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Sistemas Políticos Democracia Profª Marianna T. Farias Em sua forma histórica, a democracia dos antigos, expressa na experiência ateniense, era uma democracia direta que se realizava num espaço restrito - a cidade/Estado grega. Ela, a democracia, se processava por intermédio de um sistema de assembléias, às quais era atribuído o poder de tomar todas as decisões políticas. O comparecimento à assembléia era teoricamente permitido a todo cidadão, não havia burocracia e o governo era exercido pelo povo. Além da participação direta na vida política, a democracia ateniense era dotada de mecanismos que permitiam responsabilizar todos os ocupantes de postos perante o corpo político. Ela exercia, por exemplo, uma ampla fiscalização sobre a sua magistratura, que mesmo sendo escolhida por sorteio, deveria ser submetida a exame prévio (dokimasia) e a uma devassa completa na sua vida pública e particular, e, ao terminar o mandato, a uma rigorosa prestação de contas perante uma comissão de fiscais públicos. - NETO, A. Democracia: velhas e novas controvérsias,. Democracia Ateniense Regime da soberania popular Democracia Ateniense Cidadania e Exclusão Condição de cidadania restrita aos homens com mais de dezoito anos de idade e filhos de pai e mãe atenienses. Cidadãos participavam do controle dos negócios públicos e eram credenciados para usufruírem plenamente dos direitos civis e políticos, podendo, assim, participar diretamente do governo e de suas instituições políticas (assembléias deliberativas e magistraturas). Excluídos da participação política: metecos, escravos, mulheres e jovens com idade inferior aos dezoitos anos. A democracia ateniense, ao se circunscrever nos limites de uma sociedade escravocrata, trazia no seu interior as contradições e os limites próprios dessa forma de organização social. [Dessa forma], era restrita, tanto no sentido de que excluía grande parte de população da vida política, quanto no sentido de que aqueles que teoricamente deveriam ter acesso a ela, na prática, não usufruíam igualmente nem dos diretos políticos, nem dos bens materiais produzidos naquele momento. - NETO, A. Democracia: velhas e novas controvérsias. Democracia Ateniense Estrutura Política O corpo político da democracia ateniense era formado por membros considerados absolutamente iguais, porque todos eram livres. A liberdade era o critério que determinava a igualdade. Porém, a igualdade do corpo político, na democracia ateniense, era apenas política e não econômica, na medida em que era constituído por grupos de origem social bastante diversificada. Dela faziam parte a aristocracia, que trazia consigo todos os hábitos da nobreza; a classe média rural, constituída por agricultores que ansiavam por liberdade; e a população urbana integrada pelos negociantes, industriais e trabalhadores de todas as categorias, que, ao lado de segmentos da população rural, formavam um forte sustentáculo das idéias democráticas. - NETO, A. Democracia: velhas e novas controvérsias, p. 290 Democracia Ateniense Estrutura Política O nível de instrução não era um fator determinante para a condição de cidadão. No corpo político da democracia ateniense conviviam, lado a lado, os camponeses, comerciantes e artesãos, que possuíam um baixo nível de instrução, com as classes mais elevadas, possuidoras de uma instrução mais aprimorada. Porém, teoricamente todos deveriam gozar dos mesmos direitos políticos. Já entre os metecos, que não eram considerados cidadãos, existiam intelectuais do mais alto gabarito (Miron, Zeuxis, Hipódamos de Mileto, Hipócrates, Aristóteles, por exemplo). Naquela época, a educação formal não tinha, pois, o mesmo significado e importância que assume hoje nas discussões sobre democracia e cidadania. No entanto, o clima democrático vivido em Atenas favoreceu enormemente o desenvolvimento intelectual. Ela foi a cidade na qual residiram os primeiros historiadores e acolheu os sofistas gregos, responsáveis pela elaboração de conhecimentos originais para aquela época (Sócrates, Platão, Aristóteles, Heródoto, dentre outros). - NETO, A. Democracia: velhas e novas controvérsias, p. 290 Democracia Moderna Democracia Representativa x Democracia Direta O pensamento liberal que serve de fundamento para a democracia dos modernos subordina a