Buscar

TEMPESTADE DE OUTONO - Nana Valenttine

Prévia do material em texto

Copyright	©	2019	Nana	Valenttine
Todos	os	direitos	reservados.
Título:	Tempestade	de	Outono
Autora:	Nana	Valenttine
Revisão:		E.	Oliveira
Designer	de	capa:	L.A	Capas
Diagramação:	April	Kroes
	
Esta	é	uma	obra	de	ficção.	Nomes,	personagens	e	acontecimentos	que	aqui	serão	descritos,
são	 produtos	 da	 imaginação	 da	 autora.	 Qualquer	 semelhança	 com	 nomes,	 datas	 e
acontecimentos	reais	é	mera	coincidência.	Esta	obra	segue	as	regras	da	Nova	Ortografia
da	Língua	Portuguesa.	É	proibido	o	armazenamento	e/ou	a	reprodução	de	qualquer	parte
dessa	obra,	através	de	quaisquer	meios,	sem	o	consentimento	escrito	da	autora.	A	violação
dos	direitos	autorais	é	crime	estabelecido	pela	lei	nº.	9.610.	/98	e	punido	pelo	artigo	184
do	Código	Penal.
	
Todos	os	direitos	reservados.
Edição	Digital	|	Criado	no	Brasil.
	
	
	
Recadinho	de	quem	leu
Aviso
Dedicatória
Prefácio
Prólogo
Capítulo	1
Capítulo	2
Capítulo	3
Capítulo	4
Capítulo	5
Capítulo	6
Capítulo	7
Capítulo	8
Capítulo	9
Capítulo	10
Capítulo	10.5
Capítulo	11
Capítulo	12
Capítulo	13
Capítulo	14
Capítulo	15
Capítulo	16
Capítulo	17
Capítulo	18
Capítulo	19
Capítulo	20
Capítulo	21
Capítulo	22
Capítulo	23
Capítulo	23.5
Capítulo	24
Capítulo	25
Capítulo	26
Epílogo
Nota	Nº1
Nota	da	Autora
Agradecimentos
Sobre	a	Autora
	
	
	
	
	
“Esse	 livro	 acabou	 comigo,	 em	 todos	 os	 sentidos.	 	 História	 maravilhosa,	 bem
contada,	 e	 cheia	 de	 fortes	 emoções.	 Se	 preparem	 para	 serem	 impactados	 de	 todas	 as
formas	possíveis,	numa	experiência	magnífica	e	realista.”
Aline	Rubert,	autora	da	série	Amores	Irresistíveis.
	
“Tempestade	de	outono	não	é	só	mais	um	livro	sobre	amor	e	amizade,	é	também	um
livro	sobre	auto-conhecimento,	superação,	viver	a	espera	e	ter	esperança.	Me	identifiquei
muito	 com	 Dean	 e	 toda	 sua	 situação	 frente	 a	 adversidade	 relatada	 no	 livro.	 Nana
escreveu	esse	livro	com	tanta	propriedade	que	as	vezes	eu	pensava:	ela	entrou	na	minha
cabeça?!	É	emocionante,	empolgante	e	envolvente.	A	leitura	vale	cada	palavra!”
Tatiane	De	Rossi	–	Blog	Ao	infinito	e	Além
	
“Tempestade	de	Outono,	à	primeira	vista,	mesmo	com	os	avisos	 iniciais,	pode	nos
passar	a	impressão	de	ser	mais	uma	história	de	amor	fofa	entre	adolescentes	e,	embora
essa	impressão	não	esteja	de	todo	equivocada,	o	livro	trata	de	muito	mais	do	que	isso.	A
Nana	Valenttine	conseguiu	tratar	temas	pesados	e,	de	certa	forma,	tabus,	como	ansiedade,
depressão,	 transtorno	de	borderline,	automutilação,	violência	 familiar	e	 relacionamento
abusivo,	 com	muita	 sensibilidade	 e	 um	 realismo	 que,	 muitas	 vezes,	 nos	 deixa	 com	 um
gosto	ruim	na	boca	e	nos	leva	a	refletir	se	não	tem	alguém	passando	por	aquilo	tão	perto
de	nós,	sem	que	tenhamos	nos	dado	conta,	ou,	ainda,	faz	com	que	percebamos	que	não	
estamos	 sozinhos,	 que	 podemos	 buscar	 ajuda	 em	 caso	 de	 necessidade.	 É	 uma	 leitura
absolutamente	necessária	e,	apesar	do	peso	que	carrega,	muito	bela	e	apaixonante.	Me
sinto	lisonjeada	em	tê-la	lido.”
	
Aisha	andris	–	Blog	Aishando
	
“A	escrita	da	Nana	sempre	foi	sensível	e	tocante	desde	o	seu	primeiro	trabalho.	Mas
em	Tempestade	de	Outono	vemos	todo	o	seu	talento	ser	aprimorado	de	uma	forma	ainda
mais	marcante.	Os	sentimentos	rasgam	as	palavras	transformando	cada	frase	em	um	belo
e	vívido	conjunto	de	emoções.
Algumas	histórias	apenas	nos	comovem,	mas	este	livro	é	capaz	de	afagar	a	alma.”
	
Amy	Campbell	–	Autora	da	série	As	irmãs	Wymond
	
	
“Um	 livro	 que	 mexe	 com	 suas	 estruturas,	 você	 irá	 surtar,	 se	 emocionar	 e	 vibrar.
Nana	trata	de	assunto	sérios	de	uma	forma	delicada	e	sem	diminuir	a	importância	desses
assuntos.”
	
Bárbara	-	@vidadebibliotecaria
	
	
“Tempestade	 de	 Outono	 é,	 como	 diz	 o	 título,	 uma	 tempestade	 de	 emoções:
Felicidade,	tristeza,	amor,	empatia	pelos	personagens….
Dean	 e	 sua	 Outono,	 com	 suas	 angústias	 e	 medos,	 são	 tão	 parecidos	 com	 muitos
jovens	que	conhecemos,	que	sofrem	em	silêncio	e	nem	percebemos…
É	 uma	 leitura	 as	 vezes	 pesada,	 mas	 que	 nos	 recompensa	 com	 lições	 de	 amor,
valorização	à	vida,	amizade	e	recomeço.
	
Maria	Fernanda	-	Leitora
	
	
“Mais	 uma	 vez,	 fui	 envolvida	 pela	 escrita	 fascinante	 de	Nana	Valenttine.	 Imagino
não	ser	 tarefa	 fácil	 se	 transformar	e	viajar	por	narrativas	completamente	distintas.	Fui
imediatamente	enfeitiçada	por	esta	história	complexa,	mas,	ao	mesmo	tempo,	contada	de
forma	 tão	 delicada	 que	 nos	 faz	 compreender	 e	 abraçar	 mesmo	 as	 situações	 mais
vulneráveis.	Só	uma	pessoa	com	um	talento	nato	e	tão	evidente	para	nos	apresentar	um
trabalho	tão	cru	e	visceral	e,	ainda,	fazer	que	nos	sintamos	em	casa,	em	paz,	apesar	de
ser	um	livro	que	inquieta,	incomoda,	ensina	e	educa.	Mas,	no	final	das	contas,	ler	Nana
Valenttine	 é	 sempre	 uma	 explosão	 de	 sentimentos.	 É	 uma	 vontade	 de	 passar	 de	 um
imediatamente	para	outro	e,	assim,	adentrarmos	em	cada	fascinante	cenário	que	ela	tão
magicamente	 cria	 para	 nós.	 É	 sempre	 um	 presente,	 e	 não	 foi	 diferente	 desta	 vez.	 Só
amor.”
	
Gabriela	souto	-	Leitora
	
	
“Uma	história	de	vidas	adolescentes,	relacionamentos	adolescentes	com	problemas	e
superações	de	adultos.	Tocante,	motivador	e	delicioso	de	se	ler.”
	
Fernanda	Boechat	–	Leitora
	
	
	
Este	é	um	aviso	de	gatilho	(trigger	warning).	Este	livro	possui	assuntos	relacionados
à	 depressão,	 ansiedade,	 agressão,	 automutilação,	 abuso	 familiar	 e	 suicídio.	 Se	 você	 se
sente	sensível	quanto	a	isso,	a	recomendação	é	que	pare	de	ler	agora.
Se	você	em	algum	momento	se	identificar	com	os	assuntos	abordados,	procure	ajuda.
Nunca	é	tarde	demais.
Centro	de	valorização	à	vida:	188	ou	https://www.cvv.org.br/
	
https://www.cvv.org.br/
	
	
A	todos	aqueles	que	convivem	com	seus	monstros	interiores	e
continuam	nessa	estrada	chamada	vida.
A	todos	que	apesar	da	ferida	aberta,	não	se	rendem.
E	também	a	todos	que	estão	à	beira	do	abismo,	saibam	que	vocês
não	estão	sozinhos.
Continuem	firmes,	continuem…
	
	
A	Aline	Rubert	fez	o	favor	de	criar	a	playlist	dessa	história.
Obrigada!!
	
iTunes
Spotify
	
https://music.apple.com/br/playlist/tempestade-de-outono/pl.u-11zBJoVT8azL0d7
https://open.spotify.com/user/22xvp3zfamvmrephewdc6ktmq/playlist/75syLf3YzQn6msjfQQ7Y1y?si=1x9_Na6UR3mw6IszBPbwKw
	
	
Querido	leitor,
	
A	 Nana	 me	 convidou	 para	 vir	 aqui	 e	 contar	 para	 vocês	 um	 pouquinho	 da	 minha
experiência	ao	ler	Tempestade	de	Outono.
Primeiramente,	 gostaria	 de	 agradecê-la	 pela	 oportunidade	 de	 ler,	 mas	 também
agradeço	principalmente	por	ser	minha	amiga	e	porque	ao	longo	da	minha	própria	jornada
ela	foi	minha	Outono	ou	meu	Dean.
É	isso,	somos	a	pessoa	uma	da	outra,	e	por	isso,	obrigada	por	me	salvar	do	precipício
da	minha	mente	tantas	vezes.
	
Agora,	vamos	falar	da	jornada	que	é	ler	esse	livro.
Imagine-se	prestes	a	dar	um	mergulho,	mas	não	na	piscina	da	 sua	casa	ou	naquela
praia	que	você	vai	sempre.	Prepare-se	para	saltar	do	alto	do	penhasco,	daqueles	em	que
você	olha	para	baixo	e	só	vê	o	mar,	ondas	e	pedras.
Você	precisa	saber	que	essa	experiência	vai	transformar	a	sua	vida.
Ninguém	 vai	 de	 encontro	 a	 algo	 tão	 profundo	 e	 intenso	 e	 volta	 facilmente.	Muito
menos	volta	a	ser	a	mesma	pessoa	depois	de	tal	mergulho,	então	saiba	que	você	precisará
prender	todo	o	seu	fôlego,	juntar	suas	forças	e	nadar	de	volta	à	superfície	após	essa	leitura.
Eis	 aí	 outro	 ensinamento:	 continue	 sempre	 nadando,	 andando	 ou	 correndo;	 use	 a
respiração	diafragmática	(não	sabe	o	que	é	isso?	Vai	aprender!).	TDO	nos	apresenta	a	dura
realidade	de	lidar	com	a	própria	mente,	os	desafios	de	aceitar	a	pessoa	que	você	é,	e	não	a
pessoa	 que	 você	 quer	 ser	 ou	 que	 os	 outros	 desejam	 que	 você	 seja.	 É	 o	mergulho	 pelo
conhecimento,	com	uma	trilha	sonora	fantástica.	E,	CLARO,	um	amor	puro,	profundo	e
avassalador…	tão	devastador	como	um	vendaval.
Pensando	melhor:	não	prepare-se	para	pular	do	penhasco,	prepare-se	para	atravessar
um	campo	aberto,	no	meio	de	uma	 tempestade,	cheiade	 raios,	água,	granizo	e	ao	 final,
quando	 só	 restar	 a	 lama	 e	 a	 chuva	branda,	 aproveite	 para	 sorrir.	Afinal,	 depois	 daquela
pequena	grande	jornada	você	terá	aprendido	mais	sobre	si,	seus	limites	e	principalmente
sobre	o	amor…	o	amor	próprio.
Então	 pegue	 seu	 fone	 de	 ouvido,	 uma	 caneca	 da	 sua	 bebida	 predileta,	mantenha	 o
WhatsApp	da	sua	pessoa	favorita	por	perto	e	corra	em	direção	à	sua	própria	Tempestade
de	Outono.
E	esteja	preparado,	pois	depois	desta	história…	você	nunca	mais	será	o	mesmo.
	
	
“Oi,	eu	sou	o	Dean.	Como	James	Dean.	Tenho	treze	anos	e	estou	apaixonado.”
	
	
Essa	 é	 a	 primeira	 declaração	 escrita	 no	meu	 diário.	 O	 primeiro	 relato	 que	 escrevi
quando	tinha	treze	anos.
Olhando	 essas	 palavras	 agora,	 elas	 parecem	 tão	 distantes	 e	 ao	 mesmo	 tempo	 tão
vivas,	que	tudo	parece	ter	acontecido	ontem.
Ainda	sou	o	Dean,	mas	não	posso	dizer	que	sigo	o	mesmo,	afinal,	já	passei	dos	trinta.
Depois	de	muito,	muito	tempo	mesmo,	resolvi	finalmente	contar	aqui	um	pedaço	da
minha	 história.	 Digo	 um	 pedaço,	 pois	 minha	 vida	 teve	 tantos	 altos	 e	 baixos	 e	 tantas
reviravoltas	malucas,	que	às	vezes	eu	me	pergunto	se	não	estava	dentro	de	uma	daquelas
novelas	mexicanas.
Piadas	a	parte,	muitas	coisas	aconteceram	de	lá	para	cá,	me	fazendo	perceber	que,	às
vezes,	 é	 importante	 termos	 nossas	 lembranças	 registradas.	 Foi	 justamente	 por	 isso	 que
iniciei	um	diário	aos	 treze	anos,	só	que	naquela	época	eu	não	 tinha	foco	e	muito	menos
paciência	para	relatar	meus	dias	em	um	monte	de	papel.
Pra	você	ver	como	as	coisas	são	engraçadas.
Agora	escrever	 tornou–se	quase	uma	necessidade	e	 infelizmente	não	posso	garantir
que	todas	as	páginas	serão	bonitas.
Espero	que	sua	estadia	por	aqui	seja	proveitosa	e	também	espero	que,	ao	final	dessa
história,	você	esteja	sentindo	o	mesmo	que	eu	senti	ao	viver	tudo	isso.
Então	vamos	voltar	 alguns	 anos	no	 tempo	 (lá	na	minha	adolescência),	 para	que	 eu
possa	explicar	melhor	o	decorrer	dos	acontecimentos…
	
	
	
NO	BALANÇO	DAS	CONFUSÕES	DO	MEU	CORAÇÃO.
	
