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ESCOLA MUNDO ESCOLA DA PARA O MUNDO Valquíria Pereira Viviane Villela Componentes curriculares: Arte, Ciências, Geografia, História, Língua Portuguesa e Matemática PROJETOS INTEGRADORES 2ANO º E n s in o Fu nd amental • Anos in icia is Manual do Professor O CAPA_INTEGRADORES_2ANO_PNLD2019_PR.indd 2 1/22/18 10:38 CAPA_INTEGRADORES_2ANO_PNLD2019_PR.indd 3 1/22/18 10:38 Valquíria Pereira Especialista no Ensino do Deficiente Mental pela Universidade de São Paulo (USP) Pós-graduada em Psicopedagogia pelas Faculdades Campos Salles Pós-graduada em Alfabetização pelo Instituto Superior de Educação Vera Cruz Coordenadora pedagógica na rede particular de ensino Professora das redes pública e particular de ensino Formadora de professores, gestores e coordenadores Viviane Villela Licenciada em Pedagogia pela Universidade Anhembi Morumbi (UAM-SP) Pós-graduada em Alfabetização pelo Instituto Superior de Educação Vera Cruz Professora da rede particular de ensino Componentes curriculares: Arte, Ciências, Geografia, História, Língua Portuguesa e Matemática ESCOLA MUNDO ESCOLA DA PARA O MUNDO PROJETOS INTEGRADORES 2ANO º E n s in o Fu nd amental • Anos in icia is Manual do Professor São Paulo, 1a edição, 2017. Atualizado de acordo com a BNCC. CAPA_INTEGRADORES_2ANO_PNLD2019_PR.indd 4 11/14/19 11:15 AM Elaboradora de conteúdo Elaine Ponce Lavado Formada em Pedagogia pela Universidade São Marcos (Unimarco-SP) Especialista em Linguagens da Arte pelo Centro Universitário Maria Antônia da Universidade de São Paulo (Ceuma - USP) Formadora de professores para o Ensino Fundamental na rede pública e particular Professora de Ensino Fundamental e Educação Infantil da rede particular de São Paulo Direção geral: Guilherme Luz Direção editorial: Luiz Tonolli e Renata Mascarenhas Gestão de projeto editorial: Tatiany Telles Renó e Heloisa Pimentel Edição: EPN Editoria e Projetos S/S Ltda. Gerência de produção editorial: Ricardo de Gan Braga Planejamento e controle de produção: Paula Godo, Roseli Said e Marcos Toledo Revisão: Hélia de Jesus Gonsaga (ger.), Kátia Scaff Marques (coord.), Rosângela Muricy (coord.), Ana Curci, Ana Paula C. Malfa, Arali Gomes, Brenda T. M. Morais, Célia Carvalho, Flavia S. Vênezio, Gabriela M. Andrade, Hires Heglan, Larissa Vazquez, Lilian M. Kumai, Luciana B. Azevedo, Raquel A. Taveira, Sueli Bossi e Tayra Alfonso Arte: Daniela Amaral (ger.), Narjara Lara (coord.), Nathalia Laia (edição de arte) Diagramação: WYM Design Iconografia: Sílvio Kligin (ger.), Denise Durand Kremer (coord.) e Thiago Fontana (pesquisa iconográfica) Licenciamento de conteúdos de terceiros: Cristina Akisino (coord.), Luciana Sposito (licenciamento de textos), Erika Ramires e Claudia Rodrigues (analistas adm.) Tratamento de imagem: Cesar Wolf e Fernanda Crevin Ilustrações: Giz de Cera / Viviane Aragão Design: Gláucia Correa Koller (ger.) e Estúdio Dito e Feito (proj. gráfico e capa) Todos os direitos reservados por Editora Ática S.A. Avenida das Nações Unidas, 7221, 3o andar, Setor A Pinheiros – São Paulo – SP – CEP 05425-902 Tel.: 4003-3061 www.atica.com.br / editora@atica.com.br Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Índices para catálogo sistemático: 1. Ensino fundamental : Anos Iniciais 372 2017 Código da obra CL 713551 CAE 728828 (AL) / 728785 (PR) 1a edição 1a impressão Atualizado de acordo com a BNCC. Impressão e acabamento II Manual do Professor Da escola para o mundo MP Parte Geral PROVA 7 Essencial design P3_DEPOM2_MP_GERAL_002-064.indd 2 7/19/20 7:17 PM III APRESENTAÇÃO Caro professor, Este Manual tem como propósito apoiar suas ações para o trabalho em sala de aula. Entendemos que as ações do professor são guiadas por uma rede de saberes e propósitos que se estendem por diversas áreas do conhecimento, que se relacio- nam e formam um conjunto complexo de objetivos e metas a serem alcançados. O trabalho do professor também envolve compreender a educação e conhecer aquilo que a fundamenta. As políticas públicas, as teorias sobre aprendizagem, sobre ensino, sobre a sociedade e todos os conhecimentos que circulam entre alunos e professores são objetos de estudo. Os conhecimentos não se esgotam, são acumulados, descarta- dos, renovados, reformulados e ampliados. É preciso estar sempre disponível a aprender, a enfrentar desafios e a se encantar com a construção permanente de saberes. Com este Manual oferecemos fundamentos que o ajudarão a compreender as bases teóricas em que estão apoiadas as propostas de projetos apresentadas nos livros desta coleção. São elementos importantes para que sua prática seja sempre compreendida e realizada com a profundidade, a complexidade e a seriedade que sua profissão exige. Pretendemos oferecer um material acessível, claro, completo, alinhado com a Ba- se Nacional Comum Curricular (BNCC) e que lhe dê subsídios, esclareça suas dúvidas, dialogando com referências teóricas que orientem e ampliem suas possibilidades de sempre oferecer oportunidades aos seus alunos de uma educação comprometida com a qualidade e com a formação de cidadãos preparados para viver em uma sociedade complexa, diversa e plural. O Manual está organizado por temas que se relacionam, mas que podem ser con- sultados separadamente e na ordem em que você desejar ou precisar. Sua leitura não precisa ser, necessariamente, linear, mas é complementar ao desenvolvimento das aulas. As Autoras Manual do Professor DEPOM2_MP_GERAL_002-064.indd 3 21/01/18 19:45 Sumário A coleção no contexto atual ........................V A base curricular .........................................................VI Currículo .....................................................................................VIII Um pouco da história percorrida: propostas e questionamentos .........................................VIII A interdisciplinaridade ...................................................... XI O ensino por disciplinas: caminhos percorridos .........XII A interdisciplinaridade no contexto social ...................XIV Os desafios da escola atual ..............................................XIV Como deve ser a escola contemporânea?...............XV Quais são os desafios que se impõem? O que se espera dos sujeitos que integram essa escola? .........................................................................XV O trabalho com projetos .............................. XVI Projetos: como surgem e autores que nos inspiram.................................................................XVI O sujeito que aprende e o conhecimento pertinente...................................XVIII A proposta de projetos desta coleção................................................................. XIX A aprendizagem significativa e seus desdobramentos ................................................XX A disponibilidade para aprender e os diferentes fatores que a influenciam ..................XXI Situação-problema: possibilidade de desenvolver competências .............XXIV Como podemos definir “competência”? ...... XXV O trabalho com projetos e as dez competências gerais ........................................ XXVI Os projetos na BNCC: uma conquista ..........................................................XXVII Um ponto de partida ................................................... XXVII O papel do professor no desenvolvimento de um projeto ................................................................... XXVII O que fazer antes de iniciar o projeto? ........ XXVIII O trabalho do professor ao longo do projeto ........................................................ XXX 1 2 3 4 5 6 Avaliação formativa ...................................... XXXIX O desenvolvimento de trabalhos em grupo ......................................XLI Qual a relevância do trabalho emgrupo? ........ XLI Como formar os grupos? Existem critérios para essa formação? ..........XLII O produto final de um projeto ............XLIII As áreas do conhecimento e os componentes curriculares ............ XLIV Área de Linguagens.......................................................XLIV Língua Portuguesa ............................................................XLIV Arte ............................................................................................XLV Área de Matemática .......................................................XLVI Área de Ciências da Natureza ............................. XLVIII Área de Ciências Humanas ......................................XLIX Geografia .......................................................................................L História ..........................................................................................LI Como estão organizados os livros desta coleção .......................................LIII Leitura .......................................................................................... LVI Comunicação oral ............................................................... LVI Projetos e componentes curriculares para os anos iniciais do Ensino Fundamental .......... LVII Habilidades e competências desenvolvidas no 3o ano .............................................LVIII Bibliografia ......................................................................LXIII Reprodução do Livro do Estudante com orientações específicas ...................................... 