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ÁREA PEDAGÓGICA GERAL Didatismo e Conhecimento 1 ÁREA PEDAGÓGICA GERAL PRINCÍPIOS DA PRÁTICA DOCENTE E DISCENTE: SOCIOLÓGICOS, FILOSÓFICOS,ANTROPOLÓGICOS, ÉTICOS E ESTÉTICOS. As preocupações do professor com o seu trabalho, em sala de aula, são de várias ordens e nem sempre suficientemente claras e bem definidas. São exemplos de suas atribuições diárias: chegar ao final do programa dentro do prazo previsto; suprir as dificuldades de aprendizagem dos alunos; escolher recursos didáticos adequa- dos à apresentação do conteúdo; elaborar tipos de atividades e for- mas de avaliação dos alunos; e, principalmente entre professores recém-formados, encontrar estratégias apropriadas ao desenvolvi- mento do conteúdo e à consecução dos objetivos propostos. Entre os objetivos visados pelo professor, encontra-se o “de- senvolvimento das potencialidades” do aluno e de sua capacidade de pensar, objetivo este também presente nas propostas da legis- lação para o ensino de 1º e 2º grau. Em geral, os objetivos são apenas propagados ou colocados formalmente e não há garantias de que, ao término de um programa, sua consecução esteja bem encaminhada. Quanto às estratégias e recursos didáticos, a insatisfação pa- rece ser geral, mas em grande parte inconsciente. Ao professor, não fica claro se os caminhos escolhidos são os melhores na per- secução dos objetivos e, ao mesmo tempo, os mais adequados à apresentação dos conteúdos do programa. Afora as queixas pela falta de recursos materiais da escola, que se acompanham da falsa tranquilidade de consciência do professor, sem afastar certo sen- timento de culpa resultante da acomodação às condições dadas. É comum, aliás, que os fracassos sentidos no âmbito técnico-pedagógico sejam interpretados de modo inconsistente, recorrendo-se a fatores circunstanciais: se a classe demonstra dificuldade específica, a falha está no ensino deficiente nas séries anteriores e, em última instância, na falta de preparo técnico do professor; se o fracasso é generalizado, explica-se pelas condições existenciais do aluno ou por deficiências estruturais da escola (nível socioeconômico e estrutura familiar, falta de recursos auxiliares em casa e na escola, classes numerosas, etc.); se a dificuldade é sentida por poucos alunos, o fracasso é atribuído a eles próprios, sendo questão de «pouca inteligência» ou «baixo QI» (BARRE- TO). Mas o maior problema da atuação docente, a nosso ver, está em sua fundamentação pedagógico-epistemológica. Apresentaremos, a seguir, certas confusões e ambiguidades presentes na fundamentação do trabalho docente, apontando a distância entre o real e o desejável, responsável pela permanência do ensino tradicional em nossas escolas. Traçaremos algumas ca- racterísticas do atual ensino brasileiro de 1º e 2º grau, levantando suas suposições implícitas e implicações para a aprendizagem e o desenvolvimento do aluno. E, finalmente, abordaremos alguns princípios psicológicos e epistemológicos que podem fundamentar uma pedagogia ativa sob a perspectiva piagetiana, com sugestões de como torná-los efetivos na prática pedagógica que pretenda “desenvolver as potencialidades” do aprendiz. Sociológicos Os atuais marcos legais para oferta do ensino, consubstan- ciados na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (nº. 9394/96), representam um divisor na construção da identidade da terceira etapa da educação básica brasileira. Dois aspectos merecem destaque. O primeiro diz respeito às finalidades atribuídas ao ensino: o aprimoramento do educando como ser humano, sua formação ética, desenvolvimento de sua autonomia intelectual e de seu pen- samento crítico, sua preparação para o mundo do trabalho e o de- senvolvimento de competências para continuar seu aprendizado. (Art. 35) O segundo propõe a organização curricular com os seguintes componentes: • base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada que atenda a especificidades regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e do próprio aluno (Art. 26); • planejamento e desenvolvimento orgânico do currículo, su- perando a organização por disciplinas estanques; • integração e articulação dos conhecimentos em processo permanente de interdisciplinaridade e contextualização; • proposta pedagógica elaborada e executada pelos estabe- lecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as de seu sistema de ensino; • participação dos docentes na elaboração da proposta pedagó- gica do estabelecimento de ensino. O grande avanço determinado por tais diretrizes consiste na possibilidade objetiva de pensar a escola a partir de sua própria realidade, privilegiando o trabalho coletivo. Ao se tratar da organização curricular tem-se a consciência de que a essência da organização escolar é, pois, contemplada. Por ou- tro lado, um conjunto de questões emerge, uma vez que o currículo traz na sua construção o tratamento das dimensões histórico-social e epistemológica. A primeira afirma o valor histórico e social do conhecimento; a segunda impõe a necessidade de reconstruir os procedimentos envolvidos na produção dos conhecimentos. Além disso, a política curricular deve ser entendida como expressão de uma política cultural, na medida em que seleciona conteúdos e práticas de uma dada cultura para serem trabalhados no interior da instituição escolar. Trata-se de uma ação de fôlego: envolve crenças, valores e, às vezes, o rompimento com práticas arraigadas. A proposta foi desenvolvida a partir da necessidade expressa em encontros e debates com os gestores das Secretarias Estaduais de Educação e aqueles que, nas universidades, vêm pesquisando e discutindo questões relativas ao ensino das diferentes disciplinas. A demanda era pela retomada da discussão dos Parâmetros Curri- culares Nacionais do Ensino Médio, não só no sentido de aprofun- dar a compreensão sobre pontos que mereciam esclarecimentos, como também, de apontar e desenvolver indicativos que pudessem oferecer alternativas didático-pedagógicas para a organização do