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Padre Fernandes de Santanna - O Evangelho Segundo S Mattheus

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S. MATTHEUS
PERFIL DE JESUS CHRISTO
Desenhadopor Perret segundouma terra-cocta encontradanas catacumbas
de Santa Ignez
FADRE SANTANNA
O EVANGELHO
SEGUNDO"."
S. MATTHEUS
(Com gravuras, mappas e plantas)
G>==>==>)
LISEOA
Tipographia º EDITORA)
Largo Conde Barão, 5o
19OQ
Ei º 2 q o
\/
HARVAND COLLEGE LIBRARY O
COUNT OF SANTA EULALIA
COLLECTION
GIFT OF
10hn a srETse", li
,
00T 4 1922
Com approvação d
a
auctoridade ecclesiastica
PRE FA CIO
A presente obra não é um commenta
rio em forma, philologico e historico-critico,
sobre o Evangelho de s. Mattheus.
As suas aspirações são muito mais mo
destas. E apenas uma traducção despre
tenciosa do texto evangelico, acompanhada
da analyse do mesmo texto e d'algumas
notas explicativas. Ainda assim nunca me
resolveria a publicá-la, se a larga conva
lescença da operação, que me prostou a IO
de maio do anno findo, me não tivesse
dado vagar para isso, e se fortes instancias
de amigos do Evangelho me não tivessem
forçado a pegar na penna para este genero
de trabalhos.
A traducção, sem ser verbalmente servil,
é singela, fiel e literal. Serve-lhe de base o
texto latino da Vulgata, editado por Ver
cellone, por Brandscheia e tambem, com al
VI PREFACIO
guns melhoramentos, por Hetznauer, sem
descurar a grande edição critica de llor
asworth. Mas este texto latino, como o leitor
poderá verificar, foi constantemente com
parado com o texto grego, com a authen
ticidade grega, como diria s. Xeronymo.
Servi-me para isso, ordinariamente, das
edições manuaes de Brandscheia, de Hetz
nauer, de Nestle e de Balyon.
A analyse vai sufficientemente indicada
nas notas, divididas em paragraphos, se
gundo as diversas secções indicadas na
Introducção.
•
Quanto ás notas, tive unicamente em
vista facilitar ao leitor a intelligencia literal
do texto, indicando aqui e ali uma ou outra
applicação pratica. Vão sem apparato cri
tico e Scientifico, sem as discussões e dis
sertações proprias dos grandes commen
tarios, mas nem por isso parecerão inuteis.
São apenas um subsidio para a leitura e
meditação intelligente do texto evangelico;
por isso quiz que fossem sobrias, breves,
claras e substanciosas.
Tal é o fim, bem modesto, que tive em
vista; se o attingi ou não, vê-lo-ha o leitor,
PREFACIO • VII
Quem desejar mais e melhor, poderá con
sultar os grandes commentarios de Fillion,
de Schanz, de Maas, e o do meu sabio
mestre, amigo e collega o Padre Knaben
bauer, um dos meus iniciadores nos estu
dos biblicos.
Lisboa, 1 de janeiro de 1909.
*
|
INTRODUCÇÃO
§ 1º — S. Mattheus
No primeiro Evangelho (9, 3-13) fala-se da voca
ção d'um certo publicano, por nome Mattheus
(M25325%, nos codices mais antigos; Mz=32ão, nos codi
ces posteriores), que mais adeante (1o,3) vem con
tado entre os apostolos, onde occupa o oitavo lo
gar, depois de Thomé, e é tambem denominado
Mattheus, o publicano. Os outros catalogos dos apos
tolos omittem o epitheto pouco honroso de publica
no, e nomeam no, o dos Actos (1, 13) em oitavo
logar, os de s. Marcos (3
,
18) e d
e
s. Lucas (6
,
15)
n
o
setimo. Este publicano, que só se denuncia pela
sua humildade, é o auctor d
o primeiro Evange
lho.
A historia da sua vocação vem narrada nos tres
Synopticos (Mt. 9
,
3-13. Mc. 2
,
13-17. Lc. 5
, 27-32),
cujas narrações concordam plenamente em tudo,
menos n
o
nome d
o publicano, que em s. Marcos
(2
,
14) e em s. Lucas (5, 27) é chamado Levi. Esta
pequena divergencia bastou para que alguns pro
testantes e racionalistas, aliás contraditados por
*
X INTRODUCÇÃO
muitos outros, negassem a identidade de Mattheus
e de Leví, contra o parecer unanime da alta anti
guidade christã.
A existencia de individuos com dois nomes dif
ferentes não era coisa rara entre os Judeus, nos
tempos posteriores; comtudo não se pode averiguar
se o publicano, chamado por Jesus Christo, já en
tão era conhecido pelos dois nomes de Mattheus e
de Leví, ou se só mais tarde, em memoria talvez
da sua conversão ou vocação, adoptou o nome de
Mattheus (r= ou "sne, dom de Iáhve, ou nes o fiel),
pelo qual era conhecido no collegio apostolico e na
christandade primitiva.
Os publicanos— cobradores ou arrematadores
dos direitos de barreira— constituiam uma classe á
parte, devidamente organizada, e eram detestados
pelos Judeus, que os tinham na conta de peccado
res publicos e escandalosos, cuja convivencia devia
ser evitada pelos zeladores da le
i
e amigos d
a na
ção. As injustiças e vexames, que elles commet
tiam n
o
exercicio d
a
sua profissão, aliás licita, e a
sua contínua convivencia com gentios, a cujas idéas
e costumes facilmente se amoldavam, explicam o
desprezo geral em que eram tidos.
Em Capharnaúm, centro do apostolado de Jesus
na Galiléa, teve Mattheus muitas occasiões de ver
e ouvir a Jesus, e a sua alma estava-lhe tão affei
çoada e tão bem disposta, que, mal o Senhor o cha
mou para ser seu discipulo, abriu logo mão do
oficio, e seguiu a Jesus, dando-lhe em sua honra
um grande banquete, em que tomaram parte, além
INTRODUcÇÃO XI
dos outros discipulos de Jesus, muitos dos seus col
legas.
Desde esta epoca a vida de s. Mattheus confun
de-se com a dos outros apostolos, e nada se sabe
que lhe seja especial. Pela narração evangelica e
pelo cargo que exercia, vê-se que era homem de
certos haveres, conhecedor das linguas grega e ara
maica, e com certa facilidade de as escrever. O
primeiro Evangelho revela-o um espirito meditativo,
profundo, versado no Antigo Testamento, particu
larmente no estudo das prophecias messianicas.
Segundo Clemente Alexandrino, evangelizou a Pa
lestina durante 15 annos, assignalando-se pela aus
teridade da sua vida, pois só se alimentava de her
vas e de legumes.
Ignora-se qual fo
i
o seu campo de actividade fóra
d
a Palestina. Os escriptores ecclesiasticos e os apo
cryphos trazem informações tão discordantes que
nem vale a pena mencioná-las. O Breviario romano,
seguindo a Rufino e a Socrates, diz que evangelizou
a Ethiopia, nome que nestes auctores deve designar
a região a
o
sul d
o mar Caspio. As egrejas latina e
grega veneram-no como martyr, mas não se sabe
onde e com que genero d
e
morte faleceu.
§ 2.° —0 auctor do primeiro Evangelho
O primeiro Evangelho é conhecido desde a mais
alta antiguidade pela designação d
e segundo Mat
theus, xxx? Masºzio». Era assim que os Evangelhos
eram conhecidos e allegados em todas as commu
XII INTRODUCÇÃO
nidades christãs pelo meado do segundo seculo, uns
5o annos portanto depois da morte do ultimo apos
tolo, s. João. Na grecidade posterior a preposição
xzcz, segundo, com accusativo, equivalia ao genetivo
(725 M.) de auctor, e era neste sentido que estes titulos
foram impostos aos Evangelhos. (*)
Neste tempo já a palavra sºzinº, evangelho, ti
nha o sentido de livro onde se contem a doutrina
(*) Evangelho, sòz}}<Xºy é uma palavra grega, que tendo si
gnificado, no periodo classico, desde Homero até Plutarco,
alviçaras ou sacrificio em acção de graças por uma boa nova,
veio por fim, no grego post-classico, a ter o sentido etymolo
gico de boa nova. EÕzysXºy é composto de -5
,
bem, e de &#32;,
mensageiro, o
u 3##XXo, annunciar. Assim define Suidas a pa
lavra n
o
seu Lexicon: sòzyyé).tow r% x%XXtarz &##Xoy.
E sempre neste ultimo sentido de boa nova que a palavra
se encontra n
o
Novo Testamento, quer d'um modo generico,
talvez em Eph. 1
,
3
, quer no sentido especifico de doutrina d
a
redempção por meio de Jesus Christo, doutrina que é real
mente, entre todas, a boa nova por excellencia. A caracteris
tica d’esta boa nova é o ter sido annunciada pelo proprio
Jesus Christo (Heb. 2
,
3
). \,
Só mais tarde, quando a doutrina da redempção, depois de
ter sido ensinada de viva voz, foi posta por escripto, é que se
deu tambem o nome de evangelho aos livros em que o
s apos
tolos e o
s
seus discipulosnos transmittiram por escripto a
doutrina da redempção, que o collegio apostolico foi encar
regado de annunciar a todas as gentes.
E
'
só neste sentido de livro escripto que a palavra evange
lho se emprega no plural, para designar o
s
livros de s. Mat
theus, de s. Marcos, de s. Lucas e de s. João, o
s unicos, neste
genero, que a Egreja venera como canonicos desde a epoca
apostolica.
INTRODUCÇÃO XIII
da redempção prégada por Jesus Christo. Como
nos livros do Novo Testamento o genetivo depois
de sòzmáxº designa o auctor da boa nova da redem
pção, que é Deus ou Jesus Christo, o objecto d’ella
ou a sua destinação, não pareceu bem adoptar o
genetivo de auctor e preferiram-lhe a circumlocução
mais appropriada — segundo Mattheus, (…: M.). O
evangelho é um só, embora os que o annunciaram
de palavra ou puzeram por escripto sejam muitos.
E um facto hoje scientificamente estabelecido
que o nosso Evangelho (o mesmo vale dos outros
tres), pelo meado do segundo seculo, era conhecido
em todas as communidades christãs, que o venera
vam e allegavam como Escriptura, e como obra ge
nuina de Mattheus, o publicano, que vem nomeado
em todos os catalogos dos apostolos. Os homens
mais eminentes d'esta epoca estão todos d'accordo
sobre este ponto, e fundam-se, não em conjecturas,
mas na tradição certa que lhes fo
i
legada por aquel
les que conheceram pessoalmente o
s apostolos o
u
o
s
seus discipulos immediatos.
Basta citar, como exemplo, o nome d
e
s. Ireneu,
bispo d
e Lyão, e discipulo, na Asia menor, de
s. Polycarpo, discipulo do apostolo s. João. E nesta
epoca admittia-se, como principio fundamental, para
o qual se appelava em todas as controversias, que
só se devia admittir como genuinamente christã a
doutrina communicada á Egreja pelos apostolos.
Tudo o mais era novidade profana ou heresia.
