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História da Palestina Século I Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof. Dr. Edgar Silva Gomes Prof. Ms. André Valva Revisão Textual: Prof. Ms. Claudio Brites História da Palestina: Século I – De Saulo a Paulo: Religião e Poder na Sociedade Romana • Introdução • O Contexto Político-Religioso de Paulo • A Confrontação com o Império • A Sociedade Alternativa ao Poder do Império Romano · Aprender um pouco mais sobre um importante tema: De Saulo a Paulo: Religião e Poder na Sociedade Romana. Então, procure ler, com atenção, o conteúdo disponibilizado e o material complementar. Não se esqueça! A leitura é um momento oportuno para registrar suas dúvidas; por isso, não deixe de registrá-las e transmiti-las ao professor-tutor. OBJETIVO DE APRENDIZADO História da Palestina: Século I – De Saulo a Paulo: Religião e Poder na Sociedade Romana Orientações de estudo Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem aproveitado e haja uma maior aplicabilidade na sua formação acadêmica e atuação profissional, siga algumas recomendações básicas: Assim: Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e horário fixos como o seu “momento do estudo”. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo. No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas: artigos científicos, livros, vídeos e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados. Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem. Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Determine um horário fixo para estudar. Aproveite as indicações de Material Complementar. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma Não se esqueça de se alimentar e se manter hidratado. Aproveite as Conserve seu material e local de estudos sempre organizados. Procure manter contato com seus colegas e tutores para trocar ideias! Isso amplia a aprendizagem. Seja original! Nunca plagie trabalhos. UNIDADE História da Palestina: Século I – De Saulo a Paulo: Religião e Poder na Sociedade Romana Contextualização Saiba que esta Disciplina tem como propósito apresentar um panorama histórico do contexto da atuação de Jesus com as discussões mais recentes dessa área; além de lhe proporcionar momentos de leitura – textual e audiovisual – e reflexão sobre os temas que serão aqui discutidos, contribuindo com sua formação continuada e trajetória profissional. Esta Disciplina está organizada em seis unidades, cujo eixo principal será a História da Palestina: Século I – De Saulo a Paulo: Religião e Poder na Sociedade Romana, ou seja, que dê conta de conhecer, definir, classificar e conceituar Jesus e seu tempo como campo de pesquisas, estudos e formação acadêmica e profissional, é o que você encontrará nas próximas unidades. Ademais, perceba que a Disciplina em ensino a distância pode ser realizada em qualquer lugar que você tenha acesso à Internet e em qualquer horário. Dessa forma, normalmente com a correria do dia a dia não nos organizamos e deixamos para o último momento o acesso ao estudo, o que implicará no não aprofundamento do material trabalhado, ou ainda, na perda dos prazos para o lançamento das atividades solicitadas. Assim, organize seus estudos de maneira que entrem na sua rotina. Por exemplo, você poderá escolher um dia ao longo da semana ou um determinado horário todos ou alguns dias e determinar como o “momento do estudo”. No material de cada unidade há videoaulas e leituras indicadas, assim como sugestões de materiais complementares, elementos didáticos que ampliarão sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados. Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão, assim como realize as atividades de sistematização, estas que lhe ajudarão a verificar o quanto absorveu do conteúdo: são questões objetivas que lhe pedirão resoluções coerentes ao apresentado no material da respectiva Unidade para, então, prepará-lo(a) à realização das respectivas avaliações. Tratando-se de atividades avaliativas, se houver dúvidas sobre a correta resposta, volte a consultar as videoaulas e leituras indicadas para sanar tais incertezas. 8 9 Introdução Desde a década de 60 a.C. o destino da Palestina estava vinculado ao destino do império romano, “[...] sob os últimos asmoneus, sumos sacerdotes e etnarcas dos judeus, e sob Herodes o Grande, amigo e aliado do povo romano (37 a.C.), e o neto deste, Herodes Agripa (41-44 d.C.), a Palestina foi um Estado vassalo” (SIMON; BENOIT, 1987, p. 119). Um procurador romano governou todos os territórios dos judeus, a Judeia, a partir de 6 d.C., que era o território que atualmente chamamos de Palestina. A maior autoridade local permanecia sendo o sumo sacerdote, que a partir do sinédrio julgava os casos relacionados à Lei mosaica, esta que regia a vida individual e coletiva do povo judeu e de seus conversos. Toda essa aliança de interesses entre as elites romanas e judaicas se deteriorou com a insurreição de 66-70, “[...] que tendo visado à independência, resultou na devastação de Jerusalém e do Templo pelas legiões de Tito, bem como na extinção simultânea do sacerdócio, a Palestina foi colocada sob regime de administração direta, com o procurador substituído [...]”, após este fato e sendo administrada por um Legado, não houve mais nenhuma autoridade local com reconhecimento oficial por parte do império romano (SIMON; BENOIT, 1987, p. 119). O contexto político-religioso de Paulo, tratando-se de um judeu religioso, como era o caso do apóstolo em questão, confunde-se e isto justifica a perseguição às seitas e ao cristianismo nascente, fatores que desfrutavam do mesmo ambiente religioso, o Templo, local sagrado e ritualístico para o povo judeu, “[...] sob o aspecto ritual, esse serviço