trabalho pedagógico, a fim de atender às necessidades e às expec- tativas das escolas e dos professores na estruturação do currículo para o ensino médio. Didatismo e Conhecimento 2 ÁREA PEDAGÓGICA GERAL A elaboração das reflexões que o Ministério da Educação traz aos professores iniciou em 2004. Desde então, definiu-se um enca- minhamento de trabalho que garantisse a articulação de represen- tações da universidade, das Secretarias Estaduais de Educação e dos professores para alcançar uma produção final que respondesse a necessidades reais da relação de ensino e aprendizagem. O próprio processo, envolvendo diferentes representações e focos de análise, indica a natureza do texto cujo resultado está aqui apresentado. Isto é, um material que apresenta e discute questões relacionadas ao currículo escolar e a cada disciplina em particular. O currículo é a expressão dinâmica do conceito que a esco- la e o sistema de ensino têm sobre o desenvolvimento dos seus alunos e que se propõe a realizar com e para eles. Portanto, qual- quer orientação que se apresente não pode chegar à equipe docente como prescrição quanto ao trabalho a ser feito. O Projeto Pedagógico e o Currículo da Escola devem ser ob- jetos de ampla discussão para que suas propostas se aproximem sempre mais do currículo real que se efetiva no interior da escola e de cada sala de aula. É oportuno lembrar que os debates dos diferentes grupos manifestaram grandes preocupações com as bases materiais do trabalho docente. Certamente a situação funcional da equipe escolar, envolven- do jornada de trabalho, programas de desenvolvimento profissional e condições de organização do trabalho pedagógico, tem um peso significativo para o êxito do processo de ensino-aprendizagem. Interessar-se pela educação significa interessar-se pelos pro- cessos de inculcação e apropriação das habilidades, das sensibili-dades e das disposições apropriadas para uma determinada partici- pação na sociedade. Supõe focalizar os processos de transmissão intergeracional, indagando sobre as condições que tornam possível a permanência, ao longo do tempo, das hierarquias que dão sentido às interações entre os grupos em sociedades específicas. As sociedades industrializadas contemporâneas têm de lidar com um elemento fundamental na equação da transmissão, a es- cola única e obrigatória, invenção coletiva que assumiu a forma que hoje conhecemos no século XIX, no bojo das transformações que acompanharam a criação dos Estados Nacionais e a constru- ção da democracia moderna, forçando as famílias a dividirem com o Estado a responsabilidade e o trabalho de formação das novas gerações. Encarregada de formar os cidadãos necessários à nova ordem política, a escola torna-se progressivamente encarregada também de garantir que o destino social dos indivíduos deixe de ser de- finido pelo nascimento. Estabelecida como um espaço à parte, controlando a definição de quem pode ser aluno tanto quanto a definição de quem pode ser professor, a escola se quer autônoma das famílias. Atribui-se, então, à máquina escolar de classificação a distribuição de diplomas e certificados que, pensados como re- sultado de um processo em que as crianças e jovens são avaliados em igualdade de condições, tomam legitimamente o lugar dos so- brenomes, isto é, dos nomes de família, na definição do percurso social a que estão destinados seus possuidores. Desde a década de 1960, graças aos trabalhos de Pierre Bour- dieu, Baudelot e Establet, Bowles e Gintis, Coleman, entre outros, sabemos que as coisas não se passam exatamente assim e que as operações escolares de separação e classificação dos alunos não estão imunes às lutas das famílias para garantir a transmissão dos seus patrimônios. A autonomia da escola para produzir seus vere- dictos é constantemente desafiada, carregando de sentido e conse- quências decisões que, apenas na aparência, podem ser pensadas exclusivamente por uma lógica pedagógica, como no caso da de- finição dos conteúdos curriculares legítimos, ou econômica, como no caso das decisões de se introduzir ou apoiar tal ou qual ramo do ensino, técnico ou generalista. Essa é a questão que mobiliza os artigos reunidos neste Dos- siê. O estudo dos percursos sociais dos filhos de imigrantes nos Estados Unidos realizado por Alejandro Portes e William Haller documenta exemplarmente essas lutas ao mobilizar a noção de “assimilação segmentada” para mostrar que os efeitos da ação es- colar sobre os indivíduos só podem ser bem compreendidos quan- do examinados à luz da ação, anterior mas também concomitante, que o grupo social exerce sobre eles com mediação das famílias. Os textos seguintes examinam essa questão com relação a grupos sociais específicos. No primeiro deles, é focalizada as re- lações estreitas que unem famílias dos grupos médios e as escolas que escolhem para suas filhas, revelando o efeito dessas relações em termos de construção de possibilidades de profissionalização feminina na década de 1960. Operacionalizando a noção de “edu- cação total”, esse texto problematiza o significado da existência de um setor privado forte no interior do sistema de ensino brasi- leiro, mostrando como isso permitia às famílias encontrarem, num “mercado escolar”, a modalidade de escolarização que mais serve aos seus interesses. Trata-se de uma situação que perdura e talvez tenha se acentuado hoje. Kimi Tomizaki, por sua vez, a partir do seu estudo sobre os processos de transmissão intergeracional entre metalúrgicos de uma grande montadora, discute as transformações no sentido atri- buído às qualificações à medida que a expansão da escolarização se acentua, num contexto de estreitamento das oportunidades de trabalho, desvalorizando credenciais e impondo à própria esco- la, assim como às famílias, o confronto com o desacordo entre a promessa materializada no diploma e a realidade do mercado de trabalho. O texto de Elizabeth Linhares funciona, nesse contexto, como o outro lado do espelho, ao acompanhar as transformações viven- ciadas por um grupo de antigos colonos do