Lei 9.249/95, lei que altera a legislação do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas, bem como da contribuição social sobre o lucro líquido, prevê extinção da punibilidade em crimes contra o sistema tributário caso o valor seja devolvido antes do recebimento da denúncia, vejamos: “Art. 34. Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8137.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8137.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1950-1969/L4729.htm 11 agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia.” Contrária a essa benesse, caso um estigmatizado furte um pequeno valor e se arrependa e devolva, isso é caracterizado, no máximo, como arrependimento posterior, havendo apenas redução da pena, não a extinção da punibilidade, conforme artigo 16 de Código Penal: “Arrependimento posterior (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) Art. 16 - Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)” Existem em nossa legislação diversas outras discrepâncias que demonstram a existência do Labelling Approach na sociedade brasileira e o eixo do sistema capitalista. Segundo Nilo Batista: “[O Capitalismo] recorreu ao sistema penal para duas operações essenciais: 1.ª. Garantir a mão-de-obra; 2.ª. impedir a cessão do trabalho.”15 Ainda nesta linha, o autor afirma que para assegurar a mão-de-obra tornava-se necessário a criminalização do pobre: 15 BATISTA, Nilo. Punidos e Mal Pagos – Violência, Justiça, Segurança Pública e Direitos Humanos no Brasil de Hoje. Ed. Revan 1990. P. 35 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/1980-1988/L7209.htm#art16 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/1980-1988/L7209.htm#art16 12 “[Através da] revolução industrial, o esquema jurídico ganhou feiçõesmais nítidas: criou-se o delito de vadiagem. Referindo-se à reforma dos dispositivos conhecidos como Poor Law, em 1834.”16 Hassemer e Conde evidenciam: “Próxima à criminologia de cunho marxista porque, para Marx, a delinquência não era um comportamento anterior a qualquer sistema de controle social ou jurídico, mas sim um produto desse sistema. Outrossim, as ideias de Marx contribuíram para a teoria do etiquetamento, especialmente pela crítica ao mito do Direito Penal como igualitário, demonstrando a impossibilidade, de existir um direito (penal) que prega igualdade em uma sociedade extremamente desigual.”17 Este modelo social e político, permite a exclusão dos estigmatizados de toda a sociedade, mantém a mão-de-obra e persegue apenas uma parcela de crimes e isso perpetua a rotulação, o Labelling Approach. 5. Desvio Primário e Secundário Em 1951, Edwin Lemert apresentou um estudo focado nas atitudes em que os indivíduos fazem ou fracassam ao fazer que qualificam-os como desviantes. Assim, apresentou a separação dos desvios de conduta. Lemert, inicialmente, definiu o que são as normas sociais e a partir daí demonstrou que, para alguns, quebrar a lei é quebrar a norma, mas outros, o mero atraso pode ser considerado como tal. Para Edwin Lemert, determinadas situações geram tremenda reação social quanto ao seu descumprimento, em determinados grupos, mas em outros tal norma seria permissiva e haveria mínima ou nenhuma sanção, também não abalando a consciência do praticante. 16 Idem. 17 CONDE, Francisco Muñoz; HASSEMER, Winfried. Introdução à criminologia. Rio de Janeiro. Lumen Juris, 2008. P. 107-109. 13 “A razão para isso é que as pessoas podem concordar mais facilmente com a posição majoritária ou desvios intoleráveis do que quanto ao que constitui um comportamento ideal. Uma razão adicional para essa diferença é que sociedades e grupos podem tolerar comportamentos que ultrapassem as normas do que raramente desprezar um comportamento sociopático.”18 Desvio primário para Edwin Lemert, seria o delitocometido de forma ocasional, por alguma vontade ou necessidade que o agente tivesse naquela situação. Tal atitude não afetaria psicologicamente o agente que praticou a conduta e tal conduta poderia cair no esquecimento. Ocorre que, se pego, o ocasionalmente desviante primário poderia sofrer uma enorme consequência, tais como sua rotulação como criminoso. Pode-se observar outras definições de desvio primário, que se aproximam mais da realidade brasileira, como a de Sandro Sell, onde este afirma que a criminalização primária ocorre na medida que o legislador demonstra intolerância ao criar Leis desproporcionais somente as condutas dos pobres, vejamos: "Ao criar leis, portanto, há um processo de criminalização primária, resultante da intolerância legislativa com a conduta dos mais pobres. Quando falamos de criminalização primária, falamos, em síntese, de duas coisas: a) O crime não é uma realidade natural, descoberta e declarada pelo Direito, mas uma invenção do legislador, algo é crime não necessariamente porque represente um conduta socialmente intolerável, mas porque os legisladores desejaram que assim fosse;b) E essa invenção segue critérios de preferência legislativa, cujos balizamentos não costumam respeitar princípios de razoabilidade ou proporcionalidade, gerando leis penais duríssimas contra as condutas dos mais pobres e rarefeitas em se tratando de crimes típicos dos estratos sociais elevados.”19 18 LEMERT, Edwin M.. Social pathology: A systematic approach to the theory of sociopathic behavior. New York: Mcgraw-hill, 1951. Disponível em: <http://babel.hathitrust.org/cgi/pt?id=mdp.39015019068728;view=1up;seq=26>. Acesso em: 28 de outubro de 2020. 