O testemunho explicito mais antigo sobre o Evan
gelho escripto pelo apostolo s. Mattheus é o d
e
XIV INTRODUcÇÃo
s. Papias, bispo de Hierapolis, contemporaneo e
amigo de s. Polycarpo. Conheceu tambem e tratou
pessoalmente com Aristion e o apostolo s. João, de
que s. Ireneu o chama discipulo (Ioá…º 3x2977), e é
provavel que tambem conhecesse o apostolo s. Phi
lippe, cujas filhas viu em Hierapolis. •
Da sua obra, em cinco livros, intitulada A2}{ow
xºcºxõw &#íase, «Explanação dos oraculos do Senhor»,
só nos restam alguns fragmentos, citados por Euse
bio na sua Historia Ecclesiastica. Falando do apos
tolo s. Mattheus diz: Mz=52ão: viv 05
,
#228 32Xíxtº r?
X&Y… awaye%zz: «Mattheus escreveu em lingua hebraica
o
s oraculos» do Senhor.
No grego ecclesiastico, modelado pelo grego bi
blico, X&Y…», não tem o sentido restricto de dito ou
sentença, mas significa a palavra de Deus escripta,
o
s
oraculos divinos contidos nos livros sagrados.
Assim em s. Clemente romano, discipulo dos apos
tolos, r? X#2:35 Oscº, «os oraculos d
e Deus», são a sa
grada Escriptura. O mesmo s. Papias falando de
s. Marcos diz que elle escreveu aówrx㺠rõ
w
xºçaxõw XoYíow
«uma coordenação dos oracnlos dó Senhor», na qual
se continham r? O
n
º
rçõXçarç5 # Xey.5évrzi rçz%3évrz, «as coi
sas o
u ditas ou feitas pelo Christo». Ora este é o
argumento d
e
todos o
s Evangelhos; e quadra-lhes
bem o nome de **, porque nelles os discursos de
Jesus Christo constituem a sua parte principal.
Erraram pois os que, apoiando-se em s. Papias,
pretenderam afirmar que s. Mattheus escreveu, não
o nosso Evangelho, mas uma simples collecção de
ditos de Jesus, coisa absolutamente desconhecida
INTRODUCÇÃO XV
de toda a antiguidade, que nunca teve noticia d'ou
tro escripto de s. Mattheus, distincto do nosso Evan
gelho.
A estes testemunhos explicitos, accrescem os tes
temunhos indirectos dos escriptores anteriores (dos
fins do primeiro e principios do segundo seculo),
onde se encontram frequentes allusões e citações
textuaes, sem nome do auctor (como era costume
da época), que só se encontram no Evangelho de
s. Mattheus. A Didaché, 8,32% ou Doutrina dos doze
apostolos, opusculo escripto na segunda metade do
primeiro seculo, em 8o 9o, o monumento mais an
tigo da literatura christã, está cheia de ditos de Je
sus, e a maior parte, taes com vem no Evangelho
de s. Mattheus. Estes são allegados com as clausulas:
«como ordenou o Senhor no seu Evangelho», ó:
êx#avasy & xópio; º riº sºzymexíº zºr:#, ou «como tendes no
Evangelho», ó: #re º riº sºziyº, que só podem refe
rir-se a um texto escripto conhecido por todos. A
Didaché é o documento mais antigo onde a pala
vra sºzni)…», evangelho, se encontra n
o
sentido d
e
livro escripto.
Encontram-se egualmente citações de s. Mattheus
n
a Epistola de Barnabé, attribuida ao apostolo
d’este nome, e escripta n
o tempo d
e Nerva (96-98)
o
u
d
e
Domiciano (8o-96), n
a Epistola aos Corin
thios d
e
s. Clemente romano, terceiro successor d
e
s. Pedro, do anno 9o 99, nas Cartas de s. Ignacio,
bispo d
e Antiochia, discipulo dos apostolos, marty
rizado em Roma no tempo de Trajano (98 117), na
Carta de s. Polycarpo, bispo de Smyrna, discipulo
B
XVI INTRODUCÇÃO
#
do apostolo s. João e mestre de s. Ireneu, martyri
zado em 155 ou 156, no Pastor de Hermas, es
cripto em Roma pelo anno 14o- 155.
S. Justino, philosopho pagão, convertido, na Asia
menor, antes de 132 e martyrizado pelo anno 165,
que tambem emprega a palavra sºziné?…» no sentido
de livro, nas suas duas Apologias, escriptas pelo
anno 15o, e no Dialogo com o Judeu Tryphon, com
posto antes de 161, cita com frequencia as Memo
rias dos Apostolos, que se chamam Evangelhos, os
quaes foram escriptos pelos apostolos e seus disci
pulos. Encontram-se nelle numerosas citações de
s. Mattheus, contendo doutrinas e factos da vida
de Jesus Christo.
Taciano, discipulo de s. Justino em Roma, que
veio depois a ser o chefe dos Encratitas, deixou no
seu Diatessaron (?
?
&
&
!soa%ço" — o Evangelho com os
quatro) uma harmonia evangelica, onde se encontra
o Evangelho de s. Mattheus.
Até os herejes d’estes primeiros tempos conhe
ciam e citavam o nosso Evangelho. Basilides escre
veu, pelo anno 125-13o, um commentario em 2
4 li
vros sobre o Evangelho. Um dos Evangelhos nelle
citados era o d
e
s. Mattheus. Cerintho e Carpocra
tes, n
o começo, e o
s Valentinianos, pelo meado do
segundo seculo, tambem se serviam de s. Mattheus.
Celso, philosopho pagão, chamado «o Voltaire do
segundo seculo», n
a
obra que escreveu contra o
christianismo cita o
s
nossos Evangelhos, e nomea
damente certos factos que só se encontram n
o Evan
gelho d
e
s. Mattheus.
INTRODUCÇÃo XVII
Estes dados da critica externa são confirmados
pelos da critica interna, que, só por s
i,
é bastante
deficiente, subjectiva e variavel. O exame philolo
gico d
a linguagem (vocabulario e syntaxe), o
s conhe
cimentos geographicos e historicos que o auctor sup
põi o
u manifesta, a situação religiosa, politica e
social dos Judeus, que representa, o modo como
fala de Jesus Christo, etc., tudo isto demonstra suf
ficientemente que o primeiro Evangelho fo
i
escripto
para o
s judeo-christãos por um homem, inteira
mente esquecido d
e
si mesmo e devotado a Jesus
Christo, judeu de nação, que vivia na Palestina, e
fo
i
contemporaneo dos factos que refere, e que elle
mesmo observou pessoalmente o
u
lhe foram referi
dos por testemunhas oculares. A critica interna não
pode ir mais além.
Comtudo é nella que se fundam os racionalistas
para porem em duvida a origem apostolica d
o pri
meiro Evangelho. Cada um, segundo o seu feitio e
mentalidade, construe a priori um typo do que de
veria ser o primeiro Evangelho se fosse realmente
obra d'um apostolo, e não achando depois n
o Evan
gelho esses caracteres imaginarios e presuppostos,
rejeita o livro como espurio, attribuindo o a um re
dactor desconhecido que impoz a sua obra a toda a
Egreja sob o pseudonymo de Mattheus!
Holtzmann, por exemplo, condemna o livro:
1
.º porque não segue a ordem chronologica, 2.
º por
que emprega com frequencia expressões vagas e
indeterminadas; 3.
º
porque narra milagres, que
reputa contos fabulosos,indignos d'um apostolo!
XVIII INTRODUCÇÃo
B. Weiss, Jülicher e outros alegam razões de egual
valor scientifico, que tambem são, pela sua inepcia,
uma confirmação da verdade historica, scientifica
mente demonstrada, que elles, com desdoiro do seu
saber e talento, pretendem em vão invalidar.
§ 3.° — Lingua original e destinação
do primeiro Evangelho
No testemunho de s. Papias, citado no § 2º, diz
se que s. Mattheus escrevera o seu Evangelho no
dialecto hebraico, 3çz!$ 3,2%ixº; e s. Papias accres
centa que a principio, emquanto não houve traduc
ção grega universalmente reconhecida, cada qual
procurava interpretá-lo como podia, %víwsuas 3'zºr &;
?» Swx”, fazato. Os escriptores ecclesiasticos antigos
são unanimes sobre este ponto. Basta citar, para
exemplo, os nomes de s. Ireneu, de s. Epiphanio,
de Origenes, de Eusebio de Cesaréa, de s. Jeronymo
de s. Cyrillo de Jerusalem, e de s. Chrysostomo.
Este consenso unanime, que não é um simples
echo do dito de s. Papias, como pretendem alguns
racionalistas, representa a tradição bem averiguada
da Egreja primitiva sobre a origem do primeiro
Evangelho.
A despeito das afirmações em contrario de Eras
mo, do cardeal Caetano e de mais alguns moder
nos, ainda hoje é quasi universalmente seguida,
havendo apenas divergencia sobre o que deve en
tender-se por lingua hebraica, se o hebreu antigo,
que no tempo de Christo só era conhecido pelos
INTRODUcÇÃo XIX
rabbinos, ou o aramaico, que, depois do exilio ba
bylonico, ficou sendo a lingua popular da Palestina,
e na qual o evangelho fo
i
prégado por Jesus Christo
e pelos apostolos.
Como todos os antigos concordam em que o pri
meiro Evangelho fo
i
escripto para uso dos judeo
christãos, e o exame do livro assim o demonstra
claramente (*), é pouco provavel que s. Mattheus,
(*) Basta enumerar, entre outros, os seguintes indicios de que
o primeiro Evangelho foi escripto na Palestina, para os judeo
christãos e na lingua popular do paiz:
1
. — As numerosas citações do Antigo Testamento, que no
primeiro Evangelho é allegado mais vezes do que em todos
OS OUltrOS trêS.
-
2
. — As referencias á historia antiga de Israel como figura
do Messias, realizada em Jesus Christo.
3
. — As palavras aramaicas, e costumes judaicos menciona
dos sem explicação alguma, que elucide o leitor; devendo a
s
raras explicações que se encontram n
o Evangelho ser attri
buidas a
o
traductor grego.
4
. — A insistencia e força com que realça a perversidade do
povo judaico e dos seus chefes.
5
. — A insistencia com que se refere á lei, no Sermão do
mOnte. •
•
6
. — A genealogia de Jesus Christo, desde Abrahão e David,
como synthese da historia d
o povo judaico.
7
.— A omissão da missão dos 72 discipulos. •
8
. — A ausencia de palavras latinas, com raras excepções
faceis de explicar.
9
. — A frequencia das expressões reino dos ceos e Filho
d'homem.
1o. — O cuidado com que realça a predilecção de Jesus
pelo povo judaico.
-
XX INTRODUCÇÃO
que os instruira em aramaico, fosse legar-lhes, como
recordação do seu ensino, um livro escripto numa
lingua que elles ignoravam, e em que ninguem
naquelle tempo escrevia. As razões internas allega
das em contrario nada provam, e se tivessem força
probante iriam mais longe do que isso, provariam
até, o que já veio á cabeça d'algum, que o proprio
Jesus Christo prégou o Evangelho em latim!
Quanto ao original aramaico, esse teve a sorte da
egreja palestinense, e desappareceu juntamente com
ella, depois das guerras de Tito e Adriano (132-137).
Dos christãos, uns emigraram, e fundiram-se com as
communidades gregas, cujos textos, lingua e usos
adoptaram, outros vieram a cahir na seita dos Ebio
nitas, onde o Evangelho aramaico se conservou,
bem como entre os Nazareus, até aos principios
do quinto seculo, mas já desfigurado com varias
alterações e interpolações. •
Este Evangelho era conhecido na antiguidade
christã pelo nome de Evangelho segundo os Hebreus,
segundo os Navareus ou segundo os Ebionitas.