	
“Days	swiftly	come	and	go
I’m	dreaming	of	her
She’s	seeing	other	guys
Emotions	they	stir
The	sun	is	gone
The	nights	are	long
And	I	am	left	while	the	tears	fall…”
(Swing	swing	—	The	All	Americans	Rejects)
	
	
Bem-vindo	à	Summer	Creek.
Uma	 cidadezinha	 do	 interior	 cheia	 de	 música	 boa	 e	 comida	 ruim.	 Também	 há
árvores,	muitas	árvores.	Os	parques	lotam	no	verão	e	então	se	pode	ter	algumas	aventuras
com	seus	amigos	ou	um	piquenique	em	família,	você	escolhe.	Qualquer	que	seja	a	opção,
saiba	que	encontrará	mosquitos.	Muitos	mosquitos.
Eu	moro	aqui	desde	que	nasci.
Não	que	isso	tenha	muita	relevância.
Então,	 vamos	 lá,	 eu	 sou	 o	Dean,	mas	 isso	 você	 já	 sabe.	 E	minha	 história	 começa
basicamente	assim…
Acho	que	já	faz	mais	de	quinze	anos,	 isso	não	vem	exatamente	ao	caso,	mas	pense
em	mim	como	um	jovenzinho	magricela,	um	pouco	tímido	e	muito	talentoso.
Treze	anos,	magricela,	talentoso.	Um	feio	—	daqueles	que	é	quase	bonitinho.
Adicione	a	isso	o	fato	de	que	eu	também	estava	entrando	na	adolescência,	ou	talvez
ainda	tropeçando	nela.	Enfim…
Estávamos	 na	 primavera,	 não	 lembro	 exatamente	 a	 data,	 mas	 sei	 que	 estava
terminando	de	lavar	a	louça	do	jantar	quando	minha	mãe	disse	algo	lá	da	sala.	Foi	algo	do
tipo:
—	Dean,	não	esquece	de	colocar	o	lixo	na	rua.
—	Não	vou	esquecer	—	eu	respondi.
—	Então	coloca	agora	—	ela	insistiu	por	motivos	que	só	as	mães	sabem.
—	Mãe…
—	Agora.
—	Tô	indo	—	eu	não	tive	chance.
Organizei	o	resto	das	coisas	na	cozinha	e	peguei	o	saco	de	lixo.	Saí	pelos	fundos	e
dei	 a	 volta	 na	 casa	 para	 não	 correr	 o	 risco	 de	 deixar	 algum	 resíduo	 pela	 sala	 (o	 que
certamente	causaria	a	minha	morte	prematura).	Em	seguida,	tomei	a	direção	do	gramado
em	frente	à	nossa	casa.
Era	uma	noite	normal	como	qualquer	outra	e	eu	era	apenas	um	garoto	comum	que
estava	colocando	o	lixo	na	rua.	Tudo	normal	até	aí.
Exceto	por	ela.
Eu	estava	lá	na	minha	vida	normal	e	monótona	indo	colocar	meu	lixo	na	rua,	sabe?
Foi	quando	eu	a	vi.
A	primeira	garota	pela	qual	me	apaixonei.
E	cara,	a	menina	era	linda	demais!
Eu	não	só	a	vi,	como	também	a	absorvi	e	a	gravei	no	momento	em	que	meus	olhos
bateram	na	imagem	dela.	Fiquei	estagnado	no	local	enquanto	a	observava,	sem	sequer	me
dar	conta	de	que	não	estava	disfarçando	nem	um	pouco	ao	fazer	isso.
Simplesmente	 fiquei	 ali,	 parado	 no	meio	 da	 calçada	 olhando	 para	 aqueles	 cabelos
loiros	como	um	idiota	que	viu	um	alienígena.
Milhões	de	coisas	se	passavam	pela	minha	cabeça	em	uma	fração	de	segundos.
Coisas,	suposições,	perguntas	do	tipo:	vizinha	nova?
Tinha	observado	a	agitação	durante	o	dia	com	pessoas	entrando	e	saindo	da	casa	ao
lado,	móveis	pra	 lá	e	pra	cá,	mas	não	tinha	dado	muita	atenção	porque	não	costumo	ser
alcoviteiro	ou	coisas	do	tipo.	No	entanto,	no	momento	em	que	vi	a	linda	menina	prestes	a
entrar	na	casa	ao	lado,	automaticamente	imaginei	que	fosse	minha	nova	vizinha.
Por	favor	seja	minha	vizinha!
—	Entra	 logo,	April	—	a	vi	dizer	para	alguém,	mas	não	cheguei	a	olhar	quem	era
porque	meus	olhos	só	viam	a	divindade	de	“cabelos	claros”,	a	coisa	mais	adorável	que	eu
já	tinha	visto	em	todos	os	meus	vastos	anos	de	vida.
Seu	cabelo	estava	solto	e	era	tão	loiro	quanto…	quanto	coisas	loiras	devem	ser,	saca?
Eu	estava	tão	fixado	nela	que	na	hora	nem	sequer	pensei	em	alguma	comparação	decente.
Acho	que	o	mais	perto	que	consigo	chegar	de	uma	boa	comparação	é	se	eu	disser	que	o
brilho	daquele	cabelo	me	remetia	aos	raios	do	sol.	Lindo,	tão	lindo!
E	brega,	nossa,	Dean,	que	brega.
Ela	 usava	 uma	 blusinha	 preta	 daquelas	 que	 as	 meninas	 usam,	 sabe?	 Com	 alças
fininhas,	um	short	jeans	e	um	All	Star	branco.	Era	a	coisa	mais	bonitinha	que	eu	já	tinha
visto	até	então,	acho	que	foi	por	isso	que	fiquei	tão	emocionado.
Foi	meio	que	uma	coisa	louca	de	amor	à	primeira	vista.
Eu	fiquei	emocionado,	cara,	não	dê	risada	disso.
Posso	te	chamar	de	cara,	né?	Ou	prefere	que	eu	te	chame	de	“meu	leitor”?	Ou	talvez,
páginas	do	meu	editor	de	texto?
Vai	pensando	ai.
Enfim,	toda	a	cena	acontecia	como	se	estivesse	em	câmera	lenta:	a	coisinha	loira	na
porta	de	casa,	segurando	uma	mochila	rosa	claro,	chamando	alguém	que	ainda	estava	ali
fora.
—	Já	vou	—	a	outra	pessoa	respondeu,	ríspida,	 tanto	que	eu	sai	momentaneamente
do	meu	transe.
Opa,	tinha	mais	gente	ali!	Hora	de	prestar	atenção	no	resto	do	ambiente.
Duas	 meninas.	 Uma	 loira,	 com	 voz	 de	 anjo	 e	 cabelos	 aparentemente	 macios	 e
sedosos	como	plumas	de	um	travesseiro	fofinho;	e	a	outra,	morena,	aparentemente	mais
fechada	e	de	pouca	paciência	ao	que	parecia.
Eu	não	fazia	ideia	de	quem	eram	aquelas	duas	ou	de	onde	vinham,	mas	uma	coisa	era
certa,	elas	estavam	entrando	na	casa	ao	lado,	logo	após	um	dia	de	mudança.	Ou	seja,	elas
provavelmente	eram	minhas	novas	vizinhas.
Com	 esse	 mistério	 solucionado	 em	 minha	 cabeça,	 voltei	 a	 admirar	 a	 garota	 de
cabelos	loiros.
Ainda	não	sabia	o	nome	dela	naquela	hora,	mas	se	o	universo	ajudasse	eu	saberia	em
seguida.
Vai	universo,	ajuda	aí.
Continuei	observando-a	na	tentativa	de	não	ser	notado	(ou	ser)	e	segui	com	o	que	eu
estava	fazendo	quando	ela	falou	comigo.
Ela	falou	comigo.
—	Oi!	—	disse	ao	me	ver	colocando	o	saco	na	lixeira.
E	eu…	olha	(estou	sorrindo	ao	lembrar	disso),	eu	devo	ter	feito	uma	cara	de	muito
espanto,	porque	ela	começou	a	rir.
—	Oi	—	respondi,	todo	errado,	depois	de	mil	anos.
—	Somos	novas	aqui,	nos	mudamos	hoje.	Você	mora	aí?	—	indagou,	apontando	para
minha	casa.
—	Sim	—	respondi,	ligeiramente	nervoso.	Caramba,	a	garota	era	muito	bonita	e	ela
estava	falando	comigo,	um	pirralho.
Tudo	bem	que	isso	não	é	motivo	para	tanto	nervosismo,	mas	o	que	eu	podia	fazer?
Em	treze	anos,	era	a	menina	mais	linda	que	eu	já	tinha	tido	o	prazer	de	ver,	e	ainda	por
cima	seria	minha	vizinha!
—	Esta	é	minha	irmã,	April	—	“cabelos	claros”	apontou	para	“cabelos	escuros”.
-Oi.	-	Foi	tudo	o	que	eu	disse.
Então	pude	vê-las	mais	de	perto	e	notar	suasdiferenças.
“Cabelos	 claros”,	 como	 eu	 havia	 nomeado-a	 rapidamente,	 era	 loira	—	 eu	 já	 disse
isso,	mas	faça	de	conta	que	eu	sou	um	bom	narrador	e	que	você	não	notou	nada	—	com
um	 cabelo	 que	 reluzia	 de	 tão	 brilhante,	 e	 tinha	 olhos	 verdes.	 Enquanto	 isso	 “cabelos
escuros”	tinha	—	obviamente	—	cabelos	castanhos	e	os	olhos	eu	não	conseguia	ver,	pois
ela	 estava	 um	 pouquinho	 mais	 longe,	 no	 entanto,	 suspeitava	 que	 fossem	 castanhos
também.
“Cabelos	escuros”	se	chamava	April	pelo	que	percebi,	contudo,	naquele	instante	senti
certa	energia	negativa	emanando	de	onde	ela	estava	e	por	isso	preferi	continuar	pensando
nela	como	uma	estranha.
Então,	por	enquanto	vamos	seguir	chamando-a	de	“cabelos	escuros”.
Enquanto	“cabelos	claros”	sorria	de	orelha	a	orelha,	“cabelos	escuros”	não	mostrava
nenhum	dente.	Usava	calça	jeans	e	tênis	e,	no	lugar	da	blusa	de	alcinha,	estava	vestida	em
uma	camiseta	do	KISS.	Tinha	um	estilo	diferente	da	“cabelos	claros”.	Não	era	feio,	mas
era	 bem	 diferente.	 Sua	 expressão	 também	 era	 diferente,	 não	 parecia	 brava	 ou	 irritada,
apenas	 fechada.	 O	 que	 me	 chamou	 atenção	 nessa	 menina	 estilo	 “assassina	 gótica”	 foi
justamente	 a	 oposição	 em	 relação	 a	 “cabelos	 claros”.	 “Cabelos	 escuros”	 parecia
justamente	ofuscada	pelo	brilho	da	irmã,	no	entanto	era	compreensível,	dado	ao	fato	que
“cabelos	claros”	era	o	tipo	de	pessoa	que	parecia	sempre	se	destacar	aonde	quer	que	fosse.
Não	 sei	 se	 era	 seu	 brilho,	 o	 sorriso	 ou	 até	 mesmo	 o	 carisma,	 mas	 aquela	 loirinha	 me
conquistou	no	momento	em	que	me	disse	oi.
—	Vamos,	April,	mamãe	está	esperando	a	gente,	e	 tem	muita	coisa	pra	arrumar	—
“cabelos	claros”	disse	para	a	irmã,	que	permanecia	calada.
Achei	que	nosso	grande	encontro	havia	acabado,	mas	pouco	antes	de	entrar,	“cabelos
claros”	se	virou	e	incrivelmente	se	despediu	de	mim:
—	Até	mais,	vizinho	—	acenou	com	a	pequena	mãozinha.	—	Nos	vemos	por	aí.	A
propósito,	meu	nome	é	Mary.
Mary…
As	palavras	soaram	como	se	fossem	notas	de	uma	balada	romântica.
—	Sou	o	Dean.
Aquele	lindo	raio	de	sol	sorriu.
—	Tchau,	Dean.
—	Tchau,	Mary.
Foi	mais	ou	menos	isso	que	aconteceu.	Depois,	lembro	que	subi	as	escadas	correndo
e	minha	mãe	pensou	que	eu	estivesse	com	dor	de	barriga,	mas	eu	só	queria	chegar	ao	meu
quarto	 de	 uma	 vez.	 Tranquei	 a	 porta	 e	 fui	 até	 a	 minha	 janela,	 meio	 sem	 saber	 o	 que
gostaria	de	encontrar	quando	abrisse	a	cortina.	Bom,	o	quarto	em	frente	ao	meu	seria	de
alguém,	só	restava	saber	de	quem.
Depois	disso	fiquei	me	sentindo	como	Peter	Parker	tendo	uma	Mary	Jane,	porém	só	a
Mary,	 sem	 a	 Jane.	Não	 que	 tivéssemos	muito	 a	 ver	 um	 com	 o	 outro	 (eu	 e	 Peter),	mas
naquela	época,	dos	meus	doze	aos	quinze	anos,	eu	era	bastante	introspectivo	e	tinha	meu
lado	nerd.
Desde	 criança	 gostava	 de	 desenhar	 e	 por	 influência	 dos	meus	 pais	 desenvolvi	 um
amor	 enorme	 pela	 música.	 Aos	 dezesseis	 eu	 já	 tocava	 aproximadamente	 cinco
instrumentos	diferentes.	Também	gostava	de	ler,	escrever	e	de	tocar	no	piano	da	sala	com
o	meu	pai.	Era	um	leitor	assíduo	e	fã	de	As	Crônicas	de	Nárnia	e	O	Senhor	dos	Anéis.	Lia
muito,	 se	comparado	aos	 jovens	da	minha	 idade,	então	eu	não	achava	que	era	o	 tipo	de
garoto	pelo	qual	a	Mary	se	interessaria.
Já	 disse	 que	 amava	 (ainda	 amo)	música?	Culpa	 do	meu	 pai,	 que	me	 viciou	 desde
pequeno.	Aprendi	a	tocar	piano	com	oito	anos.	Eu	sempre	dizia	que	só	era	bom	porque	ele
me	 ensinou	 muito	 bem,	 porém,	 ele	 discordava	 e	 dizia	 que	 mesmo	 que	 houvesse	 se
empenhado	em	me	 fazer	 ser	bom,	de	nada	adiantaria	 se	 a	música	não	estivesse	no	meu
coração.	Eu	seria	apenas	alguém	que	sabia	tocar,	e	isso	qualquer	um	pode	ser.
Incrivelmente,	 eu	 me	 encontrei	 em	 todo	 e	 qualquer	 som,	 passando	 não	 apenas	 a
apreciar,	mas	a	amar	a	música	ao	meu	redor.	Depois	disso	eu	quis	aprender	mais	e	mais	e
conhecer	um	pouco	de	cada	 instrumento.	Eu	 levava	a	música	 tão	a	sério	que	até	montei
uma	banda	de	garagem	com	meus	amigos	na	adolescência.
Kit,	Noah,	Sean	e	eu.	Os	quatro	patetas.
Ah,	que	época	fodasticamente	foda	foi	aquela.
Época	de	amor,	amigos	e	música…
Principalmente	 música,	 afinal	 foi	 ela	 quem	 me	 trouxe	 as	 pessoas	 que	 mais	 me
marcaram	nessa	vida,	e	você	vai	conhecer	cada	uma	delas	nas	páginas	a	seguir.
	