1 7 8 9 10 11 12 13 IV Manual do Professor DEPOM2_MP_GERAL_002-064.indd 4 21/01/18 19:45 V A coleção no contexto atual Esta coleção tem como propósito oferecer a pro- fessores e alunos a possibilidade de desenvolver alguns projetos ao longo do ano letivo, ampliando e articulan- do os conhecimentos de diferentes áreas e disciplinas curriculares, favorecendo ainda, de maneira diferencia- da, o desenvolvimento de temas contemporâneos que estabelecem uma relação com a vida cotidiana, na qual os alunos e as pessoas em geral se relacionam com o conhecimento, seja em escala local, regional, seja em escala global. Dessa forma, os projetos aqui presentes buscam responder à demanda da própria sociedade. A coleção foi elaborada tendo como ponto de partida nossa experiência com o trabalho por meio de projetos nos anos iniciais do Ensino Fundamental. As características dessa faixa etária demandam um trabalho no ambiente escolar que se organize em torno dos interesses manifestos pelas crianças, de suas vivências mais imediatas para que, com base nessas vivências, elas possam, progressi- vamente, ampliar essa compreensão, o que se dá pela mobilização de operações cognitivas cada vez mais complexas e pela sensibilidade para apreen- der o mundo, expressar-se sobre ele e nele atuar. (BNCC, 2018, p. 58-59). Sua premissa é a integração de saberes e o trabalho com situações e problemas sociais que partem do con- texto dos alunos, contribuindo para o atual momento de nossa educação, em que se busca a formação integral dos alunos, preparando-os para a vida e seus desafios no século XXI. Nesse sentido, o trabalho com projetos pode ser bastante significativo porque propõe o desen- volvimento de atividades que têm como foco a resolu- ção de situações-problema que oferecem aos alunos a possibilidade de refletir, conhecer e atuar em contextos contemporâneos e de relevância em seu cotidiano. Atualmente, muito se tem falado do documento formulado sob a coordenação do Ministério da Educa- ção (MEC), intitulado Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Esse documento se apresenta como referência nacional para elaboração dos currículos e como nortea- dor das ações dos sistemas de ensino e das redes esco- lares dos estados, do distrito federal e dos municípios e das propostas pedagógicas das instituições escolares. Sendo um documento de caráter normativo que de- fine o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais, a BNCC nos apresenta os pressupostos que nortearão muitas das decisões e escolhas que serão adotadas pelas diversas instituições de ensino do país. Para melhor compreender a proposta de ensino por projetos, são necessários o entendimento cuidadoso da BNCC e a ampliação e o aprofundamento dos diferen- tes conceitos, terminologias e ideias a ela relacionados. Igualmente necessários são os conhecimentos relacio- nados a como as crianças se apropriam dos conceitos e dos conteúdos de aprendizagem expressos na BNCC e como se possibilita tal aprendizagem. Nesta parte inicial do Manual, vamos nos dedicar a dois conceitos que consideramos básicos para esse estudo: currículo e interdisciplinaridade. A seguir, apresentaremos os diferentes pressupos- tos e apontaremos as relações existentes entre eles procurando estabelecer uma sequência que facilite sua compreensão. 1 Manual do Professor P2_DEPOM2_MP_GERAL_002-064.indd 5 11/18/19 3:17 PM A base curricular 1 BRASIL. Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, 23 de dezembro de 1996. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm>. Acesso em: 23 mar. 2017. 2 BRASIL. Ministério da Educação; Secretaria de Educação Básica; Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão; Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica. Conselho Nacional de Educação; Câmara de Educação Básica. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica. Brasília: MEC; SEB; DICEI, 2013. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=15548d-c-n- educacao-basica-nova-pdf&Itemid=30192>. Acesso em: 23 mar. 2017. 3 Equidade é a disposição de reconhecer igualmente o direito de cada um; é a persistente busca pela justiça para que cada indivíduo seja respeitado em sua natureza particular e em sua diversidade. Primeiro é relevante entender a importân- cia de ter uma base curricular comum para todo o país. Essa prática ocorre em diversos países em diferentes partes do mundo, como Canadá, Estados Unidos, Reino Unido, Portugal, França, Austrália, África do Sul, Chile, Colômbia e Argentina, e aponta para os esforços que as diferentes nações vêm empregando para que a educação atenda às necessidades de suas sociedades e se mantenha em consonância com os aportes teóricos da contemporaneidade. A base curricular comum é uma das estratégias estabelecidas pelo Plano Nacional de Educação (PNE) para melhorar a educação brasileira, definindo con- teúdos e saberes necessários a todos os alunos da Educação Básica. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica, de modo a que tenham assegurados seus direitos de aprendizagem e desenvolvimento, em conformidade com o que preceitua o Plano Nacional de Educação (PNE). Este documento normativo aplica-se exclusivamente à educação escolar, tal como a define o § 1o do Artigo 1o da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei no 9.394/1996)1, e está orientado pelos princípios éticos, políticos e estéticos que visam à formação humana integral e à construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva, como fundamentado nas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica (DCN)2. Referência nacional para a formulação dos currículos dos sistemas e das redes escolares dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e das propostas pedagógicas das instituições escolares, a BNCC integra a política nacional da Educação Básica e vai contribuir para o alinha- mento de outras políticas e ações, em âmbito federal, estadual e municipal, referentesà for- mação de professores, à avaliação, à elaboração de conteúdos educacionais e aos critérios para a oferta de infraestrutura adequada para o pleno desenvolvimento da educação. Nesse sentido, espera-se que a BNCC ajude a superar a fragmentação das políticas educa- cionais, enseje o fortalecimento do regime de colaboração entre as três esferas de governo e seja balizadora da qualidade da educação. Assim, para além da garantia de acesso e permanência na escola, é necessário que sistemas, redes e escolas garantam um patamar comum de aprendizagens a todos os estudantes, tarefa para a qual a BNCC é instrumento fundamental. (BNCC, 2018, p. 7 e 8). É importante salientar que, em sua formulação, a BNCC esteve sob coordenação do MEC, porém contou com a participação dos estados, do distrito federal e dos municípios, depois de ampla consulta à comunida- de educacional e à sociedade. Nesse processo, foram considerados os currículos já existentes e estruturados por diferentes instituições, municípios, estados e distrito federal, e também os conhecimentos construídos e acumulados pelos diferentes agentes mobilizadores ao analisar esses currículos. A BNCC defende a impossibilidade de se admitir um currículo único para todo o país, pois leva em conside- ração a ampla diversidade cultural e as profundas desi- gualdades sociais do Brasil. Esclarece, então, que serão necessários currículos diferenciados e adequados a cada realidade, sistema, rede e instituição escolar, e que ca- berá a essas instituições organizá-los e colocá-los em ação de forma que prezem pela equidade3 na educação respeitando as diversidades e os direitos dos estudantes. 2 VI Manual do Professor P3_DEPOM2_MP_GERAL_002-064.indd 6 11/18/19 7:01 PM VII A equidade reconhece a identidade brasileira e requer uma instituição aberta à diversidade e à pluralidade, que compreenda que todos são diversos e devem ter acesso a uma experiência escolar eficaz e agradável. A equidade supõe igualdade de oportunidades para ingressar, perma- necer e aprender na escola independentemente de etnia, gênero, aparência, religião ou qualquer outra forma de ser e estar na sociedade. Para isso, considera também as di- ferentes construções e reconstruções sociais e históricas dos diferentes grupos sociais e culturais de um país de dimensões continentais como o nosso, formado por uma população representada por diferentes grupos étnicos. São amplamente conhecidas as enormes desi- gualdades entre os grupos de estudantes definidos por raça, sexo e condição socioeconômica de suas famílias. Diante desse quadro, as decisões curri- culares e didático-pedagógicas das Secretarias de Educação, o planejamento do trabalho anual das instituições escolares e as rotinas e os eventos do cotidiano escolar devem levar em consideração a necessidade de superação dessas desigualdades. Para isso, os sistemas e redes de ensino e as insti- tuições escolares devem se planejar com um claro foco na equidade, que pressupõe reconhecer que as necessidades dos estudantes são diferentes. [...] Por fim, cabe aos sistemas e redes de ensino, assim como às escolas, em suas respectivas esferas de autonomia e competência, incorporar aos currículos e às propostas pedagógicas a abordagem de temas contemporâneos que afetam a vida humana em escala local, regional e global, preferencialmente de forma transversal e integradora. (BNCC, 2018, p. 15-19). As temáticas contemporâneas apresentadas na BNCC a serem incorporadas às propostas pedagógicas e aos currículos são variadas e perpassam por todos os componentes curriculares, devendo ser tratadas de forma contextualizada: • Direitos da criança e do adolescente; • Educação para o trânsito; • Preservação do meio ambiente; • Educação alimentar e nutricional; • Processo de envelhecimento, respeito e valorização ao idoso; • Educação em direitos humanos, bem como saúde, sexualidade, vida familiar e social, educação para o consumo, educação financeira e fiscal, trabalho, ciên- cia e tecnologia e diversidade cultural. Os livros desta coleção abordam tais temáticas de forma instigadora e atraente, propondo aos alunos que se impliquem na resolução