divino atingia o ponto culminante nas solenes liturgias do Templo de Jerusalém, santuário único e sem imagens do Deus único e invisível [...]”, de modo que os pagãos não podiam conviver com judeus no Templo, e a população judaica era dividida em classes sociais, onde se alternavam para fazer assistência no culto, porém, a casta sacerdotal, descendentes de Aarão, era quem verdadeiramente conduzia as cerimonias (SIMON; BENOIT, 1987, p. 56). Jesus tentou quebrar essa rigidez do sistema judaico de seu tempo, “[...] hoje não podemos chegar à compreensão satisfatória do pensamento e do ensinamento de Jesus, sem entendermos o que Ele e seus contemporâneos sentiam a respeito do tempo [...]”, esse seria um tempo novo, sem as divisões de classes, preconceitos e hierarquias; o Reino de Deus com certeza não era aquele que estava reinando nos tempos de Jesus (NOLAN, 1987, p. 109). Essa fora a missão de Paulo, depois de converso ao cristianismo, e será nosso desafio nestas páginas: entender o contexto em que esse apóstolo missionou para transmitir aos seus contemporâneos a palavra de Deus e anunciar o Seu Reino. 9 UNIDADE História da Palestina: Século I – De Saulo a Paulo: Religião e Poder na Sociedade Romana Figura 1 Fonte: Wikimedia Commons O Contexto Político-Religioso de Paulo Afinal, quem era Paulo? Qual sua origem? Segundo Murphy-O’Connor, no livro Paulo: biografia crítica, o apóstolodeixa esta nossa dúvida sem solução; porém, há algumas pistas sobre a sua origem. Em Romanos indica-se que sua origem é israelita: “Pergunto, então: não teria Deus, porventura, repudiado seu povo? De modo algum! Pois eu também sou israelita, da descendência de Abraão, da tribo de Benjamin” (Rm, 11, 1). Paulo insiste em dar suas credenciais judaicas em suas epistolas, e isto é um ato político vivido por judeus das diásporas, e que fora vivida mais uma vez pela maioria dos israelitas expulsos, mais uma vez em sua história, de sua terra natal, nas décadas de 60 e 70 d.C., pelo império romano: “Aquilo que os outros ousam apresentar – falo como insensato – ouso-o também eu. São hebreus? Também eu. São israelitas? Também eu. São descendentes de Abraão? Também eu” (Cor, 11, 22). O judaísmo a partir da década de 60 d.C. não se limitava mais ao território da Palestina, onde originalmente se instalaram ao deixar o Egito rumo à Canaã, a terra prometida por Deus ao seu povo, ou seja, a região da Palestina, dos tempos da dominação do império romano. Para se entender os deslocamentos dos judeus e o sentimento de pertencimento desse povo ao universo político-cultural do judaísmo e, em consequência, à afirmação de Paulo de que era realmente um judeu, é preciso entender que “[...] de maneira quase que ininterrupta, a partir do exílio, um vasto movimento de emigração, ora forçado, ora espontâneo, levara à constituição de importantíssimas colônias judaicas em toda a bacia do mediterrâneo [...]”; é importante também lembrar que “[...] os judeus possuíam um estatuto oficial [...] que lhes garantia, tanto na diáspora, quanto na Palestina, liberdade de proteção do Estado romano para exercer seu próprio culto [...]”, e não era só em relação ao culto, mas também em matéria de obediência civil ao império, tudo que ferisse 10 11 a sua religiosidade; com isso, “[...] além de dispensá-lo de tudo o que, em matéria de deveres cívicos, fosse incompatível com as exigências de sua fé [...]”, com isso, os judeus estavam dispensados de prestar culto ao imperador (SIMON; BENOIT, 1987, p. 71). Pelos relatos das cartas paulinas, já sabemos, então, que Paulo era um judeu praticante, temente a Deus e fiel à Lei, tão fiel que foi um dos grandes perseguidores dos cristãos, ou seja, dos primeiros judeus seguidores de Jesus, que na diáspora frequentavam o mesmo espaço do culto a Deus, nas sinagogas. Podemos também dizer que, segundo as Escrituras Sagradas, Paulo era um judeu da diáspora. Segundo Murphy-O’Connor (2000), as cartas paulinas dão uma pequena pista de onde veio o apóstolo, ou seja, de sua terra natal, a Cilícia: “A capital Antioquia tinha muitos aspectos semelhantes a Damasco que ele foi forçado a deixar [...]. Certamente, oferecia muitas oportunidades para o ministério. Porque então ele foi à Cilícia? A resposta mais simples é a existência de uma ligação pessoal” (MURPHY- O’CONNOR, 2000, p. 47). “Eu sou judeu. Nasci em Tarso, da Cilícia, mas criei-me nesta cidade, educado aos pés de Gamaliel, na observância exata da Lei de nossos pais, cheio de zelo por Deus, como vós todos no dia de hoje” (Lc, 22, 3). Para Murphy-O’Connor (2000) essa informação foi confirmada por Lucas, quando disse que Paulo veio de Tarso, ou seja, a capital da Cilícia: “O Senhor lhe disse em visão: Ananias! Ele respondeu: Estou aqui Senhor! E o Senhor prosseguiu: Levanta-te, vai pela rua chamada Direita e procura, na casa de Judá, por alguém de nome Saulo de Tarso” (At, 9, 11). Lucas ainda confirma essa informação em outras passagens dos Atos e, desta vez, “reproduz” as palavras do apóstolo: “Respondeu- lhe Paulo: eu sou judeu, de Tarso, da Cicia, cidadão de uma cidade insigne. Agora, porém, peço-te: permite-me falar ao povo” (At, 21, 39). Segundo Murphy-O’Connor (2000), o discípulo Lucas não teria qualquer interesse em inventar uma origem para Paulo: “Lucas não teria interesses em inventar para Paulo uma origem na diáspora [...] com certeza, teria preferido que Paulo fosse de Jerusalém [...]”; mas bem que Lucas tentou ligar Paulo à Jerusalém ao sugerir que ele foi educado naquela cidade: “De fato, ele tenta fazer Paulo ser de Jerusalém por adoção, afirmando que, embora nascido em Tarso, Paulo não só foi educado, mas também formado em Jerusalém” (MURPHY-O’CONNOR, 2000, p. 47). Porém, Tarso foi uma importante cidade do império romano, anexada por Pompeu no ano de 64 a.C., situada na Ásia Menor, região da atual Turquia. Vosso lar está em uma grande cidade e ocupais uma terra fértil, porque encontrais as necessidades da vida supridas na maior abundância e profusão, pois tendes este rio que corre pelo coração da vossa cidade; além disso, Tarso é a capital de todo o povo da Cilícia (XENOFONTE, Discursos, 33, 17; cf. 34, 7 apud MURPHY-O’CONNOR, 2000, p. 48). 