19 SELL, Sandro. A etiqueta do crime. Jus Navigandi, Teresina, 2012, n.º 1507, 17 de agosto de 2007. Disponível em <http://jus.com.br/artigos/10290> Acesso em: 29 de outubro de 2020. http://jus.com.br/artigos/10290 14 Pode-se observar que a criminalização primária demonstra que a Lei serve para a higienização dos mais pobres, pela intolerância às suas atitudes. Já o desvio secundário seria quando este indivíduo, que já estava dentro do mundo criminoso, comete outros desvios, estando enraizada em sua personalidade a prática criminosa, aqui ocorre a reincidência, seria etiquetado e isso, para Lemert, aconteceria pela estigmatização acorrida no primeiro delito quando fora punido o praticante. Para Sell, a criminalização secundária vai além, senão vejamos: “Na segunda distorção, chamada de criminalização secundária, entram em ação os órgãos de controle social (polícia, judiciário, imprensa etc.) que, ao investigarem prioritariamente os portadores de maior índice de marginalização, acharão – por óbvio – um maior número de condutas criminosas entre eles. Se mais vezes os pobres são tidos como suspeitos, se condições como possuir emprego e residência fixa influenciam nos rumos do processo penal, se muitos dos advogados que defendem os mais pobres chegam tarde às audiências e demonstram pouco interesse nessas causas, se não ter um modelo familiar idêntico ao das classes de onde provêm os juízes e seus auxiliares facilita, sobremaneira, o rótulo de" proveniente de família desestruturada ", se ter um passado tortuoso é capaz de suprir a ausência de provas na presente acusação, então, não há outra saída: os marginalizados serão facilmente convertidos em marginais. A etiqueta penal lhes aderirá à pelé, e dela jamais sairá". 20 Para Sandro Sell, os órgãos oficiais são responsáveis pelo controle social e consideram os mais pobres como mais suspeitos e, evidentemente, encontrarão mais criminalidade. Ainda, Nestor Sampaio Penteado Filho, ilustre mestre, sustenta: “a criminalidade primária produz a etiqueta ou rótulo, que por sua vez produz a criminalização secundária (reincidência). A etiqueta ou rótulo (materializados em atestado de antecedentes, folha corrida criminal, divulgação de jornais sensacionalistas etc.) acaba por impregnar o indivíduo, causando a expectativa social de que a conduta venha a ser praticada, 20 Idem. 15 perpetuando o comportamento delinqüente e aproximando os indivíduos rotulados uns dos outros. Uma vez condenado, o indivíduo ingressa numa “instituição” (presídio), que gerará um processo institucionalizador, com seu afastamento da sociedade, rotinas de cárcere etc.”21 Conclui-se que o desvio primário ocorre por fator sociais. O indivíduo é delinquente por circunstâncias sociais. Já o desvio secundário é consequência da estigmatizarão, da consequente reação negativa social sobre aquele outsider. 6. Consequências do Labelling Approach As consequências do etiquetamento são das mais diversas, tanto para o indivíduo estigmatizado, quanto para a sociedade. Consequências estas irreversíveis, em que pese a pena de prisão tenha o cunho ressocializador. Sobre a consequência do desvio primário e o desencadeamento no desvio secundário, sustenta Shecaira: “Quando os outros decidem que determinada pessoa é non grata, perigosa, não confiável, moralmente repugnante, eles tomarão contra tal pessoa atitudes normalmente desagradáveis, que não seriam adotadas com qualquer um. São atitudes a demonstrar a rejeição e a humilhação nos contatos interpessoais e que trazem a pessoa estigmatizada para um controle que restringirá sua liberdade. É ainda estigmatizador, porque acaba por desencadear a chamada desviação secundária e as carreiras criminais”.22 Baratta sustenta a respeito do desvio secundário, quando cita Lemert em seu livro: 21 FILHO, Nestor Sampaio Penteado. Manual Esquemático de Criminologia. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 74. 