de situações-proble- ma, pautadas em contextos cotidianos, tanto sociais como culturais, considerando seus saberes, suas di- versidades, seus interesses, suas histórias pessoais e coletivas e suas possibilidades de aprender e constituir- -se como cidadão pleno, capaz de interagir de maneira crítica e consciente e contribuir para uma sociedade sempre melhor. Outro ponto importante da BNCC a ser considerado é que os conteúdos curriculares estão a serviço do desen- volvimento de competências. A noção de competência é definida como a mobilização e aplicação dos conhe- cimentos construídos para a resolução de problemas. Assim, ser competente é ter capacidade de ativar e uti- lizar diferentes conhecimentos (relacionados a distintas áreas do conhecimento humano), ao se deparar com um problema, e implica, necessariamente, em ter recursos e saber fazer uso deles. Em nossa coleção, as propostas apresentadas visam ao desenvolvimento de competên- cias, e estas serão requisitadas ao final de cada projeto. A BNCC expressa também o compromisso com a educação integral do aluno, visando à formação e ao desenvolvimento humano global. O aluno é reconhecido e considerado um ser intelectual, físico, afetivo, social, ético, moral e simbólico. Essa visão de aluno promove, consequentemente, uma nova forma de conceber e realizar o ensino e a aprendizagem. Entende-se que algumas competências se apre- sentam cada vez mais necessárias, na atualidade, para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva. É preciso saber comunicar-se, ser criativo, analítico-crítico, participativo, produtivo, responsável, agir com justiça e respeito, ter autonomia para tomar decisões, ser proativo para identificar os dados de uma situação e buscar soluções para os problemas que se apresentam. As culturas digitais nos colocam diante de competências mais específicas, como saber lidar com as informações vastamente disponíveis e atuar com res- ponsabilidade e discernimento. Além disso, demandam uma forma particular de lidar com o conhecimento. As novas tecnologias da informação, os hipertextos e hi- permídias exigem novas formas de ensinar e de apren- Manual do Professor P3_DEPOM2_MP_GERAL_002-064.indd 7 11/18/19 7:03 PM der, resultando também em novas práticas e habilidades e impondo aos professores a necessidade de propostas de ensino e aprendizagem que correspondam às de- mandas e que dialoguem com os alunos, nativos digitais. Na BNCC a fragmentação disciplinar do conheci- mento é colocada como um grande desafio a enfren- tar e vencer. Em contrapartida, a interdisciplinaridade se apresenta como uma possibilidade de superação. O estímulo à aplicação do conhecimento construído na vida real, o protagonismo do aluno em sua aprendizagem e a importância do contexto para dar sentido ao que se aprende são princípios também defendidos pela BNCC. Para o melhor entendimento da proposta de nossa coleção, consideramos necessário um aprofundamen- to teórico acerca dos diversos assuntos, conceitos e abordagens que orientam e sustentam, neste momento, a base da educação brasileira e que foram aqui desta- cados. Começaremos, então, pelo currículo. Currículo Sabe-se que há muito tempo os docentes se rela- cionam com a organização educacional e com a questão sempre recorrente sobre o que ensinar. Segundo Silva (1999), professoras e professores de todas as épocas e lugares sempre estiveram envolvidos, de uma forma ou de outra, com o currículo, antes mesmo que o surgimento de uma palavra especializada pudesse designar parte de suas atividades que hoje conhecemos como “currículo”. Lopes (2011) afirma que estudos históricos apon- tam que a primeira menção ao termo “currículo”foi fei- ta em 1633, nos registros da Universidade de Glasgow. Apesar disso, essa menção não indica o surgimento do campo de estudo sobre currículos, mas já traz consigo os princípios de globalidade estrutural e de sequenciação da experiência educacional ou de um plano de aprendizagem. Um pouco da história percorrida: propostas e questionamentos Diferentes estudos apontam que o termo “currículo” tem sido usado no cotidiano das instituições escolares sem muita distinção ou especificidade. Assim, guias cur- riculares, grades curriculares que mostram disciplinas/ carga horária/atividades, planos de ensino e propostas vivenciadas pelos alunos acabam sendo chamados de “currículo” ou sendo entendidos como tal. Embora seja difícil estabelecer uma única definição, é possível encontrar pontos de acordo entre concei- tuações diferentes. Lopes (2011) diz: Há, certamente, um aspecto comum a tudo isso que tem sido chamado currículo: a ideia de orga- nização, prévia ou não, de experiências/situações de aprendizagem realizada por docentes/redes de forma a levar a cabo um processo educativo. Ao longo do tempo, ideias e propostas de currículo foram se constituindo e se reformulando. Compreender os diferentes movimentos históricos que marcaram os estudos e o desenvolvimento do currículo como um campo de trabalho no cenário educacional é condição necessária para entender a nossa realidade escolar. No início do século XX, com a industrialização nor- te-americana, a concepção de que era preciso decidir o que ensinar ganhou forças e não se limitou à educação norte-americana. Para muitos autores, foi por volta de 1920 que se iniciaram os estudos curriculares. Com as demandas de um tempo em que a sociedade e a economia passavam por mudanças constantes e profundas, a escola passou a ter novas responsabili- dades na perspectiva de buscar soluções para os pro- blemas sociais gerados. A utilidade do conhecimento era colocada como central e assim os conteúdos e as vivências propostos nas escolas precisavam ser úteis. Diante disso, as teorias de currículos formularam dife- rentes respostas para as perguntas que se apresen- tavam: Como definir o que é útil? Útil para quê? Quais experiências ou conteúdos devem ser ensinados? Como devem ser organizados os conteúdos?. Em 1918, Franklin Bobbitt escreveu The curriculum, livro que foi considerado um marco para estabelecer o currículo como um campo especializado de estudo. Nesse momento, as buscas eram por responder a ques- tões sobre as finalidades e os contornos da escolari- zação de massas e era preciso definir os objetivos da educação escolarizada. Formar o trabalhador especializado ou proporcio- nar uma educação geral, acadêmica, à população? O que se deve ensinar: as habilidades básicas de escrever, ler e contar; as disciplinas acadêmicas humanísticas; as disciplinas científicas; as habilidades práticas ne- cessárias para as ocupações profissionais? Quais as fontes principais dos conhecimentos a serem ensinados: o conhecimento acadêmico; as disciplinas científi- VIII Manual do Professor P2_DEPOM2_MP_GERAL_002-064.indd 8 11/18/19 3:17 PM IX cas; os saberes profissionais do mundo ocupacio- nal adulto? O que deve estar no centro do ensino: os saberes “objetivos” do conhecimento organizado ou as percepções e as experiências “subjetivas” das crianças e jovens? Em termos sociais, quais devem ser as finalidades da educação: ajustar as crian- ças e os jovens à sociedade tal como ela existe ou prepará-los para transformá-la; a preparação para a economia ou a preparação para a democracia?”. LOPES (2011), p. 22. As respostas de Bobbitt eram conservadoras. Para ele, o sistema educacional deveria estabelecer seus objetivos baseado nas habilidades necessárias para exercer as ocupações profissionais futuras. Esse modelo, que prezava pela eficiência, estava voltado a atender à economia e propunha levar para a escola o modelo de organização da indústria. As ideias de Bobbitt foram de grande influência e aceitação na educação dos Estados Unidos e se estenderam durante todo o restante do século XX. Nesse mesmo período, outra vertente também se apresentava. John Dewey havia escrito o livro The Child and the Curriculum, em 1902. Suas preocupações eram com a construção da democracia e, diferentemente de Bobbitt, ele achava que o planejamento curricular de- veria considerar os interesses e as experiências dos estudantes, fossem crianças ou jovens. Cabiam à edu- cação a vivência e a prática de princípios democráticos. A aprendizagem é então encarada como um processo contínuo, e não como uma preparação para a vida adulta. O ambiente escolar deveria ser organizado para que as crianças e os jovens tivessem oportunidade de lidar com problemas semelhantes aos encontrados na sociedade. Assim, de forma democrática e cooperativa, poderiam adquirir habilidades e seriam estimulados a ser criativos. Em 1949, Ralph Tyler apresentou uma abordagem eclética articulando técnicas, como as ideias eficien- tistas de Bobbitt, com o pensamento progressista de Dewey. Segundo Lopes, ainda que a apropriação do progressivismo fosse caracterizada como instrumen- tal e que seu pensamento estivesse mais próximo do eficientismo, sem dar conta da tensão entre a criança e o mundo adulto, a proposta de Tyler se impôs, quase sem contestação, por mais de vinte anos, no Brasil e nos Estados Unidos. O modelo proposto por Tyler visa responder a quatro questões básicas: • A definição dos objetivos do ensino; • A seleção e a criação de experiências de aprendiza- gens apropriadas; • A organização dessas experiências de maneira a con- quistar maior eficiência ao ensino; • A avaliação do currículo. Com esse modelo linear e administrativo, Tyler tam- bém estabeleceu uma relação entre currículo e avalia- ção, já que a eficiência do currículo seria inferida pela avaliação do rendimento dos alunos. Para Lopes, há entre as três propostas elementos comuns no que se refere à definição de currículo: o cará- ter prescritivo do currículo, visto como um planejamen- to das atividades