11 UNIDADE História da Palestina: Século I – De Saulo a Paulo: Religião e Poder na Sociedade Romana Sob o domínio do império romano desde 66 a.C., a cidade de Tarso, na região da Cilícia, foi uma cidade leal à Roma e sua população recebeu grande contingente de judeus até o final do século I d.C.; como visto, os judeus gozavam de um estatuto especial para exercer sua religião e, em alguns casos, sua administração, mesmo depois da revolta da década de 60 d.C., “[...] no âmbito municipal [...] as comunidades judaicas por vezes gozavam dos mesmo direitos que a população pagã, sem por isso ficarem sujeitas às mesmas obrigações, na medida em que estas fossem de caráter religioso, possuíam uma administração particular [...]” (SIMON; BENOIT, 1987, p. 72). Apesar de não se dar da mesma forma em todas as regiões, e de em algumas ocasiões causar conflitos com os pagãos, por causa da liberdade de crença e administrativa que gozavam, fosse um desrespeito aos outros cidadãos do império. Figura 2 Fonte: Wikimedia Commons Os judeus viveram em seu mundo particular, mesmo na(s) diáspora(s), ou seja, aplicando suas leis aos seus cidadãos, os israelitas, que estavam sob a égide da Lei mosaica. Dessa forma é que se justifica a perseguição de Paulo aos cristãos, que naquele contexto eram considerados “desertores” do judaísmo, chamados de nazarenos ou cristãos; era um novo grupo que estava se formando no seio do judaísmo, que coexistia com os outros quatro grupos: saduceus, fariseus, zelotes e essênios. Os seguidores de Jesus continuavam a frequentar o Templo, até sua destruição, e depois passaram a frequentar as sinagogas na diáspora. Para o judaísmo o significado de seita não tem a mesma conotação dada à palavra na contemporaneidade; naquele contexto, as seitas judaicas eram, principalmente, os saduceus, os fariseus, os essênios e os zelotes, como dito. 12 13 “Aliás, eu poderia, até, confi ar na carne. Se algum outro pensa que pode confi ar na carne, eu ainda mais: circuncidado ao oitavo dia, da raça de Israel, da tribo de Benjamin, hebreu fi lho de hebreus; quanto a Lei fariseu; quanto ao zelo perseguidor da igreja; quanto à justiça que há na Lei, irrepreensível” (FL, 3, 4-5). Em Lucas, Paulo confi rma a perseguição aos cristãos: “Persegui de morte este caminho, prendendo e lançando à prisão homens e mulheres, como podem testemunhar o sumo sacerdote e todos os anciãos. Deles cheguei a receber cartas de recomendação para os irmãos em Damasco e para lá me dirigi, a fi m de trazer algemados para Jerusalém os que lá estivessem, para serem aqui punidos” (Lc, 22, 4-5). A palavra haíresis deu origem ao termo heresia, porém, todos os quatro grupos citados são denominados pelo termo haíresis, “[...] mas que a princípio não apre- sentava conotação pejorativa e significava apenas escolha, opção, escola filosófica ou religiosa. Foi exatamente esse termo que o latim traduziu por secta (SIMON; BENOIT, 1987, p. 60). Saduceus e zelotes eram representantes do judaísmo oficial, ao passo que essênios e zelotes eram grupos de judeus marginalizados pela oficiali- dade do Templo, ou seja, estavam mais próximos do que entendemos porseita hoje, porém não os são, haja vista que para os judeus a palavra seita, originada do termo haíresis, queria dizer simplesmente escolha, apesar dos dois últimos grupos estarem em situação de discriminação, como dissemos, não foram perseguidos de forma sis- temática – como foram os cristãos no contexto paulino. Paulo, um fariseu, como se autodenominou, pertencia à ala predominante do judaísmo naquele contexto. Em seu favor também estava o fato de sua cidade de origem gozar de grande prestígio diante do império romano, já no final do século I a.C., este fato pode ser constatado, segundo Murphy-O’Connor (2000), por estar “[...] absorvida no sistema romano em 66 a.C., quando Pompeu organizou a Ásia Menor, Tarso opôs-se a Cássio, assassino de seu protetor Júlio César. Em 42 a.C., Marco Antônio recompensou a lealdade concedendo-lhe liberdade e imunidade [...]”, esta concessão era fato raro para uma cidade que não era colônia, e o privilégio foi sendo confirmado pelos dominadores, Augusto em 31 a.C., após a batalha de Ácio, “[...] lhe outorgou terra, leis, honra, controle do rio e do mar em vossa parte do mundo e é por isso que vossa cidade cresceu tão depressa [...]” (MURPHY- O’CONNOR, 2000, p. 48). Todo esse prestígio galgado ao longo do tempo pela cidade de Tarso diante do império romano nos é particularmente importante, pois os habitantes da região da Cilícia garantiram para si a cidadania romana, e Paulo fora, portanto, um cidadão romano, fazendo uso dessa condição para se defender da perseguição que passou a sofrer após sua conversão ao cristianismo. 13 UNIDADE História da Palestina: Século I – De Saulo a Paulo: Religião e Poder na Sociedade Romana Importante! “Depois de o amarrarem com as correias, Paulo observou ao centurião presente: ‘ser- vos-á lícito açoitar um cidadão romano, ainda mais sem ter sido condenado?’ A estas palavras, o centurião foi ter com o tribuno para preveni-lo: ‘Que vais fazer? Este homem é cidadão romano’”. Vindo, então, o tribuno, perguntou a Paulo: ‘Dize-me: tu és cidadão romano?’ ‘Sim’, respondeu ele. O tribuno retomou: ‘Precisei de um vultuoso capital para adquirir a esta cidadania’. ‘Pois eu, disse Paulo, a tenho de nascença’. Imediatamente se afastaram dele os que iam torturá-lo. O próprio tribuno teve receio, ao reconhecer que era um cidadão romano, e que mesmo assim o havia acorrentado (At, 22, 25-29). Importante! Paulo viveu em um contexto político-religioso bastante conturbado, que culminou com a revolta de 60-70 d.C., onde o Templo de Jerusalém foi destruído; nem mesmo os judeus estavam seguros para praticar sua religião no contexto da diáspora; o cristianismo estava se tornando uma seita independente da religião dos judeus e, com isso, passou a ser perseguido pelos defensores da Lei mosaica, nas regiões onde gozava de liberdade, e pelo paganismo do império romano. Paulo passou de perseguidor a perseguido e ao se converter teve de enfrentar a ira dos judeus do sinédrio e dos governantes romanos. A Confrontação com o Império Todo o mundo habitado lhe prestava honras normalmente conferidas aos deuses do Olimpo. Essas honras são tão bem atestadas por templos, corredores, vestíbulos e colunas, que toda cidade que contém obras magnificas novas e antigas é superada em magnificência pela beleza e magnitude das dedicadas a César (FILO, Legatio ad gaium, p. 149-150, adaptação de LOEB apud HORSLEY, 2004, p. 19). Na Antiguidade Clássica, na qual grande parte foi dominada pelo império roma- no, ao falarmos de religião, devemos ter em mente que não se trata de religião como entendemos no mundo hodierno, pois naquele contexto a religião era indissociável à política. Essa cultura também se aplicaria ao judaísmo, permeado pelo binômio inse- parável à época: religião e política. A cultura judaica não separava em seu cotidiano a política da religião. O culto romano ao imperador, para além do sentido religioso, foi fortemente mar- cado pelo aspecto político da dominação; adorar o imperador era adorar o Estado e tudo o que implicava à época esse conceito. Portanto, “[...] se pensarmos a religião primordialmente em termos da fé do indivíduo em um Deus ou em sua relação pesso- al com um Deus, podemos não perceber a importância de expressões religiosas bem mais importantes nas sociedades tradicionais” (HORSLEY, 2004, p. 21). 14 15 Os romanos expandiram seu império através da força das armas; dessa forma, controlaram grande parte do mundo conhecido na Antiguidade; usaram do medo para impor seu poder e controlar as regiões que foram conquistando, “[...] os líderes militares romanos usavam a crucificação para aterrorizar os povos subjugados a fim de submetê-los ao regime imperial” (HORSLEY, 2004, p. 19). Em alguns casos, após dominarem um povo ou região, foram sendo realizadas importantes alianças com as elites subjugadas pelo império, a fim de manter o domínio sobre a população como aconteceu, por exemplo, com a elite judaica, que se aliou ao império e ajudou a oprimir seu próprio povo. Mas, não foi somente com a elite judaica que os romanos fizeram alianças, dando liberdades controladas; muito antes, outras regiões foram anexadas ao império romano e se mantiveram pacificadas não pela força inicial, mas passaram a ser integradas ao império através de alianças. Porém, após a nova forma implantada por Augusto para administrar seu impé- rio, o uso da força militar e da ostensiva lei fiscal, como predominava na Palestina, cedeu espaço para uma nova forma de exercício de poder, que seguia “[...] apa- rentemente mais um padrão de relações sociais, articulado com maior visibilidade em formas religiosas, ou talvez devêssemos dizer político-religiosas” (HORSLEY, 2004, p. 21); ou seja, os povos dominados há mais tempo foram assimilando a cul- tura político-religiosa do império romano, onde a importância do culto religioso se concentrava “[...] nas sociedade tradicionais, como os rituais sacrificiais, os festivais comunitários, e a estruturação e decoração do espaço público [...]” (HORSLEY, 2004, p. 21); a religião instrumentalizada pelo Estado imperial não cedia muito espaço para as relações de fé entre homens e deuses sobrenaturais. Outra questão importante que não podemos perder de vista, sobre tal contexto, é a de que: Quase três gerações antes da época da missão de Paulo em Filipos, Tessalônica, Corinto e Éfeso, essas áreas foram completamente pacificadas. Na verdade, a ordem imperial em áreas como as províncias de Acaia, da Macedônia e da Ásia sequer exigia uma burocracia administrativa e muito menos a presença militar. Uma das mudanças realmente notáveis sob o império de Augusto foi a consolidação do imperium romanum numa entidade bem mais unificada do que a mera reunião de províncias [...] o poder imperial já não funcionava de acordo com aquilo que se pensa comumente como interações políticas [...] as relações de poder imperiais passaram a se constituir nas imagens, santuários, templos e festivais do culto ao imperador [...] a elite provincial, que se tornara cliente imperial, era também o principal patrocinador do culto imperial, as instituições político-religiosas em que as relações de poder se constituíam eram virtualmente inseparáveis das redes socioeconômicas locais da sociedade imperial (HORSLEY, 2004, p. 20-21). Paulo de Tarso entrou em rota de colisão com o modo de vida que havia se espalhado pelo império romano para além do território Palestino. O neoapóstolo era judeu e defendeu a aplicação do rigor da Lei mosaica para os judeus que se desviavam da fé/cultura judaica, ou seja, Paulo lutou para preservar a fé de seus 15 UNIDADE História da Palestina: Século I – De Saulo a Paulo: Religião e Poder na Sociedade Romana antepassados, portanto, seria comum dizer que também foi contra a religião de Estado romano, apesar de ser um cidadão romano, era um judeu da diáspora, e como todo judeu, que mais uma vez viveu o dilema do exílio forçado e