Mary	e	“cabelos	escuros”,	—	April	—	que	seja,	acabaram	se	matriculando	na	mesma
escola	que	eu,	e	 foi	 inevitável	que	nos	 tornássemos,	hmmm,	meio	amigos,	apesar	de	eu
achar	que	Mary	me	via	mais	como	um	pirralho.
“Cabelos	 escuros”	 e	 eu	 tínhamos	 algumas	 aulas	 juntos,	mas	 praticamente	 não	 nos
falávamos.	Ela	estava	no	canto	dela,	e	eu,	no	meu.
Sempre	me	considerei	um	cara	quieto,	mas	ela…	“cabelos	escuros”	não	conversava
com	ninguém.	Eu	não	gostava	muito	de	interação,	mas	aquela	menina	parecia	realmente
odiar	falar	com	qualquer	pessoa.	Em	alguns	momentos	parecia	que	estava	se	escondendo
dentro	das	próprias	roupas	e	apesar	de	eu	não	me	considerar	alguém	muito	comunicativo,
era	atento	as	coisas	ao	meu	redor.	Eu	sabia	quem	sentava	em	cada	lugar	nas	minhas	aulas,
sabia	 as	 manias	 de	 cada	 um,	 quem	 matava	 aula	 e	 qual	 aula	 especificamente.	 É	 algo
comum	quando	se	passa	mais	tempo	observando	do	que	agindo.
Por	 ser	 minha	 vizinha	 e	 irmã	 da	 garota	 que	 eu	 gostava,	 “cabelos	 escuros”	 me
despertava	certa	curiosidade.	Aquele	contraste	entre	as	duas	irmãs	me	intrigava.
Claro	 que	 isso	 não	 era	motivo	 pra	 nenhuma	 paranoia,	 era	 apenas	 algo	 que	 eu	me
perguntava,	o	porquê	de	“cabelos	escuros”	à	lá	“assassina	gótica”	agir	daquele	jeito.
E	 assim	 seguimos,	 sem	 nada	 novo	 sob	 o	 sol,	 exceto	 o	 fato	 de	 que	 eu	 estava
deslumbrado	por	“cabelos	claros”,	digo,	Mary.
E	crescemos.
Treze,	quatorze,	quinze,	dezesseis…
“Dias	vem	e	vão	rapidamente
Eu	estou	sonhando	com	ela
Ela	está	de	olho	em	outros	caras
Emoções	que	deixaram	marcas
O	sol	se	foi
As	noites	são	longas
E	estou	partindo	enquanto	as	lágrimas	caem…”
	
Enquanto	eu	rabiscava	músicas	de	amor,	Mary	saía	com	os	outros	caras.
Porque	ela	havia	se	tornado	a	garota	mais	linda	da	escola.
E	eu…	bem,	eu	acreditava	ser	invisível	aos	olhos	dela.
Pensando	nisso	agora,	me	parece	meio	depressivo,	mas	não	vejo	como	dizer	de	outra
forma…	Mary	era	um	ano	mais	velha	do	que	eu,	mas	parecia	ser	muito	mais	madura,	seu
corpo	era	de	uma	mulher	bem	desenvolvida	e	se	eu	disser	que	não	estava	completamente
atraído	pelas	curvas	dela	eu	estaria	mentindo.	Aos	quinze	anos	eu	pensava	muito,	mas	não
com	a	cabeça	de	cima,	se	é	que	você	me	entende.
Pensava	 tanto	nela	e	me	sentia	deprimido	por	não	dizer	o	que	sentia.	Havia	aquela
coisa	 toda	de	 eu	 achar	que	 era	pirralho	demais,	 feio	demais,	magro	demais.	Eu	não	era
nem	 um	 pouco	 parecido	 com	 os	 caras	 fortes	 e	 capitães	 de	 time	 que	 costumavam	 ser	 a
preferência	de	divindades	lindas	como	“cabelos	claros”.
Entre	passar	vergonha	e	ficar	calado,	bom,	obviamente	eu	preferia	ficar	calado.
Ao	 menos	 eu	 sabia	 que	 se	 essa	 história	 não	 me	 servisse	 de	 amor,	 ao	 menos	 me
serviria	de	inspiração	para	boas	canções	no	futuro.
Desculpe	 se	 não	 estou	 sendo	muito	 detalhista,	mas	 quando	 se	 está	 apaixonado,	 as
coisas	ao	seu	redor	 ficam	meio	embaçadas.	Eu	não	 lembro	muito	do	que	estava	ao	meu
redor	 porque,	 como	 eu	 disse,	 naquele	 tempo	 eu	 só	 tinha	 olhos	 para	 a	 Mary,	 e	 aquela
menina	brilhava	muito,	ofuscando	qualquer	coisa	que	estivesse	por	perto.
Eu	queria	ter	mais	atitude	e	convidá-la	para	sair.
Às	vezes	eu	a	via	me	olhar	de	relance	e,	em	outras	vezes,	quando	eu	estava	com	meu
violão	na	escada	de	casa,	ela	sentava	do	meu	lado	e	bagunçava	meu	cabelo.
Ela	dizia	que	adorava	meu	cabelo.
—	 Você	 está	 cada	 dia	 mais	 bonito,	 Dean	—	 suas	 palavras	 como	 sempre,	 soaram
como	uma	canção	em	meus	ouvidos.
Eu	só	pensava	que	ela	me	via	como	um	“irmão”	bonitinho.
A	lembrança	dela	ainda	me	causa	uma	estranha	sensação,	pois,	sim,	eu	estava	muito
apaixonado.	 Talvez	 mais	 platonicamente,	 já	 que	 nãoacreditava	 que	 algum	 dia	 alguém
como	Mary	fosse	me	dar	algum	crédito.
Boa	parte	da	minha	adolescência	se	resumiu	a	sonhar	com	a	menina	de	cabelos	loiros
que	morava	ao	lado	da	minha	casa	sem	de	fato	fazer	nada	a	respeito.
Eu	 acho	que	 “cabelos	 claros”	 sempre	 soube	 que	 eu	 tinha	 uma	queda	 por	 ela	 e,	 no
início,	 levou	na	boa,	 como	se	 fôssemos	vizinhos/amigos	que	 levavam	as	coisas	daquela
maneira	estranha	—	duas	pessoas	que	sabem	o	que	sentem,	mas	deixam	para	lá,	não	falam
sobre.
Eu	era	muito	novo	quando	nos	conhecemos,	seria	um	idiota	se	acreditasse	que	teria
alguma	chance.
Mas,	porém,	contudo,	todavia,	no	entanto…	As	coisas	começaram	a	mudar.	Eu	não
sei	como	e	nem	exatamente	quando,	só	sei	que	mudaram.	Perdoe	se	eu	estiver	sendo	um
pouco	enrolado.	Eu	ainda	estou	 tentando	processar	boa	parte	da	minha	vida	nos	últimos
anos.
Quando	entrei	na	adolescência	tive	minha	fase	rock	n’roll	e	concordo	com	meu	pai
quando	ele	disse	certa	vez	que	as	melhores	baladas	românticas	foram	feitas	por	bandas	de
rock.	More	Than	Words	está	aí	para	provar	isso.	
Bom,	 estou	 apenas	 falando	 sobre	 minha	 adolescência	 e	 músicas	 e	 creio	 que	 você
deva	estar	se	perguntando	o	que	isso	tem	a	ver	com	a	minha	história	com	a	Mary,	não	é
mesmo?	Calma,	já	vamos	chegar	lá.
	
	
CONTINUE	POR	ESSAS	ESTRADAS
	
	
	
“Where	joy	should	reign
These	skies	restrain
Shadow	your	love
The	voice	trails	off	again”
(Stay	on	These	Roads	–	A-ha)
	
	
	
	
Foi	em	um	dia	de	 inverno,	não	me	pergunte	qual	dia,	mas	 lembro	que	meus	dedos
estavam	 gelados.	 Eu	 estava	 na	 sala	 de	 música	 da	 escola,	 pois	 havia	 um	 período	 vago
naquele	momento.	Lembro	que	juntei	as	mãos	e	soprei	um	pouco	de	ar	quente	nelas,	pois
o	 contato	 com	 as	 teclas	 do	 piano	 e	 com	 o	 ar	 frio	 fazia	 com	 que	meus	 dedos	 ficassem
rígidos.	Eu	estava	soprando	o	ar	quente	quando	a	porta	se	abriu.
Não,	não	era	Mary.
Era	a	April.
April	e	sua	cara	de	espanto,	como	se	tivesse	sido	pega	em	flagrante.
A	 vi	 congelar	 em	 frente	 à	 porta,	 e	 semicerrei	 os	 olhos,	 pois	 estava	 curioso,	 mas
obviamente	 não	 falei	 nada.	 Ao	 que	 parecia,	 a	 intrusa	 é	 quem	 se	 preparava	 para	 dizer
alguma	coisa.
—	Err,	Dean,	oi	—	as	três	palavras	saíram	raspando	e	seu	cumprimento	na	verdade
soou	como	se	ela	estivesse	se	desculpando.
—	Oi.	—	respondi,	em	uma	mistura	de	indiferença	com	um	“quê”	de	curiosidade.
A	garota,	“cabelos	escuros”…	April,	parecia	querer	se	explicar,	como	se	ter	entrado
naquele	 lugar	 fosse	 algo	 inapropriado.	 Pude	 perceber	 apenas	 observando	 seu	 corpo	 um
tanto	rígido,	seus	ombros	querendo	se	encolher	como	se	ela	precisasse	se	enfiar	em	algum
buraco,	seus	lábios	em	uma	linha	reta,	como	se	estivessem	retendo	ou	sei	lá,	segurando	as
palavras.
—	Eu	não	sabia	que	você	estava	aqui.	-	por	fim	a	ouvi	dizer.
Continuei	 apenas	 ali,	 parado	em	silêncio	porque	basicamente	 eu	não	 fazia	 ideia	de
como	me	comunicar	com	aquela	pessoa	estranha	e	mesmo	que	eu	soubesse,	bom,	naquele
momento	eu	não	estava	a	fim	de	papo.
“Cabelos	escuros”	-	nossa,	eu	ainda	tinha	dificuldade	de	associar	o	nome	à	pessoa	-
parecia	querer	se	explicar,	mesmo	que	eu	não	tivesse	pedido	explicação	alguma.
Analise	 comigo,	 não	 tinha	 nenhuma	 necessidade	 de	 explicação	 ali,	 por	 isso	 pensei
que	quem	sabe,	 talvez,	com	muita	sorte,	se	eu	continuasse	quieto,	ela	viraria	as	costas	e
sairia	para	que	eu	pudesse	continuar	meu	momento,	ali,	quietinho.
A	notei	se	remexendo	um	pouco,	talvez	de	nervoso.
—	Desculpe	se	estou	atrapalhando,	já	vou	indo.
—	Você	não	está	atrapalhando	—	afirmei.
Uma	pausa	aqui	rapidinho	para	uma	observação.
Eu	 não	 sei	 porque	 falei	 aquilo.	No	momento	 em	 que	 as	 palavras	 saíram	 da	minha
boca,	senti	o	arrependimento.
Ela	realmente	não	estava	atrapalhando	e	sequer	tinha	feito	alguma	coisa,	entretanto,
lá	no	 fundo,	possivelmente,	meu	 inconsciente	estava	 tagarelando	sobre	o	 fato	de	eu	não
me	sentir	muito	confortável	em	praticar	com	alguém	me	olhando.
—	Eu	não	achei	que	fosse	encontrar	alguém	aqui	nesse	horário.	-	“cabelos	escuros”
mencionou.
—	Tenho	um	período	vago.	Costumo	vir	aqui	nos	períodos	vagos.
—	Hmm.
E	isso	foi	nossa	conversa.	Promissor,	não	acha?
Eu	e	minha	vizinha	com	jeito	de	assassina	gótica,	completamente	em	silêncio	na	sala
de	música	da	escola.	Para	ficar	ainda	mais	estranho	só	faltava	um	grilo	no	fundo	fazendo
“cri-cri.”
-E-eu,	-	gaguejou	—	se	importa	se	eu	ficar?
Alerta	de	assassina	gótica	agindo	estranho.
Ela	estava	diferente.	Normalmente	nós	não	costumávamos	trocar	muitas	palavras,	já
que	 éramos	 quase	 antissociais.	 “Cabelos	 escuros”	 parecia	 estar	 sempre	 com	 as
sobrancelhas	franzidas,	como	se	sempre	estivesse	com	algum	problema,	e	não	seria	eu	a
perguntar	 qual	 era	 o	 negócio.	Mas	 naquele	 dia,	 ela	 parecia…	 sei	 lá,	 mais	 acessível.	 A
gente	até	tinha	trocado	mais	do	que	duas	palavras!
Foi	 a	 primeira	 vez	 que	 parei	 para	 observá-la.	 Nunca	 tinha	 cogitado	 fazer	 algo
parecido	antes,	pois	para	mim	ela	era	apenas	minha	vizinha,	“cabelos	escuros”,	 irmã	da
menina	pela	qual	fui	aficionado	nos	últimos	três	anos.	Nunca	tive	interesse	em	saber	nada
a	seu	respeito	e	suponho	que	ela	provavelmente	também	não	estava	interessada	em	saber
nada	sobre	ninguém	da	face	da	terra.
—	Dean?
—	Oi.	-	Fui	desperto	de	meus	devaneios.
—	Tudo	bem?
Eu	estava	viajando	de	novo.	Viajando	sobre	minha	vizinha	assassina	gótica.
—	Claro	—	Pisquei	 algumas	vezes,	 tentando	disfarçar	 sobre	meu	breve	passeio	na
outra	dimensão	—	Pode	ficar,	“cabe…”	err,	April.	—	sim,	me	enrolei	todo.
—	Tem	certeza?
—	Fica	na	boa,	não	me	importo	—	garanti,	pois	não	queria	que	ela	se	sentisse	mal
com	a	situação.
—	Obrigada,	prometo	não	atrapalhar.
Eu	fiz	que	sim	com	a	cabeça	e	voltei	a	me	concentrar	no	que	estava	fazendo	antes.	O
que	eu	estava	fazendo	antes	de	viajar	para	a	terra	dos	doidos?
Ah,	sim,	eu	estava	tocando	a	música	favorita	da	minha	mãe.
No	 início	 foi	 complicado	 tentar	manter	 o	 foco	 com	 alguém	me	 olhando,	mas	 não
estava	em	nenhum	concerto	internacional,	sendo	assim,	segui	em	frente	e	em	pouco	tempo
já	me	sentia	mais	confortável.
Não	 demorou	 muito	 para	 que	 eu	 ficasse	 completamente	 imerso	 na	 mágica	 da
melodia.
Tocar	piano	era	algo	natural	pra	mim.	Desde	pequeno	meu	pai	 repassava	as	 lições,
mas	sempre	porque	eu	tomava	a	iniciativa.	Quando	era	criança,	ficava	fascinado	ao	ouvir
ele	tocar	para	a	minha	mãe,	e	senti	que	queria	fazer	igual.	Certo	dia	ele	me	pegou	tentando
tocar,	mas	por	ser	muito	jovem	eu	não	entendia	como	aquilo	tudo	funcionava.	Foi	quando
meu	velho	perguntou	se	era	aquilo	que	eu	queria	mesmo	naquele	momento,	pois,	se	fosse,
ele	não	se	importaria	em	me	ensinar.
Mal	posso	descrever	minha	felicidade	quando	o	ouvi	afirmar	que	me	ensinaria.
Ao	lembrar	disso,	sempre	sinto	certa	nostalgia.
Bom,	mas	voltemos	para	a	sala	de	música…
No	momento	em	que	eu	tocava	a	canção	favorita	da	minha	mãe,	enquanto	April	me
observava,	 um	 sentimento	 de	 pertencimento	 tomou	 conta	 de	 mim;	 uma	 coisa	 especial,
quente	e	aconchegante,	um	som	para	adorar,	uma	coisa	de	louco,	sem	explicação.
Eu	amava	tocar.
Amava.
Apesar	 de	 ter	 plateia	 naquele	 dia,	 depois	 de	 ter	 começado,	 eu	 simplesmente	 segui
meu	caminho	através	daquela	suave	melodia.
E	senti	algo	estranho.
Continuei	tocando,	focado	no	exercício	que	desenvolvia,	mas	algo	no	ar	me	dizia	que
eu	precisava	de	um	momento.	Ignorei	isso	e	continuei.	Continuei,	até	que	senti	que	algo
estava	 errado.	 Sem	poder	 aguentar	mais	 a	 curiosidade	 eu	 olhei	 para	 o	 lado	 e	 notei	 que
minha	espectadora	estava	com	os	olhos	cheios	de	lágrimas.
Parei	imediatamente	o	que	estava	fazendo.
“Cabelos	escuros”	me	encarava	com	olhos	marejados	e	eu	podia	perceber	mesmo	à
certa	 distância,	 o	 tremor	 em	 seus	 lábios.	O	 garoto	 indiferente	 dentro	 de	mim	 não	 tinha
vontade	de	perguntar	o	motivo	de	ela	estar	agindo	daquela	maneira	e	a	falta	de	intimidade
entre	nós	dificultava	ainda	mais	as	coisas.
Mas	isso	não	me	impediade	questionar	interiormente:	Porque	ela	está	chorando?
—	Você	está	tocando	Stay	On	These	Roads	—	“cabelos	escuros”	constatou	em	voz
alta,	me	deixando	um	tanto	perplexo.	Tão	perplexo	quanto	ela	mesma	parecia	estar.
Quase	ninguém	da	minha	idade	conhecia	essa	canção.	Na	verdade,	as	únicas	pessoas
conhecidas	que	sabiam	dessa	música	eram	meu	pai	e	minha	mãe.
Tudo	 bem	 que	 era	 um	 hit	 famosíssimo	 dos	 anos	 oitenta,	 porém	 até	 então	 eu	 não
conhecia	ninguém	além	de	mim	com	o	mesmo	gosto	musical.	Naquela	época	as	músicas
mais	 ouvidas	 pelas	 meninas	 que	 eu	 conhecia	 eram	 da	 Rihanna	 e	 Lady	 Gaga	 —	 hoje
superfamosas	—	e	 eu	 aposto	que	 se	perguntasse	para	Mary,	 ela	 confirmaria	 isso.	Então
sim,	eu	estava	abismado	por	minha	vizinha	supostamente	assassina	gótica,	chorar	ao	me
ouvir	tocar	uma	música	do	A-ha.
Fiquei	meio	boquiaberto	com	a	constatação.	Tanto	que	havia	esquecido	de	responde-
la,	mesmo	que	sua	afirmação	não	tenha	sido	uma	pergunta.
—	Estou	—	eu	 ainda	 estava	 surpreso,	mas	 lá	 no	 fundo	 senti	 uma	pequena	 alegria,
porque,	poxa,	ela	conhecia	a	música!
—	Continua,	por	favor	—	“cabelos	escuros”	pediu,	e	apesar	de	eu	ainda	estar	meio
rígido	com	a	situação	e	louco	para	questionar	inúmeras	coisas	(meu	lado	“músicas	velhas”
estava	preparando	uma	lista	imensa	de	perguntas),	continuei.
Segui	contente,	pois	estava	tocando	a	música	favorita	da	minha	mãe	para	alguém	que
não	só	a	conhecia	como	também	apreciava.	Eu	adorava	a	sensação	de	ter	a	letra	na	minha
cabeça	e	a	música	impregnada	na	minha	alma.	Ah,	como	eu	adorava.
Era	muito	fácil	pra	mim	me	perder	em	meio	a	alguma	melodia.
A	cada	nota,	eu	parecia	ouvir	o	murmúrio	do	vento	me	acompanhando.
Um	leve	sussurro.
“Nota	após	nota,	tecla	após	tecla…”
E	assim,	sucessivamente,	segui	dedilhando.
Mas	 espera…	 eu	 realmente	 estava	 ouvindo	 alguém	 murmurar,	 contudo	 não	 era	 o
vento.
	