Os proprios Nazareus de Beroé, na Syria, mostra
ram um exemplar a s. Jeronymo (+ 42o), que o co
piou e traduziu para grego e latim. A bibliotheca
de Cesaréa, pelos fins do quarto seculo, tambem
possuia um exemplar. S. Panteno, fundador da ce
lebre escola de Alexandria, onde floresceram Cle
mente, seu discipulo, collega no ensino e successor,
e Origenes, evangelizando a Arabia, achou tambem
ali uma antiga christandade, fundada por s. Bar
tholomeu, que ainda conservava o Evangelho aramai
INTRODUcção xx1
co, que d’elle recebera. Panteno faleceu pouco antes
do anno 2oo, com universal reputação de homem
eminente na sciencia das Escripturas.
Hoje causa nos certa extranheza que estes homens
eminentes não fizessem mais diligencias para recons
tituir e nos conservar o texto aramaico primitivo,
o que para nós seria um subsidio de immenso valor.
Mas esta extranheza dissipa-se facilmente, se con
siderarmos que a traducção grega actual, a unica
que apparece citada nos documentos mais antigos,
remonta á epoca apostolica, e portanto tem todo o
valor e força d'um texto original.
O primeiros christãos tinham o culto da idéa,
mas estavam muito longe d'aquella superstição da
palavra, que, materialmente considerada, era me
ramente humana e não inspirada por Deus. Por
isso não tinham duvida, na transcripção dos codi
ces, em substituir palavras desconhecidas por outras
mais inteligiveis, e até de lhes introduzir aqui e
alli certas glossas explicativas, que a sciencia critica
pode facilmente discernir. Esta, como é sabido, é,
além dos erros proprios dos copistas, uma das cau
sas principaes das variantes, que se encontram nos
codices, e cuja origem, longe de ser posterior, re
monta aos primeiros tempos do christianismo.
§ 4.° — Fontes do primeiro Evangelho
Não é possivel, hoje, por falta de documentos,
averiguar como é que s. Mattheus escreveu o seu
Evangelho e quaes os subsidios de que se serviu.
XXII INTRODUCÇÃo
Visto que só fo
i
chamado mais tarde, quando Jesus
já estava estabelecido em Capharnaúm, que veio a
ser a sua cidade, não poude, como o
s primeiros
discipulos, ser testemunha ocular de todos os factos
d
a vida d
e Jesus, desde o baptismo de João até á sua
morte e resurreição.
Dos factos posteriores á sua vocação não preci
sava elle d'outras fontes d
e
informação porque tinha
sido testemunha ocular de quasi todos elles, menos
d
a
resurreição d
a
filha de Jairo (9
,
18-26), d
a trans
figuração (17,1-9), d
a agonia d
e Jesus (26, 36-46) e
d
e
mais algumas particularidades, que podia saber
pelos outros apostolos, que d’ellas foram testemu
nhas. Estes mesmos o podiam informar dos factos
que precederam a sua vocação, porque os primeiros
discipulos sahiram da escola o
u
dos ouvintes d
o Ba
ptista, e seguiram a Jesus logo depois do seu ba
ptismo. • •
Da infancia de Jesus é que nenhum apostolo foi
testemunha, mas, depois d
a
resurreição e ascenção
d
e Jesus, todos elles conviveram com a Mãe de Je
sus, que lhes podia dar todos o
s
esclarecimentos
necessarios.
Complemento de todas estas fontes é o Espirito
Santo, cuja assistencia permanente foi promettida
por Jesus aos apostolos, para lhes ensinar toda a
verdade (Jo. 16, 13), que Jesus desejava communi
car á sua Egreja, e suggerir-lhes tudo quanto elle
mesmo, em vida, lhes tinha ensinado (Jo. 14, 26).
Só resta a genealogia que, como documento official
achava-se, parte n
a Biblia, parte nos archivos publi
INTRODUCÇÃO XXIII
cos e particulares, pois não havia judeu que não
pudesse provar, com documentos á vista, a familia
e tribu a que pertencia.
Como os apostolos, antes de se dispersarem, se
conservaram durante alguns annos na Palestina,
trabalhando juntos na conversão dos Judeus, na or
ganização e instrucção da Egreja nascente, e só
muito mais tarde é que dois d'elles, por motivos
particulares, escreveram o Evangelho, é provavel
que ou elles mesmos ou antes muitos dos seus dis
cipulos escrevessem, para as conservarem, as dou
trinas de Jesus e os factos da sua vida, que consti
tuiam o objecto dacatechese apostolica. S. Lucas
(1
,
2
) diz-nos que realmente foram muitos o
s que,
desde o principio, procuraram coordenar em narra
ções seguidas o
s
factos e ensinamentos ouvidos nas
prégações apostolicas. S
.
Mattheus não precisava
d’estes documentos, mas tambem não repugna que
o
s utilizasse, pois ninguem melhor do que elle po
dia verificar a sua exactidão e corrigi-los onde por
ventura se desviassem da verdade. Se de facto se
serviu d'elles o
u não, é coisa que nós não podemos
determinar, nem h
a
n
o Evangelho indicio algum
d’isso.
§ 5.° — Data do primeiro Evangelho
*
E
'
impossivel determinar com exactidão a epoca
em que fo
i
escripto o Evangelho de s. Mattheus.
Pode dizer-se com certeza que fo
i
escripto antes d
a
ruina d
e Jerusalem (anno 7o), que vem prophetizada
n
o capitulo XXIV, sem o mais leve indicio do seu
XXIV INTRODUCÇÃo
cumprimento. Por outra parte o modo como fala do
nome imposto ao cemiterio comprado com as moe
das de Judas (27, 8
),
e d
o
boato falso espalhado
pelos synedristas sobre o roubo d
o corpo d
e Christo
pelos apostolos (28, 15), d
á
bem a entender que já
tinham decorrido alguns annos depois d
a
morte d
e
Jesus, e bastantes para estas circumstancias pare
cerem dignas d
e
nota. S
e
nos fosse possivel precisar
este numero d
e annos, teriamos juntamente com o
anno 7
o
dois limites extremos dentro dos quaes de
veriamos colocar a data da composição do Evan
gelho.
Os racionalistas não reconhecem estes limites,
mas é por motivos d'ordem subjectiva, inteira
mente alheios a estas questões d
e
critica historica.
Como entendem que não pode haver milagres nem
prophecias, e veem em s. Mattheus a prophecia da
ruina de Jerusalem, sustentam que o vaticinio fo
i
arranjado depois do acontecimento, e dizem que o
Evangelho, cuja authenticidade não admittem, fo
i
escripto, Hilgenfeld e Holtzmann pouco depois do
anno 7o, Weiss e Harnack em 7o-75, Renan depois
d
e 85, Réville em 69 96, Jülicher em 81-90, Volkmar
pelo anno 11o, Baur em 13o-134!
Na falta pois de indicios internos suficientes, é
mais prudente consultar o
s
dados externos, o
s tes
temunhos d
a antiguidade christã. Estes testemunhos
porém não estão d'accordo em tudo. Concordam
todos, sem a mais leve discrepancia, em que s. Mat
theus escreveu o seu Evangelho para os judeo-chris
tãos palestinenses, o que suppõi que o Evangelho
INTRODUCÇÃO XXV
fo
i
tambem escripto n
a Palestina (*), como opinam
o
s antigos exegetas e a maior parte dos modernos.
E tambem sentir commum da alta antiguidade que
o primeiro Evangelho escripto foi o de s. Mattheus.
Clemente Alexandrino, citado por Eusebio, diz que
o
s Evangelhos, que conteem genealogias (Mt. e Lc.)
são anteriores aos outros (Mr. e Jo.).
Não o afirma por conjectura propria, mas basean
do-se n
a
tradição dos antigos presbyteros, ro
w
2,5225=
resogorspoº. Outros, como s. Ireneu, Origenes, Eusebio,
s. Epiphanio e s. Jeronymo, são ainda mais expli
citos, e dizem terminantemente que s. Mattheus foi
o primeiro que escreveu o Evangelho. Todos estes
testemunhos se baseiam na tradição antiga, a come
çar da epoca apostolica.
Quanto á data da composição do Evangelho, já
não h
a
nestes investigadores das origens christãs o
mesmo accordo, nem a mesma precisão. O sentir
mais commum, quasi geral até, d
a antiguidade é
que s. Mattheus escreveu o seu Evangelho pouco
antes dos apostolos deixarem de vez a Palestina
para irem, segundo a ordem de Christo, levar a boa
nova aos outros paizes d
o
mundo. Mas a data da
dispersão o
u
d
o
exodo dos apostolos, como lhe chama
s. Ireneu, é incerta. Uns, com Eusebio, seguido por
(*) Esta circumstancia é expressamente afirmada por
s. Ireneu em um fragmento conservado por Eusebio. Diz que
s. Mattheus é
,
roi: "E6%2íziz,«estando entre os Hebreus», escre
veu o Evangelho y ri
.
!Síz x}röw & x}ézzº, «na propria lingua
d'elles».
XXVI INTRODUcÇÃO
Theophylacto e Euthymio Zigabeno, colocam-na
no anno S." depois da ascensão de Christo, outros,
com Nicephoro Callisto, dão-lhe o anno 15.", ao passo
que o martyr Apollonio, citado por Eusebio, prefere
o anno 12.°, que vem a corresponder ao anno 41 ou
42 da nossa era. S. Jeronymo optou pelo anno 41.
Nestes dados se fundam os que sustentam que o
primeiro Evangelho fo
i
escripto em 36-39 (Patrizzi),
em 4o-5o (Cornely"), em 42-5o (Kaulen), etc. Aberle
escolheu o anno 37; outros attribuem o anno 4
o
á
redacção d
o
texto hebraico, e o anno 6o á versão
grega.
Não faltam porém escriptores, mesmo catholicos,
que attribuam a
o Evangelho uma data posterior,
preferindo o anno 6o-67 (Feilmoser, Hug, Meier,
Schanã, Rose). Zahn, protestante, segue esta opinião
escolhendo o anno 62.
Estes ultimos fundam-se na auctoridade de s. Ire
neu, segundo o qual o Evangelho de s. Mattheus
parece ter sido escripto a
o tempo em que s. Pedro
e s. Paulo fundavam juntos a egreja romana, o que
succedeu em o 1
,
data da primeira vinda de s. Paulo
a Roma. Convem porém observar que o texto em
questão d
e
s. Ireneu chegou até nós truncado, parte
em latim, parte em grego, e que este ultimo fra
gmento, ta
l
como está, não faz sentido perfeito. E
'
mister pois reconstitui-lo, e depois interpretá-lo. Não
é portanto d
e
extranhar que auctores, como Cor
nely e Belser, não vejam nesse texto um obstaculo
serio á opinião dos que attribuem uma data mais
antiga á composicão d
o Evangelho de s. Mattheus.
INTRODUCÇÃo XXVII
§ 6.° — Fim do primeiro Evangelho
Escripto originariamente em aramaico, e desti
nado principalmente aos judeo-christãos, o pri
meiro Evangelho devia necessariamente correspon
der as necessidades e circumstancias especiaes da
egreja da Palestina, fundada e cathechizada pelos
apostolos. Segundo Eusebio, s. Mattheus quiz sup
prir pela sua palavra escripta a falta da sua pala
vra oral. O Evangelho por elle escripto deve ser
considerado como a fixação do Evangelho por elle
prégado aos Judeus.