café hoje assentados na serra fluminense, mostrando como as possibilidades de relação que esse grupo pode estabelecer com a escola se modificam ao sabor das mudanças nas suas condições de existência e nas condições institucionais de oferta escolar, implicando em alterações no ciclo de vida, nas formas de organização do tempo, nas modalidades de definição da dependência de uns para com os outros e, particular- mente, de uma geração para com a outra. Não poderíamos tratar desta questão sem um mergulho mais preciso na instituição escolar e em suas contradições tão bem cap- tadas pelo artigo de Jean-Jacques Paul e Maria Lígia Barbosa, que estuda a contribuição dos professores para a redução das desigual- dades sociais. Tendo como referência uma pesquisa comparativa realizada em Belo Horizonte (Brasil), Buenos Aires (Argentina), Santiago (Chile) e Leon-Guanahato (México), os autores discu- tem como o trabalho docente pode exercer papel significativo na melhoria da qualidade de ensino de alunos de diferentes origens sociais. A análise estatística dos dados revela a existência do que denominam “perversidade do efeito docente”, ou seja, os profes- sores nesses quatro países aparecem como fatores decisivos das trajetórias de seus alunos e acabam por reforçar as desigualdades sociais existentes. Didatismo e Conhecimento 3 ÁREA PEDAGÓGICA GERAL Depois do mergulho na escola, uma imersão no foco das fa- mílias se faz necessário. Nele, verifica-se a questão da correspon- dência entre condições de vida e construção das percepções sub- jetivas sobre o mundo, incluindo aí as percepções sobre o lugar a ser ocupado nesse mundo pelas novas gerações que presidem os investimentos no futuro dos filhos. As autoras apontam, particular- mente, a produtividade de se levar em conta o trabalho cotidiano desenvolvido coletivamente pelas famílias para construir sentidos precisos ao abundante e às vezes contraditório fluxo de experiên- cias a que são expostas, usualmente pensadas de uma maneira to- talizante como “experiências de classe”. Encerramos a discussão com um esforço de refletir sobre os próprios termos que a estruturam. Voltando aos processos de cons- trução do sistema nacional de ensino, procura pelas condições que permitiram a construção de uma relação causal entre educação e desigualdade de renda e sua elevação a uma posição proeminente no debate sobre os rumos da educação nacional nas últimas dé- cadas, explicitando o papel aí desempenhado pelas disputas entre juristas e economistas pelo protagonismo na definição das compe- tências de Estado e dispositivos de governo. Recomendamos um estudo em Christian Baudelot e Roger Es- tablet, dois autores que mostram de maneira exemplar como a so- ciologia da educação ganha energia e sentido ao ser tomada como um capítulo dos estudos sobre as classes sociais e os processos de dominação. Indagando sobre as condições de produção da empresa intelectual compartilhada a que se dedicam desde os anos de 1960, procuramos explicitar a configuração particular que torna possível tal tratamento das questões educacionais. O relato desses dois sociólogos nos permite perceber o con- texto escolar e político dos anos de 1960, período em que realizam os seus estudos superiores, a militância política contra a guerra na Argélia e a compreensão da sociologia como um campo de refle- xão sobre os acontecimentos que marcavam a sociedade francesa e a vida universitária. É interessante perceber, ainda, o processo de aprendizagem nas aulas de dois dos maiores intelectuais fran- ceses, Bourdieu e Althusser, que tiveram importante papel na sua formação, com a ênfase no trabalho de pesquisa como condição para fazer e ensinar sociologia e no estabelecimento de uma ética intelectual. Filosóficos Filosofia é um corpode conhecimento, constituído a partir de um esforço que o ser humano vem fazendo de compreender o seu mundo e dar-lhe um sentido, um significado compreensivo. Corpo de conhecimentos, em Filosofia, significa um conjunto coerente e organizado de entendimentos sobre a realidade. Conhecimentos estes que expressam o entendimento que se tem do mundo, a partir de desejos, anseios e aspirações. Assim, podemos dizer que, a filosofia cria o ideário que nor- teia a vida humana em todos os seus momentos e em todos os seus processos. Neste sentido, a filosofia é uma força, é o sustentáculo de um modo de agir. É uma arma na luta pela vida e pela eman- cipação humana. Em síntese, a filosofia é uma forma de conheci- mento que, interpretando o mundo, cria uma concepção coerente e sistêmica que possibilita uma forma de ação efetiva. Esta forma de compreender o mundo tanto é condicionada pelo meio histórico, como também é seu condicionante. Ao mesmo tempo, pois, é uma interpretação do mundo e é uma força de ação. Aplicações da Filosofia da Educação A educação dentro de uma sociedade não se manifesta como um fim em si mesmo, mas sim como um instrumento de manu- tenção ou transformação social. Assim sendo, ela necessita de pressupostos, de conceitos que fundamentam e orientam os seus caminhos. A Filosofia fornece à educação uma reflexão sobre a so- ciedade na qual está situada, sobre o educando, o educador e para onde esses elementos podem caminhar. O educando, quem é, o que deve ser, qual o seu papel no mundo; o educador, quem é, qual o seu papel no mundo; a sociedade, o que é, o que pretende; qual deve ser a finalidade da ação pedagógica. Esses são alguns proble- mas que exigem a reflexão filosófica. A Filosofia propõe questio- nar, a interpretação do mundo que temos, e procura buscar novos sentidos e novas interpretações de acordo com os novos anseios que possam ser detectados no seio da vida humana. Educação como transformação da sociedade Não há uma pedagogia que esteja isenta de pressupostos filo- sóficos. É possível compreender a educação dentro da sociedade, com seus determinantes e condicionantes, mas com a possibilidade de trabalhar pela sua democratização. Para tanto, importa inter- pretar a educação como uma instância dialética, que serve a um