“Onde	a	alegria	deveria	reinar
Estes	céus	restringem
Encobrem	o	seu	amor
A	voz	vai	diminuindo	novamente…”
	
Olhei	para	a	minha	espectadora	e	a	vi	de	uma	maneira	que	nunca	tinha	visto	ninguém
antes.
Foi	uma	coisa	daquelas,	tipo	conexão	automática.
Cara,	ela	estava	cantando.
Cabelos	escuros,	quero	dizer,	April,	estava	cantando.
Aquilo	encheu	meu	peito	de	uma	maneira	que	não	sei	se	é	possível	explicar.	Eu	me
senti	bem	com	aquilo.	Me	senti	bem	com	sua	presença	ali.
Acho	que	ela	não	percebeu	que	havia	fechado	os	olhos.
Tampouco	percebeu	o	quanto	estava	mostrando	sobre	si	mesma.
Naquele	momento,	 foi	 tudo	bem…	bem	estranho.	Não	é	exatamente	essa	a	palavra
que	eu	gostaria	de	usar,	mas,	uau,	foi	incrível.	Porque	ao	vê-la	daquele	jeito,	eu	também
senti	vontade	de	fechar	meus	olhos.	E	o	fiz.
Eu	sabia	onde	estavam	as	teclas,	sabia	por	onde	deslizar	meus	dedos,	mas	apesar	de
amar	a	música,	me	dei	conta	de	que	 incrivelmente	era	a	primeira	vez	que	fechava	meus
olhos	ao	tocar.	Talvez	fosse	aquele	momento,	ou	Stay	on	these	roads,	ou	quem	sabe	coisa
da	minha	cabeça,	não	sei.	O	que	eu	sei	é	que	algo	mágico	aconteceu.
No	 início,	 pensei	 estar	 ouvindo	 coisas	 ao	 escutar	 aquele	 murmúrio	 no	 embalo	 da
melodia,	mas	 ao	 passo	 que	 o	 som	 ficou	mais	 forte	 e	me	 dei	 conta	 de	 que	April	 estava
cantando	e	em	seguida	a	única	coisa	na	qual	eu	pensava	era:	Meu	Deus,	ela	está	cantando.
Isso	tornou	todos	aqueles	minutos	incríveis,	pois	eu	nunca	tinha	feito	nada	parecido
com	ninguém.
Eu	 não	 fazia	 ideia	 do	 quanto	 minha	 vizinha	 assassina	 gótica	 sabia,	 se	 só	 estava
murmurando	mesmo	ou	se	realmente	sabia	cantar.	Talvez	nem	ela	soubesse	que	tinha	esse
dom,	ou	sequer	tivesse	percebido	o	que	estava	fazendo.
De	 repente	 seus	 olhos	 se	 abriram,	 envergonhados	 ao	 notarem	 que	 eu	 a	 estava
observando	e	por	um	segundo	a	vi	vacilar	enquanto	algo	dentro	de	mim	pedia	para	que
aquilo	não	terminasse.	Eu	não	queria	que	ela	parasse.
Instintivamente	 a	 encarei	 e	 levantei	 o	 queixo,	 incentivando-a,	 pedindo	 que	 fizesse
mais,	que	cantasse	mesmo,	mas	April	simplesmente	negou,	balançando	a	cabeça.
Foquei	nas	teclas	e	segui	com	a	música,	talvez	um	pouco	frustrado,	mas	eu	não	tinha
intimidade	o	suficiente	para	insistir.	E	talvez	mesmo	que	eu	tivesse,	não	sou	e	nunca	fui
disso,	se	a	pessoa	não	quer,	é	porque	não	quer	e	eu	respeito	isso	nos	outros,	pois	detesto
quando	não	sou	respeitado.
Estávamos	em	um	momento	muito	bacana	naquela	sala	e	eu	não	queria	perder	aquilo.
Aquela	música	era	épica	demais	para	que	eu	desperdiçasse	seu	ápice,	e	no	momento	em
que	ele	se	aproximou	eu	me	entreguei	ainda	mais,	preparando-me	para	a	emoção	que	eu
sabia	que	iria	me	invadir	em	poucos	segundos.
“…O	inverno	se	foi,	eu	estou	sozinho…”
	
Foi	quando	ouvi	a	garota	de	cabelos	escuros	cantar.
Pra	valer.
“Continue	nestas	estradas
Deveremos	nos	encontrar,	eu	sei
Continue,	meu	amor
Nós	nos	encontraremos,	eu	sei…”
	
Baixinho,	baixinho,	ficando	mais	alto	a	cada	nota,	fortalecendo-se	a	cada	palavra…
E	se	eu	suspeitava	de	que	minha	vizinha	April,	vulgo	assassina	gótica,	 tinha	algum
problema	na	vida,	naquele	momento	acho	que	tal	coisa	foi	completamente	esquecida.
Seguimos	 conectados	 daquela	 maneira	 peculiar	 até	 o	 fim	 da	 música,	 quando
finalmente	tomamos	noção	do	mundo	a	nossa	volta.
Caramba,	que	sensação	boa.
—	Meu	Deus,	 foi	maravilhoso,	Dean!	—	Cabelos	escuros	disse	em	um	estado	que
suspeitei	ser	de	euforia,	por	mais	que	tentasse	disfarçar.
Isso	aí,	ela	estava	eufórica.
—	Foi?
—	Nossa,	foi!	Eu	não	sabia	que	você	era	tão	bom,	com	o	perdão	da	palavra.	Eu	sei
que	você	toca,	afinal	seu	quarto	é	em	frente	ao	meu,	e	claro	que	já	ouvi	você	e	seu	violão
em	frente	à	sua	casa,	mas	juro	que	não	sabia	que	era	assim!
—	Assim	como?	—	indaguei,	curioso.
—	Extraordinário,	fabuloso.	Foi	absurdamente	incrível.	Obrigada.
Eu	não	entendia	o	motivo	de	ela	estar	agradecendo.
—	Pelo	quê?
—	Por	me	deixar	ficar.
Assenti	 com	a	 cabeça,	 pensando	nos	motivos	para	 “cabelos	 escuros”	 ter	 ficado	 tão
emocionada.
—	Você	toca	alguma	coisa?	—	inquiri,	tentando	puxar	algum	assunto.
É,	eu	estava	tentando	puxar	assunto.
Definitivamente	o	mundo	estava	girando	ao	contrário	naquele	dia.
—	Não.	Eu	não	tenho	nenhum	instrumento.
Eu	sabia	que	 isso	não	 importava,	pois	no	 instante	em	que	a	vi	de	olhos	 fechados	e
colocando	seu	coração	nas	palavras	que	saíam	de	sua	boca,	eu	soube	que	April	tinha	o	que
meu	pai	chamava	de	“música	de	coração.”
“As	pessoas	nascem	e	morrem,	Dean,	assim	como	o	sol	e	a	lua	todos	os	dias.	Somos
falhos	e	erramos,	pois	não	estamos	 livres	das	provações	divinas.	No	entanto,	o	que	nos
difere	uns	dos	outros,	 é	 a	 capacidade	de	assimilar	 e	 lidar	 com	as	 situações	 cotidianas.
Dentro	do	cotidiano	daqueles	que	amam	a	música	assim	como	nós,	existem	dois	tipos	de
pessoa.
As	 normais,	 que	 aperfeiçoaram	 seu	 gosto	 através	 de	 estudos	 e	 técnicas	 por	 puro
amor.
E	os	presenteados	com	um	dom.
Reza	 a	 lenda	 que	 aqueles	 dotados	 com	 a	 música	 de	 coração	 são	 os	 capazes	 de
transformar	sentimentos	em	uma	melodia	capaz	de	tocar	até	mesmo	a	alma	mais	escura.
Música	de	coração.
Esse	é	seu	dom,	Dean.”
	