Ora quaes eram as necessidades especiaes dos
judeo-christãos, cuja fé devia ser confirmada e escla
recida? Quaes tambem as circumstancias dos Ju
deus ainda não convertidos, no meio dos quaes vi
viam os christãos, e aos quaes tambem convinha
levar a luz da verdade ?
A suprema aspiração dos Judeus, em todas as
epocas da sua historia, mormente nesta de que es
tamos falando, era a vinda do Messias, do redem
ptor promettido, do filho de David. Os Psalmos sa
lomonicos, escriptos pelos annos 63-48 antes de
Christo, os oraculos sibyllinos, o livro de Henoch,
o da Assumpção de Moysés, o dos Jubileus, numa
palavra toda a literatura Judaica da epoca im
mediatamente anterior e posterior á de Christo, está
cheia destas esperanças, que, neste tempo, eram
conhecidas até dos proprios gentios.
E portanto evidente que o primeiro cuidado dos
apostolos, quer para converter os Judeus, quer para
XXVIII INTRODUcÇÃO
confirmar na fé os já convertidos, devia ser mos
trar-lhes claramente que aquelle mesmo Jesus que
elles tinham visto e ouvido, e depois rejeitado e cru
cificado, esse mesmo era o Christo, o Messias
promettido aos patriarchas Abrahão, Isaac e Jacob,
e depois a David, e annunciado pelos prophetas.
«Saiba pois com a maior certeza toda a casa de
Israel que a este Jesus, a quem vós crucificastes, a
esse mesmo, Deus o fez Senhor e Christo» (Act. 2,
36). Assim terminava s. Pedro o primeiro discurso
que fez aos Judeus no dia de Pentecostes, quando
o Espirito Santo desceu sobre o collegio apostolico.
Por elle e por outros discursos semelhantes conser
vados nos livros dos Actos podemos fazer idéa do
que era então a prégação apostolica, e do modo
como mostravam aos Judeus a messianidade de Je
sus Christo. Allegavam as prophecias messianicas
nele cumpridas, expunham a sua doutrina, conta
vam os seus milagres, a sua morte e sobretudo a
sua resurreição, de que elles mesmos tinham sido
testemunhas. (cf. Act. 2, 14-36; 3, 12 26; 4, 8-12;
5, 29-32; 7, 2-53; Io, 34 43, etc.)
E exactamente o que se observa em s. Mattheus.
Começa pela genealogia de Jesus Christo (I, I-17),
para mostrar que é descendente de Abrahão e de
David, demonstra o seu nascimento virginal (1
,
18-25), e assim vai mostrando nos successos d
a
sua
vida e d
o
seu apostolado o cumprimento das pro.
phecias messianicas, que allega constantemente, e
mais vezes d
o que nenhum dos outros Evangelistas.
A parte principal do seu Evangelho (4
,
12-13, 58),
INTROLUCÇÃo XXIX
aquella em que se aparta da ordem chronologica
dos factos, para os coordenar segundo uma ordem
logica, appropriada ao seu intento, é consagrada
especialmente á demonstração quasi systematica da
messianidade de Jesus Christo, pela sua doutrina
(5, 1-7, 27), pelos seus milagres (8
,
1-9, 34), pelo
novo reino por elle fundado (Io, I-13, 58).
Mas não bastava provar que Jesus era o Mes
sias, e que todas a
s
circumstancias d
a
sua vida,
gloriosa, sim, mas ao mesmo tempo pobre, humilde,
obscura e padecente, estavam annunciadas nos va
ticinios messianicos, era tambem necessario dar aos
Judeus uma verdadeira idéa do reino messianico,
o
u
d
a
realeza d
e Deus, por que elles tão ardente
mente esperavam. Como os Evangelhos e a litera
tura judaica o demonstram, a idéa da realeza de
Deus era então a mais popular na Palestina, a que
mais enthusiasmava a alma religiosa e patriotica dos
Judeus. Veja-se o alvoroço com que os povoados
acudiram a
o Jordão, quando nelle appareceu um
propheta annunciando a proxima inauguração d
o
reino dos céos ou do reinado de Deus, e a vinda já
imminente do Messias.
Mas a idéa biblica da salvação messianica estava
então, geralmente falando, inteiramente pervertida
pelas doutrinas pharisaicas e pelos livros apocryphos
e apocalypticos. Basta ler o Psalmo XVII dos Sa
lomonicos, obra d'um phariseu tão religioso como
patriota, para ver quaes eram neste tempo as con
cepções messianicas dos Judeus.
A idéa do Deus creador, supremo portanto, unico
\
XXX INTRODUCÇÃO
e universal, definitivamente fixada na alma judaica,
o conhecimento mais vasto do mundo greco-romano
e a correspondente dilatação do horizonte politico,
agora tão vasto como o mundo conhecido, tinham
modificado profundamente as idéas e as aspirações
da nação judaica. Os inimigos de Israel já não
eram, como nos tempos primitivos, os bandos de
beduinos da Idumea, de Moab e de Amon. Os des
potas de Ninive, de Babylonia e de Susa tinham
opprimido duramente o povo judaico. Alexandre
Magno, destruindo o imperio dos Persas, nem por
isso tinha dado plena autonomia aos Judeus, que,
depois d’elle, cahiram sob o dominio dos Ptolemeus
do Egypto e dos Seleucidas da Syria. A insurreição
dos Machabeus levantou momentaneamente os brios
nacionaes, mas esse estado de coisas durou pouco,
e não tardou que o jugo de ferro dos Romanos se
fizesse sentir sobre toda a nação por meio do idumeu
Herodes. Roma estava pois senhora da Palestina, e
a alma nacional estava sedenta de desforra e de
vingança. A fibra religiosa e nacional estremecia ao
ver o sacerdocio, a gloria de Israel, vendido pelos
oppressores aos sadduceus, impios, materialistas e
gosadores. «Iáhve, exclama o nosso phariseu, tu és
o nosso rei, para sempre e eternamente!» E conti
nuando neste tom pede a Iáhve que lhes suscite,
segundo as promessas feitas a seus paes, um rei,
filho de David, que restaurando a monarchia de
Israel, purifique Jerusalem de pagãos, e os exter
mine. Em torno d'este rei agrupar-se-ha um povo
santo, as tribus de Israel santificadas por Deus;
INTRODUCÇÃO XXXI
ele as julgará, e não consentirá que a injustiça ha
bite na terra santa. As tribus antigas serão de novo
reconstituidas; nenhum colono ou extrangeiro habi
tará entre os Judeus. Os proprios pagãos servirão
a Deus, submettendo-se ao seu jugo, e virão em
grandes romarias dos extremos do mundo a Jeru
salem, para ver a gloria do Senhor, trazendo-lhe
como ofertas seus filhos extenuados. •
Tal será o rei-Messias, o ungido do Senhor. Iáhve
é o seu rei, por isso não porá a sua confiança nos
cavallos nem nos cavalleiros; a sua força é o espi
rito de Iáhve, o Espirito Santo, e com uma só pa
lavra da sua bocca ferirá a terra para sempre. Não
haverá mais injustiças, nem impurezas. O auctor
termina protestando o seu lealismo, e pedindo a Deus
que se dê pressa a usar de miseridordia com o seu
povo.
• • •
Taes eram, em substancia, as idéas messianicas
correntes entre os Judeus. O antigo reino de Israel
será restaurado; as tribus dispersas pelo mundo
greco-romano regressarão á Palestina. Jerusalem
com o seu templo, com o seu culto e com a le
i
an
tiga, será o centro d'uma nova theocracia; a realeza
humana, fóra d
e Israel, e os proprios pagãos se
tornarão vassallos de láhve e do seu rei.
Os Alexandrinos são mais universalistas do que
o
s Palestinenses, que, opprimidos pelos Romanos, se
comprazem nos terriveis castigos com que Deus os
vingará dos seus oppressores. Os santos conquista
rão o mundo, não pelas armas, mas, como diz
Philo, pela sua dignidade, beneficencia e força. Toda
C
XXXII INTRODUCÇÃo
a terra, sob o governo dos prophetas, será um jar
dim de delicias; tudo nella será paz, sinceridade e
amor. As proprias feras mudarão de natureza. A
vida humana recuperará a longevidade das eras pri
mitivas, não haverá velhice, nem aborrecimento da
vida, nem dores de parto para as mulheres.
Esta revolução prodigiosa far-se-ha subita e ma
ravilhosamente. Uma intervenção gloriosa de Deus
libertará o seu povo da tyrannia romana, e restau
rará o antigo reino de Israel, que será um reino ao
mesmo tempo de virtude e de immensa felicidade
material, sem mistura de vicios e de males. Os
pagãos maravilhados virão então constituir-se vas
sallos dos Judeus e seus provedores, para attrahir
sobre si com seus ricos presentes as bençãos de
Iáhve. •
Eis o ideal de felicidade que então occupava as
mentes e os corações dos homens. O proprio Jesus
Christo não conseguiu dissipá-lo, e reduzi-lo ás de
vidas proporções. Do mesmo modo que o Precur
sor, Jesus fez do reino dos céos ou da realeza de
Deus a idéa central da sua prégação, mas explicou
melhor a sua natureza, e sobretudo distinguiu me
lhor as duas phases d'esse reino, uma inicial e ter
restre, outra final e celeste.
O reino messianico não se oppõi aos outros rei
nos temporaes; não ha incompatibilidade em ser-se
ao mesmo tempo subdito de Cesar e de Deus, com
tanto que se dê a cada um o que de direito lhe per
tence (22, 21). No Evangelho, Jesus Christo não re
conhece senão dois inimigos: o demonio e o peccado.
INTRODUCÇÃO XXXIII
O demonio é o soberano d'este mundo (Jo. 14, 3o),
o valente que tinha captivado o genero humano (12,
29), e Jesus Christo veio ao mundo para o lançar
fóra d’elle (Jo. 12, 31; 16, 11). Foi contra satanás
que elle travou o seu primeiro combate (4, 1-
1 1);
a sua obra é a destruição d
a
suzerania de satanás
(12, 22-29), e o
s proprios demonios assim o reco
nhecem (8, 28-34).
Cuidavam o
s Judeus que o reino dos céos havia
d
e vir com grande gloria e majestade, que a sua
inauguração seria tão maravilhosa como a da theo
cracia antiga n
o
monte Sinai; Jesus declara-lhes
que o reino dos céos não vem com pompa, que já
está n
o
meio d'elles (Lc. 18, 2o-21), e condemna os
phariseus que nem entram nelle, nem deixam o
s ou
tros entrar (23, 13). A le
i
e o
s prophetas duraram
até João Baptista (11, 13); desde então está inau
gurada a epoca messianica, que durará até a
o
fim
do mundo.
Não menos erronea era a idéa que os Judeus fa
ziam d
a
natureza d
o
reino dos céos, representando-o
como um reino d
e justiça e d
e santidade, sim, mas
a
o mesmo tempo como um reino d
e
toda a sorte d
e
delicias d'ordem material e temporal. Basta ler o
Sermão do monte (5
,
1-7, 28), particularmente as
bemaventuranças (
5
,
3-Io), para se ver quanto se
melhantes ficções são contrarias a
o espirito d
e Je
sus Christo. O espirito de pobreza, de renuncia e
d
e abnegação é a base d
o evangelho; quem o não
tem, não é digno d
o
reino dos céos, não pode ser disci
pulo de Jesus Christo. (6
,
19-23; 8
,
18-22; 19, 16-3o).