projeto, a um modelo, a um ideal de sociedade. Ela trabalha para realizar esse projeto na prática. Assim, se o projeto for conserva- dor, medeia à conservação, contudo se o projeto for transformador, medeia à transformação; se o projeto for autoritário, medeia a rea- lização do autoritarismo; se o projeto for democrático, medeia a realização da democracia? Do ponto de vista prático trata-se de re- tomar vigorosamente a luta contra a seletividade, a discriminação e o rebaixamento do ensino das camadas populares. Lutar contra a marginalidade, através da escola, significa engajar-se no esfor- ço para garantir aos trabalhadores um ensino da melhor qualidade possível nas condições históricas atuais. O papel de uma teoria crítica da educação é dar substância concreta a essa bandeira de luta, de modo a evitar que ela seja apropriada e articulada com os interesses dominantes? A educação como transformadora da sociedade recusa-se tan- to ao otimismo ilusório, quanto ao pessimismo imobilizador. Por isso, propõe-se compreender a educação dentro de seus condicio- nantes e agir estrategicamente para a sua transformação. Propõe-se desvendar e utilizar das próprias contradições da sociedade, para trabalhar criticamente pela sua transformação. Quando não pensa- mos, somos pensados e dirigidos por outros. Os Sujeitos do Processo Educativo O Ser Humano O ser humano emerge no seu modo de ser dentro de um conjunto de relações sociais. São as ações, reações, os modos de agir, as condutas normatizadas, as censuras, as convivências sa- dias ou neuróticas, as relações de trabalho, de consumo etc. que constituem prática, social e historicamente o ser humano. O ser humano é prático, pois é através da ação que modifica o ambiente, tornando-o satisfatório ás suas necessidades; e enquanto transfor- ma a realidade, constrói a si mesmo no seio das relações sociais determinadas. O ser humano é social na medida em que vive e sobrevive socialmente. A sua prática é dimensionada por suas re- lações com os outros. O ser humano é histórico uma vez que suas características não são fixas nem eternas, mas determinadas pelo tempo, que passa a ser constitutivo de si mesmo. Didatismo e Conhecimento 4 ÁREA PEDAGÓGICA GERAL Em suma, o ser humano é ativo, vive determinadas relações sociais de produção, num determinado momento do tempo. Como consequência disso, cada ser humano é propriamente o conjunto das relações sociais que vive, de forma prática, social e histórica. O ser humano se torna propriamente humano na medida em que, conjuntamente com outros seres humanos, pela ação, modifica o mundo externo conforme suas necessidades ao mesmo tempo constroem-se a si mesmo. Assim, enquanto ele humaniza a nature- za pelo seu trabalho, humaniza-se a si mesmo. Educador e educan- do, como seres individuais e sociais ao mesmo tempo, constituídos na trama contraditória de consciência crítica e alienação interagem no processo educativo. Eles são sujeitos da história na medida em que a constroem ao lado de outros seres humanos, num contexto socialmente definido. Para que Filosofia da Educação? Talvez seja mais pertinente perguntar: para que filosofia na educação? A resposta é simples: porque educação é, afinal de con- tas, o próprio “tornar-se homem” de cada homem num mundo em crise. Não há como educar fora do mundo. Nenhum educador, ne- nhuma instituição educacional pode colocar-se à margem do mun- do, encarapitando-se numa torre de marfim. A educação, de qual- quer modo que a entendamos, sofrerá necessariamente o impacto dos problemas da realidade em que acontece, sob pena de não ser educação. Em função dos problemas existentes na realidade é que surgem os problemas educacionais, tanto mais complexos quanto mais incidem na educação todas as variáveis que determinam uma situação. Deste modo, a “Filosofia na educação” transforma-se em “Filosofia da Educação” enquanto reflexão rigorosa, radical e glo- bal ou de conjunto sobre os problemas educacionais. De fato, os problemas educacionais envolvem sempre os problemas da pró- pria realidade. A Filosofia da Educação apenas não os considera em si mesmos, mas enquanto imbricados no contexto educativo. Dessa forma, decorrem duas consequências muito simples, óbvias até. A primeira é que todo educador deve filosofar, melhor ainda, filosofa sempre, queira ou não, tenha ou não consciência do fato. Só que nem sempre filosofa bem. A este respeito afirma Kne- ller (1972): “se um professor ou líder educacional não tiver uma filosofia da educação, dificilmente chegará a algum lugar. Um edu- cador superficial pode ser bom ou mau. Se for bom, é menos bom do que poderia ser e, se for mau, será pior do que precisava ser”. Que problemas no campo da educação exigem de nós uma reflexão filosófica, nos termos acima explicitados? São muitos. Podem-se verificar alguns. Já que a educação é o processo de tornar-se homem de cada homem, é necessário refletir sobre o homem para que se possa saber o “para onde” se deve orientar a educação. É necessário, po- rém, que esta reflexão não seja unicamente teórica, abstrata, desen- carnada. É preciso levar em conta a situação espaço-temporal em que ocorre o processo. Com efeito, não importa apenas o “tornar- -se homem”, mas o “tornar-se homem hoje no Brasil”. Só desta forma podemos estabelecer com clareza o que, por exemplo, se tem convencionalmente chamado de “marco referencial”, a par- tir do qual, numa instituição educativa, currículo, planejamento e atividades podem atingir um mínimo de coerência e de eficiência. Que teoria de aprendizagem adotar? Que métodos e técnicas utilizar? Já afirmavam alguns educadores que correr “o risco de um cego empirismo quemse conforma em aplicar um método pe- dagógico sem investigar a doutrina que lhe serve de alma”. Não há métodos neutros. Não há técnicas neutras. No bojo de qualquer teoria, de qualquer método, de qualquer técnica está implícita uma visão de homem e de mundo, uma filosofia. A filosofia é, assim, norteadora de todo o processo educativo. O maior problema edu- cacional brasileiro sempre