Eu	pensava	nas	palavras	do	meu	pai	enquanto	a	observava.
Algo	me	dizia	que	eu	não	estava	equivocado.	April	tinha	um	dom	e	naqueles	poucos
minutos	em	que	nos	conectamos	eu	pude	vê—	lo	nitidamente.
—	Você	pode	tocar	aqui,	se	quiser.	Digo,	nas	horas	vagas.	—	joguei	as	palavras	por
alto,	tentando	me	aproximar,	incerto	se	era	isso	mesmo	que	eu	queria	—	Os	instrumentos
estão	sempre	disponíveis,	contanto	que	não	estrague	nenhum,	claro.
—	Ah,	mas	eu	não	sei	tocar	nada.		—	Cabelos	escuros	ficou	na	defensiva.
—	Isso	é	apenas	um	detalhe.
Eu	realmente	estava	tentando	manter	uma	conversa.
—	Eu	costumo	vir	aqui,	às	vezes.	Apenas	pra	ficar	aqui,	sabe?	Porque	me	sinto	bem.
Mas	não	 sei	 tocar	nada	e	nunca	 tinha	encontrado	mais	ninguém	aqui.	Ver	você	 foi	uma
surpresa.
Ela	estava	falando.
Comigo.
Tipo	falando.
E	naquele	instante	eu	já	não	sabia	se	aquela	menina	era	a	minha	vizinha	rabugenta	ou
algum	alienígena.
—	Entendi.	Acho	que	nossasaulas	vagas	nunca	haviam	coincidido	antes,	então…
—	Fico	feliz	se	puder	continuar	vindo	aqui	nos	períodos	vagos,	isso	já	é	suficiente.
Se	em	um	desses	períodos	você	estiver	tocando	aqui,	acho	que	será	incrivelmente	perfeito.
Eu	 realmente	 adoro	 este	 lugar	 e	 acho	 que	 se	 torna	 ainda	mais	 especial	 quando	 alguém
realmente	está	produzindo	algo	bonito	aqui	dentro.
—	Me	sinto	lisonjeado,	“cabelos	escuros.”
—	Cabelos	escuros?
Me	ferrei.
—	Hmm,	então..	-	Apertei	os	lábios	e	os	curvei	em	um	sorriso	amarelo.	—	Cabelos
escuros	é	como	eu	chamava	você	antes	de	saber	seu	nome.
Ela	pareceu	pensar…
—	Mas	nos	apresentamos	no	dia	em	que	nos	conhecemos	pelo	que	me	lembro.
—	Na	fração	de	segundo	que	antecedeu	esse	momento,	na	minha	cabeça,	você	já	era
“cabelos	escuros.”
—	Mas	eu	tenho	nome,	sabe	né?	Você	sabe	meu	nome.
—	Sei.
—	Tá	okay,	isso	está	ficando	meio	estranho.
—	Achei	que	só	eu	tinha	notado.
—	Você	se	sentiria	melhor	se	eu	te	chamasse	de	garoto	despenteado?
—	Porque?
—	Porque	seus	cabelos	estão	sempre	uma	bagunça.
Imediatamente	 passei	 a	 mão	 na	 cabeça,	 tentando	 ajeitar	 seja	 lá	 o	 que	 fosse	 que
estivesse	desajeitado.
—	Tudo	bem,	entendi,	desculpe.
—	Por	me	chamar	de	“cabelos	escuros”	e	não	pelo	meu	nome?
—	Eu	 não	 sei	 se	 isso	 realmente	 é	 algo	 ruim,	mas	 se	 for,	 considere	 um	 pedido	 de
desculpas.
Ela	 pareceu	 sorrir	 apenas	 com	 os	 olhos,	 um	 ar	 de	 graça	 se	 formando	 em	 sua
expressão.
—	Okay,	nesse	momento	vou	virar	as	costas	e	sair	por	aquela	porta	e	vamos	fazer	de
conta	que	essa	conversa	mega	estranha	não	aconteceu,	pode	ser?
—	E	você	não	vai	mais	vir	aqui?
—	Eu	sempre	venho	aqui.	Apenas	nunca	 tinha	 te	visto,	mas	se	 te	 incomodar	posso
evitar	os	dias	em	que	você	estiver	praticando.
—	Não,	claro	que	não,	calma	aí.	Você	cantou,	isso	não	pode	ser	esquecido.	Então	me
desculpe	se	eu	 fiquei	um	 tanto	surpreso	com	a	 interpretação	da	minha	vizinha	assassina
gótica.
Me	ferrei	de	novo.
Pensei	que	ela	fosse	explodir,	ter	um	ataque	de	raiva,	dar	um	grito	ou	sair	batendo	a
porta,	 sei	 lá.	 Estava	 esperando	 alguma	 reação	 negativa,	 contudo,	 depois	 de	 alguns
segundos	em	silêncio,	tudo	o	que	ouvi	foi	um	riso.
—	Assassina	gótica…	é	assim	que	me	 retrata?	—	as	palavras	 saíram	por	entre	 sua
risada.
—	Eu	não	tenho	uma	explicação	para	isso.	-	Respondi,	gelado.
—	 Tudo	 bem,	 eu	 acho	 que	 você	 tem	 probleminhas.	 —	 seu	 dedo	 apontou	 para	 a
cabeça	—	Aqui,	sabe?	Probleminhas	mentais.	—	E	voltou	a	rir.
Que	 humilhação.	 E	 tudo	 porque	 não	 consegui	 segurar	 a	 língua.	 Certamente	 foi	 a
surpresa	e	a	emoção	do	momento	que	me	deixaram	abobado	daquele	jeito,	não	tem	outra
explicação.
April	deu	as	costas	e	abriu	a	porta.
—	Ei,	espera.
—	Hm?
—	 Se	 você	 puder	 não	 absorver	 o	 que	 minha	 boca	 idiota	 disse,	 bom,	 eu	 não	 me
importaria	em	ver	você	por	aqui	de	novo.
Ela	ainda	parecia	se	divertir.
—	Certo.
—	Sei,	tudo	bem,	então.	Talvez	nos	encontremos	mais	vezes.
—	Quem	sabe.	Valeu,	Dean.
Despedimo-nos,	e	eu	fiquei	com	aquela	sensação	curiosa	de	que	a	vizinha	assassina
gótica	que	eu	conhecia	tinha	mais	facetas	do	que	eu	imaginava.
E	claro,	a	sensação	de	que	fui	completamente	idiota.
Mas,	 apesar	de	 tudo,	 a	 sensação	que	a	presença	dela	deixou	ali	 era	completamente
acolhedora.
E	puta	merda,	ela	conhecia	Stay	on	These	Roads.
	
	
Depois	disso,	foi	inevitável	que	nos	encontrássemos	mais	vezes.
Parecia	até	mesmo	que	criávamos	situações	em	que	pudéssemos	inevitavelmente	nos
encontrar.	Na	 sala	 de	música,	 claro.	Nos	 demais	 lugares,	mal	 nos	 falávamos.	 Ela	 ainda
sentava	 sozinha	 no	 refeitório,	 parecendo	 novamente	 uma	 assassina	 gótica,	 enquanto	 eu
sentava	com	meus	amigos	da	banda.
E	Mary,	bom…	ela	sentava	no	colo	do	capitão	do	time.
Ah,	Mary.	Eu	sabia	que	nada	nunca	aconteceria	entre	nós	e	que	o	que	eu	sentia	era
basicamente	uma	paixonite,	mas	não	podia	negar	que	me	incomodava	ver	“cabelos	claros”
daquela	maneira.	O	 sorriso	gentil	 não	combinava	em	nada	com	a	garota	promíscua	que
frequentava	a	mesma	escola	que	eu.
Às	vezes,	quando	uma	cena	dela	acontecia,	fosse	gargalhando	com	suas	amigas	ou	se
agarrando	com	alguém,	meus	olhos	cruzavam	com	o	de	“cabelos	escuros”,	e	rapidamente
eu	desviava,	porque	não	queria	que	April	soubesse	que	eu	me	importava	com	a	Mary.	Eu
não	queria	que	ninguém	soubesse	disso.
Quanto	a	April,	vulgo	cabelos	escuros	e	vizinha	assassina	gótica,	acho	que	passamos
quase	o	ano	todo	nos	encontrando	daquela	maneira	esporádica,	e,	aos	poucos,	ela	começou
a	se	render	ao	que	meu	pai	chamava	de	“poder	da	música”.
A	garota	tinha	um	dom,	mas	tinha	receio	de	usá-lo,	e	 levou	bastante	tempo	até	que
cedesse	e	começasse	a	pôr	em	prática	seu	sonho,	que,	a	propósito,	era	bem	parecido	com	o
meu.
Apenas	tocar,	ao	ponto	de	sentir-se	tocado,	como	se	nada	existisse.
Apenas	o	som.
Bom,	eu	tinha	um	violão	disponível	para	troca	em	casa	e,	como	ganhara	um	novo	no
meu	aniversário,	resolvi	dar	aquele	para	April.
Ela	ficou	brava.
Daquele	jeito	dela,	toda	irritada	porque	eu	tinha	feito	aquilo.
—	É	um	presente,	sua	mal-agradecida.
Lembro	que	eu	já	estava	ficando	bravo	com	aquele	chilique.
—	Eu	não	pedi	um	presente!
—	Presente	a	gente	dá	de	bom	grado!
E	aí	eu	percebi	que	ela	estava	prestes	a	chorar,	mas	estava	se	segurando.
—	Que	droga,	April,	só	aceita	a	porcaria	do	presente.
—	Você	não	entende…	O	que	eu	vou	dizer	em	casa?	O	que	eu	vou	dizer?
—	Que	eu	te	dei.
—	As	pessoas	não	dão	coisas	assim.
—	As	pessoas	dão.
—	Não	as	que	eu	conheço.
—	Precisa	conhecer	pessoas	melhores,	então.
Eu	estava	sem	saber	o	que	dizer	naquela	hora,	porque	não	entendia	seus	motivos	para
ficar	tão	maluca.
—	Olha	só,	assassina	gótica…	Vai	pra	casa,	 leve	meu	violão	com	você	e,	qualquer
coisa,	você	me	devolve,	tá	bem?	Pode	ser	assim?
—	E	se	algo	acontecer	com	ele?
—	Coisas	acontecem	todos	os	dias.	É	apenas	um	instrumento,	não	se	preocupe.
Se	ela	me	ouviu	ou	não,	eu	não	sei.	Mas	levou	o	violão.
Fiquei	a	observando	ir	embora,	me	perguntando	o	que	havia	de	errado.
Eu	sabia	que	a	estranheza	tomava	conta	daquele	corpo,	mas	era	difícil	lidar	as	vezes.
April	parecia	se	abrir	somente	quando	estava	tocando	comigo,	sozinhos,	sem	ninguém	nos
ver	e,	ao	que	parecia,	ela	tentava	manter	a	pose	de	durona,	mas	por	baixo	daquela	casca
dura	era	completamente	sensível.
Aos	poucos	 fui	me	desfazendo	de	 sua	 imagem	sombria	e	passei	a	vê-la	como	uma
menina	normal,	porém	retraída	e	receosa.
Não	sei	porque	a	chamava	de	gótica	se	nunca	a	vi	de	maquiagem,	mas	suponho	que
tenha	sido	a	primeira	impressão.	Eu	era	muito	impressionável	aos	treze	anos.	Já	prestes	a
fazer	dezessete,	eu	enxergava	as	coisas	de	maneira	bem	diferente.
—	Eu	não	sabia	que	vocês	eram	tão	íntimos.
Quando	me	dei	por	conta,	Mary	estava	atrás	de	mim.
Eu	 não	 estava	 preparado	 para	 aquela	 intimação	 e,	 como	 sempre,	 fiquei	 quieto.	No
momento	 em	 questão,	 eu	 tinha	 mais	 intimidade	 com	 a	 April,	 mesmo	 ela	 sendo
completamente	distante,	do	que	com	a	Mary,	que	ao	meu	ver	 ainda	me	considerava	um
pirralho.	Só	que,	bem,	eu	já	não	era	mais	um	pirralho.	Acho	que	só	eu	não	tinha	me	ligado
nisso.
—	Não	perca	tempo	com	ela,	Dean,	April	nunca	vai	sair	do	mundinho	em	que	vive.
—	O	que	quer	dizer?
—	Pra	não	se	preocupar	ou	se	questionar.	Minha	irmãzinha	é	assim	mesmo,	arisca	e
mal-agradecida.	Nada	nunca	está	bom	o	suficiente	pra	ela.
—	Não	estou	me	preocupando.
—	Não?	Uau,	você	pareceu	bem	preocupado.
—	Foi	impressão	sua.
—	Aquele	violão	era	seu?
—	Era.
—	E	por	que	deu	para	ela?
—	Qual	o	motivo	do	interesse?
Mary	se	aproximou,	e	só	então	percebi	que	eu	era	bem	maior	que	ela.	Não	lembrava
de	 ter	 crescido	 tanto,	 ou	 talvez	 não	 lembrasse	 de	 alguma	 ocasião	 em	 que	 ela	 tenha	 se
aproximado	de	mim	daquele	jeito.
—	April	é	minha	irmãzinha	querida.	Tenho	direito	de	me	interessar.
—	Então	você	pode	perguntar	a	ela.
Ouvi	ela	bufar.
—	Desmancha	essa	carranca,	Dean.	Vem,	o	que	acha	de	me	acompanhar	até	em	casa?
Hein?
Eu	 arqueei	 a	 sobrancelha,	 porqueaquilo	 foi	 completamente	 inesperado.	Cheguei	 a
olhar	para	os	lados,	para	ver	se	ela	estava	realmente	falando	comigo.
—	Estou	falando	com	você	mesmo,	seu	bobo.	Vamos,	não	vai	cair	nenhum	pedaço.
E	aí	eu	fui.
Em	silêncio.
Porque	 não	 sabia	 como	 iniciar	 uma	 conversa	 entre	 nós	 dois.	 Não	 sabíamos	 nada
sobre	o	outro	e	não	havia	qualquer	intimidade	ali	a	ser	explorada.	No	entanto,	uma	coisa
que	você	deve	saber	sobre	Mary,	é	que	ela	tinha	o	dom	de	cativar	qualquer	um	à	sua	volta
em	 poucos	 minutos.	 Não	 foi	 difícil	 fazer	 com	 que	 eu	 começasse	 a	 falar.	 Em	 algumas
quadras,	 estávamos	 conversando	 abertamente,	 e	 ela	 inclusive	 perguntou	 sobre	 a	 minha
banda,	 nossas	 músicas	 e	 me	 indicou	 um	 lugar	 que	 considerava	 ótimo	 para	 uma
apresentação	independente.
Eu	 ainda	 falava	 pouco,	 mas	 não	 tinha	 vergonha	 de	 conversar	 com	minha	 vizinha
loira.	Mary	era	muito	doce,	tão	doce,	que	eu	quase	podia	sentir	o	açúcar	escorrendo	dos	
seus	lábios.	Eu	queria	beijá-la	havia	anos,	então	não	me	culpe	por	pensar	essas	baboseiras.
Só	 que	 durante	 aquela	 caminhada,	 para	 mim	 realmente	 parecia	 que	 alguma	 coisa	 não
estava	 se	 encaixando.	 Aquilo	 não	 era	 algo	 costumeiro.	 Eu	 sentia	 que,	 possivelmente,
aquela	 menina	 de	 cabelos	 claros	 radiantes	 queria	 algo	 de	 mim,	 porém	 não	 conseguia
imaginar	o	que	poderia	ser.	Eu	não	tinha	nada	a	oferecer	para	alguém	como	ela.
—	Chegamos	—	eu	disse	quando	paramos	em	frente	à	sua	casa.
Mary	deu	dois	passos	em	minha	direção.
Eu	fiquei	ali,	parado,	porque	se	ela	estava	esperando	algo,	eu	não	fazia	ideia	do	que
era.	Se	fosse	uma	situação	normal,	talvez	eu	até	soubesse,	mas	quando	uma	coisa	inusitada
acontece	sem	mais	nem	menos,	é	difícil	saber	como	agir.
—	 Obrigada	 pela	 sua	 companhia.	 Eu	 adorei	 conversar	 com	 você	 —	 afirmou,
sorrindo.	E	que	sorriso	era	aquele?
—	De	nada.
—	Tchau,	Dean.
O	meu	nome	parecia	muito	mais	bonito	quando	pronunciado	através	dos	seus	lábios.
Eu	até	achei	sexy.	Poderia	passar	mais	algumas	horas	ouvindo	Mary	me	chamar	de	Dean.
—	Tchau,	Mary.	A	gente	se	vê.
Eu	acho	que	minha	vizinha	percebeu	que	eu	não	tinha	entendido	qual	era	a	proposta
naquela	situação,	porque	se	despediu	com	um	beijo.	Bem	no	canto	da	minha	boca.	Ela	fez
isso	e	sorriu,	sem	dizer	mais	nada.	Em	seguida,	deu	as	costas	e	entrou	na	casa.
Eu,	como	o	bom	homem	que	sou,	também	fui	para	a	minha	casa.
Completamente	atordoado	e	sem	entender	absolutamente	nada.
Sério,	que	porra	foi	aquela?
Entrei	em	casa	e	já	estava	subindo	as	escadas	quando	vi	minha	mãe	no	corredor.
Voltei.
—	Mãe.
—	Oi.
—	Eu	sou	bonito?
—	Oi?!
—	Isso	que	você	ouviu.	Eu	sou	bonito?
Ela	se	aproximou	e	colocou	a	mão	na	minha	testa.
—	Não	estou	doente,	mãe.
—	Mas	então	que	raio	de	pergunta	esquisita	foi	essa?
—	Mãe…
—	É	claro	que	você	é	bonito.
—	Não	como	filho.	Quero	saber	se	eu.	Sou.	Bonito?
Minha	mãe	me	encarou	como	se	eu	estivesse	doente.	Prestes	a	dar	à	luz	ao	mais	novo
bebê	da	casa,	ela	andava	emotiva	e	amorosa	demais.
—	 Eu	 acho	 que	 você	 devia	 se	 olhar	 no	 espelho.	 Dean,	 você	 é	 lindo.	 Como	 não
percebeu	 isso	 ainda?	 Seu	 corpo	melhorou	muito	 depois	 que	 começou	 a	 correr,	 admito.
Mas	não	muda	o	fato	de	que	você	é	e	sempre	foi	uma	coisa	linda.
—	Mãe…	veja	bem.	Se	você	me	visse	na	rua,	assim,	do	nada,	o	que	você	diria?
—	Gato,	bem	gato.
Fechei	os	olhos	tentando	não	rir.
—	Tá	bom,	mãe,	chega,	já	entendi.	Não	precisa	entrar	em	detalhes.
Voltei	às	escadas	e	tomei	o	rumo	do	meu	quarto.
Deitei	na	cama	e	pensei:	que	loucura.
Eu	precisava	ser	mais	esperto	com	relação	aos	sinais	das	mulheres.
	