XXXIV INTRODUCÇÃOE quanto á propria santidade e justiça, quão dif
ferentes são os ensinamentos de Jesus Christo das
concepções judaicas! A justiça messianica será muito
diferente, da justiça da le
i
antiga, e muito mais ainda
d
a justiça dos mestres religiosos d
e Israel, os escribas
e phariseus, successores de Moysés (
5
,
17"); e o mundo
messianico, longe d
e
ser uma sociedade formada só
d
e justos, é representado como uma sociedade com
posta de justos e de peccadores, e este estado de
coisas h
a
d
e durar até a
o
fim d
o
mundo (cf. 13,
24-3o. 36-43. 47-5o; 25, 1-13).
A sorte tambem reservada, neste mundo, aos
discipulos de Christo está muito longe d'aquelle es
tado geral e permanente de paz, sem guerras, nem
injustiças, nem intrigas, que os messianistas phan
tasiavam. A condição dos discipulos de Christo será
a mesma que a d
o
Mestre. Judeus e gentios hão de
conspirar contra elles, perseguindo-os universal e
constantemente, como se fossem o
s
maiores malfei
tores d
a
humanidade (cf. 5
,
11. 12; 1o, 16-42). Es
tas tribulações, que constituem, para assim dizer, o
estado ordinario do reino messianico na terra (24,
4-13), tomarão n
o
fim dos tempos tal incremento,
que se Deus não as abreviasse ninguem se salvaria
(24, 22). Nada disto porém ha de impedir a pro
pagação e dilatação d
o
reino messianico, que h
a
d
e
crescer, prosperar, fructificar e espalhar-se por
todo o mundo a despeito d
e
todas as tribulações e
perseguições (13, 31-33. 24, 14).
Não menos notavel é a opposição entre o univer
salismo de Jesus Christo e o universalismo judaico.
INTRODUCÇÃO XXXV
Este, apesar de admittir os gentios ao goso das
venturas messianicas, mantem-se sempre no terreno
da theocracia antiga. O reino messianico será um
reino nacional, com territorio proprio na Palestina,
com Jerusalem por capital, com o seu templo, a sua
le
i
e o seu sacerdocio. Os gentios serão apenas
admiradores, vassallos e tributarios dos Judeus.
Nada d’isto subsiste no reino dos céos, prégado por
Jesus.
Os proprios Judeus que se denominavam os fi
lhos do reino, serão lançados fóra d’elle (8
,
11-12.
21, 43), e excluidos dos seus bens até que reconhe
çam a messianidade d
e Jesus Christo (23, 37-39), o
que só succederá n
o
fim dos tempos (17, 11). Jeru
salem e o templo serão destruidos (24, 1-2. 15-21);
a le
i
antiga será substituida pela nova lei; ao sa
cerdocio levitico, com o
s
seus sacrificios de ani
maes, succederá um novo sacerdocio com o sacrifi
cio eucharistico; aos escribas e phariseus, succes
sores d
e Moysés, succederá o collegio apostolico
com o triplice poder de reger, santificar e ensinar a
Egreja de Jesus Christo, contra a qual não prevale
cerão jamais as portas do inferno.
Tal é o reino dos céos na sua origem, e nas pha
ses successivas d
a
sua existencia terrestre, até se es
palhar por todo o mundo. Só então será a parusia
o
u
vinda gloriosa d
o Messias, não para instituir na
terra uma theocracia universal, mas para julgar o
mundo, separando definitivamente o
s
bons dos maus,
e dando a uns e outros o destino eterno correspon
dente a
o
merito d
e
suas obras. E o assumpto do
XXXVI INTRODUCÇÃO
grande discurso eschatologico de Jesus Christo (24,
1-25, 46).
Esta idéa christã do reino messianico, em oppo
sição ás concepções erroneas dos Judeus, é a se
gunda idéa fundamental do Evangelho de s. Mat
theus. Penetra-o inteiramente, desde o Sermão do
monte até ao grande discurso eschatologico, e é a
chave principal para a sua interpretação.
Serve-lhe de necessario complemento a idéa posi
tiva e absoluta do reino dos céos, ou a exposição da
constituição, propriedades e signaes caracteristicos
da nova sociedade religiosa, fundada por Jesus Chris
to. Nenhum dos Evangelhos é tão explicito, nem tem
dados tão abundantes sobre estes pontos fundamen
taes, como o de s. Mattheus. Essa sociedade é a
Egreja, % Exxxxaíz, nome que ficará substituindo o de
reino dos céos ou de reino de Deus. É uma socie
dade visivel, una, indestructivel e jerarchica, fun
dada sobre o collegio apostolico, sob o primado de
Pedro, a quem Jesus deu as chaves do reino dos
céos (16, 13-2o). O collegio apostolico que ha de
durar até á consummação dos seculos, está inves
tido dos poderes messianicos de Jesus Christo, para
ensinar (28, 18-20), reger (16, 13-2o; 18, 15-2o) e
santificar os fieis por meio de ritos sacramentaes
(26, 26-29; 28, 19), e será infallivel no desempenho
da sua missão (18, 17; 28, 2o). Não ha ponto im
portante sobre a natureza, propriedades e caracte
res da Egreja de Jesus Christo que não venha indi
cado em s. Mattheus. Esta é pois a terceira idéa
fundamental e caracteristica do seu Evangelho. Se
INTRODUcção XXXVII
elle insiste tanto sobre ella, mais do que os outros, é
porque os christãos palestinenses, por causa das
idéas judaicas, precisavam de ser particularmente
esclarecidos sobre este ponto, muito mais ainda do
que os convertidos do paganismo, e inteiramente li
vres dos falsos preconceitos messianicos.
Ficava por fim um ponto capital por esclarecer,
que era uma grande pedra de escandalo para os
Judeus não convertidos, e que, não sendo bem com
prehendido, poderia fazer vacillar na fé os proprios
neophytos: era a reprovação do Messias por parte
do seu proprio povo, e a exclusão d'esse mesmo
povo do reino messianico por parte do Messias! Se
Jesus era o verdadeiro Messias, como é que os Ju
deus, que tão ardentemente o desejavam, não só
não o receberam, mas até o rejeitaram e crucifica
ram? Como é que são excluidos do reino messia
nico, sendo chamados em seu logar os gentios?
Esta difficuldade está constantemente presente a
s. Mattheus desde o princípio do seu Evangelho.
Ninguem como ele nos faz penetrar tão a fundo no
estado moral e religioso da nação judaica, para nos
revelar a causa intima e profunda d’este mysterio. A
indiferença religiosa, e a hostilidade positiva para
com o Messias manifestam-se logo desde a infancia
de Jesus, que, mal nascido, teve logo de refugiar-se
em terras extranhas. Herodes e toda Jerusalem fi
caram sobresaltados com a nova do nascimento do
Messias (
2
,
3)! Quando voltou da Egypto, a Judéa,
sua patria, era-lhe tão hostil, por causa de Arche
lau, que teve de retirar-se para a Galiléa, onde v
i
XXXVIII INTRODUCÇÃo
veu, humilde e desconhecido, até dar principio ao
seu ministerio.
O proprio Baptista deu testemunho da perversi
dade dos chefes religiosos de Israel, denunciando
lhes a ruina total e irreparavel que os esperava, se
não fizessem penitencia e mudassem de vida (
3
,
1-12). Longe de se emendarem, obstinaram-se cada
vez mais em sua malicia, e perseguiram constante
mente a Christo. O capitulo XII é consagrado d'um
modo especial á demonstração d'esta perversidade,
que o
s
levou á resolução extrema d
e
darem a morte
a Christo (12, 14). Grande parte do Sermão do
monte é dirigida contra elles. Outros exemplos em
14, 34-15, 2o; 16, 1-12; 21, 12-17, e sobretudo nos
ultimos dias do seu apostolado em Jerusalem, na
sua paixão e resurreição. E
'
mister ter presente o
odio d
e
satanás contra Christo para se comprehen
der a existencia de tanta maldade e obstinação em
corações humanos.
E o povo não era muito melhor-do que os seus
chefes. Vemo-lo, é verdade, acudir pressuroso a ou
vir os ensinamentos de Christo, mas a fé não abre
brécha naquelles corações inconstantes, interessei
ros, fascinados pelas falsas esperanças das glo
rias e venturas temporaes d
o
reino messianico. A
sua indole vem pintada ao vivo em 11, 16-24, e em
13, 53-58. Os proprios gentios, como se viu no
centurião d
e Capharnaúm (8, 5-13), e na cananéa
(15, 21-28), estavam melhor dispostos d
o que elles
para receber o reino messianico. Finalmente, quando
o
s
chefes conspiraram contra Christo, e instaram
INTRODUCÇÃo XXXIX
com Pilatos para que o condemnasse, apesar de o
reconhecer e proclamar innocente, o povo, que pou
cos dias antes o tinha acclamado, esqueceu todos os
seus milagres e beneficios, e preferiu que lhe sol
tassem a Barabbás; quanto a Jesus pediuque o cru
cificassem, e que o seu sangue cahisse sobre elles e
sobre os seus filhos (27, 25)!
Esta terrivel sentença cumpriu-se. O sangue do
Messias cahiu sobre aquelle povo deicida, que fo
i
jus
tamente excluido d
o
reino messianico; e não de vez,
mas até ao fim dos tempos, em que a misericordia
divina h
a
d
e
fazê los regressar á fé e obediencia de
seus paes. -
Estas quatro idéas fundamentaes constituem o fim
d
o Evangelho de s. Mattheus, e dão a chave, o fio
conductor, para a sua genuina intelligencia e inter
pretação.
§ 7.° — Analyse do primeiro Evangelho
As considerações precedentes sobre o fim do
Evangelho de s. Mattheus revelam-nos claramente
a indole do livro. Seria erro considerá-lo, e inter
pretá-lo como uma biographia ou historia d
a
vida
d
e Jesus Christo, nem o livro corresponde a este
intento. O Evangelho, do mesmo modo que a pré
gação apostolica, é uma obra catechetica e doutri
nal, destinada a instruir os christãos e a confirmá
los na fé, d'um modo accommodado á sua indole
especial, e á
s
difficuldades d
o
meio em que viviam.
A historia é apenas a fonte aonde o Evangelista
vai buscar o
s argumentos necessarios a
o
seu intento.
XL INTRODUCÇÃO
Esses argumentos são os ensinamentos de Jesus
Christo, e os diversos factos da sua vida, paixão e
resurreição. Nenhum destes factos é descripto in
dividuadamente, como o faria um historiador; são
apenas allegados summariamente, tanto quanto basta
para o fim que o Evangelista pretende.
Attendendo pois ás fontes, donde o Evangelista
tira os seus argumentos, o Evangelho de s. Mat
theus pode dividir-se em 4 partes, muito desiguaes
na sua extensão: a infancia messianica de Jesus
Christo; a sua vida publica; a sua paixão e morte;
e a sua resurreição. Destas quatro partes, a ultima
é a mais breve, a segunda, a mais extensa de todas.
As tres ultimas são communs a todos os Evange
lhos, a primeira é propria de s. Mattheus e de
s. Lucas.