foi e ainda é, a meu ver, o denunciado por Anísio Teixeira no título de uma de suas obras principais: “Va- lores proclamados e valores reais na educação brasileira”. Quer em nível de sistema, quer em nível de escola, proclamamos be- líssimos princípios filosófico-educacionais. Na prática, entretanto, caminhamos ao sabor das ideologias e das novidades e – o que é pior – sem nos darmos conta da incoerência existente entre nossas palavras e nossos atos. A segunda consequência a ser tirada do que antes dissemos é que também o educando deve filosofar, ou seja, deve refletir sis- tematicamente, buscando as raízes dos problemas - seus e de seu tempo - de modo a formar uma “visão de mundo” e adquirir criti- camente princípios e valores que lhe orientem a vida. Só assim se- rão homens e não robôs. É preciso, pois, municiá-lo de instrumen- tos racionais e afetivos para que se habitue a ser crítico, a não se contentar com qualquer resposta, a colocar sempre e em tudo uma pitada razoável de dúvida, a cavar fundo e não se intimidar perante a tarefa ingrata de estar sempre questionando e se questionando. De acordo com o exposto, pode-se afirmar que há sempre fome de filosofia. Basta levantar um problema nos termos acima descritos para que se alcem as antenas, sobretudo as juvenis. Talvez porque, tendo uma percepção não muito nítida, mas agudamente sentida da crise, faltem aos jovens o instrumental necessário para explicitá-la, analisá-la e julgá-la, em razão do banimento a que assistimos da filosofia, até mesmo de nossos currículos escolares. Filosofia da Educação A filosofia da educação, seguindo a caracterização apresen- tada nos parágrafos anteriores, não discorre sobre o fenômeno da educação, como tal, mas sim sobre o que tem sido dito acerca desse fenômeno (por exemplo, por sociólogos da educação, psicólogos da educação, ou por qualquer pessoa que reflita sobre a educação). Não resta a menor dúvida de que uma das primeiras e mais impor- tantes tarefas da filosofia da educação, a partir da caracterização da tarefa da filosofia sugerida acima, é a análise e clarificação do conceito de “educação”. Fala-se muito em educação. “Educação é direito de todos”, “educação é investimento”, “a educação é o caminho do desenvol- vimento”, etc. Mas o que realmente será essa educação, em que tanto se fala? Será que todos os que falam sobre a educação usam o termo no mesmo sentido, com idêntico significado? Dificilmente. É a educação transmissão de conhecimentos? É a educação prepa- ração para a cidadania democrática responsável? É a educação o desenvolvimento das potencialidades do indivíduo? É a educação adestramento para o exercício de uma profissão? As várias respos- tas, em sua maioria conflitante, dada a essas perguntas são indica- tivas da adoção de conceitos de educação diferentes, muitas vezes incompatíveis, por parte dos que se preocupam em responder a elas. Este fato, por si só, já aponta para a necessidade de uma re- flexão sistemática e profunda sobre o que seja a educação, isto é, sobre o conceito de educação. Didatismo e Conhecimento 5 ÁREA PEDAGÓGICA GERAL Assim que se começa a fazer isso, porém, percebe-se que a tarefa de clarificação e elucidação do conceito de educação é ex- tremamente complexa e difícil. Ela envolve não só o esclarecimen- to das relações existentes ou não entre educação e conhecimento, educação e democracia, educação e as chamadas potencialidades do indivíduo, educação e profissionalização, etc. Envolve, tam- bém, o esclarecimento das relações que porventura possam existir entre o processo educacional e outros processos que, à primeira vista, parecem ser seus parentes chegados: doutrinação, socializa- ção, aculturação, treinamento, condicionamento, etc. Uma análise que tenha por objetivo o esclarecimento do sentido dessas noções, dos critérios de sua aplicação, das suas implicações, e da sua re- lação entre si e com outros conceitos educacionais é tarefa da fi- losofia da educação e é condição necessária para a elucidação do conceito de educação. Mas há ainda outra família de conceitos que se relaciona es- treitamente com a educação: a dos conceitos de ensino e apren- dizagem. Qual a relação existente entre educação e ensino, entre educação e aprendizagem, e entre ensino e aprendizagem? Faça- mos uma lista de possíveis perguntas a serem feitas acerca do rela- cionamento dessas noções: - Pode haver educação sem que haja ensino? - Pode haver educação sem que haja aprendizagem? - Pode haver ensino sem que haja educação? - Pode haver aprendizagem sem que haja educação? - Pode haver aprendizagem sem que haja ensino? - Pode haver ensino sem que haja aprendizagem? Tem se criticado muito uma visão da educação que coloca muita ênfase no ensino (e, consequentemente, no professor). O importante, afirma-se, não é o ensino, e sim a aprendizagem. Os mais exagerados chegam quase a afirmar: “Morte ao ensino! Viva a aprendizagem!” Outros fazem uso de certos slogans meio obscu- ros: “Toda aprendizagem é autoaprendizagem”. Incidentalmente, faz-se muito uso, em livros e discursos sobre a educação, de slo- gans cujo sentido nem sempre é muito claro. Outro slogan muito usado, nesse contexto, é o seguinte: “Não há ensino sem aprendi- zagem”. Parece claro que, para poder julgar quanto à verdade ou à falsidade dessas afirmações, é indispensável que os conceitos de ensino e aprendizagem tenham sentidos claros e específicos - o que, infelizmente, não acontece com muita frequência. É necessá- rio, portanto, que o sentido desses conceitos seja esclarecido e que sua relação com o conceito de educação seja elucidada, e a filoso- fia da educação pode ser de grande valia nessa tarefa. Para terminar essa primeira parte, que tem por finalidade caracterizar a filosofia da educação, dentro da perspectiva mais geral de uma visão da filosofia que foi explicitada nos primeiros parágrafos, deve-se fazer menção de outro conjunto de problemas relacionado, de alguma forma, com os já mencionados, mas que, por razão de espaço, não será explicitamente discutido: a ques- tão