	
	
OH,	DONNA…	DIGO,	MARY.
	
	
“I	had	a	girl
Donna	was	her	name
Since	she	left	me
I’ve	never	been	the	same
‘cause	I	love	my	girl
Donna,	where	can	you	be?
Where	can	you	be?”
(Donna	—	Los	Lobos)
	
	
Depois	daquilo,	as	coisas	são	um	borrão	para	mim,	porque	tudo	aconteceu	tão	rápido,
que	minha	mente	foi	incapaz	de	absorver.
Eu	 continuei	 com	 a	 mesma	 rotina	 de	 sempre.	 Tudo	 continuava	 igual.	 Exceto	 que
April	 deixou	 de	 aparecer	 nos	 períodos	 vagos,	 e	 eu	 me	 perguntava	 o	 que	 ela	 estava
fazendo.	 Não	 sabia	 o	 que	 tinha	 acontecido	 logo	 após	 ela	 chegar	 em	 casa	 com	 o	 meu
violão.	Eu	sentia	sua	falta,	mas	assim	como	eu	evitava	perguntar	à	April	sobre	a	irmã,	com
a	Mary,	eu	fazia	a	mesma	coisa.	Por	mais	que	tivesse	vontade	de	saber	se	estava	tudo	bem,
eu	não	perguntava.	Não	achava	isso	legal,	por	mais	que	as	duas	fossem	irmãs.
Parecia	que	não	existia	conexão	entre	as	elas.
Na	semana	seguinte,	a	vi	através	da	minha	janela	e	sei	que	ela	também	me	viu.
Ficamos	um	bom	tempo	nos	olhando	sem	dizer	nada,	e	eu	estava	começando	a	ficar
preocupado.
Observei	enquanto	ela	parecia	procurar	por	alguma	coisa	e	em	seguida	a	vi	escrever
sobre	uma	folha	na	escrivaninha,	mostrando-me	em	seguida:
“DESCULPE.”
Eu	não	entendia.	Talvez	ela	estivesse	doente.	Peguei	uma	folha	e	também	rabisquei
algo.
“DOENTE?”	—	perguntei,	mostrando	o	papel	da	mesma	 forma	que	a	vira	 fazendo
pouco	antes.
“SIM”	—	foi	a	resposta
Então	era	isso.	Talvez	ela	estivesse	com	algo	contagioso.
“FICA	BEM”
“VOCÊ	TAMBÉM.”
April	era	tão	fechada.	Eu	queria	descobrir	o	que	a	perturbava.
Mesmo	sendo	vizinhos	e	mesmo	tendo	me	aproximado	dela	nos	últimos	tempos,	de
certa	forma,	era	como	se	houvesse	um	muro	enorme	entre	a	gente.	Não,	não	exatamente
entre	 a	 gente,	 deixe-me	 corrigir.	 Era	 como	 se	 o	 muro	 estivesse	 todo	 ao	 redor	 dela,
separando-a	do	resto	do	mundo.
Agora,	 se	 ela	 estava	 confortável	 dentro	 daquelas	 paredes,	 isso	 eu	 ainda	 não	 tinha
como	saber.
Às	 vezes,	 sua	 cortina	 estava	 aberta	 e	 conversávamos	 através	 de	 nossas	 folhas,	 que
serviam	como	plaquinhas.	Era	sempre	tudo	muito	rápido,	e	isso	me	deixava	querendo	um
pouco	mais	de	tempo	com	minha	suposta	nova	amiga.
Mas	April	parecia	sempre	sem	tempo.
Em	compensação,	Mary	e	eu	estávamos	cada	vez	mais	próximos,	se	é	que	você	me
entende.
Na	segunda	vez	em	que	fui	“convidado”	a	leváala	em	casa,	nos	beijamos.
Eu	já	tinha	percebido	que	seu	comportamento,	seu	jeito,	estava	diferente,	mas	ainda
não	 tinha	compreendido	o	motivo.	Eu	acordava	 todos	os	dias	 às	 seis	da	manhã	e	 corria
pelo	quarteirão.	Tomei	esse	hábito	aos	dezesseis,	justamente	porque	queria	impressionar	a
minha	vizinha.
E	nunca	a	vi	me	notando.
Porém,	o	hábito	 ficou	e	 incrivelmente	eu	me	sentia	muito	bem	enquanto	corria.	Eu
tinha	muita	energia	que	precisava	ser	gasta	e	correr	provou	ser	algo	ideal	para	mim.	Foi
em	um	desses	dias	—	em	que	devido	a	chuva	eu	não	pude	sair	de	manhã	—	que	decidi
correr	no	fim	de	tarde,	que	encontrei	Mary	com	algumas	amigas.	Eu	pretendia	passar	reto,
mas	quando	ouvi	meu	nome	sendo	chamado,	achei	que	seria	falta	de	educação	não	parar	e
falar	com	ela.
Eu	estava	com	minha	bermuda	de	corrida	e	devido	ao	sol,	que	milagrosamente	tinha
aparecido,	eu	resolvi	tirar	a	camiseta	pouco	antes	de	topar	com	o	grupo	das	meninas.
Foi	a	primeira	vez	que	realmente	pude	notar	que	algo	estava	diferente	nos	olhos	que
me	examinavam.	Algo	que	não	estava	ali	antes.
Conversamos	normalmente,	mas	sabe	quando	você	sente?
Eu	sentia	que	ela	me	olhava	diferente.
No	dia	seguinte	a	encontrei	correndo	na	minha	rua.
Usando	uma	 roupa	bem…	atrativa,	podemos	dizer.	Uma	 legging	colada	e	camiseta
justinha.	
—	Você	correndo?	—	Perguntei,	curioso.
—	Claro!	Eu	sempre	corro.
Sério?	Ela	achava	que	eu	iria	acreditar	nisso?
—	Eu	nunca	vi	você	correndo.
—	Isso	significa	que	não	presta	atenção	em	mim?
A	encarei,	metade	fascinado	e	metade	achando	aquilo	engraçado.
—	Porque	está	fazendo	isso,	Mary?	Você	não	precisa	disso.
—	Me	senti	inspirada	por	você.	Você	parece	muito	saudável.
—	Onde	 quer	 chegar	 com	 isso	 tudo?	—	Cruzei	 os	 braços	 e	 arqueei	 a	 sobrancelha
esperando	uma	resposta.
—	Eu	espero	que	você	me	acompanhe	até	em	casa.	—		disparou.
Em	parte	eu	não	entendia.	Apesar	de	ser	deslumbrado	por	aquela	menina	há	anos,	eu
não	 via	 uma	 forma	 de	 algo	 acontecer.	 Não	 podianegar	 que	 me	 sentia	 completamente
atraído	por	ela,	mas	minha	consciência	dizia	que	aquilo	não	era	para	mim.
Ao	mesmo	 tempo,	eu	me	questionava	se	não	estava	pensando	demais	a	 respeito	de
algo	tão	simples.	Caramba,	era	só	 leva-la	em	casa.	A	casa	que	ficava	do	lado	da	minha,
mas	que	por	algum	motivo	o	destino	fazia	com	que	nos	esbarrassemos	sempre	há	algumas
quadras	dali,	sempre	fazendo	com	que	eu	sentisse	vontade	de	acompanha-la.
Bem,	ela	não	me	notava	antes,	mas	algo	me	dizia	que	notava	agora.
—	Tudo	bem,	vamos	lá.
Caminhamos	até	a	 frente	da	 sua	casa,	 tudo	nos	conformes,	 eu	 sempre	não	sabendo
exatamente	o	que	dizer	com	medo	de	falar	alguma	idiotice,	etc.	Ela	sempre	espontânea	e	à
vontade,	como	se	o	mundo	fosse	seu	parque	de	diversões.
E	aí	foi	a	hora	do	beijo.
Foi	tudo	bem	parecido	com	a	primeira	vez,	só	que,	dessa	vez,	teve	beijo.
—	Tchau,	Dean	—	As	palavras	saíram	de	seus	lábios,	doces	como	um	chocolate.	
Me	 perdi	 em	 seus	 olhos	 verdes,	 tentando	 não	 confundir	 as	 coisas,	 mas	 se	 não
arriscasse,	jamais	saberia.
E	por	isso	naquela	ocasião,	fui	eu	quem	deu	o	primeiro	passo	ao	me	aproximar.
E	não	estava	enganado.
Pude	perceber	isso	através	do	brilho	em	seu	olhar,	cheio	de	expectativa.	Um	sorriso
se	escondendo	atrás	dos	lábios,	os	quais	sonhei	por	tanto	tempo.
Levei	 o	 polegar	 e	 o	 indicador	 ao	 queixo	 dela,	 trazendo-o	 para	mim,	 sem	 nenhum
receio.	Por	incrível	que	pareça,	naquele	momento,	eu	não	tive	medo.	Eu	fiz	o	que	queria
fazer	e,	ao	mesmo	tempo,	fiz	o	que	ela	queria	que	eu	fizesse.
—	Tchau,	Mary	—	respondi	baixinho	e	a	beijei.
E	foi…	uau.	Foi	como	conquistar	um	sonho.
Um	sonho	que	eu	sonhava	há	muito	tempo.
Senti	 sua	 boca,	 úmida,	 se	 abrindo	 de	 encontro	 à	 minha.	 Senti	 os	 braços,	 que	 me
puxavam	em	direção	ao	céu,	e	não	 tive	medo	de	 ir	em	frente.	Minha	mão	a	 tomou	pela
nuca,	 e	meus	 dedos	mergulharam	nas	 ondas	 dos	 seus	 cabelos,	 tão	macios.	 Ela	 era	 toda
macia.
Não	a	beijei	como	um	garoto,	nada	disso.	Eu	sabia	muito	bem	o	que	estava	fazendo	e
estava	gostando.	Verdade	seja	dita,	eu	estava	adorando.	Os	dedos	dela	faziam	cócegas	na
minha	nuca,	roçando	aquela	área	sensível,	ora	devagar,	ora	intensa.	Em	poucos	minutos	eu
estava…	eu	estava…	bom,	não	tem	outra	maneira	de	dizer	isso.	Eu	estava	duro.
E	Mary	gostou	disso.	Gostou	de	saber	que	tinha	algum	poder	sobre	mim,	um	tipo	de
poder	 luxurioso	e	 atraente.	Ela	gostou	da	 reação	do	meu	corpo	em	 relação	a	 seu	 toque,
gostou	quando	a	apertei	contra	mim	e	me	deu	liberdade	para	tocá-la,	para	percorrer	suas
costas,	sua	cintura,	para	escorregar	as	mãos	sobre	a	sua	bunda	como	se	nossos	corpos	se
conhecessem	há	muito	tempo	e	estivessem	apenas	esperando	para	se	fundirem	novamente.
E	estávamos	conectados,	ah	se	estávamos.
Não	sei	dizer	por	quanto	 tempo	nos	beijamos.	Mas,	no	final,	 sua	expressão	parecia
ser	de	surpresa.
—	Dean…	—	ela	arfava,	passando	a	língua	sobre	os	lábios	como	se	tivesse	acabado
de	provar	algo	muito	saboroso.	—	Até	mais.	—	disse,	se	afastando	devagar.
Eu	não	disse	nada,	apenas	acenei	com	a	cabeça	enquanto	tentava	controlar	o	tremor
que	se	instalava	nas	minhas	pernas.	Meus	olhos	não	conseguiam	parar	de	olhá-la	enquanto
ela	retrocedia	com	a	mão	sobre	os	lábios.
De	repente,	me	pegando	de	surpresa,		ela	voltou	correndo	e	saltou	para	o	meu	colo,
tomando	meu	rosto	entre	as	mãos	e	me	abocanhando	fervorosamente.
	
	
—	Você,	 e	 minha	 irmã,	 hein?	—	Minha	 amiga	 assassina	 gótica	 mencionou,	 mais
como	uma	tirada	sarcástica	do	que	como	uma	pergunta	em	si,	enquanto	organizávamos	os
instrumentos	na	sala	de	música.
—	Não	estamos	juntos,	não	exatamente.
—	Ah	eu	sei,	pode	acreditar.	—	Ela	riu	baixo.
Aquilo	de	certa	forma	me	incomodou,	pois	apesar	de	estarmos	mais	próximos,	ainda
não	existia,	digamos,	uma	 intimidade	 intensa	para	que	pudéssemos	 falar	 sobre	 isso	 sem
que	eu	me	sentisse	um	tanto	invadido.
Timidez	é	uma	merda.
—	Eu	sei	o	que	está	pensando.
—	 Ah	 é?	—	 April	 me	 encarou,	 com	 aquele	 olhar	 inquisidor.	—	 O	 que	 eu	 estou
pensando,	Dean?
Respirei	fundo	e	torci	o	lábio,	não	querendo	responder,	mas	já	respondendo.
—	Você	acha	que	não	vai	dar	certo.
—	Eu	nunca	disse	isso.
—	Mas	é	o	que	está	pensando.	Te	conheço.
Ela	parou	no	lugar.
—	Aí	é	que	você	se	engana.	—	Refutou	—	Você	não	me	conhece.
	