da escola realizado segundo critérios objetivos e científicos; a participação de professores e alunos em diferentes momentos, porém somente depois de um nível de decisões já terem sido tomadas; e, por último, a dinâmica curricular que envolve dois momentos integrados, mas distintos, a produção e a implementação do currículo. A década de 1960 foi um período de grandes mo- vimentações. Despontaram vários grupos de movi- mentos, como os protestos estudantis na França, os protestos contra a Guerra do Vietnã, o movimento femi- nista, o movimento dos direitos civis, a liberação sexual, as lutas contra a ditadura no Brasil, entre outros. Para Silva (1999), não por coincidência foi também nessa dé- cada que livros, ensaios e teorizações colocavam em xe- que o pensamento e a estrutura educacional tradicional. Esse movimento de renovação abalou a teoria educa- cional tradicional e inspirou verdadeiras revoluções nas próprias experiências educacionais, eclodindo em vários locais ao mesmo tempo. Não caberia aqui discorrer detalhadamente sobre to- dos os importantes autores e críticos que influenciaram e influenciam até os dias de hoje a nossa concepção de cur- rículo. Porém, é importante compreender os questiona- mentos que foram feitos às teorias tradicionais. Para isso, apresentaremos as principais ideias de forma resumida. Segundo Silva (1999), as teorias tradicionais toma- vam o status quo (estado atual, estado dos fatos, das si- tuações) como referência desejável e concentravam-se na forma e na elaboração do currículo, ao passo que as Manual do Professor P2_DEPOM2_MP_GERAL_002-064.indd 9 11/18/19 3:17 PM teorias críticas iniciavam o questionamento aos arranjos sociais e educacionais, confrontando o status quo eres- ponsabilizando-o pelas desigualdades e injustiças sociais. As teorias críticas se ocupavam em desenvolver concei- tos que permitiriam compreender o que o currículo faz. Nesse período as teorizações críticas não se res- tringiam à escola, mas visavam também às questões sociais que se apresentavam. Havia críticas mais ge- rais, como o ensaio de Althusser sobre a ideologia, ou o livro de Bourdieu e Passeron, A reprodução, e outras mais voltadas ao currículo, como a “nova sociologia da educação” ou o “movimento de reconceptualização” da teoria curricular. Althusser fez a importante conexão entre educa- ção e ideologia. Para ele, a produção e a disseminação da ideologia são feitas pelos aparelhos ideológicos de estado, entre eles, a escola. Segundo o autor, a escola constitui-se em um aparelho ideológico porque atinge praticamente toda a população por um período prolon- gado e, através de seu currículo, transmite a ideologia. Isso pode acontecer de forma direta por meio de dis- ciplinas que favorecem a permanência de estruturas sociais desejáveis, ou de forma mais indireta, através de disciplinas mais técnicas. Bourdieu e Passeron, com uma abordagem menos determinista, explicitam a complexidade dos mecanis- mos de reprodução social e cultural. Para eles, a escola transmite os códigos culturais da classe média, dificul- tando a escolarização das classes populares. Em 1971, Michael Young, no livro Conhecimento e controle; novas direções para a Sociologia da edu- cação, lança as bases do movimento chamado Nova Sociologia da Educação (NSE). Os autores desse movi- mento trazem questões sobre a seleção e a organiza- ção do conhecimento escolar e buscam entender quais interesses estão presentes na seleção e na definição dos conhecimentos que compõem os currículos. O cur- rículo passa, então, a ser compreendido como aquele que também forma o conhecimento, e não apenas o próprio aluno. Passava-se a uma visão crítica dessas escolhas, que claramente assumia o viés político da temática do currículo. Em 1979, Michael Apple publica Ideologia e Currí- culo. O autor dialoga com as questões apresentadas pela NSE e retoma os conceitos de ideologia e hege- monia para entender a ação da educação na reprodu- ção das desigualdades. Para ele, os currículos recriam a hegemonia ideológica de determinados grupos de uma sociedade e, assim, faz-se necessário estudar as interações cotidianas nas salas de aula. Além do cur- rículo, as ações dos professores poderiam revelar as formas como as relações de classes eram reproduzidas. Apple dá importância tanto aos aspectos estruturais como aos relacionais do currículo. As perguntas centrais que orientam esse trabalho são: Por que alguns aspec- tos da cultura social são ensinados como se represen- tassem o todo social? Quais as consequências dessa legitimação? Segundo Lopes (2011), no movimento de responder a tais questões, Apple reformula o concei- to de currículo oculto, definido por Philip Jackson nos anos 1960, para dar conta das relações de poder que permeiam o currículo. Paulo Freire (1970), em seu livro Pedagogia do opri- mido, propõe uma pedagogia baseada em diálogo, de- fendendo a possibilidade de a educação se colocar em oposição à reprodução. Ele propõe que a interação entre os sujeitos começa na própria decisão dos conteúdos. A crítica que Freire faz ao currículo fica clara no conceito de “educação bancária”. Para ele, a educação bancária expressa uma visão epis- temológica que concebe o conhecimento como sendo constituído de informações e de fatos a serem sim- plesmente transferidos do professor para o aluno. O conhecimento se confunde com um ato de depósito- -bancário. Nessa concepção, o conhecimento é algo que existe fora e independe das pessoas envolvidas no ato pedagógico. SILVA (1999), p. 58 e 59. Contrariamente a essa educação, Freire desenvolve a concepção de educação problematizadora em que todos os sujeitos estão ativamente envolvidos no ato do conhecimento. Para ele, “conhecer” envolve inter- comunicação e intersubjetividade. Sobre essas bases, Freire desenvolve seu “método”, oferecendo instruções detalhadas para o desenvolvimento de um currículo. A experiência do educando é valorizada e é a partir dela que se buscam os “temas geradores” que vão constituir o “conteúdo programático” do currículo. Tais temas de- veriam ser organizados em unidades programáticas por especialistas, de maneira interdisciplinar, destacando a participação dos educandos e dos educadores nas vá- rias etapas da construção do “currículo programático”. Segundo Lopes (2011), William Pinar faz sua contribui- ção ao campo do currículo através da fenomenologia quan- X Manual do Professor P2_DEPOM2_MP_GERAL_002-064.indd 10 11/18/19 3:17 PM XI do o define como Currere. Para ele, currículo é um processo, uma ação, um sentido particular e uma esperança pública. O currículo deve proporcionar ao sujeito a possibilidade de entender a natureza de sua experiência educacional e será através dela que esse sujeito poderá mover-se biografi- camente e de forma multidimensional. No centro dessa experiência está o sujeito e a sua subjetividade. As ideias de Sacristán (2000) têm sido conside- radas nas discussões sobre currículo e isso se deve à ênfase dada à relação entre o currículo e as práticas pedagógicas e à complexidade e diversidade de fatores envolvidos na elaboração e desenvolvimento dos cur- rículos. Para ele, o currículo pode ser entendido como um “projeto seletivo de cultura, cultural, social, política e administrativamente condicionado que preenche a atividade escolar e que se torna realidade dentro das condições da escola tal como se acha configurada” (GIMENO SACRISTÁN, 2000, p. 34). Considera-se tam- bém que “em um currículo se entrecruzam componentes e determinações muito diversas: pedagógicas, políticas, práticas administrativas, produtivas de diversos mate- riais, de controle sobre o sistema escolar, de inovações pedagógicas, etc.” (GIMENO SACRISTÁN, 2000, p. 32). Portanto, caracterizando-se como um objeto social e histórico. Percorrendo um pouco da história do currículo e levando em consideração os aspectos mais gerais do percurso, podemos dizer que esse processo de cons- trução é constante e que não se define em épocas ou lugares. Em um mesmo tempo histórico ou cronológico, em lugares distantes ou próximos, podemos encontrar diferentes propostas e visões de currículo sendo imple- mentadas e discutidas. Nas palavras de Pacheco (2009), a educação e o currículo são projetos de ques- tionamento, construídos na diversidade e pluralidade de marcas pessoais e sociais, compreensíveis na base de uma conversação complexa. Por isso, o currículo é um projeto de espaços e tempos subjetivos, com espaços e tempos sociais, vinculados aos sujeitos e seus modos de conversação. Cabe ainda falar sobre as diferentes denominações de currículo encontradas e suas distinções: currículo prescrito ou formal, currículo real e currículo oculto. • Currículo prescrito ou formal: é estabelecido pelos sistemas de ensino, representado por um conjunto de decisões normativas que atuam como referência na ordenação do sistema curricular, servindo de ponto de partida para a elaboração de materiais, controle de sistema, etc. • Currículo real: é o que realmente acontece dentro da sala de aula. É a efetivação do planejamento feito pelo professor, considerando-se também tudo aquilo que acontece no ato de planejar e executar, ou seja, todas as mudanças e intervenções ocorridas, resultantes da experiência do professor, de seus valores, crenças e significados por ele atribuídos. O professor, ao adotar uma nova ideia, o faz em função de seus próprios construtos pessoais e, ao desenvolver uma nova tarefa acadêmica, também a interpreta e a modela, porque nenhuma tarefa é um esquematão acabado e inequívoco que não ofereça possibilidades para interpretação pessoal de cada professor, a partir de suas próprias finalidades e formas de perceber as demandas dos alunos e da nova