da relação entre educação e valores. Este problema tem vários aspectos. Um deles é o seguinte: é tarefa da educação transmitir valores? Muitos já observaram que, seja ou não tarefa da educação transmitir valores, ela de fato os transmite pelo menos de manei- ra implícita. Outros afirmam que, embora seja tarefa da educação transmitir valores, a educação moral, como às vezes é chamada a transmissão de valores através da educação, não é tarefa da edu- cação escolar, isto é, da educação que se realiza no âmbito de uma instituição chamada escola, e sim da educação que tem lugar no contexto da família, ou talvez, se for o caso, da igreja. Esta respos- ta levanta, em um contexto específico, o problema mais amplo da relação entre educação e escola. Para muitos, quando alguém está falando em educação está, automaticamente, falando em escolas, e vice-versa. Mas a educa- ção certamente parece ser algo que transcende os limites da escola, e hoje em dia fala-se muito em “educação sem escolas”. Os pro- ponentes do ponto de vista que mencionamos acima acreditam que pelo menos uma parte da educação, aquela que diz respeito à trans- missão de valores, deve ser levada a efeito fora da escola. Todos esses problemas são complexos, e embora a filosofia da educação não tenha respostas prontas para eles, ela pode contribuir muito para sua solução satisfatória, ajudando na elucidação e clarificação dos principais conceitos envolvidos nesse conjunto de problemas. Antes, porém, é importante a ressalva de duaspequenas ob- servações. A primeira é um lembrete de que os problemas aqui mencionados como sendo do âmbito da filosofia da educação de maneira alguma esgotam as questões a que um filósofo da edu- cação, como tal, pode se dirigir, mesmo que ele seja partidário da conceituação de filosofia e filosofia da educação aqui proposta. Há uma série de outros problemas, a que não se fez referência, que estão, legitimamente, dentro da província da filosofia da educação como aqui conceituada. No que foi esboçado acima e no que será discutido abaixo temos apenas uma amostra de como alguns con- ceitos educacionais podem ser analisados filosoficamente. Em segundo lugar, não se pode esquecer que a caracterização da filosofia da educação aqui apresentada é uma caracterização possível, que é sugerida a partir de uma conceituação analítica da filosofia, a qual não é, de maneira alguma, a única possível. Mui- tos filósofos discordam da orientação sugerida aqui e apresentam, consequentemente, uma visão diferente da natureza e tarefa da fi- losofia da educação. Em muitos dos casos a visão por eles sugerida apenas complementa (e não substitui) a apresentada no presente texto. Em outros casos é bem possível que as concepções sejam mutuamente exclusivas. Nos últimos parágrafos faremos menção do nosso ponto de vista acerca da relação entre a filosofia da edu- cação e a teoria da educação, segundo o qual muita coisa que foi e é apresentada como filosofia da educação deve ser colocada no âmbito da teoria da educação. Contudo, é apenas no contexto de discussões acadêmicas acerca do conceito de filosofia da educação que faz alguma diferença designar posições acerca da educação como pertencentes à teoria, e não à filosofia da educação. Embora a lógica talvez pudesse recomendar que começásse- mos com o conceito de educação, quer nos parecer que, do ponto de vista didático, seja mais recomendável que a discussão desses conceitos educacionais básicos seja iniciada pelos conceitos de ensino e aprendizagem, pois o leitor, provavelmente, estará mais familiarizado com eles do que com o mais difuso e abstrato con- ceito de educação. A Filosofia da Educação e os Conceitos de Ensino e Apren- dizagem A discussão dos conceitos de ensino e aprendizagem sugere a seguinte pergunta: pode haver ensino sem que haja aprendiza- gem? Suponha-se uma situação em que um professor universitário apresente, em detalhes, os aspectos mais difíceis e complicados da teoria da relatividade de Einstein a grupo de crianças de sete anos. Suponhamos que o professor em questão seja profundo conhece- dor do assunto e faça uma brilhante exposição, utilizando meios audiovisuais ou quaisquer outros recursos que a didática moderna possa recomendar. Apesar de tudo isso, as crianças nada apren- de daquilo que ele apresentou. Podemos nós dizer que, embora as crianças nada tenham aprendido acerca da teoria da relatividade de Einstein, o professor esteve ensinando durante sua apresentação? A resposta afirmativa, neste caso claramente extremo e exagerado, parece pouco plausível. Mas suponhamos - uma suposição, agora, Didatismo e Conhecimento 6 ÁREA PEDAGÓGICA GERAL não tão absurda -- que a audiência desse professor fosse composta, não de crianças de sete anos, mas de universitários no último ano do curso de física, e que o resultado fosse o mesmo: os alunos nada aprenderam acerca da teoria da relatividade de Einstein através da exposição. Podemos nós dizer que, embora o professor tivesse estado a ensinar a teoria da relatividade, os alunos não a aprende- ram? A resposta afirmativa, aqui, parece bem mais plausível. Mas qual é, realmente, a diferença entre a primeira e a segunda situa- ção? Vamos colocar esta questão, por enquanto, entre parênteses, para analisar algumas respostas que têm sido dadas à pergunta com que iniciamos este parágrafo: pode haver ensino sem que haja aprendizagem? Muitas pessoas dão uma resposta negativa a esta pergunta, afirmando que não há ensino sem aprendizagem. Este é um dos slogans que frequentemente aparecem na literatura educacional. Correndo o risco de caracterizar algumas posições altamente com- plexas de uma maneira um pouco simplista, poderíamos dizer que, em relação às duas situações que imaginamos no parágrafo ante- rior, os que afirmam que não há ensino sem aprendizagem podem se dividir em dois grupos: de um lado estariam os que afirmam que naquelas situações não houve ensino, visto não ter havido aprendi- zagem. Do outro lado, porém, estariam aqueles que, quando con- frontados com situações desse