condição de cidadão à propriedade privada. O status de cidadão, segundo as formulações do liberalismo clássico, conquista-se na sua relação com a propriedade. O estatuto de cidadão está subordinado à propriedade - é cidadão quem é proprietário. O grande desenvolvimento do pensamento democrático se processou no seio das revoluções burguesas que eclodiram nos séculos XVII e XVIII na Europa. Essas revoluções engendraram e, ao mesmo tempo, se fundamentaram no ideário liberal que, ao lado da democracia moderna, se constitui em produto do capitalismo. - NETO, A. Democracia: velhas e novas controvérsias, p. 292 Democracia Moderna A democracia moderna no seu nascedouro assume a forma de democracia representativa. A sua marca primeira é a representação política, na qual o representante deve estar voltado para atender aos interesses da nação. A participação direta é radicalmente rejeitada pelos teóricos da democracia moderna. Montesquieu (1979), um dos seus principais teóricos, defendeu no seu livro O Espírito das Leis que: “O povo era excelente para escolher, mas péssimo para governar.” Precisava o povo, portanto, de representantes, que iriam decidir e querer em nome do povo. Segundo Bobbio (1993), a democracia pode ser considerada como um prolongamento natural do Estado liberal, não pelo lado do seu ideário igualitário, mas pela sua fórmula política, que é a soberania popular. Esta tornar-se-ia possível, na medida em que um maior número de cidadãos tivesse o direito de participar direta e indiretamente da tomada das decisões coletivas, significando a extensão dos direitos políticos até o limite último do sufrágio universal masculino e feminino. - NETO, A. Democracia: velhas e novas controvérsias, p. 292 Democracia Representativa A soberania do cidadão está limitada pelo fato [de: tanto] das grandes decisões quanto ao desenvolvimento econômico ou não chegarem aos órgãos representativos ou, se chegarem, serem tomadas [...] em sedes onde a grande maioria dos cidadãos soberanos não tem a menor voz ativa. Pode-se afirmar que o sistema representativo puro nunca existiu. O Estado representativo sempre teve que prestar contas ao Estado administrativo que é “um Estado que obedece uma lógica de poder descendente e não ascendente, secreta e não pública, hierarquizada e não autônoma, tendente à imobilidade e não à dinâmica, conservadora e não inovadora.” (p. 52). - Bobbio, 1979 p. 52 Democracia Moderna Democracia Representativa A crítica de Rousseau à democracia representativa pressupõe que o simples ato de votar em eleições não traduz a expressão da vontade popular. O autor aponta os limites da democracia representativa e propõe como eixo do que viria a ser o fundamento das exigências democráticas contemporâneas: a participação popular. Na sua perspectiva, era necessário construir uma democracia direta, na qual o povo fosse capaz de expressar realmente a sua vontade, em contraposição à democracia representativa que a restringia. A defesa da participação direta, como única forma de expressão da soberania defendida por Rousseau, não se aplica em sociedades complexas como as do final do século XX. O próprio Rousseau, já em sua época, tinha a compreensão de que: “Jamais existiu, jamais existirá uma democracia verdadeira”(1983, p. 84). Rousseau (1983), teorizando no contexto da sociedade francesa do século XVIII - momento em que a sociedade burguesa, após as revoluções que a edificaram, enfrenta um conjunto de contradições que põe em cheque o próprio ideário que lhe serviu de suporte -, recoloca a questão da participação direta como uma necessidade histórica. - NETO, A. Democracia: velhas e novas controvérsias, p. 300 Democracia Moderna Democracia DiretaA defesa da igualdade, no que se refere ao nível de riqueza, é uma utopia nas sociedades capitalistas. A história tem testemunhado que extremas desigualdades sociais funcionam como fator limitativo da democracia. Desigualdade econômica acentuada conduz, também, à desigualdade política. As transformações ocorridas nos séculos XIX e XX, tanto no campo político quanto no econômico, trazem, no seu interior, elementos que põem a necessidade de aprimorar mecanismos com vistas a ampliar a democracia. A questão colocada nesse momento não é democracia representativa ou democracia direta. Ela assume uma outra configuração: como articular os