situação. (GIMENO SACRISTÁN, 2000, p. 175). • Currículo oculto: é representado pelas influências e pelos efeitos alcançados na aprendizagem dos alu- nos e que não estavam apontados nas propostas e planejamentos realizados. Geralmente fazem parte deste currículo atitudes e valores transmitidos, su- bliminarmente, pelas relações sociais e pelas rotinas do cotidiano escolar. Por exemplo, a forma como são arrumadas as carteiras na sala de aula, como se esta- belecem as relações hierárquicas na escola, as visões transmitidas nas imagens de livros, etc. A interdisciplinaridade O vocabulário do corpo docente está sempre incor- porando novos conceitos e sendo ampliado. Termos como interdisciplinaridade, multidisciplinaridade, trans- disciplinaridade e globalização ganham força e destaque em alguns momentos e, em outros, ficam à margem, quase esquecidos. Por vezes, convivem sem muita dis- tinção ou são interpretados, por aqueles que os usam, de forma generalizada e até mesmo despreocupada. Existem também termos que surgem como modismos, Manual do Professor P2_DEPOM2_MP_GERAL_002-064.indd 11 11/18/19 3:17 PM confundindo e não correspondendo, necessariamente, a novos conhecimentos e avanços da área, alheios aos problemas que serviram de estímulo para sua formu- lação. A aplicação de uma terminologia deve estar sus- tentada por seu verdadeiro alcance e sua abrangência. No âmbito da educação, os termos acima citados estão presentes em documentos institucionais, em li- vros teóricos e em instrumentos dos professores como planejamentos, por exemplo. A compreensão e a dife- renciação de seus significados são importantes para que se entendam as propostas em que se inserem e/ou em que são abordados. Assim, de forma geral, a multi- disciplinaridade pode ser entendida quando um mesmo tema é abordado por várias disciplinas, e cada uma delas o trata separadamente, sem que se estabeleça uma relação direta entre elas. Tomemos como exemplo o tema “desmatamento”. A Geografia poderia se ocu- par de pesquisar a localização de uma área desmatada, enquanto a Língua Portuguesa estaria envolvida em descobrir quais gêneros textuais poderiam tratar des- se assunto e quais as características desses textos. Ambas as disciplinas estariam trabalhando o mesmo tema, porém os conhecimentos e as aprendizagens de- senvolvidos em uma disciplina não se relacionam com os conhecimentos e as aprendizagens desenvolvidos pela outra, sendo assim independentes. Já a transdisciplinaridade pode ser vista como uma abordagem bem mais complexa em que a divisão por disciplinas deixaria de existir. A transdisciplinaridade visa à unidade do conhecimento. Procura uma nova compreensão da realidade articulando elementos que passam entre, além e através das disciplinas. Significa que há um modo de pensar organizador que pode levar a uma espécie de unidade. A interdisciplinaridade, por vezes, é mencionada quando duas ou mais disciplinas relacionam os conhe- cimentos próprios de cada uma delas. Implica-se a arti- culação de ações disciplinares que buscam um interesse em comum. A interdisciplinaridade, muitas vezes, apa- rece como uma possibilidade de superarmos o desafio da fragmentação disciplinar do ensino. Porém, existem também maneiras diferentes de compreendê-la ou mesmo de defini-la. Mais adiante abordaremos esse conceito ao tratarmos de trabalhos por projetos, tendo Fernando Hernández como referência. A interdisciplinaridade está presente nas leis que re- gulamentam a educação brasileira e também nos dife- rentes documentos propostos ao longo dos anos que as complementam. Assim, foi abordada no Brasil a partir da Lei no 5 692/71 e prosseguiu no cenário educacional com sua presença na Lei de Diretrizes e Bases no 9 394/96 e nos Parâmetros Curriculares Nacionais. A partir dessas proposições a interdisciplinaridade tem aparecido no dis- curso e na prática de professores, ainda que timidamen- te. Para que de fato esta seja uma abordagem realizada e compreendida em todas instituições brasileiras, há muito o que fazer. Mas se a interdisciplinaridade pode contri- buir para a não fragmentação do conhecimento, então por que privilegiamos o ensino por disciplinas? Quais as concepções que orientam a divisão por disciplina? O ensino por disciplinas: caminhos percorridos Alguns marcos históricos facilitam a compreensão de mudanças na sociedade e todas as possibilidades de relações que se estabelecem entre um fato, um evento e suas consequências e decorrências. Veremos a se- guir alguns exemplos de como mudanças ocorridas na produção e distribuição industrial no início do século XX influenciaram e influenciam os sistemas de ensino em grande parte do mundo. É preciso salientar que nes- se período histórico e social houve a intensificação de propostas que priorizavam o ensino por disciplinas. A história das disciplinas escolares e das áreas do conhe- cimento humano antecede tal período, pois trata-se de uma construção que considera diferentes momentos da história social e econômica. Vale lembrar que tais mudanças surgiram no pas- sado, porém suas tendências e influências ainda per- petuam na atualidade com diferentes proporções e relevância, tanto na indústria como na educação. Por consequência, ainda estão representadas e refletidas na sociedade atual. No início do século XX ocorreram grandes mudan- ças no funcionamento dos sistemas de produção e distribuição na indústria. Tais mudanças possibilitaram processos de maior acumulação de capital, portanto muito lucro aos empresários e racionalização extre- ma da produção, com consequências bastante sérias aos trabalhadores. Frederick Winslow Taylor, engenheiro mecânico, desenvolveu um conjunto de métodos para a produção industrial que ficou conhecido como taylorismo. Para ele, com a divisão técnica das atividades, o trabalhador deveria apenas exercer sua tarefa em um menor tem- XII Manual do Professor DEPOM2_MP_GERAL_002-064.indd 12 21/01/18 19:45 XIII po possível, sendo ela bastante simples e repetitiva. O conhecimento de todo o processo produtivo cabia so- mente às pessoas responsáveis (gerentes), que também fiscalizavam o tempo gasto em cada etapa da produção. Outro marco desse momento foi o aparecimento da linha de montagem na indústria automobilística, que decompunha os processos de produção realizados pelos trabalhadores em operações elementares, simples e automáticas. Com isso, era possível também otimizar o tempo gasto na produção, visto que não havia deslo- camento dos funcionários. Criada por Henry Ford, a linha de montagem con- sistia em uma organização e distribuição de tarefas em uma esteira transportadora (esta modalidade de orga- nização do trabalho ficou conhecida como fordismo). Este evento contribuiu para reforçar ainda mais as po- líticas trabalhistas de desqualificação em favor de uma mecanização homogeneizadora. Com a implantação da esteira, as atividades dos trabalhadores sofreram mudanças consideráveis. A cada trabalhador cabia exe- cutar uma tarefa, parte de um processo mais amplo que ele passou a desconhecer. Tais tarefas eram bastante simples, fáceis e automáticas. Os trabalhadores e tra- balhadoras, que só deveriam acompanhar o ritmo e a cadência da esteira, passaram a ser substituídos com facilidade, pois não seria necessário muito tempo para que a tarefa fosse aprendida por um novo funcionário, resultando no barateamento da mão de obra. Trata-se de uma linha de inovação tecnológi- ca, organizativa e disciplinar que implica em uma política de modificação qualitativa dos processos de produção, para fortalecer os sistemas de con- trole direto dos trabalhadores. A fragmentação das atividades de produçãotransformou-as em incompreensíveis; passou-se a oferecer apenas um salário à classe trabalhadora como motivação para desenvolver seu trabalho; foi-lhe negada a responsabilidade de intervir em questões tão importantes e humanas como o que deve ser produzido, por quê, para quê, como, quando, etc. (SANTOMÉ, 1998). As mudanças no funcionamento dos sistemas de produção acentuaram a divisão social e técnica do tra- balho, aumentando ainda mais a separação entre tra- balho manual e trabalho intelectual. Com a sofisticação cada vez maior da tecnologia, as máquinas passaram a realizar trabalhos mais especializados, os trabalhadores foram submetidos a tarefas menos complexas e mais rotineiras, restando-lhes apenas a possibilidade de obe- decê-las e perdendo progressivamente sua autonomia e independência. As mudanças que se seguiram a partir do taylo- rismo e do fordismo foram fortemente contestadas pelos trabalhadores, associações e sindicatos que re- clamavam pelo direito a participar da tomada de deci- sões e pela democratização dos processos de produção. Esse movimento também era apoiado por intelectuais democratas. Esse processo de desqualificação ocorrido na in- dústria também chegou ao sistema educacional. Foram empregadas formas de impedir alunos e professores de participar dos processos de decisão e de elaboração das propostas educativas. A tarefa de conhecer, interpretar, organizar e elaborar os currículos a serem propostos ficou sob a responsabilidade de poucos. A estes cabia a tarefa intelectual, e aos professores e alunos a tarefa de cumprir e executar o planejado. Segundo Jackson, P. W. (1991) e Torres, J. (1991), as análises dos currículos ocul- tos evidenciam que o que realmente se aprende na sala de aula são habilidades relacionadas com a obediência e a submissão à autoridade. O modelo educacional apresentava conteúdos abstratos e desconexos, distantes do mundo expe- riencial dos alunos. Com as disciplinas trabalhadas isoladamente, de forma fragmentada e apoiadas essencialmente pelos livros-textos, tais conteúdos eram incompreensíveis para