tipo, levantam a seguinte questão: Será que não houve mesmo aprendizagem? Ainda supondo que os alunos, tanto em um como no outro caso, nada tenham aprendi- do acerca da teoria da relatividade de Einstein, argumentam, será que eles não aprenderam alguma coisa através da exposição do professor? Eles poderão ter aprendido, por exemplo, no caso das crianças de sete anos, que, embora o professor estivesse falando o tempo todo, ninguém estava entendendo nada, que as aulas com a professora regular são muito mais divertidas, que o retroprojetor utilizado pelo professor é um “negócio bacana”, etc.. No caso dos universitários, eles poderão ter aprendido que o professor devia desconhecer o nível da classe para dar uma aula dessas, que o cur- so que eles fizeram não deve ter sido muito bom, se não os capaci- tou a entender uma apresentação sobre a teoria da relatividade de Einstein, etc. Em poucas palavras: os alunos, em um como no ou- tro caso, devem ter aprendido alguma coisa, e, consequentemente, houve ensino nas situações imaginadas -- este o argumento. A dificuldade com essa sugestão é óbvia: embora possa ter havido aprendizagem nas situações imaginadas, o que os alunos aprenderam não foi aquilo que o professor lhes estava expondo! Poderiam, talvez, ter aprendido as mesmas coisas, se a exposição houvesse sido sobre a química de Lavoisier, ou sobre as peças de Sheakespeare, ou sobre a filosofia de Kant. Isto, por si só, já indica que algo não está muito certo e que há necessidade de que algumas coisas sejam esclarecidas e colocadas em seus devidos lugares. Va- mos, de uma maneira muito simples e elementar, tentar esclarecer alguns desses problemas. Se prestarmos atenção há algo muito simples, como a regên- cia do verbo ensinar, poderemos começar a esclarecer a situação. Quem ensina, ensina alguma coisa a alguém. A situação de ensino é uma situação que envolve três componentes básicos: alguém que ensina (digamos, o professor), alguém que é ensinado (digamos, o aluno), e algo que o primeiro ensina ao segundo (digamos, o conteúdo). Não faz sentido dizer que tal pessoa esteve ensinando outra a tarde toda sem mencionar (ou sugerir) o que estava sendo ensinado (se frações ordinárias, andar de bicicleta, amarrar os sa- patos, atitude de tolerância, etc.) Também não faz sentido dizer que ainda uma outra pessoa esteve ensinando História do Brasil nas duas últimas horas, sem mencionar (ou indicar) a quem ela estava ensinando História do Brasil (se a seus filhos, se aos alunos da quarta série, etc.). Nos dois casos que imaginamos, o professor universitário estava expondo a um grupo de alunos certo conteúdo, a saber, a teoria de relatividade de Einstein. Este conteúdo os alunos, por hipótese, não aprenderam. Que eles tenham aprendido outras coi- sas, as quais ele, claramente, por hipótese, não estava interessado em transmitir-lhes, parece irrelevante à questão: pode haver ensi- no sem que haja aprendizagem? Por isso, vamos deixar de lado o “segundo grupo” dos que afirmam que não há ensino sem aprendi- zagem e discutir a posição do “primeiro grupo”, ou seja, daqueles que afirmam que, visto não ter havido aprendizagem (da teoria da relatividade, naturalmente) nos casos em questão, não houve en- sino. Será que esta afirmação é verdadeira? Acredita-se que não. É importante notar que a afirmação cuja veracidade aqui vai ser colocada em dúvida é uma afirmação composta,que diz (pelo me- nos) duas coisas: em primeiro lugar, afirma que não houve ensino; em segundo lugar, afirma que não houve ensino porque não houve aprendizagem. Afirmar simplesmente “não houve ensino” é cons- tatar algo; afirmar, porém, “não houve ensino porque não houve aprendizagem” é, além de constatar algo, oferecer uma explicação: é indicar a razão (ou a causa) em virtude da qual não houve ensino. A afirmação cuja veracidade questiona-se é a composta, que inclui a explicação da constatação. Isto pode parecer meio complicado, mas no fundo é simples, como veremos a seguir. Se for verdade que não há ensino sem aprendizagem, então não existe uma distinção entre ensino bem sucedido e ensino mal sucedido. Todo ensino é, por definição, bem sucedido, isto é, resul- ta, necessariamente, em aprendizagem. Dizer, portanto, que fulano ensinou raiz quadrada a sicrano e sicrano aprendeu raiz quadrada é ser redundante, é incorrer em pleonasmo, é dizer a mesma coisa duas vezes. Dizer, por outro lado, que fulano ensinou raiz qua- drada a sicrano e sicrano não aprendeu raiz quadrada é incorrer em autocontradição, é afirmar e negar a mesma coisa, ao mesmo tempo, porque se fulano ensinou, então sicrano (necessariamente) aprendeu, e se sicrano não aprendeu, então fulano (necessariamen- te) não ensinou. Ora, tudo isso nos parece absurdo. Parece-nos perfeitamente possível afirmar que, embora fula- no tivesse ensinado raiz quadrada a sicrano durante a tarde toda, sicrano não aprendeu raiz quadrada. Em outras palavras, a distin- ção entre ensino bem sucedido (que resulta em aprendizagem) e ensino mal sucedido (que não resulta em aprendizagem) parece inteiramente legitima. Ora, se esta distinção é legítima, então não é verdade que não há ensino sem aprendizagem (ou que todo ensino resulta em aprendizagem). Mas parece haver certo vínculo conceitual entre ensino e aprendizagem. Dificilmente diríamos que uma pessoa está ensi- nando algo a alguém se esta pessoa não tem a menor intenção de que este alguém aprenda o que está sendo ensinado. Talvez o que o slogan esteja querendo dizer é que se não houver, por parte de quem apresenta certo conteúdo, a intenção de que alguém aprenda aquilo que ele está expondo, então não há ensino. Esta afirmação parece ser aceitável. Ela apresenta uma dificuldade, porém: a no- ção de intenção. Como é que se determina que uma pessoa tenha, ou não tenha a intenção de que alguém aprenda o que ela está ex- pondo? Esta é uma dificuldade séria, porque esta questão é virtual- mente equivalente à seguinte pergunta: Como é que se determina que uma pessoa esteja, ou não esteja ensinando? Didatismo e