avanços da democracia política com a criação de condições mínimas de bem-estar para as grandes massas da população. A ampliação da democracia política deve, necessariamente, estar vinculada com à redução das desigualdades sociais. - NETO, A. Democracia: velhas e novas controvérsias, p. 300 Democracia Contemporânea Democracia política & bem-estar social O Estado do Bem-Estar Social parece atender aos interesses de todos, na medida em que tem uma proposta que engloba tanto a reprodução do capital quanto da força de trabalho. Todavia, é essencial ressaltar que isso não elimina o caráter de classe do Estado. Ao delimitar esse padrão de financiamento, o Estado assim o faz para assegurar o status quo da sociedade de classes, permitindo, em última análise, a reprodução de uma sociedade calcada na desigualdade e na exploração, mas que, aparentemente, é igualitária e harmônica, ao garantir um mínimo para “quase todos”. A dimensão econômica da democracia, circunscrita aos limites do capitalismo, não pode, pois, entrar em contradição com a lógica que rege a organização desse tipo de sociedade. A redistribuição de renda será sempre efetuada dentro de parâmetros que não ameacem a propriedade privada dos meios de produção, não eliminem a diferenciação de classe, e nem mesmo, comprometam, em algum nível, as taxas de lucro. Pode-se afirmar, todavia, que nos países onde a democracia política foi aperfeiçoada, criaram-se as condições objetivas para desencadear o processo, ainda que restrito, de redistribuição de renda, ocorrendo uma considerável incorporação da população ao sistema educacional. Em outras palavras, verificou-se uma certa articulação entre as dimensões política, econômica e cultural da democracia, não significando, porém, que todos tenham usufruído igualmente dos benefícios advindos de tal articulação. - NETO, A. Democracia: velhas e novas controvérsias Democracia Contemporânea Democracia política & bem-estar social As especificidades brasileiras traduzem-se na edificação de uma sociedade com pouca ou quase nenhuma tradição democrática. Nela o conservadorismo está imbricado, não apenas no aparelho de Estado, mas atravessa, de ponta a ponta, toda a sociedade civil. As regras do jogo democrático, definidas predominantemente pelas elites em função dos seus interesses particulares, têm dificultado tanto a participação política mais abrangente da sociedade civil, principalmente das massas desorganizadas, quanto o acesso aos bens materiais e culturais socialmente produzidos. O autoritarismo tem se expressado, até mesmo, nos períodos em que a democracia desponta como horizonte político para a vida brasileira. O processo de democratização no Brasil tem sido, assim, historicamente, perpassado por uma série de contradições que têm dificultado a ampliação da democracia. Entende-se, como O’Donnell (1988), que uma sociedade como a brasileira - que carrega a pesada herança da escravidão, e na qual a burguesia não foi submetida à experiência civilizadora de ter que se defrontar e negociar com sua contraparte de classe - tem enormes dificuldades em todos os planos, inclusive no político, para reconhecer e institucionalizar a diversidade dos outros. Nessas circunstâncias, a tarefa de construir, no país, uma democracia política inclui, portanto, o esforço para alcançar graus razoáveis de modernização e de democratização de certas relações sociais (a começar pelas do trabalho) e do papel do Estado (a começar pelas políticas sociais). - NETO, A. Democracia: velhas e novas controvérsias Democracia Contemporânea Democracia política & "bem-estar" no Brasil Enfim, pode-se indicar que a ampliação da democracia coloca-se na contemporaneamente como uma meta que deve ser buscada. Tal ampliação requer a incorporação organizada dos atores sociais, tanto em processos políticos, quanto em processos administrativos. Aliado a isso indica-se, também, a necessidade da criação de condições sociais aceitáveis para que a população possa se credenciar para participar de tais processos. Isto significa que a democracia, contemporaneamente, não pode se consolidar, senão quando encerre em seus limites as dimensões que traduzem o social, o político e o cultural. - NETO, A. Democracia: velhas e novas controvérsias, p. 310 Democracia Em andamento...
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