os alunos, sendo, assim, impossibilitados de construír nexos e relações que permitissem sua estruturação com base na realidade. Como resultado ao que se apresentava, os estudantes dedicavam-se a formas de memorização de dados, a apresentar exercícios caprichados e a conquistar boas notas. Realizar as tarefas dentro dos prazos estipulados, não falar sem permissão e manter-se em filas também completavam a lista de “exigências” que um estudante deveria cumprir. Com políticas públicas e práticas educacionais que contribuíram para impedir a reflexão e criticidade e as- sim o comprometimento da participação na sociedade e a compreensão da realidade, tanto os professores como a classe estudantil passaram a denunciar esse modelo de educação. Manual do Professor DEPOM2_MP_GERAL_002-064.indd 13 21/01/18 19:45 Nesse mesmo momento histórico, John Dewey, filó- sofo norte-americano, considerado o responsável pela corrente filosófica conhecida como pragmatismo, na qual as ideias ensinadas na escola só têm importância se servirem para resolver problemas reais, criticava as instituições de ensino que impunham aos alunos uma excessiva compartimentação da cultura em matérias, temas, lições e com grande abundância de detalhes sim- ples e pontuais. Foi nesse contexto de reivindicações progressis- tas de grupos ideológicos e políticos que lutavam pela democratização da sociedade que surgiu o movimen- to pedagógico que defende a interdisciplinaridade e a globalização. Mas é importante considerar que as mu- danças não se limitam a esse período mencionado, elas continuam a acontecer e a influenciar os modos de vida da sociedade e as formas de organização da educação em geral. Para Fernando Hernández, a definição sobre o sentido da globalização se estabelece como uma questão que vai além da escola, e que possivelmente, na atualidade, moti- vada pelo desenvolvimento das ciências cognitivas, esteja recebendo um novo sentido, centrando-se na forma de relacionar os diferentes saberes, em vez de preocupar-se em como levar adiante a acumu- lação. Não obstante, o problema não parece ser de competência ou especificidade de saberes, e sim de como realizar a articulação da aprendizagem indi- vidual com os conteúdos das diferentes disciplinas. (HERNÁNDEZ, 1988, p. 45). À medida que a sociedade se torna cada vez mais complexa, torna-se urgente uma educação que seja capaz de compreender tal complexidade e que promova a construção de um conhecimento que esteja de acordo com esta amplitude. A interdisciplinaridade no contexto social O enfoque interdisciplinar está presente em um con- texto amplo e muito complexo de mudanças que não se restringe à educação, abrange também outros setores da vida social, como a tecnologia, a economia e a política. No campo educativo vários autores têm discutido e se dedicado a estudar a interdisciplinaridade. Em meio às questões que decorrem das diferentes interpretações, experiências e abordagens, existe um consenso em apontar que ela oferece possibilidades para a necessi- dade de superação da visão fragmentada nos processos de produção e socialização do conhecimento, resistindo ao saber parcelado e privilegiando a totalidade e a inte- gração dos saberes. Pode-se dizer que o conceito de interdisciplinaridade está em construção e, portanto, relacionado às diferen- tes experiências em curso. A interdisciplinaridade estará sempre em oposição a uma abordagem disciplinar que valorize o saber parcelado. No campo da educação aparecem propostas e ex- periências bem-sucedidas, em que diferentes disciplinas se unem ou se complementam para solucionar deter- minada questão. Um bom exemplo de que a lógica das disciplinas não contempla todas as necessidades atuais vem da área de Ciências da Natureza, que se divide em diferentes áreas de especialização e por vezes se depara com a ne- cessidade de reunir essas áreas para trabalharem jun- tas, organizando-se de maneira diferente. Atualmente, concebem-se relações recíprocas e trocas entre uma disciplina e outra. Os desafios da escola atual Como sabemos, a sociedade contemporânea tem se tornado cada vez mais complexa e estabelece no- vos parâmetros de convivência, permanência e atua- ção diante dos problemas que se apresentam. Assim, espera-se que a educação brasileira favoreça a for- mação humana integral do aluno e que contribua para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva. A formação humana integral requer saberes diversos. Saberes que tanto podem oferecer meios para compreender o que se apresenta como para en- contrar soluções e enfrentar os desafios. Já não basta acumular conhecimentos como outrora se imaginou. É preciso saber analisá-los, relacioná-los e acioná-los para a resolução das situações vivenciadas, impostas, sugeridas, imaginadas ou idealizadas. As grandes mu- danças em curso exigem capacidade de assumir postu- ras críticas, de diálogo, de mobilização e potência diante dos conflitos. XIV Manual do Professor DEPOM2_MP_GERAL_002-064.indd 14 21/01/18 19:45 XV Não é concebível um modelo de escola que esteja desconectado da realidade e que não se traduza em prá- ticas interessantes, criativas, instigadoras, desafiadoras e enriquecedoras, oferecendo aos alunos possibilidades de novos e amplos conhecimentos. Como deve ser a escola contemporânea? Quais os desafios que se impõem? O que esperamos dos sujeitos que integram essa escola? Para essas e outras tantas questões que se apre- sentam e que suscitam variadas respostas, corres- pondendo a diferentes lógicas, pontos de vista ou concepções, usaremos a BNCC como referência. Nela se expressam as ideias e concepções que estão orien- tando a educação brasileira e, portanto,a teremos como guia de nossas apostas e norteador na busca por res- postas necessárias. Como deve ser a escola contemporânea? A escola atual deverá ser, antes de tudo, uma es- cola ativa, aberta e comprometida com os propósitos dispostos na BNCC. Uma escola que tem em sua prá- tica e em suas decisões o objetivo maior de contribuir para a construção da sociedade em que seus cidadãos tenham assegurados o direito a uma formação plena. Sendo assim, deverá: • Respeitar o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos de- vem desenvolver; • Ser orientada por princípios éticos, políticos e estéticos; • Promover a formação integral do aluno visando à construção de uma sociedade mais justa, democrá- tica e inclusiva; • Formular um currículo diferenciado e adequado que busque a equidade, sendo aberto à pluralidade e à diversidade; • Proporcionar uma experiência escolar acessível, efi- caz e agradável a todos, sem exceção; • Promover a formação e o desenvolvimento humano global, em suas dimensões intelectual, física, afetiva, social, ética, moral e simbólica; • Assegurar as aprendizagens essenciais definidas pa- ra cada etapa da educação básica através de currículo em ação. • Respeitar e considerar os saberes já construídos, as diferentes formas de interação com o conhecimento e as individualidades e necessidades que os alunos possuem. Quais são os desafios que se impõem? O que se espera dos sujeitos que integram essa escola? Muitos são os desafios enfrentados pela escola para cumprir seu papel e alcançar os objetivos propostos. Porém, a efetiva conquista dos objetivos somente será alcançada com a participação e o compromisso de to- dos os envolvidos. Desde aqueles que participaram da elaboração de leis, documentos, planos, currículos, até aqueles que decidem e atuam nas questões cotidia- nas. Professores, alunos, coordenadores, pais e cola- boradores em geral devem ter clareza de seus papéis e atuar sempre de forma a contribuir para a educação que se almeja. Conhecer a escola, a comunidade e cada um de seus integrantes é parte importante do processo educativo. As propostas de ensino e de aprendizagem devem estar pautadas em sujeitos reais, com questões mobilizadoras e conhecimentos valorizados e respeitados. Como temos visto, as ações e decisões esperadas trazem consigo algo que mobiliza e atinge a todos que se dedicam à educação e que não por acaso está aqui co- locado: a intenção clara de elucidar práticas inovadoras, ousadas, que correspondam aos conhecimentos teó- ricos em curso e alternativas a aquelas que vêm sendo aplicadas nas escolas e que sabemos estar descontex- tualizadas e inadequadas. Tais ações podem ser verdadeiros desafios para as mais variadas instituições de ensino e exigem um esforço contínuo de compromisso para que de fato se tornem práticas escolares frequentes e promissoras, porém é ine- gável a sua pertinência e as conquistas delas decorrentes. Destacaremos a seguir uma das importantes ações e decisões e que nos reporta ao assunto que temos tratado: decidir sobre as formas de organização inter- disciplinar dos componentes curriculares: o trabalho com projetos. Manual do Professor DEPOM2_MP_GERAL_002-064.indd 15 21/01/18 19:45 O trabalho com projetos As propostas de organização do currículo das ins- tituições brasileiras apresentam a possibilidade de se- rem contempladas variadas práticas educativas e que necessariamente não são excludentes. Assim, a orga- nização do currículo por disciplinas não exclui, a priori, a possibilidade de trabalhos com projetos. O trabalho com projetos tem se apresentado como uma forma possível de organização do currículo que en- seja contribuir para o desenvolvimento das aprendiza- gens essenciais, do conhecimento e das competências a serem alcançadas por todos os estudantes ao longo do Ensino Fundamental. Esta proposta vislumbra possibilidades de novas con- quistas e descobertas tanto para os professores como para os alunos. O alcance deste trabalho não está implí- cito à sua organização ou princípios. Ele dependerá do desenvolvimento e do envolvimento dos participantes, porém é possível dizer que seus meios podem facilitar, dar maior acesso a algumas conquistas, justamente pelas mudanças que propõe em relação ao conhecimento, à autonomia e ao protagonismo dos sujeitos envolvidos. O trabalho com projetos apresenta uma diferente maneira de aprender e de ensinar. Alunos e professores assumem a busca e a construção de conhecimentos, a partir de uma situação-problema real, em um exercício de trocas, reflexão, olhar crítico, diálogo, respeito aos conhecimentos diversos, observação e autonomia. As atividades propostas e desenvolvidas visam a uma prá- tica pedagógica em que as aprendizagens sejam signifi- cativas, que correspondam aos objetivos definidos e que potencializem os conhecimentos gerados e construídos. Projetos: como surgem e autores que nos inspiram Ao longo dos anos, e principalmente a partir do iní- cio do século XX, muitas ideias e movimentos surgi- ram na busca de soluções e de novas interpretações para a educação que se propunha. A ideia de projetos já aparece com as propostas de Dewey e segue sendo combinada, reformulada, reinterpretada, reestruturada. Segundo Lopes (2011), os princípios de Dewey estão na base das reformas educacionais ocorridas nos anos 1920, em alguns estados do Brasil. Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo foram dois dos educadores que tiveram forte influência da teoria de Dewey e foram res- ponsáveis por importantes reformas ocorridas na Bahia e no distrito federal. Também temos como exemplo o trabalho de William Kilpatrick, muito presente nas expe- riências brasileiras e responsável pela sistematização de projetos, utilizados por Dewey em diferentes experiên- cias educacionais, visando à construção de um método de ensino – o método de projetos. Esse método busca desenvolver uma ação no ambiente social de maneira que os alunos resol- vam em sala de aula problemas reais de seu coti- diano. Com isso não apenas se desenvolve maior socialização dos alunos como se busca ajudar as pessoas a terem uma qualidade de vida melhor. Essa qualidade de vida é associada a novas habili- dades e atitudes aprendidas pelo estudante vistas como possíveis de serem aplicadas no seu meio social. (LOPES, 2011, p. 125). Outro trabalho com ampla divulgação no Brasil é o de Fernando Hernández e Montserrat Ventura em que apresentam propostas de projetos de trabalho. Para eles, deve-se criar estratégias de organização de co- nhecimentos escolares de modo que uma hipótese, uma dúvida ou um problema seja abordado por diferentes conteúdos correlacionados. Para o desenvolvimento de um projeto devem ser explicitados os conteúdos e os objetivos a serem atingidos, sendo compartilhados e conhecidos por todos os envolvidos. Dessa forma, es- pera-se que a organização do trabalho favoreça, no que diz respeito aos alunos, a construção do conhecimento capaz de estabelecer relações. Do trabalho desenvolvido por Hernández e Ventura se faz necessário um maior entendimento sobre aquilo que chamam de globalização e que traduz ou aponta para ideias importantes sobre conhecimento e sobre aprender. Para estes autores diferentes práticas educativas podem ser definidas por essa mesma terminologia, mas é necessário fazer a distinção e compreendê-las. Na prática dos profes- sores podem ser encontrados pelo menos três sentidos diferentes para a globalização: somatório de disciplinas, interdisciplinaridades e estrutura de aprendizagem. 3 XVI Manual do Professor DEPOM2_MP_GERAL_002-064.indd 16 21/01/18 19:45 XVII A globalização caracterizada por somatório de disci- plinas é a mais generalizada das práticas escolares. Essa é uma concepção em que o docente toma decisões so-bre as possíveis conexões que possa estabelecer de um determinado tema com as diferentes disciplinas. Dessa forma, por exemplo, um professor que deseja trabalhar com o tema “água” poderá fazer confluir diferentes con- teúdos de várias disciplinas em torno do tema sem que, necessariamente, se relacionem de forma pertinente. A globalização tem assim, se pensa, um caráter motivador, pois a confluência de conteúdos em torno de um mesmo tema torna mais fácil a assimilação do aluno, um esforço circunstancial que pouco tem a ver com a estrutura das disciplinas ou com um enfoque da aprendizagem que dote os estudan- tes de recursos e procedimentos para aprender. (HERNÁNDEZ e VENTURA, 1998, p. 51). A concepção de globalização vinculada à ideia de interdisciplinaridade acontece quando professores de diferentes disciplinas trabalham em equipe na tentativa de tornar claro para os alunos que determinados temas se relacionam. O propósito desse enfoque é mostrar e ensinar aos alunos a unidade do saber. Somam-se, assim, visões e informações de diferentes abordagens feitas pelos especialistas e espera-se que os alunos captem as relações entre elas, estabelecendo conexões pelo fato de terem sido evidenciadas, mas, geralmente, sem que tenha havido, de fato, trocas relacionais entre os saberes. A interdisciplinaridade nos é apresentada como uma tentativa de uma organização da informação, dos conhecimentos escolares, partindo de uma visão disciplinar que tenta centralizar-se em alguns temas contemplados a partir de múltiplos ângulos e métodos. (HERNÁNDEZ e VENTURA, 1998, p. 51). Podemos dizer que é preciso considerar que as re- lações não se estabelecem simplesmente porque fo- ram assim pensadas por quem as planejou. Para que os alunos consigam estabelecer vínculos e relacionar as informações disponíveis ou encontradas, é necessário que aprendam a fazê-lo; portanto, será preciso ensiná- -los. Para isso, seria necessário que os alunos tivessem problemas específicos a enfrentar, dentro do tema. Nessa concepção de aprendizagem os alunos apren- dem e se desenvolvem na medida em que podem construir conhecimentos, participando ativamente, tendo disponi- bilidade para aprender, acionando seus conhecimentos prévios e relacionando-os ao novo que se apresenta. A aprendizagem se realizará a partir do conhecimento que o aluno já possui e que vai estabelecer relações e co- nexões entre as diferentes fontes de informações e os diferentes procedimentos para abordar tais informações. Esse enfoque se apoia na premissa psicope- dagógica de que, para tornar significativo um novo conhecimento, é necessário que se estabeleça algum tipo de conexão com os que o indivíduo já possua, com seus esquemas internos e externos de referên- cia, ou com as hipóteses que possam estabelecer sobre o problema ou tema, tendo presente, além disso, que cada aluno pode ter concepções errôneas que devem ser conhecidas para que se construa um processo adequado de ensino-aprendizagem. (HERNÁNDEZ e VENTURA, 1998, p. 55). Nessa proposta de globalização, o tema ou o proble- ma apresentado deverá corresponder às necessidades de relações que o aluno precisará estabelecer. Os co- nhecimentos que surgirão a partir do tema ou problema proposto deverão convergir para tais necessidades do aluno. Assim, essa noção de globalização não se fun- damenta tanto no que se ensina, mas sim nas relações que os alunos possam estabelecer. Trata-se de faci- litar aos estudantes, de uma maneira compreensiva, procedimentos de diferentes tipos que lhes permitam ir aprendendo a organizar seu próprio conhecimento, a descobrir e estabelecer novas interconexões nos pro- blemas que acompanham a informação que manipulam, adaptando-os a outros contextos, temas ou problemas. Para os autores aqui citados, esse enfoque globaliza- dor pode ser adotado em diferentes formas de organi- zação dos conteúdos curriculares, porém as propostas que trazem maior possibilidade de flexibilidade no plane- jamento e na prática, como os trabalhos com temas ou projetos, oferecem também maior possibilidade de êxito. O trabalho desenvolvido por meio de projetos e sob o enfoque globalizador traz a concepção de um aluno ativo, participativo da aprendizagem, que levan- ta hipóteses, que experimenta e testa suas ideias, que argumenta, aplica seus conhecimentos, faz represen- Manual do Professor DEPOM2_MP_GERAL_002-064.indd 17 21/01/18 19:45 tações daquilo que pensa, assim como expressa aquilo que aprende. O professor deixa o papel de transmissor de conteúdos e passa a criar situações que convidem e envolvam os alunos a buscar informações, a interagir com o grupo, a interagir com os novos conhecimentos, a dialogar com os especialistas e a construir novos co- nhecimentos. Assim, também o professor passa a ser um pesquisador, juntamente com os alunos. O sujeito que aprende e o conhecimento pertinente Temos falado de um aluno participativo, ativo, ques- tionador, crítico, implicado em seu processo de aprendi- zagem e capaz. Também falamos, entre outras coisas, sobre busca e acesso ao conhecimento e às informa- ções, conhecimento não fragmentado, complexidade da sociedade e contextualização do conhecimento. O aluno da escola atual enfrenta diversas questões que se referem e são pertencentes ao seu tempo, ao mo- mento histórico, social e político do mundo. A Ecologia, a Economia, a Política mundial fazem parte das informações e também dos conhecimentos necessários aos cidadãos atuais. Como comentar uma crise hídrica sem relacioná- -la às questões econômicas, políticas, sociais e ecológi- cas? Como explicar e entender a necessidade de ações internacionais para a melhoria do clima em todo o mundo? Com o avanço das tecnologias de comunicação o acesso às informações está facilitado. É possível saber- mos de acontecimentos e notícias de qualquer parte do mundo, em tempo real, sejam elas relevantes ou não. Um desastre ambiental causado por uma falha mecânica em uma usina nuclear é visto por todo o mundo, suas consequências são relatadas, mas