PRIMEIRA PARTE
Infância messlanica de Jesus Christ0
(1
,
1-2, 23)
Mostra como Jesus Christo é filho de David e de
Abrahão, e como na sua origem virginal, e nos pri
meiros successos d
a
sua vida se cumpriram nelle as
prophecias messianicas.
1
. Genealogia de Jesus Christo................... 1, 1 -17.
2
. Nascimento de Jesus Christo.................. 1, 1825.
3
. Adoração dos Magos......................... 2, 1-12.
4
. Fugida para o Egypto ................. - - - - - - - 2, 13-15.
5
. Morte dos Innocentes ........................ 2, 16-18.
6
. Regresso do Egypto. Nazareth................. 2, 19-23.
INTRODUCÇÃo XLI
SEGUNDA PARTE
Ministºrio public0 de Jºsus Christ0
(3, 1-25, 46.)
Esta segunda parte, consagrada ao ministerio pu
blico de Jesus Christo na Galiléa e na Judéa, pode
dividir-se em varias secções: — 1.
° Preparação para
o ministerio publico de Jesus Christo (3
,
1-4, 1 1);
— 2.° Ministerio de Jesus na Galiléa (4, 12-2o, 34);
— 3.° Ministerio de Jesus em Jerusalem (21, 1-25,
46).
PRIMEIRA SECÇÃO
Preparação messianica
(3,1-4, 11.)
Mostra como o ministerio publico de Jesus Christo
fo
i
precedido d'um Precursor, que o annunciou a
Israel, e o introduziu solemnemente no seu minis
terio, que fo
i
inaugurado por uma victoria de Jesus
contra o demonio, o adversario d
o
reino messianico.
1
. O Precursor................................. 3, 1-12.
2
. Baptismo de Jesus Christo.................... 3, 13-17.
3
. Tentações de Jesus Christo. ................. 4, I - II.
SEGUNDA SECÇÃO
Ministerio de Jesus na Galiléa
(4,12-2o, 34)
Depois d'algumas indicações breves e summarias
sobre o começo d
o apostolado d
e Jesus (4, 12-22),
XLII INTRODUCÇÃO
mostra-nos a Jesus Christo revelando-se como mes
tre e legislador do povo no Sermão do monte (5,
1-7, 29), como thaumaturgo (8, 1-9, 38), e fundador
do collegio apostolico, destinado a substituir os an
tigos chefes religiosos de Israel (1o, 1-42). São os
primeiros fundamentos do reino messianico, do
qual Israel será excluido por causa da incredu
lidade do povo (11, 1-3o), e da obstinação e perver
sidade dos seus chefes (12, 1-5o), faltos de verda
deira religiosidade, e preoccupados com idéas falsas
sobre o reino messianico, cuja natureza e eficacia
explica em uma serie de parabolas (13, 1-58).
Até aqui s. Mattheus teve principalmente em
vista mostrar que Jesus Christo pela sua nova lei,
pelos seus milagres, e pela fundação e destino do
collegio apostolico é o Messias promettido, funda
dor d'um novo reino. Trata-se portanto de estabele
cer a messianidade de Jesus Christo, e não é de
extranhar que o Evangelista se aparte da ordem
chronologica dos factos, e os coordene d'um modo
systematico, segundo o fim especial que se pro
põi.
A partir d’este ponto Jesus começa a subtrahir-se
ao povo para se dedicar mais particularmente á
instrucção e formação do collegio apostolico. Assim,
depois d'uma breve digressão sobre a morte do
Baptista (14, 1-12), s. Mattheus representa-nos a
Jesus Christo instruindo os apostolos sobre a op
posição entre o seu espirito e o dos phariseus (14,
13-16, 12), promettendo o primado a Pedro (16,
13-2O), preparando os apostolos para a sua paixão
INTROIUcçÁo XLIII
(16, 21-17, 26) e para o exercicio das suas funcções
apostolicas (18, 1-3o, 34).
1.— Jesus, legislador, thaumaturgo, fundador d'um novo reino
(4, 12— 13, $8)
A.—4, 12-15. Principios do seu apostolado
Omittindo o primeiro regresso de Jesus para a
Galiléa, depois do baptismo, e a sua ida a Jerusa
lem por occasião da Paschoa, e tudo o que lá se
passou até regressar novamente para a Galiléa (cf.
Jo. 1, 19-4, 54), apresenta-nos logo a Jesus em
Galiléa, reunindo discipulos, que o sigam d'um modo
permanente, e dá-nos uma idéa geral do seu apos
tolado.
1. Volta para a Galiléa.......................... 4, 12-17.
2. Vocação dos primeiros discipulos.............. 4, 18-22,
3. Percorre a Galiléa... ........................ 4, 23-25.
B. —5, 1-7, 29. Sermão do monte
E o maior dos discursos de Christo conservados
no Evangelho, e o que tem mais unidade de pensa
mento. E ao mesmo tempo uma revelação sublime
da dignidade messianica de Jesus Christo, que nelle
se manifesta como propheta, legislador supremo e
mestre. O plano do discurso é o seguinte: — 1º As
bemaventuranças, em que se mostra o caracter e
as condições dos cidadãos do reino messianico, cuja
XILIV INTRODUCÇÃO
espiritualidade é fortemente realçada (5
,
1-1o). Os
versos 1 e 2 são d
o Evangelista, e servem junta
mente com 4
,
23-25 de introducção historica ao
Sermão. — 2.º Relações geraes entre os discipulos
d
e Christo e o mundo (5, 1 I-16).—3.º Jesus Christo
e a le
i
antiga: não vem aboli-la, senão aperfeiçoá
la
,
completá-la, e dar-lhe pleno cumprimento; mos
tr
a
numa serie de exemplos a superioridade d
a
sua
le
i
sobre a le
i
antiga, e a opposição entre a sua jus
tiça e a justiça dos escribas e phariseus (
5
,
17-48).
— 4.
º
Passa depois ás disposições e meios necessa
rios para se alcançar a perfeição messianica, recom
mendando a rectidão de intenção (
6
,
1-18), o desapego
dos bens d
a
terra (
6
,
19-34), o espirito d
e
caridade
(7
,
1-6), a oração (7, 7-11), o espirito d
e mortifica
ção (7, 12-14), e que se evitem o
s
falsos prophetas
7
,
15-23). — 5.º Conclue, mostrando em um con
traste sublime a solidez e estabilidade d
o
edificio
moral edificado sobre a sua doutrina, e a ruina to
tal e irreparavel dos que a ouvem, mas não a pra
ticam (
7
,
24-29). Os versos 28 e 29 juntamente com
8,1 são uma especie d
e
conclusão historica, accres
centada por s. Mattheus para declarar os efeitos do
Sermão no povo.
1
. As bemaventuranças................... . . . . . . 5
,
1—1o.
2
. Os discipulos de Christo e o mundo.......... 5
,
11—16.
3
. Jesus Christo e a lei.................... .... 5, 17-2o.
4
. O quinto mandamento....................... 5, 21-26.
5
. O sexto mandamento...... • • • • • • • • • • • • • • • • • • 5, 27—3o.
6
. O divorcio......... • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 5, 31-32.
7
. O segundomandamento............... ...... 5, 33-37.
INTROLUCÇÃO XLV
8. A lei de talião .................. •••••••• •••• 5, 38-42.
9. O amor dos inimigos........................ 5, 43–48.
ro. A esmola................................ ... 6, 1-4.
11. A oração. O Padre Nosso... ................ 6, 5-15.
12. O jejum.................................... 6, 16 18.
13. Os verdadeiros thesoiros..................... 6, 19-23.
14. Os dois senhores......... ..... • • • • • • • • • • • • • 6, 24-34.
15. Não julgar...... .. .. ...................... 7, 1-6.
16. Pedir instantemente......................... 7, 7 II.
17. A porta estreita ............................. 7, I ?- 14.
1
8
.
Os falsos prophetas ................... ..... 7, 16-23.
19. Contraste final ............................. 7, 24-29.
C.—8, 1-9, 38. Milagres de Jesus Christo
Cita alguns exemplos das obras messianicas de
Jesus Christo, pelas quaes se manifesta o seu poder
sobre a
s
doenças e a morte, que são consequencias
d
o peccado, sobre a
s
leis geraes e o
s agentes d
a
natureza, e sobre os demonios, cujo imperio vinha
destruir. Estas são as obras do Christo, porque dão
testemunho d
e quem elle é
, pois são obras manifes
tamente divinas, que Jesus opera por virtude pro
pria, e não por simples intercessão ou mediação,
como o podem fazer o
s
santos e até os simples fieis.
Encontram-se intercalados nestes milagres o episo
dio dos aspirantes a
o discipulado (8
,
18-22), a vo
cação d
e
s. Mattheus (9, 9-13), uma controversia
com o
s discipulos d
o Baptista (9, 14-17), e a lamen
tação d
e Jesus sobre o abandono do povo (9
,
3638),
que serve de introducção á parte seguinte.
1
. Cura um leproso............................ 8, 1-4.
2
. Cura o servo d'um centurião........... • • • • • • • 8,5-13.
XLVI INTRODUcÇÃo
3. Cura a sogra de Pedro.................. .... 8, 14-17.
4. Condições do discipulado............. ...... 8, 18-22.
5. Acalma a tempestade.......... .............. 8, 23-27.
6. Os possessos gadarenos....... •••••••••••••••• 8, 28-34.
7. Cura um paralytico.......................... 9, 1-8.
8. Vocação de s. Mattheus.......... : : : : : : : : : : : : 9, 9-13.
9. Os discipulos de João...... ••••• ••••••••••••• 9, 14-17.
1o. Resuscita a filha de Jairo.................. ... 9, 18.26.
11. Dá vista a dois cegos........................ 9, 27-31.
12. Cura um possesso mudo... .. ............... 9, 32.34.
13. Lamenta o abandono d
o povo............... . 9, 35-3S.
D
. — 1o, I-13, 58. Jesus fundador d'um novo reino
Esta parte pode subdividir-se em quatro paragra
phos distinctos: — 1.
º
constituição e destino d
o col
legio apostolico (Io, 1-42); — 2.
º
incredulidade d
o
povo (II, 1-3o); — 3.
º
obstinação dos chefes d
o
povo (12, 1-5o); — 4º parabolas do reino messianico
(13, 1-58).
a
. — Io, 1-42. O collegio apostolico
Compadecido do lamentavel estado moral e reli
gioso a que o povo estava reduzido, por culpa dos
seus chefes, que se mostravam cada vez mais con
trarios ao reino de Deus, pensa em prover a grei
d
o Senhor d’outros pastores, mais segundo o cora
ção d
e
Deus. A fundação do collegio apostolico im
porta a abolição da le
i
antiga, baseada sobre o sa
cerdocio levitico. Reune pois o
s doze, e, armados dos
seus poderes sobrenaturaes, manda os em missão,
dando-lhes largas instrucções, que revelam o seu
grande destino até á consummação dos seculos.
INTRODUcção XLVII
1. Constituição do collegio apostolico......... . . . IO, 1-4.
2. Missão dos apostolos. Primeira serie de instruc
ções ..... • •••••••••••• •• ••••••••••••• •... 1o, 5-15.
3. Missão dos apostolos. Segunda serie de instruc
ções. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ... 1
o
,
16-42.
b
. — 11, 1-3o. Incredulidade do povo
Toma Jesus occasião d’uma embaixada do Ba
ptista para revelar mais claramente a sua dignidade
messianica, e dar um bello testemunho em favor de
João. Argue depois a teimosia caprichosa do povo
judaico, e amaldiçôa a
s
cidades incredulas e impe
nitentes onde fizera em vão tantas maravilhas.