	
Não	sei	se	você	já	percebeu,	mas,	eu	sou	quieto.	Sou	na	minha.
Se	 tem	 uma	 coisa	 que	 eu	 não	 fiz	 foi	 ficar	 correndo	 atrás	 da	 Mary	 como	 um
cachorrinho.	Tínhamos	nos	beijado	uma	vez,	okay,	nada	demais.
Nada	 mesmo,	 além	 da	 garota	 dos	 meus	 sonhos	 ter	 me	 beijado,	 me	 deixado	 meio
ensandecido	e	depois	disso	ter	sumido.
Eu	não	esperava	nada	diferente.	Nossos	mundos	eram	diferentes	e	por	mais	que	ela
tenha	gostado	e	eu	sei	que	gostou,	isso	não	quer	dizer	nada.
Continuei	 com	minha	 rotina,	 continuei	 correndo.	 As	 vezes	 a	 encontrava,	 as	 vezes
não.
April	medonha	não	disse	mais	nada	a	respeito.	Depois	da	nossa	conversa	ela	trancou
a	língua	com	uns	cinco	cadeados	diferentes	e	realmente	não	pronunciou	uma	única	palavra
a	respeito.
Se	eu	 fiquei	mais	platonicamente	apaixonado?	Certamente.	Pois,	dessa	vez	não	era
algo	tão	inalcançável,	era	tão	palpável	que	eu	ainda	era	capaz	de	sentir	o	gosto	dos	lábios
doces.
Certa	 noite	 cheguei	 em	 casa	 e	 encontrei	 Mary	 nas	 escadas	 da	 frente,	 como	 se
estivesse	me	esperando.
Ela	levantou	rapidamente	assim	que	me	viu	e	limpou	as	mãos	na	legging	preta	como
se	estivesse	tentando	afastar	a…		vergonha?	Timidez?	Eu	sei	lá	o	que	era,	mas	era	possível
notar	seu	nervosismo.
—	Olha	só,	eu	sei	que	te	devo	uma	explicação…	—	iniciou,	mas	a	cortei	de	imediato.
—	Você	não	me	deve	nada.
—	Não,	eu	devo	sim.	Você	sabe	disso,	sabe	que	aquele	dia	não	foi	um	dia	qualquer,
sabe	que	nos	conectamos.
—	Ah	é?	E	qual	sua	desculpa	para	ter	ignorado	essa	suposta	“conexão”	nos	últimos
dias?
—	Eu	estava	com	medo!
Me	poupe,	se	poupe,	nos	poupe.
—	Eu	te	juro	que	só	a	minha	cara	parece	ser	de	trouxa,	Mary	Anne	Sanders,	porque
eu	não	sou.	Invente	outra	desculpa,	soa	menos	falso.
Dei	as	costas	 indo	em	direção	a	porta	de	casa,	mas	ela	segurou	meu	braço	fazendo
com	que	voltasse	a	encará-la.
—	Dean,	eu	estou	falando	sério.	Desculpe	se	o	magoei,	mas	não	estou	acostumada	a
ser	tratada	assim	e	isso	me	assusta	em	você.
—	Assim?	Assim	como?
—	Como	se	eu	 fosse	preciosa,	 importante.	Você	não	me	olha	como	um	objeto	que
quer	 pegar	 e	 provar,	 você	 me	 olha	 de	 uma	 maneira	 que	 não	 sei	 explicar.	 Quando	 nos
beijamos	aquele	dia…	eu…	eu	não	paro	de	pensar	nisso.
Aquilo	de	certa	 forma	me	pegou	de	surpresa	e	o	garoto	apaixonado	dentro	de	mim
estava	tremelicando	ao	ouvir	aquelas	palavras.
Eu	não	sabia	o	que	dizer.
—	Me	desculpe.	—	Pedi	—	Isso	é	novo	pra	mim,	Mary.	—	Exalei	—	Confesso	que
também	adorei,	 afinal	 eu	 te	 adoro	 há	muito	 tempo,	mas	 não	 há	 como	negar	 que	 somos
diferentes.
—	Você	está	me	rejeitando?	—	Sua	expressão	parecia	desapontada.
—	Eu	nunca	rejeitaria	você,	mas	acho	que	talvez	você	mesma	não	faça	ideia	do	que
quer.
—	E	você	faz?
—	Eu	sempre	tive	certa	ideia	do	que	queria.
—	E	eu	estava	incluída?
Ri	baixo.
—	É,	pode-se	dizer	que	sim.
Ela	desviou	o	olhar	como	se	pensasse	em	algo	pra	dizer.
—	Acho	que	se	 tem	alguém	aqui	que	precisa	avaliar	escolhas,	esse	alguém	é	você,
Dean.	Eu	pensei	por	muitos	dias	antes	de	finalmente	vir	até	você	e	o	que	você	faz?	Me
joga	fora.
—	Não	é	bem	assim…
—	 É	 assim.	 Me	 senti	 especial	 estando	 com	 você,	 mas	 como	 você	 mesmo	 disse,
nossos	mundos	 são	diferentes,	 não	 é	mesmo?	E	pelo	que	posso	ver,	 você	não	 está	 com
vontade	alguma	de	fazer	algo	a	respeito	disso.
—	Mary…
Ela	já	começava	a	retroceder,	descendo	as	escadas.
—	Não.	Você	não	quer	o	que	 tenho	aqui	—	Apontou	para	o	peito,	no	 lado	onde	o
coração	batia	—	Então	o	deixarei	em	paz.
Aquilo	disparou	um	pequeno	alarme	dentro	de	mim.
Eu	a	queria	mas,	mas…	mas	o	quê?
Ela	havia	conseguido	me	desestruturar	e	me	fazer	sentir	culpado	com	apenas	algumas
palavras	e	então	eu	nãovia	uma	maneira	de	fazê-la	ficar	quando	a	vi	se	afastando.
—	Mary!	—	a	chamei	completamente	em	vão.
Ela	havia	me	deixado	em	frente	a	porta	com	um	peso	nos	ombros	e	uma	leve	dor	no
coração.
	
	
Precisava	esquecer	aquilo,	afinal,	eu	é	quem	iniciei	dando	as	cartas.	Apesar	de	ela	ter
me	procurado,	minha	 ideia	 inicial	não	estava	de	 todo	errada.	Não	parecíamos	certos	um
para	o	outro	e	eu	não	fazia	ideia	de	que	a	coisa	poderia	ser	tão	recíproca	assim.	Caramba!
Quem	iria	imaginar?	Logo	eu,	por	que	eu?
“Você	me	olha	diferente.”
Por	que	ela	não	podia	falar	as	coisas	de	forma	mais	exata?
Agora	mais	do	que	nunca	eu	não	conseguia	parar	de	pensar	nela	e	de	me	sentir	mal
por	a	ter	julgado	superficial.	Sim,	foi	o	que	fiz.	A	considerei	diferente	de	mim,	justamente
por	ela	ser	mais	especial	e	interativa.	Por	rir,	por	fazer	amigos,	por	se	divertir,	por	sair	com
outros	caras.	O	que	eu	esperava?	Uma	virgem?		Santo	Deus,	não	estamos	mais	no	século
passado.
Eu	estava	pensando,	pensando,	pensando.
Queria	parar	de	pensar,	mas,	por	ventura,	meus	pais	estavam	naquele	final	de	semana
fazendo	sua	costumeira	maratona	de	filmes	antigos.	E	que	merda,	eles	 tinham	escolhido
La	 Bamba	 e	 eu	 adorava	 esse	 filme.	 Inevitavelmente,	 parei	 na	 escada	 quando	 estava
voltando	da	cozinha	e	assisti	um	pedaço,	pois	eu	gostava	de	cada	maldita	música	daquele
filme.	E	Donna,	a	paixão	de	Ritchie	Valens	no	filme,	naquele	momento	me	lembrou	tanto
da	minha	 própria	 paixão	 de	 cabelos	 loiros,	 que	me	 senti	 ainda	mais	 estúpido	 por	 estar
pensando	sem	parar	no	que	eu	havia	deixado	escapar.
Donna	estava	para	Ritchie	assim	como	Dean	estava	para	“fracassado.”
Subi	para	o	meu	quarto,	cheio	daquela	inspiração	melodramática	que	faz	os	artistas
escreverem	músicas	maravilhosas,	no	entanto,	não	tive	vontade	de	criar	nada.
A	 única	 música	 que	 embalava	 meus	 pensamentos	 era	 a	 que	 Ritchie	 cantou	 para
Donna	em	uma	cabine	de	telefone,	quando	estavam	separados.
	
“Eu	tinha	uma	garota
Donna	era	o	nome	dela
Desde	de	que	ela	me	deixou
Eu	nunca	mais	fui	o	mesmo
	
Porque	eu	amo	a	minha	garota
Donna,	onde	você	pode	estar?
Onde	você	pode	estar?”
É…	é	isso	mesmo	que	você	está	pensando.
Patético.
	
FAÇA	OS	VAGALUMES	DANÇAREM
	
	
“Kiss	me
Beneath	the	milky	twilight
Lead	me
Out	on	the	moonlit	floor
Lift	your	open	hand
Strike	up	the	band	and
Make	the	fireflies	dance
Silver	moon	sparkling
So,	kiss	me”
(Kiss	me	—	Sixpence	None	the	Richer)
	
Seguindo	em	frente…
Depois	 de	 muito,	 muito	 tempo	 mesmo,	 April	 finalmente	 me	 deu	 seu	 número	 de
telefone.	Um	telefone	que	eu	nunca	havia	visto	e	que	só	poderia	enviar	mensagens	quando
ela	 me	 enviasse	 primeiro,	 pois,	 as	 vezes	 “por	 algum	motivo	 estranhamente	 bizarro”,	 o
negócio	não	funcionava.
Era	a	condição.
—	Você	é	algum	tipo	de	agente	secreta?	—	Brinquei.
Ela	levou	a	mão	a	peito.
—	Oh	meu	Deus!	Como	você	descobriu?!
Comecei	a	rir	da	tamanha	cara	de	pau	e,	apesar	disso,	ela	ainda	não	me	contava	nada
além	do	que	acreditava	que	eu	precisasse	saber.
De	certa	 forma	ainda	éramos	como	estranhos,	 eu,	um	ser	humano	normal	 tentando
me	aproximar	de	um	gato	arisco.
—	Você	vai	ir	no	baile	dos	ex-alunos?	—	indaguei
Ela	me	encarou	com	uma	expressão	de	tédio.
—	Olha	minha	cara.	—	apontou	o	dedo	para	o	próprio	rosto	—	Essa	cara	parece	a	de
alguém	que	gosta	de	bailes?
Analisei	o	que	ela	disse	enquanto	a	examinava	por	completo.
É,	“assassina	gótica”	não	parecia	alguém	que	gostava	de	qualquer	coisa	em	especial
além	de	música	e	filmes	velhos.
—	Vai	ter	música.	—	Provoquei.
—	E	daí?
—	Você	pode	dançar.
—	Eu	passo.	Sou	completamente	dura,	tão	dura	quanto	um	violão	empenado.
—	Um	violão	empenado	pode	ser	consertado.
—	Dependendo	do	estrago,	não	vale	a	pena.	—		piscou.
—	Então	não	tenho	com	quem	ir.
—	Vai	com	sua	diva	loira,	oras.
—	Ah	eu	iria,	mas	dei	mancada,	agora	ela	está	brava	comigo.
—	Faz	charme,	todo	mundo	adora	um	charme.
—	Eu	não	sei	fazer	isso.
—	Então	faça	ciúmes,	sei	lá,	pega	alguém	na	frente	dela,	essas	coisas	idiotas	que	as
pessoas	fazem.
—	Err..	 não.	Prefiro	 ficar	 em	casa	do	que	me	humilhar	publicamente	por	 algo	que
nem	sei	se	vai	dar	certo.
—	Qual	é,	Dean.	Você	gosta	dela	desde	sempre,	a	quem	está	querendo	enganar?
A	encarei	um	tanto	surpreso.
—	 Quem	 é	 você,	 garota	 otimista	 e	 o	 que	 fez	 com	 a	 menina	 pessimista	 assassina
gótica	que	mora	nesse	corpo?	—	Questionei	brincando.
Ela	cruzou	os	braços.
Estava	pensando,	eu	podia	perceber	por	sua	expressão.	A	questão	era:	No	quê?
Fazendo	uma	careta,	April	me	olhou	com	uma	cara	que	não	pude	 identificar	como
assassina	ou	coisa	parecida.
—	 Vai	 ficar	 me	 devendo.	 —	 Foi	 tudo	 o	 que	 a	 ouvi	 dizer	 enquanto	 apontava	 o
indicador	acusadoramente	em	minha	direção.
Aquilo	 me	 despertou	 de	 certa	 forma,	 afinal,	 o	 que	 aquela	 cabecinha	 estava
maquinando?
	
	
Quando	a	vi	saindo	pela	janela,	na	noite	do	baile,	tive	que	me	conter	para	não	gritar
compulsivamente…	de	tanto	rir.
Dado	o	conjunto	da	roupa	de	freira	com	aquele	óculos	 incomparável,	April	parecia
uma	noviça	assassina,	agora	nem	tão	gótica	e	talvez	um	pouco	hippie.	Mas	vindo	dela,	eu
sabia	exatamente	a	quem	aquela	fantasia	fazia	referência…
—	Eu	não	acredito	que	você	se	fantasiou	de	Deloris!
—	Porque?	Humpf,	sou	original,	e	ninguém	pensaria	em	se	fantasiar	de	Deloris.
Eu	estava	surpreso,	e	com	muita	vontade	de	rir.
—	Quantas	vezes	você	assistiu	Mudança	de	Hábito?
Ela	pareceu	pensar.
—	Você	diz	nessa	semana?
—	Na	vida!
—	Essa	é	uma	coisa	que	não	pode	ser	colocada	em	números.	—	Encolheu	os	ombros.
—	Apesar	de	amar	Mudança	de	Hábito,	preciso	dizer	que	Deloris	dá	de	dez	a	zero
em	você	com	essa	roupa,	minha	nossa,	April,	você	está	tenebrosa!	E	meu	Deus,	por	que
está	saindo	pela	janela?
—	Estou	de	castigo.	—	Respondeu	com	um	aceno	de	mão,	como	se	aquilo	não	fosse
nada.
—	Tenho	até	medo	de	perguntar	o	que	você	fez	para	estar	de	castigo.
—	Fiz	uma	tatuagem.
—	Tatuagem?!	Com	autorização	de	quem?
—	Você	já	foi	mais	esperto,	Dean,	porque	acha	que	estou	de	castigo,	idiota?	Vamos
logo,	não	posso	demorar.
Ela	me	 chamou	de	 idiota	 e	 eu	 achei	 demais.	Devo	 ser	 o	 único	 ser	 humano	que	 se
contenta	com	uma	ofensa,	mas	é	que	depois	de	entrar	na	sala	de	música	pela	primeira	vez
e	 me	 ouvir	 tocar,	 essa	 foi	 a	 única	 vez	 em	 que	 pude	 ver	 um	 pouco	 mais	 dessa	 pessoa
chamada	 April,	 que	 convive	 comigo	 de	 maneira	 estranha	 e	 misteriosa	 e	 por	 vezes…
engraçada.
	
