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Uveítes Posteriores 1. DEFINIÇÃO As uveítes podem ser definidas como as diversas condições oculares, caracterizadas pela inflamação da úvea. Tal condição pode ser dividida em três tipos, de acordo com a localização dos sinais inflamatórios: uveíte posterior, intermediária e anterior; ainda existe a pan-uveíte, caracterizada pela inflamação generalizada do trato uveal. Em relação a sua etiologia, pode ser dividida em uveítes originadas de causa infecciosa e não infecciosa ¹,². A uveíte posterior, forma mais incomum de uveíte, é caracterizada pelo acometimento do trato uveal posterior, incluindo as estruturas: coróide, cabeça do nervo óptico e retina. Tais estruturas podem ser afetadas individualmente ou combinadas ¹,². 2.0 ETIOLOGIAS Possui etiologias infecciosas variadas, dentre as quais podemos citar: Causas virais, como: Citomegalovírus, Herpes-Zoster, Herpes Simples, HIV, Rubéola, Sarampo; Causas bacterianas, como: Tuberculose, Brucelose, Sífilis, Doença de Lyme, Bactérias Gram + e -; Causas fúngicas: Cândida, Histoplasma, Cryptococcus, Aspergillus; Causas Parasitárias: Toxoplasma, Toxocara, Cystercus, Onchocerca ¹. Dentre as etiologias não infecciosas, se destacam: Causas Autoimunes, como: Doença de Behçet, Síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada, Lúpus Eritematoso Sistêmico, Granulomatose de Wegener, Oftalmia Simpática e Vasculite retiniana; Causas Malignas, dentre as quais: Linfoma intraocular, Melanoma, Leucemia, Metástases; dentre outras causas possíveis, como Sarcoidose e Retinocoroidopatia Birdshot ¹. 3. DIAGNÓSTICO Frequentemente, as investigações diagnósticas são negativas e não se encontra uma clara causa determinada em muitos pacientes. A investigação etiológica deve ser individualizada, direcionada a partir das características clínicas. Na maioria dos casos, uma revisão cuidadosa dos sintomas sistêmicos é essencial para detectar quaisquer indícios da doença subjacente e sugerir o encaminhamento, quando apropriado, a um médico especialista para avaliação adicional. Muitas associações de uveíte podem se apresentar com uma ampla gama de características sistêmicas ¹,5 . Uma avaliação laboratorial selecionada deve ser realizada com base nas características clínicas da uveíte, no histórico médico do paciente e em uma revisão focada nos sistemas. O seu objetivo é diagnosticar uma infecção (para a qual uma terapia antimicrobial pode ser indicada) ou diagnosticar uma doença sistêmica que possa afetar a saúde do paciente. É importante identificar a causa subjacente para encontrar o tratamento adequado para as diferentes etiologias e evitar futuras morbidades ¹,5 . 4. APRESENTAÇÃO CLÍNICA 4.1 Idade O estabelecimento da etiologia da uveíte posterior deve ser feito com base no estudo minucioso do caso, com base na morfologia e localização das lesões, na evolução da doença e nos sinais e sintomas locais e sistêmicos¹. Além disso, deve-se estar atento a faixa etária dos pacientes, como pode ser visto na tabela abaixo: Faixa Etária Principais Etiologias < 3 anos “Síndromes mascaradas”, como retinoblastoma e leucemias. Além de causas infecciosas, como: Toxoplasmose congênita, toxocaríase e infecções perinatais (secundárias a sífilis, CMV, HSV) 4 - 15 anos Mais comuns: toxoplasmose e toxocaríase. Mais incomuns: Sífilis, tuberculose, sarcoidose, síndrome de Behçet, síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada, etc. 16 - 50 anos Sífilis, tuberculose, sarcoidose, toxoplasmose, síndrome de Behçet, síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada, etc. > 50 anos Sífilis, tuberculose, sarcoidose, linfoma intraocular, toxoplasmose, etc. 4.2 Sinais e sintomas Quanto à clínica da uveíte posterior, é importante conhecer os principais sintomas relacionados à condição. Dentre eles, o de maior destaque é a redução da acuidade visual, haja vista sua alta frequência, especialmente em casos complicados, nos quais há descolamento de retina ou lesão macular. Em tais pacientes, é importante a investigação de defeito pupilar aferente, que pode indicar disfunção global de nervo óptico. Ademais, podem estar presentes hiperemia ocular e oftalmalgia, embora sejam mais comuns na pan-uveíte e neurite óptica secundária a Esclerose Múltipla, respectivamente. ¹ Em relação aos sinais encontrados na condição, é necessário atentar-se à lateralidade do quadro, haja vista que a uveíte posterior unilateral direciona o diagnóstico para certas etiologias, como: toxoplasmose, toxocaríase, infecções