Admira e louva os insondaveis juizos de Deus no
modo de trazer o
s povos á fé
,
e compadecido d
e
tamanha cegueira, abre a todos, com palavras d
e
misericordia, o seu bondoso e amante coração.
1
. Legação d
o Baptista ..................... • • • II, 1-6.
2
. Elogio do Baptista................. • • • • • • • • . II, 7-15.
3
. Indole do povo judaico.......... • • • • • • • • • • • • II, 16-19.
4
. Amaldiçôa as cidades incredulas ............. II, 20-24.
5
. Palavras de misericordia.................. ... I I, 25-3o.
c. — 12, 1-5o. Obstinação dos chefes do povo
Peores do que o povo eram os seus chefes reli
giosos. S
.
Mattheus dá-nos aqui alguns exemplos
d
a sua perversidade e d
o
odio systematico com que
perseguiam a Jesus Christo. Como não querem ser
esclarecidos, e continuam sempre a desviar o povo
d
a fé
,
Jesus confunde-os perante o povo, pela sua
D
XLVIII INTRODUCÇÃO
doutrina e pelos seus milagres. Elles porém obsti
nam-se cada vez mais, e resolvem matá-lo, o que
dá occasião a um bello contraste entre a indole de
Jesus e, a dos phariseus, que chegam a attribuir os
milagres de Christo ao demonio! Prediz a sua re
surreição ao terceiro dia, a ruina do povo ju
daico, e, a proposito d’uma visita de sua Mãe e ir
mãos, declara que no reino messianico o parentesco
natural com o Messias de nada vale, mas sómente
o parentesco espiritual, proveniente do cumprimento
da vontade de Deus.
1. A questão das espigas....................... 12, 1-8.
2. Cura um aleijado de mão......... ••••••••••• 12, 9- I 4.
3. Indole de Jesus........... . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12, 15-21.
4. Cura um possesso. — A questão de Beelzebub. 12, 22-37.
5. O signal de Jonas....... •• •••••••••• ••• ••... 12, 38-42.
6. Ruina do povo judaico....................... 12,43-45.
7. A Mãe e os irmãos de Jesus........... ....... 12, 46-50.
c.— 13, 1-58 Parabolas do reino messianico
Não podendo falar claramente do reino messianico
por causa da incredulidade do povo e da obstinação
dos chefes, começa a envolver a sua doutrina em
parabolas, o que causa grande admiração aos seus
discipulos. Nas sete parabolas d’este capitulo de
clara Jesus a natureza do reino messianico, a sua
eficacia e preciosidade, lançando lu
z
sobre o mys
terio d
a
incredulidade judaica, sobre a origem d
o
mal no reino messianico e sobre a sorte final
dos bons e dos maus. Vai por fim a Nazareth,
INTRODUcÇÃo XLIX
mas nem d'esta vez acha fé entre os seus conheci
dos e parentes.
1. Parabola do semeador.......... •••••••••••• 13, 1-9.
2. Porque fala em parabolas................... 13, 1o. 17.
3. Explica a parabola do semeador............. 13, 18-23.
4. Parabola do joio..... •••••••••••••••••••••• 13, 24-3o.
5. Parabolas do grão de mostarda e do fermento 1
3
,
31-33.
6
. Outra razão do seu modo de ensinar......... 13, 34-35.
7
. Explica a parabola do joio.................. 13, 36-43.
8
. Parabolas do thesoiro e da perola............ 13,44-46.
9
. Parabola da rede.......................... . 13, 47-52.
1o. Jesus em Nazareth............. * • • • • • • • • • • • • 13, 53-58.
1
1
.
— Jesus, mestre e doutor do collegio apostolico
>
(14, 1-2o, 34)
Comprehende, além do episodio da morte do
Baptista (14, 1-12), e d
a gloriosa confissão d
e Pedro
em Cesaréa d
e Philippe, o que lhe mereceu a pro
messa d
o primado (16, 13-20), tres partes mais ex
tensas onde Jesus, depois de esclarecer os apostolos
sobre a opposição entre o seu espirito e o dos pha
riseus (14, 13-16, 12), lhes dá instrucções espe
ciaes em vista d
a
sua paixão (16, 21-17, 26), e d
a
missão que hão d
e desempenhar n
o reino messia
nico (17, 27-2o, 3o).
A
. — 4
,
1-12. Morte do Baptista
E uma especie de parenthesis, introduzido no
meio d
a
narração para explicar os receios que a
Herodes Antipas começava a inspirar o apostolado
L INTRODUCÇÃO
de Jesus na Galiléa. Até aqui esta provincia tinha
sido para Jesus um campo livre e seguro d'acção;
mas os phariseus, vindos daJudéa, tinham excitado
os seus collegas da provincia contra Jesus, e como
tambem na côrte de Antipas já havia inquietações,
Jesus achou prudente retirar-se para o territorio de
Philippe, na Palestina transjordanica.
B. — 14, 13-16, 12
.
O espirito de Jesus e o dos phariseus
Continúa Jesus Christo a fazer bem ao povo, mas
procura subtrahir-se aos seus enthusiasmos e ás in
sidias dos phariseus, que o perseguem constante
mente. Por isso não pára em parte nenhuma, mas
anda em excursões continuas como se só esperasse
pelo tempo d
a Paschoa para ir a Jerusalem, e con
summar lá o grande sacrificio.
1
. Primeira multiplicação dos pães............. 14, 13-21.
2
. Acalma a tempestade..................... . 14, 22-33.
3
. Passa por Genmesar.................. ...... 14,34-36.
4
. Hypocrisia dos phariseus................... 15, 1-9.
5
. A verdadeira santidade.......... • • • • • • • • • • • • 15, 1o-2o.
6
. Jesus e a cananéa........................... 15, 21-28.
7
. Volta para o mar de Galiléa................ . 15, 29-3o.
8
. Segunda multiplicação dos pães.............. 15,32-39.
9
. Os signaes dos tempos...................... 16, 1-4.
1o. O fermento dos phariseus e dos sadduceus... 16, 5-12,
C
. — 16, 13-2o. O Primado de Pedro
E uma das passagens mais importantes do pri
meiro Evangelho, e a que melhor nos revela a in
INTRODUCÇÃo LI
dole da verdadeira Egreja de Jesus Christo. Parece
mesmo que Jesus, desde a eleição do collegio apos
tolico não teve outra coisa em vista senão levar os
apostolos ao conhecimento da sua dignidade de
Messias e de Filho de Deus, e de estabelecê-los de
finitivamente nesta fé
.
Tal é a significação e a im
portancia d
a
confissão d
e Pedro.
D
.
— 16, 2 I-17, 26. Prepara os discipulos
para a sua paixão
Assegurada pela confissão de Pedro a fé do col
legio apostolico, começa Jesus a predizer claramente
aos seus discipulos o mysterio da sua paixão, para
que entendessem bem que tudo era ordenação su
perior de Deus, que assim o queria glorificar, e que,
se ia a padecer, não era por ignorancia o
u fraqueza,
mas com pleno conhecimento d
e tudo, e d
e
sua livre
vontade.
1
. Primeira predicção da paixão ............ .. 16, 21-28.
2
. Transfiguração de Jesus............. • • • • • • • • 17, 1-9.
3
. João e Elias................. • • • • • • • • • • • • • • . 17, 1o-13.
4
. Cura um lunatico....... • • • • • • • • • • • • . . . . . . . . 17, 14-2O.
5
. Segunda predicção da paixão......... • • • • • • • • 17, 21-22.
6
. Paga o tributo ao templo.................... 17, 23-26.
E
. — 18, 1-2o, 34. Instrucções dadas ao collegio
apostolico
Grande parte d’estas instrucções sobre os deve
res apostolicos pertencem á ultima viagem que Je
LII INTRODUCÇÃo
sus fez a Jerusalem, passando pela Peréa, para a cele
bração da festa da Paschoa, em que padeceu e morreu.
1. Quem é o maior?.......................... 18, 1-5.
2. Do escandalo.............. •••••••••••• •••• 18, 6-9.
3. Valor das almas. A ovelha perdida...... ..... 18, 1o-14.
4. A correcção fraterna..... ………… ......... 18, 15-22.
5. Parabola do mau servo.................... . 18, 23-35.
6. Sobre o divorcio......... •••••••••••••. . . . . 19, 1- 12.
7. Abençôa os meninos...... • ••• •••• ....... 19, 13-15.
8. Perigos das riquezas... ..................... 19, 16-31.
9. Parabola dos obreiros......... ••••••••••... 2o, I-16.
1
o
.
Terceira predicção da paixão............... 2o, 17-19.
11. Os filhos de Zebedeu...... • • • • • • • .......... 2o, 2o-28.
12. Os cegos de Jericó......................... 2o, 29-34.
TERCEIRA SECÇÃO
Ministerio de Jesus em Jerusalem
(21, 1-25, 46)
Reduz-se á entrada solemne de Jesus em Jerusa
lem, ás controversias que se lhe seguiram com o
s
escribas, phariseus e sadduceus, e ao grande dis
curso eschatologico d
e Jesus Christo. Taes são as
duas partes em que esta secção pode subdividir-se.
I.—Entrada em Jerusalem e controversias com os synedristas
(21, 1-23, 39.)
Entra Jesus em Jerusalem, onde os Galileus lhe
fazem uma solemne e modesta recepção, perante a
qual a cidade se conservou indiferente ou hostil, e
vai a
o templo, onde se revela como Messias e ma
INTRODUCÇÃo LIII
nifesta o seu poder. Voltando novamente ao templo,
amaldiçôa uma figueira esteril, symbolizando assim
a repudiação do povo judaico, onde não achou fé
.
Indignam-se o
s
sacerdotes d
o procedimento d
e
Christo e pedem-lhe os titulos da sua auctoridade,
mas como se obstinassem em não querer responder
lhe a uma questão previa, Jesus não lhes dá res
posta nenhuma, apresentando-lhes tres parabolas
destinadas a pôr em evidencia a sua perversidade,
e a justiça com que hão d
e
ser excluidos d
o reino
messianico. Enfurecem-se elles cada vez mais, e ten
tam successivamente por tres vezes apanhá-lo em
alguma palavra compromettedora, mas nada con
seguem, sendo reduzidos a silencio por uma per
gunta que Jesus lhes faz ácerca da natureza do
Christo.
Foi então que Jesus os desmascarou solemne
mente perante todo o povo, pronunciando contra e
l
les oito maldições, e lamentando a ruina d'aquella
cidade, que elles perverteram e levaram a dar a
morte ao Messias.
1
. Entra em Jerusalem.............. ......... 21, 1-11.
2
. Lança fóra d
o templo os profanadores....... 21, 12-17.
3
. A figueira esteril........................... 21, 18-22.
4
. D'onde lhe vem o poder.................... 21, 23-27.
5
. Parabola dos dois filhos........... ......... 21, 28-32.
6
. Parabola da vinha.......... ................ 21, 33-46.
7
. Parabola do banquete nupcial............... 22, 1-14.
8
. A questão do tributo............. • • • •••• • ... 22, 15-22.
9
. A resurreição dos mortos................... 22, 23-33.
1o. O primeiro mandamento.................... 22, 34 4o.