de conviver com outracultura, o apóstolo Paulo era um judeu praticante. Como vimos, a Palestina esteve durante quase um século sob a antiga forma de dominação romana, apesar da aliança da elite judaica, capitaneada pelo sinédrio, onde havia liberdade administrativa e de culto para os judeus, grande parte da população, em especial os camponeses, vivia sob pesadas obrigações da política fiscal do império e, com isso, perderam suas terras e pagaram sobretaxas sobre suas mercadorias em diversas ocasiões, inclusive ao frequentar o Templo. A revolta das décadas 60 e 70 d.C. desnudou uma situação insustentável e o império agiu com toda brutalidade que lhe foi bastante peculiar contra os insurgentes. Como era a situação dos cristãos no período compreendido entre a morte de Jesus e a atuação de Paulo, após a sua conversão, estava mais tensa a situação política entre a população da Palestina e o império romano. Em relação aos judeu-cristãos de língua hebraica ou aramaica, o curto espaço de tempo, entre a morte de Jesus e a queda do Templo de Jerusalém, esse grupo passou da tolerância ao desprezo e perseguição, dentro de sua própria nação. A relação entre os judeus (ortodoxos) e os cristãos (judeus) sofrera um desgaste gradual, pois ambos frequentavam o templo, segundo Pierini (1998, p. 52), “[...] a língua e a cultura constituem, desde o início, o primeiro elemento de distinção no interior da comunidade dos novos crentes, mesmo sem levar a uma distinção propriamente dita [...] os judeus cristãos são tolerados pelas autoridades de Jerusalém”. Os ânimos estavam tão acirrados na Palestina que em pouco tempo os apóstolos passaram a sofrer seguidas prisões; Pedro e João tiveram de enfrentar acusações e prisões: “Estavam, eles falando ao povo, quando sobrevieram os sacerdotes, o oficial do Templo e os saduceus, contrariados por vê-los ensinar ao povo e anunciar, em Jesus, a ressurreição dos mortos. Lançaram as mãos sobre eles e os recolheram ao cárcere” (At. 4, 1-3). Em nome de Cristo, os apóstolos, no ano de 44 sofreram perseguição das autoridades civis, “[...] desencadeada por Herodes Agripa II, com a prisão e decapitação de Tiago de Zebedeu, irmão de João, e com a prisão de Pedro. Depois que Pedro foi libertado e afastado de Jerusalém, a comunidade judeu-cristã é confiada a Tiago, irmão do Senhor” (PIERINI, 1998, p. 53). Nesse contexto a mensagem cristã começou a se expandir e atingiu a Judeia, a Galileia e a Samaria, isso em meados do final da década de 30, chegando, inclusive, à Roma, capital do império. Esse é um tipo de judeu-cristianismo ortodoxo. A comunidade judaica da capital vivia em estreita relação com a Palestina, a pregação da “Boa Nova” na década de 40 chegou a tal ponto que “[...] a propagação pela capital deve ter-se verificado durante os anos 40, dado que o imperador Cláudio, por volta de 49, toma medidas contra os judeus romanos, que estavam em briga por causa de certo ‘Cresto’ (Cristo?)” (PIERINI, 1998, p. 53). 16 17 O contexto da conversão de Paulo, um judeu ortodoxo fiel à Lei mosaica, que segundo alguns textos historiográficos, perseguia os cristão-helenistas, e não apenas estes, pois “[...] ele assiste, aprovando-a, a morte de Estevão e colabora com a perseguição aos heleno-cristãos. Perto de Damasco, porém, no ano de 37, converte-se ao cristianismo, após uma visão repentina” (PIERINI, 1998, p. 55). O mesmo Pierini nos informa a respeito do batismo de Paulo, realizado por Ananias em Damasco, e de sua saída da cidade por causa da hostilidade sofrida pelo apóstolo quando anunciava a messianidade de Jesus aos judeus. Paulo saiu de Damasco e foi para o território dos nabateus, antes de ir à Jerusalém se juntar à comunidade cristã, porém, entre os judeu-cristãos, Paulo também foi repudiado, “[...] junta-se à comunidade cristã mediante os bons ofícios de Barnabé e começa forte polêmica com os judeus especialmente com os da diáspora, e por isso deve novamente fugir, refugiando-se primeiro na Cesareia e, depois em Tarso” (PIERINI, 1998, p. 55). Esta peregrinação de Paulo se deu em torno de 39 ou 40, mas fora a rotina do apóstolo que fez em sua vida quatro grandes viagens missionárias, “Por volta de 43-44, de novo por iniciativa de Barnabé, Saulo é levado de Tarso a Antioquia, e aí desenvolve os temas do próprio ‘Evangelho’ e da sua experiência cristã. Do ano de 44 ao 46, Saulo se transfere pela segunda vez a Jerusalém, junto com Barnabé” (PIERINI, 1998, p. 55). As viagens missionárias de Paulo: https://goo.gl/XnScFq Ex pl or O apóstolo Paulo, ao se converter ao cristianismo, após trocar de lado, pois em boa parte de sua vida, Paulo esteve ao lado dos opressores, viu-se impelido a reparar seus erros e a espalhar a “Boa Nova” entre os povos. Paulo levou o nome de Cristo para além das “fronteiras” do judaísmo e atingiu o mundo gentio com a palavra de Jesus. E a palavra de Jesus, ou como a chamamos, “Boa Nova”, estava subverten- do a lógica político-religiosa do império romano e do mundo conquistado por esse império. Porém, como o apóstolo transformou um símbolo que era utilizado pelos romanos para aterrorizar em símbolo de salvação para os povos oprimidos? Primordialmente por meio da missão de Paulo, o Cristo Crucificado tornou- se o símbolo central do movimento popular que veio a ser o cristianismo. Uma vez que o crucifixo ficou cercado e coberto por várias associações com sacrifício e expiação dos pecados, era fácil perder de vista o terror que a cruz originalmente evocava como instrumento de tortura para escravos e povos resistentes ao domínio romano [...]