22 Shecaira, Sérgio Salomão. Criminologia. São Paulo: RT, 2004. p. 291. http://www.revistaliberdades.org.br/site/outrasEdicoes/outrasEdicoesExibir.php?rcon_id=225#_ftn13 16 “(...) sobre o desvio secundário e sobre carreiras criminosas, põem-se em dúvida o princípio do fim ou da prevenção e, em particular, a concepção reeducativa da pena. Na verdade esses resultados mostram que a intervenção do sistema penal, especialmente as penas detentivas, antes de terem um efeito reeducativo sobre o delinquente determinam, na maioria dos casos, uma consolidação da identidade desviante do condenado e o seu ingresso em uma verdadeira e própria carreira criminosa. (...) pode-se observar, as teorias do labelling baseadas sobre a distinção entre desvio primário e desvio secundário, não deixaram de considerar a estigmatização ocasionada pelo desvio primário também como uma causa, que tem seus efeitos específicos na identidade social e na autodefinição das pessoas objeto de reação social (...)”.23 O fato de um indivíduo ser excluído da sociedade, tanto pelo seu estigma primário, quanto pelo secundário, torna-o marginalizado e pode levá-lo à carreira criminosa. A exclusão consolida seu status criminoso que perpetuará além das grades da prisão. O próprio julgamento como réu, como acusado, como delinquente, faz com que o rótulo seja perpetrado em seu próprio sentimento e acaba tornando-o, a título exemplificativo, como internado do manicômio de Erwin Goffman, onde seu comportamento diz respeito muito mais à sua condição de internado do que propriamente à sua doença. Esse status e o comportamento do indivíduo influenciará na vida, como um todo, desse estigmatizado e este poderá então não conseguir um emprego, uma oportunidade e não terá outra forma de sobreviver em sociedade, senão como criminoso. 7. Conclusão Em relação às instâncias de controle conclui-se que as formais e informais, estipuladas pelo Labelling Approach, ou Teoria do Etiquetamento, estigmatizam o indivíduo 23 Baratta, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002. p. 90-91. 17 que não está nos padrões desejáveis das instâncias de controle, excluindo-o da sociedade e, consequentemente, fazendo com que a criminalidade se torne uma opção, trazendo consequências drásticas para o rotulado. Com o desvio primário, o desviante passa por um processo em que recebe os rótulos de réu, acusado, delinquente e enfim, condenado e entra para o sistema carcerário. No sistema, após um processo em que fica enraizado os rótulos, entra no cárcere e consolida a criminalidade, como frisam os estudiosos da teoria do desvio secundário. Após o cumprimento da pena, o delinquente é impedido naturalmente de retornar à sociedade, pois já fora excluído uma vez e carrega o rótulo, assim, por falta de condições de sobreviver e retirar o rótulo, volta ao crime. Toda a reflexão sobre a Teoria do Labelling Approach deveria levar a sociedade a pensar sobre a função do cárcere. Considerando que uma das funções da pena privativa de liberdade é a ressocialização. Ora, não como existir ressocialização de indivíduo que nunca foi socializado, que fora excluído das redes sociais, do bairro, da escola, do acesso à saúde e do indivíduo que se encontra enclausurado àsgrades de uma prisão. Com isso, impossível falar em função ressocializadora. No mais, o cárcere só perpetua a exclusão do indivíduo da sociedade. Após sua condenação e execução da pena, aquele que já era estigmatizado pela sociedade por não ser “normal”, por não fazer parte do “nós”, será novamente rotulado, agora pela sua passagem pela prisão. Agora, além de não ser possível ressocializar indivíduo que nunca foi socializado, a passagem pelo cárcere só dessocializa ainda mais e faz com que seja atribuído novos rótulos negativos, sendo excluído cada vez mais da sociedade. Assim, considerando que a prisão não é a solução para extinção da criminalidade, inicialmente, necessário seria incluir o dessocializado na sociedade com políticas públicas, com projetos sociais, com incentivos acadêmicos para que os estigmatizados comecem a fazer parte da sociedade, com o oportunidade de trabalho igualitário, com acesso à educação e outros serviços públicos e privados retirados destes indivíduos. Há também, urgente necessidade de reforma nas instâncias de controle formais, de sorte que o tratamento entre indivíduos fosse o mais igualitário possível. Segundo o ilustríssimo mestre, Alexandre Sanches Cunha: 18 “Assim, neste cenário destaca-se que a Criminologia brasileira tem um enorme desafio pela frente: tem o dever de buscar uma solução para o problema proposto. Pesquisas futuras, da Psicologia e Sociologia devem estabelecer uma ponte entre os níveis de análise, comparar as causas em nível micro e macro e consequências do estigma entre os diferentes grupos sociais e identificar as condições que possam promover a “destigmatização”.24 Portanto, para que o índice de criminalidade seja reduzido e os indivíduos estigmatizados se sintam parte da sociedade, o desvio primário precisa ser diminuído, o estigma preconceituoso das instâncias de controle social amenizados e o desvio secundário evitado. 8. Referências ADORNO, Theodor. Anotações sobre Kafka. In.: ADORNO, T. Prismas. 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