bacterianas ou fúngicas. Dentre os sinais presentes, podemos citar: Hipópio, embora seja mais relacionado a pan-uveítes do que a uveíte posterior; Glaucoma, geralmente encontrado nos quadros de toxoplasmose, sarcoidose, sífilis ou síndrome de necrose retiniana aguda causada pelo HSV; Vitreíte, que está associada à toxoplasmose e infecções bacterianas (vitreíte grave), distúrbios retinianos e coroidais primários (vitreíte leve e moderada), estando ausente em algumas condições, como: coroidite serpiginosa e histoplasmose. Além disso, nos casos cujo trato uveal anterior está acometido, a observação do padrão de lesão pode nortear as suspeitas diagnósticas: Nas uveítes anteriores de padrão granulomatoso, as causas geralmente são relacionadas a sífilis, tuberculose, sarcoidose, toxoplasmose e síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada; enquanto as uveítes anteriores de padrão não-granulomatosas estão associadas a síndrome de Behçet, linfoma intraocular e síndrome da necrose retiniana aguda.¹ 4.3 Evolução da doença Quanto à apresentação e evolução da doença, a uveíte posterior pode seguir dois padrões: Lento e insidioso, que é o quadro mais comum; e agudo e súbito, associado a perda súbita de visão, que geralmente é desencadeado por toxoplasmose, síndrome da necrose retiniana aguda e infecções bacterianas. Quanto à evolução da doença, a maioria dos casos, quando tratados adequadamente, é resolvida sem sequelas para os pacientes; entretanto, há tendência por recidivas e as complicações do quadro podem ser sérias, como descolamento de retina e desenvolvimento de glaucoma. ¹ 4.4 Localização e Morfologia Em relação a localização das lesões, existem 3 principais sítios, descritos na tabela abaixo. Retina Principal localização, sendo a toxoplasma o agente etiológico mais comum. A morfologia da toxoplasmose é instituída por cicatrizes antigas e curadas, altamente pigmentadas. Frequentemente, tais lesões evoluem com vasculite retiniana. Os agentes etiológicos retinianos mais comuns, em pacientes imunossupressos são: CMV e HVZ. O acometimento retiniano em recém-nascidos gera um padrão de lesão conhecido como Retinopatia “sal e pimenta”, sendo causado pelos vírus da rubéola e do sarampo. Coróide Principal localização em doenças granulomatosas, como tuberculose e sarcoidose, as quais podem ter acometimento coróide focal, multifocal ou geográfico. A síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada e a oftalmia simpática podem levar a infiltração multifocal ou difusa, enquanto a retinocoroidopatia birdshot e a histoplasmose levam apenas a acometimento multifocal. Nervo Óptico Ocorre, principalmente, nas etiologias: sífilis, tuberculose, sarcoidose, toxoplasmose, esclerose múltipla, doença de Lyme e linfoma intraocular. O acometimento da estrutura está frequentemente associado a descolamento de retina e estrela macular. Toxoplasmose ocular A toxoplasmose é uma parasitose pelo Toxoplasma gondii. Essa doença tem alta prevalência nos países da América Latina e da África tropical. Transmitida para os humanos a partir do consumo de alimentos mal cozidos contaminados, contato com fezes de gatos e pode ser transmitida por via vertical (toxoplasmose congênita).³ A doença ocular é caracteristicamente uma retinocoroidite e estima-se que afete aproximadamente 2% dos infectados nos EUA, porém a prevalência de toxoplasmose ocular em pacientes infectados via vertical varia de 20-80% a depender da região. É a principal causa de uveíte posterior no Brasil. A lesão se inicia na retina e atinge a coróide. As manifestações mais frequentes são moscas volantes e redução da acuidade visual, e caso haja lesãona estrutura central da retina, pode levar a perda completa da visão. Também podem estar presentes dor e fotofobia. Além da doença aguda, a toxoplasmose ocular também pode ser causada pela reativação da doença, que tem geralmente acometimento bilateral. A reativação da toxoplasmose em pacientes imunocompetentes geralmente apresenta tal quadro. A apresentação comum do toxoplasmose à fundoscopia é a lesão em “farol de neblina”. O tratamento padrão é o trimetroprim-sulfametoxazol (160 mg de TMP/800 mg de SMX), 2 vezes ao dia, por no mínimo, 6 semanas.4 Imagem 1: Padrão em farol de neblina da toxoplasmose adquirida. Fonte: Sudharshan S, Ganesh SK, Biswas J. Current approach in the diagnosis and management of posterior uveitis. Indian J Ophthalmol. 