11. Natureza do Christo........................ 22, 41-46.
LlV INTRODUCÇÃO
12. Indole dos escribas e phariseus....... •••• ••• 23, 1-12.
1
3
.
Maldições contra os escribas e phariseus..... 23, 13-32.
. 14. As ultimas graças.......................... 23, 33-36.
15. Lamenta Jerusalem........................ 23,37-39.
II
.
— Discurso eschatologico de Christo
(24, 1:25,46)
Deixando o povo, a
o qual não tornou mais a fa
lar, volta-se para os seus discipulos, dando-lhes
instrucções como se hão de haver n
a
ruina d
e
Jerusalem, que será o primeiro acto do juizo solemne
d
o Messias, e como se devem preparar para o juizo
final, exhortando-os por meio de tres parabolas á v
i
gilancia. Termina descrevendo a scena do juizo final.
1
. Prediz a ruina do templo.................... 24, 1-3.
2
. Previne o
s discipulos contra os seductores.... 24, 4-14.
3
. Ruina imminente da cidade.................. 24, 15-21.
4
. A segunda vinda do Christo................. 24, 22-28.
5
. Como ha de vir o Christo ....….............. 24, 29-35.
6
. Incerteza d
o tempo. O servo fiel.............. 24, 36-51
7
. Parabola das dez virgens..................... 25, 1 - 13.
8
. Parabola dos talentos....................... 25, 14-3o.
9
. O juizo final..... • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • ..... 25, 31-46.
TERCEIRA PARTE
Paixão e morte d
e
Jesus Christ0
(26, 1-27, 66.)
Narra os acontecimentos que precederam im
mediatamente a paixão de Jesus, e como Jesus fo
i
INTRODUCÇÃO LV
preso, julgado e condemnado á morte de cruz a
instancias de toda a nação, cumprindo-se assim as
prophecias messianicas, e consummando-se a apos
tasia do povo de Israel, sobre o qual cahiu O san
gue innocente de Jesus.
1. A ceia de Bethania............... •••••••••• 26, 1-16.
2. A ceia paschal............…………… . 26, 17-25.
3. A Eucharistia ............................. 26, 26-29.
4. O escandalo dos discipulos................. 26, 3o-35.
5. A oração no horto......................... 26, 36-46.
6. Prisão de Jesus............................ 26, 47-56.
7. Jesus perante Caiphás...................... 26, 57-68.
8. Negações de Pedro......................... 26, 69-75.
9. Morte de Judas........... ................ 27, 1-1o.
1
o
.
Jesus perante Pilatos....................... 27, 1 1-26.
11.Jesus coroado de espinhos.................. 27, 27-31.
12. Jesus crucificado.......... • • • • • • • • • • • • • • • • . 27, 32-44.
13. Morte de Jesus................. . . . . . . . . . . . 27, 45-56.
14. Sepultura de Jesus. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27, 57-66.
QUARTA PARTE
Resurreição d
e Jesus Christo
(28, 1-2o.)
Narra brevissimamente como Jesus resuscitou ao
terceiro dia, e appareceu á
s piedosas mulheres que
o acompanharam desde Galiléa até Jerusalem e ao
Calvario, ao passo que os Judeus, obstinados e ce
gos até á ultima, tentam iludir o milagre calum
niando o
s discipulos d
e impostura. Apparece tam
bem aos seus discipulos, e manda-os prégar o evan
LVI INTRODUcÇÃo
gelho por todo o mundo, promettendo-lhes a sua
assistencia até á consummação dos seculos.
1. Jesus resuscitado .............. ............ 28, 1- 1o.
2. Ultima hypocrisia dos Judeus.............. ... 28, 1 1 - 15.
3
. Missão dos apostolos............ ........... 28, 16-2o.
§ 8.° — Particularidades do primeiro Evangelho
E opinião bastante commum entre protestantes e
racionalistas que o Evangelho canonico de s. Mat
theus, ta
l
como chegou até nós, depende d
e
duas
fontes: d
a supposta collecção dos ditos (…) de Je
sus, feita pelo apostolo Mattheus, e d
o Evangelho de
s. Marcos, talvez numa fórma primitiva (o Urmarcos
dos racionalistas) mais reduzida e distincta d
a forma
actual.
Esta opinião funda-se numa falsa interpretação
d
o
texto d
e Papias, e suppõi que o Evangelho de
s. Mattheus, ta
l
como existe n
a Egreja, não é obra
d
o apostolo deste nome, nem, segundo a ordem d
o
tempo, o primeiro dos quatro Evangelhos.
Não é necessario insistir mais sobre estas opi
niões, porque nos paragraphos precedentes já a
l
legamos a
s
razões pelas quaes se deve admittir a
authenticidade e a prioridade do primeiro Evange
lho, que é tambem o primeiro que se encontra ci
tado nos monumentos mais antigos d
a
literatura
christã.
Não é tambem intenção nossa entrar aqui no
exame d
a linguagem d
o primeiro Evangelho, por
que esse exame philologico só interessa o estudo
INTRODUcÇÃO LVII
directo do texto grego, e mal poderia ser tratado
aqui, no limitado ambito d'esta introducção.
Os tres primeiros Evangelhos teem todos um ca
racter commum, que os relaciona intimamente entre
si
,
e o
s distingue d
o quarto Evangelho, intitulado de
s. João. Este, que veio muito tempo depois dos ou
tros, é uma obra complementar destinada a uma chris
tandade adulta, para a confirmar na fé da divindade
d
e Jesus Christo, e premunir contra as heresias nas
centes. Escolheu pois por argumento o apostolado
d
e Jesus na Judéa, sobretudo em Jerusalem, e as
suas sublimes controversias com o
s
sabios d
a capi
tal theocratica, sobre a natureza do Christo e a sua
filiação divina.
Outra é a indole dos tres primeiros Evangelhos.
Estes, tirando a historia da infancia, que vem só em
s. Mattheus e em s. Lucas, teem por argumento
principal, além da paixão e da resurreição (o que é
commum a todos o
s Evangelistas), o apostolado d
e
Jesus na Galiléa.
Os factos e as doutrinas moraes prégadas á po
pulação simples, morigerada, religiosa e laboriosa
d
a Galiléa eram mais appropriados para a catechi
zação dos primeiros fieis. Não é portanto de admi
rar que os apostolos os escolhessem de preferencia
para as suas catecheses, que deviam necessaria
mente revestir uma certa uniformidade de fundo e
d
e fórma, sem excluir a diversidade propria dos
tempos, logares, ouvintes, fins particulares, e d
a in
dividualidade e feitio pessoal d
e
cada um.
Estes caracteres reflectem-se nos tres primeiros
LVIII INTRODUCÇÃO
Evangelhos, que fixaram pela escripta a catechese
apostolica. Quadra-lhes pois bem o nome de paral
lelos ou de synopticos, porque desde o baptismo até
á resurreição, caminham a par uns dos outros nar
rando, quasi do mesmo modo, os mesmos factos,
doutrinas e discursos de Jesus Christo.
Nem podia ser d'outro modo, se attendermos á
indole e missão dos apostolos, e ao fim dos Evan
gelistas. Os apostolos, sem cultura literaria e phi
losophica, eram meras testemunhas da vida de Je
sus Christo, e a sua missão era dar testemunho do
que tinham visto e ouvido, e que todos elles tinham
bem presente na memoria e no coração. Durante
alguns annos conservaram-se juntos na Palestina,
evangelizando os Judeus, até se dispersarem depois
por todo o mundo.
Formou-se pois, desde o principio, um evange
lho oral, prégado pelos apostolos e aprendido, con.
servado e transmittido pelos primeiros fieis, sub
stancialmente identico em todas as communidades
fundadas pelos apostolos, e contendo um certo nu
mero de factos e de doutrinas de Jesus Christo. -
Este evangelho oral representava a idéa de Jesus
Christo, ta
l
como existia n
a
mente dos apostolos, e
elles a transmittiram á
s
communidades que succes
sivamente fundaram. E facil reconstitui-lo pelos
discursos conservados n
o livro dos Actos, e pe
las epistolas dos apostolos, sobretudo pelas de
s. Paulo.
Os tres Synopticos, considerados como simples
documentos historicos, e dependentes, o primeiro
INTRODUcÇÃo LIX
da catechese apostolica na Palestina, o segundo da
prégação de s. Pedro em Roma, o terceiro do apos
tolado de s. Paulo em Antiochia e nas egrejas por
ele fundadas, demonstram que essa idéa era sub
stancialmente a mesma em todas as communidades
christãs.
Dos tres Synopticos, o mais importante é o Evan
gelho de s. Mattheus. Alem de ser o mais abun
dante em factos, em doutrinas e discursos de Jesus
Christo, cuja especialidade lhe pertence, tem a pre
rogativa de representar a catechese não só de s. Mat
theus, mas de todo o collegio apostolico em Jerusa
lem e nas outras cidades da Palestina. Sobre isto,
como era destinado aos contemporaneos de Jesus
Christo, muitos dos quaes o tinham visto e ouvido,
não tinha tanta necessidade de adaptar a sua nar
ração á indole e disposição dos leitores; bastava
lhe apontar os factos, que já sabiam, e narrar os
ensinamentos e discursos de Jesus Christo como
elle os tinha proferido. Tudo isso tinha para os
seus leitores, o mais subido interesse, e era por el
les plenamente comprehendido. Compare-se para
exemplo, o Sermão do monte em s. Mattheus (5
,
1-7, 29) e em s. Lucas (6
,
2o-49).
No Evangelho de s. Mattheus sente-se a grandeza
e majestade d
o Antigo Testamento, illuminado pe
los clarões que sobre ele projecta a sublime figura
d
e Christo. Quem, conhecendo suficientemente a
geographia e a historia da Palestina, as condições
sociaes, religiosas, civis e politicas da epoca, ler,
comprehendendo-o bem, o Evangelho de s. Mat
LX INTRODUCÇÃO
theus, pode julgar-se contemporaneo de Jesus Chris
to, e contar-se entre os ditosos que o seguiram
passo a passo, quando andava evangelizando a Ga
liléa.
•
Assim se comprehende e se explica a physiono
mia particular do Evangelho de s. Mattheus, com
parado com os de s. Marcos e de s. Lucas. Es
tes são mais methodicos, mais individuados nas
suas narrações, e ateem-se mais á ordem chronolo
gica dos factos. Não são testemunhas oculares, que
– narram o que viram e ouviram, são investigadores
conscienciosos, que se informaram bem de tudo
(cf. Lc. 1, 1-3), e procuraram ordenar o que outros
COntaram.
S. Mattheus segue outra ordem, que dá ao seu
Evangelho uma fórma mais literaria. Nelle as dou
trinas e os factos subordinam-se ás idéas fundamen
taes que tem em vista; são allegados vagamente e
d'um modo summario, quanto o exige a idéa domi
nante em cada secção, e coordenam-se segundo uma
ordem systematica, propria das obras didacticas e
dogmaticas.
Descripta a physionomia geral do primeiro Evan
gelho, cumpre-nos indicar o que ha nelle de espe
cial, que não se encontra em nenhum dos outros
Synopticos.
A. — Milagres
1. Cura de dois cegos.......................... 9, 27-31.
2. Cura d'um possesso mudo................... 9, 32-34.
3. O estatér na bocca do peixe.................. 17, 24-27.
INTRODUCÇÃO LXI
B. — Parabolas
1. O joio... ........................ . •• •••••• 13,

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