como relacionar as informações que nos chegam à nossa própria vida? Co- mo saber se um episódio isolado, ocorrido em um lugar distante geograficamente, pode causar impacto para a vida de determinado grupo social? Novos desafios são apresentados à escola contemporânea. Segundo Morin (2001), será necessário ensinar e aprender tendo em vista o conhecimento de mundo, co- nhecer e compreender o contexto, seja ele global, mul- tidimensional, seja complexo. Mais uma vez, a educação se depara com as mudanças em curso e fica flagrante a contradição entre o que se vivencia nas escolas e a vida fora dela. A escola com os saberes desunidos, frag- mentados, divididos e descontextualizados e a realidade e os problemas mostrando-se multidisciplinares, glo- bais, multidimensionais, transversais, transnacionais e planetários. Nessa perspectiva, o acesso às informações não é suficiente. É preciso conhecer seu contexto. O contex- to oferece condições e dados para que possamos com- preender melhor uma situação, uma questão. Ao ler um livro, por exemplo, nos deparamos com uma palavra cujo significado desconhecemos e, para solucionar este pro- blema momentâneo, recorremos, muitas vezes, ao con- texto: voltamos ao texto, relemos o trecho no qual está inserida a palavra desconhecida e inferimos daquele con- texto, buscamos em uma parte do texto elementos que nos ofereçam informações, ideias que possam nos ajudar a compreender o significado de tal palavra, seu sentido. O global, ainda segundo Morin, é algo maior que o contexto. É um conjunto de diversas partes ligadas e interligadas a um todo organizador. Assim, o planeta é mais do que um contexto, é um todo organizador. O todo tem propriedades ou qualidades que não se encontram nas partes se estas estiverem isoladas umas das outras.O conhecimento pertinente deve reconhecer o ca- ráter multidimensional de unidades complexas como o ser humano, a sociedade, a cultura. O ser humano é biológico, social, afetivo e racional. A cultura comporta aspectos sociais, ambientais, econômicos, históricos. Ao reconhecer o caráter multidimensional das unidades complexas, o conhecimento deve considerar todas as suas partes e suas interligações e suas retroações. O conhecimento pertinente deve enfrentar também a complexidade. Segundo Morin (2001), há complexidade quando elementos diferentes são inseparáveis, consti- tutivos do todo (como o econômico, o político, o socioló- gico, o psicológico, o afetivo, o mitológico), e há um tecido interdependente, interativo, e inter-retroativo entre o objeto de conhecimento e seu contexto, as partes e o todo, o todo e as partes, as partes entre si. Por isso, a complexidade é a união entre a unidade e a multiplicidade. Sendo assim, a educação deve promover compe- tências e aprendizagens para que os sujeitos estejam aptos a considerar e compreender as questões relativas ao complexo, ao contexto, de modo multidimensional e dentro da concepção global. Não se trata de abandonar o conhecimento das partes pelo conhecimento das totalidades, nem da análise pela síntese; é preciso conjugá-las. (MORIN, 2001, p. 46). XVIII Manual do Professor DEPOM2_MP_GERAL_002-064.indd 18 21/01/18 19:45 XIX A proposta de projetos desta coleção Ao elaborar esta coleção, nos deparamos com o de- safio de transpor uma experiência totalmente voltada ao ensino por projetos. Nosso objetivo nesta coleção foi sempre legitimar o trabalho dos professores, a fim de que eles próprios percebam quanto esse trabalho pode ser frutífero e eficaz, na medida em que as propostas su- geridas e aplicadas mobilizam os alunos e os fazem sujei- tos participativos no processo de ensino-aprendizagem. As obras de nossa coleção oferecem oportunidades de aprendizagens significativas e contextualizadas. Ao relacionar variados objetos de conhecimento de dife- rentes componentes curriculares e explicitar aos alu- nos a necessidade dessa busca por saberes que não se limitam a uma única disciplina, estamos, também, atribuindo sentido às aprendizagens e favorecendo que novas competências sejam desenvolvidas. O trabalho por projetos contribui para contextualizar a aprendiza- gem, e para isso propomos que os conhecimentos de- senvolvidos sejam vinculados às situações vivenciadas pelos alunos em suas comunidades. No intuito de contribuir efetivamente para a educa- ção brasileira nossa coleção está em consonância com documentos oficiais, como a BNCC, a LDB e as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Básica, e se insere em um contexto cujos objetivos estão permeados pela perspectiva de uma educação de qualidade, voltada à formação humana integral e à construção de uma so- ciedade justa, democrática e inclusiva. Já tendo discorrido sobre alguns desses assuntos, principalmente para situá-los ao longo da História, e também sobre os documentos oficiais já mencionados, passaremos, então, a abordá-los para explicitar suas im- plicações no trabalho proposto, tanto na prática do pro- fessor como na aprendizagem do aluno, e oferecer outros aportes que possam complementar as ideias e conceitos apresentados, buscando maior aprofundamento. O que entendemos por conhecimento e aprendizagem? Como entendemos a questão do contexto e da contex- tualização a partir dessa abordagem? Qual a relação entre conhecimento e vivência? Por que se enfatiza a necessi- dade de conectar os conhecimentos de diferentes áreas e componentes curriculares à comunidade do aluno? Nas instituições escolares muito se fala de conheci- mento: conhecimento que o professor tem de seus alunos, conhecimento que os alunos possuem acerca das dife- rentes áreas a serem estudadas, áreas de conhecimen- to, construção de conhecimento, os conhecimentos que devem ser ensinados, aprendidos, entre outros. É possível que, em diferentes âmbitos, o conhecimen- to ganhe atributos ou particularidades que o diferencie do âmbito escolar. Não é raro encontrarmos em livros voltados à pedagogia ou à psicologia, por exemplo, o termo acom- panhado de um adjetivo: conhecimento escolar. No texto Currículo, conhecimento e cultura, Moreira e Candau (2006) diferenciam e argumentam a necessidade da distinção. Para eles, o conhecimento escolar é uma construção específica da esfera educativa que não deve ser vista nem concebida como uma simplificação de conhecimentos produzidos por outras esferas. O conhecimento escolar é produzido pelo sistema escolar e pelo contexto social e econômico. Ele possui características próprias que o distinguem de outras formas de conhecimento. Origina-se de conhecimentos socialmente produzidos, como os conhecimentos dos meios científicos, tecnológicos, artísticos, etc. Alguns co- nhecimentos também foram elaborados pela escola, como é o caso da gramática escolar, historicamente criada pela escola, na escola e para a escola (CHERVEL, 1990). Para os professores é importante fazer tal distinção, pois, cientes das “transformações” pelas quais passam os conhecimentos até se tornarem conhecimentos escola- res, saberão que não há como inserir nas salas de aula e nas escolas os conhecimentos tal qual são originados em seus contextos. Delia Lerner (2002) afirma que se trata de um primeiro nível de transposição didática, a passagem de saberes cientificamente produzidos ou de práticas so- cialmente realizadas para objetos ou práticas a ensinar. Se o professor entende como o conhecimento escolar se produz, saberá melhor distinguir em que momento os mecanismos implicados nessa produção estão favorecendo ou atravancando o trabalho docente. Em outras palavras, a compreensão do processo de construção de conhecimento escolar facilita ao pro- fessor uma maior compreensão do próprio processo pedagógico, o que pode estimular novas abordagens, na tentativa tanto de bem selecionar e organizar os conhecimentos quanto de conferir uma orientação cultural ao currículo. (MOREIRA e CANDAU, 2006). 4 Manual do Professor DEPOM2_MP_GERAL_002-064.indd 19 21/01/18 19:45 Ao propor um projeto o professor terá como objetivo abordar algumas das diversas áreas do conhecimento e dos diferentes componentes curriculares e, ao longo do projeto, deverão ficar explícitas aos alunos as relações existentes entre os diferentes objetos do conhecimen- to estudados. Para Hernández e Ventura, o trabalho com projetos favorece a criação de estratégias de or- ganização dos conhecimentos escolares em relação ao tratamento da informação e aos diferentes conteúdos em torno de problemas ou hipóteses. Para eles, essa proposta de projetos facilita aos alunos a construção de seus conhecimentos, pois terão a possibilidade de relacionar, refletir e interagir com informações e saberes procedentes de diferentes disciplinas. Tais saberes se complementam, se integram de maneira que o aluno passa a ter maiores possibilidades de compreensão e elaboração de novos conhecimentos. Saber relacionar um conhecimento adquirido por meio da proposta de projetos às situações vivenciadas em suas comunidades é também o que se pretende. Como já mencionado, ao tratarmos de projetos, esta é uma atividade que exige do aluno e do professor esfor- ços que vão além da simples explicitação das relações. Para isso, o tema escolhido e trabalhado deve favorecer a confluência de conhecimentos e responder às neces- sidades de relação que o aluno pode vir a estabelecer e que foram previstas e definidas pelos professores como objetivos do trabalho. São essas relações, entre os co- nhecimentos construídos e os objetos de estudo, que farão dos projetos uma modalidade de ensino e apren- dizagem diferenciada e privilegiada. Indiferentemente do tema escolhido ou da proble- mática abordada, alguns princípios e ideias merecem ser observados
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