2010;58(1):29-43. Imagem 2: Lesão cicatricial em retina por toxoplasmose. Fonte: Garweg JG, Petersen E. Toxoplasmosis: Ocular disease. In: Mitty J, ed. UpToDate. Waltham, Mass. UpToDate, 2021. Toxocaríase ocular - A toxocaríase ocular tem como agentes etiológicos a Toxocara Cati ou Toxocara Canis, parasitas intestinais felino e canino, respectivamente. Tais microrganismos também são responsáveis pela condição conhecida como larva migrans visceral, que dificilmente leva a repercussões oculares; por sua vez, a larva migrans ocular não costuma gerar manifestações sistêmicas. Sua apresentação clínica é peculiar, devido a costumeira unilateralidade dos sinais e sintomas. A fisiopatologia da condição se dá pela resposta inflamatória à morte das larvas, que conduz a sintomatologia, composta por hiperemia ocular, leucocoria e visão embaçada. O tratamento geralmente envolve injeções sistêmicas ou perioculares de corticosteróides quando há evidência de inflamação significativa. Paradoxalmente, o tratamento anti-helmíntico não é indicado para o tratamento a este parasita, visto que alimentaria a fisiopatologia da doença ¹. Histoplasmose A histoplasmose, endêmica nos EUA, é um dos possíveis diagnósticos diferenciais em quadros de uveíte posterior. Sua apresentação, geralmente, é relacionada a coroidites, com manchas em “saca-bocado” no fundo de olho posterior ou periférico. Ademais, atrofia peripapilar e hiperpigmentação estão frequentemente associadas ao quadro. A evolução das máculas e manchas pode conduzir a neovascularização subretiniana, levando paciente a redução da acuidade visual e possível hemorragia retiniana. Tal complicação deve ser sempre investigada e tratada com corticosteróides, fotocoagulação a laser de argônio ou a combinação de ambos. ¹ HIV A uveíte posterior é comum em pacientes soropositivos, principalmente naqueles em estágios avançados da doença, com contagem de Linfócitos TCD4 inferior a 100 células/mm². Dentre as infecções oportunistas, a de maior destaque é o Citomegalovírus (CMV), responsável por até 40% das uveítes em pacientes imunossuprimidos. Em casos refratários ao tratamento antiviral, com presença de retinite atípica e coroidite, devem ser consideradas outros agentes etiológicos, como toxoplasma gondii, treponema pallidum, mycobacterium tuberculosis e causas neoplásicas, como linfoma intraocular. 5. TRATAMENTO O tratamento da uveíte não infecciosa pode ser conceituado como terapia local (incluindo corticosteroides tópicos e injeções ou implantes regionais), terapia sistêmica (incluindo corticosteroides orais, terapia com drogas imunossupressoras e produtos biológicos) ou uma combinação das duas abordagens. Em geral, o sítio anatômico primário da inflamação determina a abordagem inicial da terapia. Pacientes com uveítes posteriores são tratados geralmente com medicamentos sistêmicos ¹,5 . Os corticosteroides sistêmicos são usados para tratar inflamação grave e/ou inflamação nas partes mais posteriores do olho. Assim como para o tratamento de doenças reumatológicas, a abordagem inicial é prednisona 1 mg/kg/dia, até um máximo de 60 mg/dia. Caso haja resposta terapêutica, a dose de prednisona começa a ser reduzida após 2-4 semanas. A terapia visa à supressão total da inflamação com uma dose de prednisona ≤ 7,5 mg/dia, uma posologia relativamente bem tolerada com baixo risco de efeitos colaterais sistêmicos ao longo dos anos ¹,². Outros agentes imunomoduladores são sugeridos em pacientes com inflamação ativa que interfere nas atividades da vida diária e que tenham ou uveíte refratária ou efeitos efeitos adversos relacionados a medicamentos de glicocorticóides sistêmicos ou necessidade persistente de uma dose de prednisona maior que 10 mg/dia ou equivalente ¹,². O tratamento das uveítes infecciosas é feito sob medida para o organismo infeccioso específico e pode incluir medicação regional e/ou sistêmica ¹,². 5. REFERÊNCIAS 1. RIORDAN-EVA, Paul; WHITCHER, John P. Oftalmologia geral de Vaughan & Asbury. 17. ed. Porto Alegre: Artmed; 2011. 2. Burkholder, Bryn M., and Douglas A. Jabs. "Uveitis for the non-ophthalmologist." bmj 372 (2021). 3. Centers for Disease Control and Prevention. Parasites - Toxoplasmosis (Toxoplasma infection). https://www.cdc.gov/parasites/toxoplasmosis/disease.html. Acessado em 04/06/21 4. Garweg JG, Petersen E. Toxoplasmosis: Ocular disease. In: Mitty J, ed. UpToDate. Waltham, Mass. UpToDate, 2021. 5. Sudharshan S, Ganesh SK, Biswas J. Current approach in the diagnosis and management of posterior uveitis. Indian J Ophthalmol. 2010;58(1):29-43.
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