	
Chegamos	 ao	 baile	 lá	 pelas	 22:30	 e	 logo	 nos	 embolamos	 na	 multidão	 que	 havia
dentro	 do	 ginásio.	Mencionei	 que	 o	 tema	 do	 baile	 era	 sobre	 filmes	 que	marcaram	 uma
geração?	O	slogan	dizia:	Qual	filme	marcou	sua	adolescência?
Acho	 quase	 impossível	 escolher	 apenas	 um.	 E,	 enquanto	 April	 estava	 vestida	 de
Deloris	Van	Cartier,	eu	usava	a	roupa	característica	de	Ferris	Bueller	em	Curtindo	a	vida
Adoidado.	E	isso	incluía	o	óculos	e	o	corte	de	cabelo.
—	E	aí	irmã	Mary	Clarence,	o	que	fazemos	agora?
—	Eu	disse	para	minha	irmã	que	você	pretendia	fazer	algo	especial	hoje	e	meio	que
dei	a	entender	que	esperava	que	ela	viesse	ao	baile	para	ver	o	seu	fiasco,	 já	que	eu	não
poderia	testemunhar	essa	humilhação	pessoalmente.
—	O	quê?!
—	Foi	o	que	eu	disse.
—	Estou	me	sentindo	humilhado.
—	Minha	irmã	adora	um	homem	se	humilhando,	vai	por	mim.
—	Me	recuso.
—	Bobo,	eu	dizer	algo	não	quer	dizer	que	você	vai	fazer.
—	Então	poderia	me	explicar	que	raio	se	passa	nessa	cabeça?	O	que	planejou?
—	Na	verdade	eu	não	planejei	nada,	mas	pelo	que	pude	atestar,	Mary	Anne	realmente
gosta	de	você.
—	Ela…	gosta?
—	Gosta.	Não	sei	o	quanto	ou	de	que	maneira	e	nem	porque	se	interessou	por	você,
ou	 talvez	 eu	 saiba,	mas	 isso	 não	 vem	 ao	 caso,	mas,	 de	 alguma	 forma,	 ela	 gosta	Dean.
Mary	gosta	de	você.
—	E	o	que	devo	fazer	a	respeito	disso?
—	Faça	os	vagalumes	dançarem.	—	piscou	um	olho.
Ela	 me	 deixou	 no	 meio	 da	 pista	 sem	 entender	 porcaria	 nenhuma.	 Meus	 olhos	 a
seguiram	e	a	vi	apontara	cabeça	em	outra	direção.
A	direção	que	me	levava	a	garota	dos	meus	sonhos.
Quando	a	vi,	não	pensei	em	mais	nada.
Lá	estava	eu,	sério,	no	meio	do	ginásio	encarando	a	menina	pela	qual	era	apaixonado
desde	 os	 treze	 anos.	 E	 ela	 me	 olhava	 de	 volta.	 Os	 cabelos	 loiros	 em	 um	 penteado
inesquecível,	o	vestido	branco	adornando	suas	curvas	e	o	batom	vermelho	preenchendo	os
lábios.
Marilyn	Monroe.
Eu	não	fazia	ideia…
Tudo	ainda	parecia	uma	visão	para	mim	e	meu	coração	batia	um	pouco	acelerado.
Depois	da	última	vez	em	que	nos	falamos,	não	fui	capaz	de	encarar	o	rosto	dela,	de	dizer
que	fui	um	idiota.	Fiquei	parado,	vendo-a	suspirar,	talvez	em	decepção,	já	que	meu	corpo
não	se	mexia.
—	 Senhoras	 e	 senhores!	 —	 Uma	 voz	 nasalada	 emergiu	 do	 palco.	 —	 A	 próxima
canção	 é	 dedicada	 a	 uma	 garota	 muito	 especial.	 A	 mais	 bonita	 do	 salão,	 diga-se	 de
passagem.	Um	presente	do	garoto	de	jaqueta	de	couro	e	suéter	estranho	para	a	belíssima
Marilyn	Monroe!
Ao	ouvir	isso,	olhei	para	o	palco	e	vi	a	maldita	Deloris	e	sua	roupa	de	freira	usando	a
máscara	do	filme	Pânico.	Meu	Deus.
Alerta	de	assassina	a	solta!
—	Senhoras	e	senhores,	—	ela	dizia	com	a	mão	sobre	o	nariz,	por	baixo	da	máscara,
fazendo	 com	 que	 o	 som	 de	 sua	 voz	 soasse	 completamente	 fanho	—	 garotos	 e	 garotas,
peguem	seus	pares.	É	hora	de	fazermos	os	vagalumes	dançarem!
A	 introdução	 de	 “Kiss	 me”	 começou	 e	 no	 mesmo	 instante	 observei	 Mary	 me
encarando	com	uma	expressão	de	surpresa	e	emoção.
Me	vi	andando	até	ela	como	se	meus	pés	flutuassem.
—	Você…	como	sabia	da	música?	—	seus	olhos	brilhavam.
Olhei	para	o	palco,	enquanto	a	freira	maluca	cantava	algo	que	havia	dedicado	para	a
garota	a	minha	frente	e	foi	então	que	liguei	os	pontos.
—	Um	serial	killer	me	contou.	—	respondi
Mary	ficou	confusa	e	só	então	me	dei	conta	da	asneira	que	havia	dito.
O	bom	é	que	ela	mal	prestava	atenção	em	algo	ao	redor	naquele	minuto.
Seu	rosto	demonstrava	que	estava	amolecida,	e	como	April	havia	dito,	pude	perceber
que	aquela	menina	de	cabelos	claros	realmente	não	era	indiferente	a	mim,	pelo	contrário.
Nos	 olhamos	 por	 algum	 tempo	 antes	 de	 finalmente	 cortarmos	 toda	 a	 distância	 e
aproximarmos	nossos	rostos	um	do	outro.
Afaguei	sua	bochecha	e	vi	um	sorriso	nascer	em	seus	lábios	antes	de	beijá-la.
E	tudo	isso	enquanto	os	vagalumes	dançavam.
	
“Beije—	me
Sob	o	crepúsculo	enevoado
Conduza—	me
Pelo	chão	enluarado
Tire—	me	para	dançar
Comece	o	baile	e	faça
Os	vaga—	lumes	dançarem
Como	faíscas	de	lua	prateada
Então,	beije—	me”
	
Depois	daquela	noite,	as	coisas	mudaram	entre	Mary	e	eu.
Eu	estava	dando	uma	chance	não	apenas	a	ela,	mas	a	mim	mesmo	e,	francamente,	eu
era	jovem	demais	para	estar	tão	preocupado	com	meu	futuro	amoroso.	
Fazíamos	 coisas,	 apesar	 de	 nossas	 diferenças.	 Íamos	 ao	 cinema	 por	 mais	 que
não	 gostássemos	 dos	 mesmos	 filmes.	 Também	 não	 gostávamos	 das	 mesmas	 músicas,
mas	 era	 interessante	 o	 modo	 que	 minha	 “namorada”	 me	 olhava	 quando	 eu	 estava
divagando	sobre	algo.		Ela	me	observava,	como	se	estivesse	me	admirando.
Gostava	 de	me	 apresentar	 para	 as	 pessoas	 que	 conhecia	 quando	 esbarrávamos	 em
alguém.	Ela	agia	como	se	eu	fosse	alguém	extrovertido	e	acostumado	a	estar	sendo	visto
por	 todo	 mundo.	 Era	 algo	 com	 o	 qual	 eu	 não	 estava	 adaptado,	 pois	 sempre	 tive	 certa
vergonha	 de	 ser	 notado.	 Cara	 quieto,	 eu	 disse.	 No	 entanto,	 era	 isso,	 fazer	 um	 mero
esforcinho	ou	não	poder	andar	ao	lado	da	minha	“namorada…”
Estávamos	namorando	mesmo,	caramba.
Me	sentia	por	vezes	deslocado,	mas	aos	poucos	comecei	a	conhecer	o	pessoal	e	até
fiz	 alguns	 novos	 amigos.	 Até	 que	 ponto	 essa	 amizade	 era	 verdadeira	 nunca	 poderei
afirmar.	
Enquanto	 isso,	April	e	eu	continuávamos	nos	encontrando	da	mesma	maneira,	mas
confesso	que	infelizmente	isso	começou	a	diminuir	com	o	passar	do	tempo.		Ao	passo	que
eu	estava	mais	próximo	da	garota	dos	meus	sonhos,	 ia	me	distanciando	da	minha	antiga
nova	melhor	amiga.
Queria	buscá-la,	contar	coisas,	dizer	que	estava	tudo	bem	e	que	sempre	poderíamos
continuar	 fazendo	 música.	 Contudo,	 não	 aconteceu	 dessa	 forma.	 A	 senhorita	 “cabelos
escuros”	 nunca	 foi	 de	 facilitar	 as	 coisas.	 Era	 possível	 que	 nossa	 suposta	 amizade,
inclusive,	fosse	algo	inexistente	para	ela,	algo	que	existia	somente	na	minha	cabeça.
As	 vezes	 ela	 sumia	 e	 ficava	 dias	 sem	 aparecer	 na	 escola	 ou	 até	 mesmo	 em	 sua
janela.		Em	outras	vezes,	tudo	parecia	nos	conformes,	só	que	diferente	de	alguma	maneira.
Eu	 já	 sabia	 que	 essa	 conduta,	 essa	 forma	 de	 agir,	 era	 algo	 dela.	 Entretanto,	 ainda
assim,	o	cara	que	a	 tinha	conhecido	na	sala	de	música	no	ano	anterior	 tinha	vontade	de
questionar	o	que	fazia	as	coisas	serem	tão	estranhas.		
Quando	ela	retornou	depois	do	último	sumiço,	fui	obrigado	a	questionar.
—	Seis	dias.	Quem	morreu	nesse	período?	
—	Minha	alma,	bú!	—	ela	rebateu	minha	pergunta	com	um	sorriso	sarcástico.		
As	vezes	April	 era	 completamente	divertida,	 até	mesmo	se	o	assunto	 fosse	 alguma
desgraça.	Humor	negro,	aquele	corpo	tinha	de	sobra.	
—	Alma…	sei.	Vendeu	ao	diabo?	
—	Não	se	vende	o	que	não	se	tem,	queridinho.	
—	Tá	ficando	estranho.		
—	O	quê?	
—	Esse	papo.	Você	sempre	transforma	coisas	coloridas	e	fofas	em	coisas	obscuras.		
—	Uh,	eu	posso	ser	uma	bruxa	disfarçada.	
—	De	agente	secreta	e	assassina	gótica	para	bruxa…	boa.	Me	lembre	de	não	acreditar
em	nada	do	que	você	diz.	
Ela	riu.	
—	Agora	falando	sério…	—	continuei	—	o	que	houve	nesses	dias?
Ela	desviou	o	olhar	momentaneamente,	como	se	soubesse	o	que	 responder,	mas	ao
mesmo	 tempo	 não	 quisesse	 fazê-lo.	 A	 expressão	 pensativa,	 o	 cenho	 franzido,	 tudo
indicando	que	ela	estava	decidindo	o	que	dizer.	
—	Estava	doente,	Dean.	
—	Doente?	
—	É.	
—	Que	tipo	de	doença?	
—	Ah,	nada	demais.	Doença	normal,	daquelas	sem	cura,	saca?	
Arregalei	meus	olhos	sentindo	uma	palpitação	dentro	de	mim.	
Então	a	cretina	riu	de	novo.	
—	Não	estou	achando	engraçado.	—	adverti
—	Vai	por	mim,	ria	enquanto	podemos.	
—	Que	merda	é	essa?	Tá	falando	sério?	O	que	você	tem?	
—	Eu	não	posso	 te	 contar.	—	Seu	 semblante	 passou	de	divertido	 a	 consolador.	—
Não	 se	preocupe,	Dean,	 eu	não	vou	morrer.	Minha	doença	não	está	no	 corpo,	 ela	mora
aqui	—	apontou	o	indicador	para	a	cabeça	—	e	aqui.	—	Então	apontou	para	o	coração.	
—	Você	é	maluca	—	Me	vi	dizendo	em	voz	alta.	
—	Eu	nunca	disse	que	não	era.	—	Piscou	em	resposta.	
Depois	disso	acho	que	insisti	pelo	resto	do	dia,	ou	melhor,	da	semana,	para	saber	o
que	estava	acontecendo,	mas	sua	resposta	era	sempre	a	mesma.
Silêncio.	Um	silêncio	tão	profundo	que	chegava	a	ser	perturbador.	
Sequer	 podia	 perguntar	 a	 Mary,	 pois	 sempre	 brigávamos	 quando	 o	 nome
de	April	vinha	à	 tona.	Mary	 tinha	um	ciúme	doentio	da	 irmã	e	 isso	estava	mais	 intenso
naquela	época,	pois	minha	namorada	havia	reprovado	nas	provas	e	teria	que	repetir	o	ano.
Algo	não	estava	bem	com	ela	e	isso	a	deixava	irritada,	mas	o	bom	é	que	agora	estaríamos
no	mesmo	ano,	o	que	facilitava	 tudo,	pois	estaríamos	mais	perto	e	 teríamos	mais	 tempo
juntos	—	mesmo	que	esse	 tempo	fosse	 invadido	pelas	aulas	que	compartilhávamos	com
April.	 Realmente	 tinha	 algo	 estranho	 entre	 as	 duas	 e	 para	 que	Mary	 e	 eu	 pudéssemos
conviver	de	maneira	tranquila,	eu	não	falava	mais	do	que	o	necessário	a	respeito	de	April.
Meus	 questionamentos	 foram	 guardados	 para	 mim	 mesmo,	 esperando	 que	 algum	 dia
minha	vizinha	assassina	gótica	os	esclarecesse.		
	
	
Voltando	 a	 parte	 romântica	 da	 minha	 vida,	 eu	 e	 minha	 namorada	 (Marylinda)
estávamos	cada	dia	melhores.	Eu	estava	me	sentindo	bem,	de	verdade.	Era	um	adolescente
fazendo	 coisas	 que	 adolescentes	 devem	 fazer,	 como	 se	 divertir	 e	 aproveitar	 as	 coisas.
Lembrando	que	ficar	em	casa	quando	se	deve	sair	não	ajuda	em	nada.	Essa	parte	foi	um
tanto	difícil	para	mim,	 já	que	sempre	fui	um	pouco	 introvertido	com	relação	aos	outros,
principalmente	se

Continue navegando