. A violência militar romana estabeleceu as condições materiais, políticas e culturais em que se originou o movimento cristão (HORSLEY, 2004, p. 19). Paulo combateu a religião de seu tempo, ou seja, a religião de Estado do império romano e outras formas culturais que estivessem contra a nova moral, ou seja, tudo aquilo que incidia contra a “Boa Nova”; Paulo enfrentou os poderosos de seu tempo para fazer o anúncio, “[...] rei Agripa, não me mostrei rebelde à visão celeste. Ao contrário, primeiro os habitantes de Damasco, aos de Jerusalém e toda 17 UNIDADE História da Palestina: Século I – De Saulo a Paulo: Religião e Poder na Sociedade Romana a região da Judeia, e depois aos gentios anunciei o arrependimento e a conversão a Deus com a prática de obras dignas” (At, 26, 19-20); e falou a todos os povos em Roma: “Paulo ficou dois anos inteiros na moradia que havia alugado. Recebia todos aqueles que vinham visitá-lo, proclamando o reino de Deus e ensinando o que se refere ao Senhor Jesus Cristo com toda a intrepidez e sem impedimento” (At, 28, 30-31). Paulo viveu o bastante para testemunhar a primeira grande perseguição aos cristãos realizada pelo imperador Nero e, nesse contexto, não foram só os cristãos oriundos do paganismo de língua “grega” helenizados que foram perseguidos, os judeu-cristãos, apesar do apego à Lei e ao Templo, nesse contexto, passaram a ser hostilizados pelos judeus ortodoxos e “[...] são objeto de uma grave perseguição por parte dos judeus: no ano 62, Tiago, ‘o justo’, chefe da comunidade, sofre o martírio por obra do sumo sacerdote Anano [...]”, segundo Pierini (1998), essa perseguição foi instigada pelos judeus, “[...] bem situados na corte, desaba sobre os cristão a primeira perseguição imperial, a de Nero, ocorrida nos anos 64-65, após o incêndio de Roma, que perdurou do dia 19 ao dia 25 de julho de 64. Acusados de serem os incendiários [...]” (PIERINI, 1998, p. 57). Os cristãos foram acusados e perseguidos pelo incêndio em Roma, porém, a viagem pela Espanha e pelo Mar Egeu livrou Paulo de presenciar a tragédia que assolou a cidade e os habitantes cristãos; segundo Murphy-O’Connor (2000), o incêndio durou nove dias, de 19 a 28 de julho de 64, o que difere em três dias das fontes de Pierini (1998), porém, o que importa é que Paulo não esteve presente na cidade nessa ocasião, dado que foi justamente em seu retorno que começaramseus dias de martírio, numa cidade arrasada que teve dez dos seus quatorze bairros destruídos. O imperador romano se apressou em reconstruir a cidade e dar abrigo aos flagelados pelo incêndio, “[...] a fim de assegurar que a tragédia não se repetisse e sua propiciação de todos os deuses que pudessem ter se sentido desrespeitados, espalhou-se a notícia de que o imperador recorrera a um tipo de renovação um tanto drástica [...]” (MURPHY-O’CONNOR, 2000, p. 371). A suspeita era de um incêndio provocado, e esta suspeita recaiu sobre os cristãos, afinal, Nero precisava de um bode expiatório, e o bode expiatório foi um grupo em ascensão, os cristãos. Segundo os Anais de Tácito, citados por Murphy-O’Connor (2000, p. 371): “Nero inventou bodes expiatórios e puniu com todo requinte os notórios e depravados cristãos, como eram popularmente chamados, suas mortes foram ridicularizadas, vestidos de animais selvagens foram estraçalhados por cães, ou crucificados [...]” (TÁCITO, Anais, 15, 44). Temos notícias historiográficas mais popularmente divulgadas, de que os cristãos foram transformados em tochas humanas para iluminar Roma à noite, essa informação também consta nos Anais de Tácito. 18 19 Figura 2 - O incêndio de Roma, 18 de julho de 64, óleo de Hubert Robert, no Museu de Arte Moderna André Malraux, em Le Havre. Fonte: Wikimedia Commons A notícia do incêndio de Roma se espalhou e não tardou a chegar às comunidades paulinas da Ásia e da Grécia, e com ela havia um grande dilema para o apóstolo: “[...] os fiéis ficaram consternados ao saber da morte horrível que seus irmãos de fé haviam sofrido. Vendo o impacto de tal pavor em seus convertidos, Paulo não teve dificuldade em imaginar as consequências para os poucos cristãos de Roma [...]” (MURPHY-O’CONNOR, 2000, p. 371). Paulo precisava enfrentar a situação e retornar à capital do império – e foi o que ele teve de fazer. O risco era grande demais, porém, era preciso correr em auxílio dos cristãos que por ventura tivessem sobrevivido, “[...] para a igreja romana sobreviver, outras comunidades teriam de vir em seu auxílio. Aqui temos um motivo que explica de maneira adequada a volta de Paulo à Roma e a decisão de Erastes de permanecer em Corinto. Este último achou o risco grande demais” (MURPHY-O’CONNOR, 2000, p. 372). O fato de Erastes ter permanecido em Corinto também é atestado pela segunda carta de Timóteo: “Saúda a Prisca e a família de Onesíforo. Erasto ficou em Corinto. Deixei Trófimo doente em Mileto. Procura vir antes do inverno. Enviam-te saudações: Êubulo, Pudente, Lino, Cláudia e todos os irmãos” (2TM, 4, 19-21). O risco corrido por Paulo foi imenso, segundo Murphy-O’Connor (2000, p. 372), “[...] é improvável que entrasse secretamente na Cidade depois se esgueirasse com cautela de um esconderijo a outro. A discrição era o primeiro passo em direção à apostasia. A restauração da comunidade exigia uma presença bastante representativa”. Nesse caso, o risco iminente era o menor problema, pois para Paulo manter a sua posição de liderança, era preciso demonstrar coragem e segurança, “[...] o testemunho tinha de ser público [...]” (MURPHY-O’CONNOR, 2000, p. 372). Porém, os cristãos eram perseguidos e Paulo sofreu as consequências: “Está 19 UNIDADE História da Palestina: Século I – De Saulo a Paulo: Religião e Poder na Sociedade Romana registrado que, no reinado de Nero, Paulo foi decapitado em Roma mesmo, que Pedro foi igualmente crucificado e o registro se confirma pelo fato de que ali os cemitérios ainda são chamados pelos nomes de Pedro e Paulo [...]” (MURPHY- O’CONNOR, 2000, p. 372). Paulo enfrentou o império romano para defender a fé que havia abraçado, e dela deu testemunho até o último dia de sua vida: “Entendemos que a forma da morte de Paulo, decapitação, significa que ele foi condenado por um tribunal regularmente constituído. Não sabemos onde se realizou a execução, nem onde foi enterrado” (MURPHY-O’CONNOR, 2000, p. 372). A Sociedade Alternativa ao Poder do Império Romano Para os historiadores da igreja, Marcel Simon e André Benoit (1987, p. 119), “[...] tanto quanto uma fé, o cristianismo nascente era uma esperança. [...] Ante um mundo dominado pelas potências do mal e condenado a curto prazo, sua primeira atitude só poderia ter sido de completa negação e hostilidade”. Com o fim da Era Apostólica, ou seja, com o desaparecimento da geração que conviveu com Jesus e seus discípulos mais próximos de seu tempo, e os primeiros apóstolos, como Paulo, por exemplo, o cristianismo começou a se espalhar pelo mundo antigo. Eram homens e mulheres que foram se convertendo ao cristianismo, exortados que foram pelas palavras e testemunhos de outros homens e mulheres que conviveram muito próximos aos primeiros seguidores de Jesus Cristo. Os eventos que envolveram a vida e a morte de Jesus começavam a ser interpretados por seus seguidores “[...] para a jovem cristandade, o drama palestino foi interpretado, por um momento, como uma das catástrofes que deveriam anunciar a parusia; mas, na medida em que esta tardava a realizar-se, passou a interpretá-lo em definitivo [como] sinal de castigo” (SIMON; BENOIT, 1987, p. 109). Esse evento que a jovem cristandade presenciou foi a destruição do Templo de Jerusalém, no contexto da revolta da década de 70. Esse castigo contra Israel era interpretado como uma recusa da palavra de Jesus ao seu povo, que não havia reconhecido o Messias. Os judeu-cristãos não estavam renegando o judaísmo e seu povo, mas para os não judeus ficava cada vez mais difícil entender os acontecimentos que flagelaram a Palestina, após a revolta da década de 70, “[...] para eles se tornava difícil encontrar uma explicação verdadeiramente satisfatória para um acontecimento que, aos olhos de um cristão não judeu, assumia o valor de uma confirmação celeste à mensagem de Estevão e Paulo” (SIMON; BENOIT, 1987, p. 109). 20 21 A igreja aguardava o iminente regresso do Cristo justiceiro. Tal atitude expressou- se claramente nas imprecações do Apocalipse contra a Besta e Babilônia, a grande meretriz, símbolos transparentes de Roma (SIMON; BENOIT, 1987, p. 119). Essa “confirmação celeste” à mensagem de Paulo aos gentios só fez crescer o número de adeptos ao cristianismo para além das fronteiras do judaísmo, os gentios foram aos poucos se tornando maioria dentro da igreja nascente. Apesar do comprometimento gentio à nova fé, “[...] a influência das concepções judaicas far-se- ia sentir por muito tempo ainda, antes de mais nada porque a Igreja nunca deixou de considerar a Bíblia como Escritura inspirada, que passou a designar como Antigo Testamento [...]” (SIMON; BENOIT, 1987, p. 110). Paulo impulsionou a missão entre os gentios, e até mesmo entre os doze apóstolos, segundo Simon e Benoit (1987), alguns deles passaram a pregar entre os gentios, “[...] não obedeceram, porém, a um plano missionário de conjunto, pois é lendária a tradição segundo a qual dividiram o mundo com vistas à evangelização [...]” (SIMON; BENOIT, 1987, p. 110). A igreja crescia em número de adeptos e se expandia “pelos quatro cantos do mundo”, foi até à Antioquia e Síria, e estas são as duas comunidades mais bem documentadas pelo livro dos Atos dos Apóstolos, como em Antioquia, “[...] onde surgiu a denominação de cristão e onde pela primeira vez se enfrentou o problema concreto das relações entre os cristãos não judeus e o judaísmo. Desde a época apostólica existiram comunidades cristãs em outras cidades da Síria e da Fenícia” (SIMON; BENOIT, 1987, p. 112). Surgiu nessa região, que englobava cidades importantes como, por exemplo, Damasco, Tiro e Sídon, um pequeno livro, a Didakké, atribuído aos ensinamentos dos doze apóstolos, portanto, com forte influência do judaísmo. A Didakké é um pequeno livreto que contém ensinamentos catequéticos e litúrgicos. A expansão chegou à Ásia Menor, instalando-se em Éfeso, Magnésia, Trales, Filadélfia e Esmirna, cidade do bispo Policarpo,“[...] o cristianismo achava-se solidamente enraizado na região, onde missionários chegados da Palestina, a maior parte em decorrência dos acontecimentos do ano 70, haviam dado continuidade à obra de Paulo [...]” (SIMON; BENOIT, 1987, p. 112-113). O Oriente semita e o Ocidente latino também recebiam a “Boa Nova” como, por exemplo, a Gália, Cartago e a Costa Setentrional da África, isso até o final do século I; na África do Norte podem ser atestadas comunidades cristãs de língua latina, enquanto que a Gália e a Costa Setentrional, ao que tudo indica, foram cristianizadas na língua grega. Outra região que figura entre as prováveis comunidades cristãs primitivas, além das comunidades que floresciam no Mediterrâneo, cujo esforço se deveu às igrejas locais, que emigraram da Palestina, “[...] mais a Leste, em Osroena e Adiabena, o cristianismo enraizava-se de modo a sugerir a implantação muito antiga. No que diz respeito aos grandes centros, em particular Edessa e Arbela [...]” (SIMON; BENOIT, 1987, p. 110). É bastante sugestiva a ideia de que essas regiões tenham sido cristianizadas pelo apóstolo Tomé, tal tradição é indicada em alguns escritos apócrifos. 21 UNIDADE História da Palestina: Século I – De Saulo a Paulo: Religião e Poder na Sociedade Romana A cristianização dessa região no Oriente, pelo que tudo indica, foi evangelizada na língua aramaica, no final do primeiro século, segundo consta, o missionário vindo da Palestina para essa região foi um tal Adai e, em comparação com o mundo greco-latino, as características mais acentuadas são de tradição de origem judaica palestina, porém, “[...] embora não se possa qualificá-lo, em função disso, como judeu-cristão na estrita e precisa acepção do termo [...], aparenta não ter recebido a influência de Paulo, e suas categorias de pensamento iriam permanecer muito mais semitas que gregas” (SIMON; BENOIT, 1987, p. 114). O cristianismo se expandiu rapidamente e, ao contrário do senso comum, a nova religião não era uma profissão de fé apenas dos estratos sociais mais pobres das sociedades onde se infiltrara, “[...] o cristianismo não se definiu unicamente como religião dos pobres. Seria errôneo encará-lo como expressão da consciência coletiva do proletariado antigo [...]” (SIMON; BENOIT, 1987, p. 116); o cristianismo, realmente, veio para todos aqueles que estivessem/estão abertos à “Boa Nova”. Na realidade, houve dificuldade de penetração da propaganda cristã, no Ocidente, entre os camponeses, ao contrário disso, “[...] nas cidades, em contrapartida, a propaganda cristã rapidamente ultrapassou os bairros populares [...], com certeza já na época de Domiciano, despertava simpatias e conseguia adeptos na aristocracia romana” (SIMON; BENOIT, 1987, p. 116). Apesar de a aristocracia romana ser considerada o último pilar para o paganismo, em declínio – diga-se de passagem. Em cidades como Éfeso, a elite local também pôde ser contada entre os convertidos ao cristianismo como, por exemplo, Áquila e Priscila, “[...] os padres apologistas e os padres alexandrinos eram representantes de uma burguesia culta (Tertuliano e Plínio), ambos assinalaram a existência de gente de toda condição social nas fileiras dos cristãos” (SIMON; BENOIT, 1987, p. 116). O cristianismo se tornou a religião de todos os povos e de todas as classes. Jesus não fundou uma instituição; seu movimento inspirou homens e mulheres: “Havia os doze, as mulheres, sua família (Maria, Tiago e Judas), muitos dos pobres e oprimidos que tinham sido reerguidos por Ele; havia discípulos na Galileia e discípulos em Jericó, em Jerusalém” (NOLAN, 1987, p. 194). Esses homens e mulheres só fizeram aumentar ao longo dos séculos, dos milênios, de modo que o movimento inspirado por Jesus é uma sociedade alternativa ao império romano e aos impérios que se sucederam na história após a vinda de Jesus. Cada qual se lembrava de Jesus de seu jeito, ou tinha ficado impressionado por um determinado aspecto daquilo que tinha ouvido a respeito dele. No começo não havia doutrinas nem dogmas, e nem um modo universalmente aceito de seguir Jesus, ou de acreditar nele. Jesus não teve sucessor. Ele não tinha inspirado o tipo de movimento que, para continuar, simplesmente nomeia sucessores para líder original. Os zelotas, como os Macabeus antes deles, tinham sucessão dinástica ou hereditária. Mas a característica extraordinária do movimento inspirado por Jesus era que ele próprio continuou a ser o líder e a inspiração de seus seguidores, mesmo após a sua morte. Sentia-se, obviamente, que Jesus era insubstituível. Se ele morresse, o movimento morreria, Mas se o movimento continuasse a viver, isso só poderia ser, então, porque de um modo ou de outro Jesus continuava a 22 23 viver [...]. Os primeiros cristãos foram aqueles que continuaram a vivenciar, ou começaram a vivenciar, de um modo ou de outro, o poder da presença de Jesus entre eles após a Sua morte. Todos sentiam que, apesar de Sua morte, Jesus ainda os estava dirigindo, guiando e inspirando (NOLAN, 1987, p. 194-195). Importante! “[...] não compete a vós conhecer os tempos e os momentos que o Pai fi xou com Sua própria autoridade. Mas recebereis uma força, a do Espírito Santo que descera sobre vós, e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia e a Samaria, e até os confi ns da Terra. Dito isto, foi elevado à vista deles, a uma nuvem o ocultou a seus olhos” (At. 1, 6-9). Importante! 23 UNIDADE História da Palestina: Século I – De Saulo a Paulo: Religião e Poder na Sociedade Romana Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Livros A figura de Jesus Cristo no livro Jesus de Nazaré de Joseph Ratzinger BRITO, Joel Gomes de. A figura de Jesus Cristo no livro Jesus de Nazaré de Joseph Ratzinger. 2014. Dissertação (Mestrado em Teologia) - Universidade Católica Portuguesa, 2014. O Evangelho de Mateus e o Judaísmo Formativo OVERMAN, J. Andrew. O Evangelho de Mateus e o judaísmo formativo. São Paulo: Loyola, 1997. Movimentos messiânicos no tempo de Jesus: Jesus e outros messias SCARDELAI, Donizete. Movimentos messiânicos no tempo de Jesus: Jesus e outros messias. São Paulo: Paulus, 1998. Um judeu chamado Jesus: uma leitura do Evangelho à luz da Torá VIDAL, Marie. Um judeu chamado Jesus: uma leitura do Evangelho à luz da Torá. Petrópolis: Vozes, 2000. 24 25 Referências HANSON, John S.; HORSLEY, Richard A. Bandidos, profetas e messias: movimentos populares no tempo de Jesus. São Paulo: Paulus, 1995. HORSLEY, Richard A. Paulo e o império: religião e poder na sociedade imperial romana. São Paulo: Paulus, 2004. SAULNIER, Christiane; ROLLAND, Bernard. A Palestina no tempo de Jesus. São Paulo: Paulus, 1983. NOLAN, Albert. Jesus antes do cristianismo. São Paulo: Paulus, 1988. A BÍBLIA de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 1995. MURPHY-O’CONNOR, Jerome. Paulo: biografia crítica. São Paulo: Loyola, 2000. PIERINI, Franco. A Idade Antiga. São Paulo: Paulus, 1998. SIMON, Marcel; BENOIT, André. Judaísmo e cristianismo antigo: de Antíoco Epifânio a Constantino. São Paulo: Edusp, 1987. 25
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