Conhecimento 7 ÁREA PEDAGÓGICA GERAL Educação, Ensino e Aprendizagem. Pode haver ensino sem que haja educação? Pode haver apren- dizagem sem que haja educação? Para respondermos a essas per- guntas é necessário que investiguemos o conceito de educação. Uma investigação exaustiva, que descreva e analise os vários con- ceitos de educação existentes em nossa cultura, ou em outras cul- turas, distantes de nós no tempo ou no espaço, não é possível den- tro do escopo do presente trabalho. Os conceitos são tantos, e tão variados, que somente poderíamos discuti-los com algum proveito dentro de um livro dedicado especialmente ao assunto. A alterna- tiva que nos resta é a de propor uma caracterização do conceito de educação que seja suficientemente ampla, que faça sentido e seja justificável. A partir dessa caracterização tentaremos responder às perguntas formuladas no parágrafo anterior, bem como às suas correlatas: Pode haver educação sem que haja ensino? Pode haver educação sem que haja aprendizagem? O Conceito de Educação Entendemos por “educação” o processo através do qual os in- divíduos adquirem domínio e compreensão de certos conteúdos considerados valiosos. Vamos esclarecer o sentido dos principais termos dessa proposta de definição, pois sem esse esclarecimento a proposta fica muito vaga. - Conteúdos: Como vimos na seção anterior, o termo “con- teúdo” tem sentido bastante amplo, podendo designar coisas das mais variadas. Quando falamos em conteúdos, no contexto educa- cional, temos em mente não só conteúdos estritamente intelectuais ou cognitivos, mas todo e qualquer tipo de habilidade, cognitiva ou não, atitudes, etc. Note-se, porém, que na nossa proposta de definição o termo “conteúdos” está qualificado (falamos em “cer- tos conteúdos considerados valiosos”), fato que já é indicativo de certa restrição no tocante aos conteúdos que podem ser objeto do processo educacional. Mas falaremos sobre isto mais adiante. Aqui é suficiente indicar que quando falamos de conteúdos estamos nos referindo a coisas tão diferentes umas das outras, como geome- tria euclidiana, teoria da relatividade, habilidade de extrair a raiz quadrada ou calcular a área do círculo, habilidade de amarrar os sapatos, de mexer as orelhas sem mover outros músculos da face, atitude positiva para com a vida, a morte, para com os outros, etc. - Adquirir domínio: Estamos usando a expressão “adquirir domínio” como basicamente equivalente ao termo “aprender”. Adquirir domínio de um dado conteúdo é, portanto, aprendê-lo, no sentido mais amplo do termo. Neste sentido, alguém adquiriu domínio da habilidade de calcular a área de um círculo quando aprendeu e é capaz de (“sabe”) calcular a área de qualquer círculo que lhe seja apresentado. - Adquirir compreensão: Em nossa proposta, a educação é o processo através do qual os indivíduos adquirem domínio e com- preensão de certos conteúdos considerados valiosos. Nossa inten- ção ao acrescentar “e compreensão” não foi a de simplesmente dar maior ênfase. Cremos que algo diferente e muito importante foi acrescentado à definição com a inclusão dessas duas palavras. Para que um processo seja caracterizado como educacional não basta que através dele indivíduos venham a dominar certos conteúdos: é necessário que esse domínio envolva uma compreensão dos con- teúdos em questão. Uma coisa é saber que a fórmula para calcular a área de um círculo é P r2 e mesmo ser capaz de aplicá-la. Outra coisa é compreender porque é que se utiliza essa fórmula para cal- cular a área de um círculo. Uma coisa é saber que não se deve tirar a vida de outra pessoa. Outra coisa é compreender porque é que não se deve fazer isso. Uma coisa é assimilar, pura e simplesmente, os valores de uma dada cultura. Outra coisa é aceitá-los, criterio- samente, após exame que leve à compreensão de sua razão de ser. Quando falamos em educação não estamos falando simples- mente em socialização ou aculturação, por exemplo. O processo de assimilação de normas sociais e de valores culturais pode ou não ser educacional. Se essas normas e esses valores são simplesmen- te incorporados pelo indivíduo, ou inculcados nele, sem que ele compreenda sua razão de ser, o processo é de mera socialização ou aculturação, não havendo educação. Para que haja educação é necessário que o indivíduo, além de dominar certos conteúdos, que no caso são normas sociais e valores culturais, venha a com- preendê-los, venha a entender sua razão de ser, venha a aceitá-los somente após investigação criteriosa que abranja não só as normas e os valores em questão, mas também possíveis alternativas. - Conteúdos considerados valiosos: Esta expressão talvez seja a mais problemática na proposta de definição. O domínio, mesmo com compreensão, de certos conteúdos não é parte integrante de um processo educacional se os conteúdos em questão são conside- rados perniciosos ou sem valor algum. O domínio da habilidade de mexer as orelhas sem mover outros músculos da face não é, em nossa cultura, parte integrante do processo de educação dos indivíduos. O valor dessa habilidade é considerado virtualmente nulo. O desenvolvimento de uma atitude positiva, de aceitação, de relações sexuais entre irmãos também não é, em nossa cultura, parte integrante do processo de educação dos indivíduos, pois essa atitudeé vista como perniciosa. Há, portanto, uma importante res- trição no tocante aos conteúdos que podem ser objeto do processo educacional, como já mencionado anteriormente, e essa restrição diz respeito ao valor que se atribui a esses conteúdos, em determi- nados contextos. Essa introdução de um elemento valorativo na definição de educação limita os conteúdos que podem ser parte integrante do processo educacional. Ao mesmo tempo em que faz isso, essa re- ferência ao valor dos conteúdos coloca a educação dentro da pro- blemática maior do chamado relativismo, pois o que é tido como valioso em uma dada cultura pode não ser assim considerado em outra, e vice-versa. Foi por isso que tivemos o cuidado de dizer “conteúdos considerados valiosos”, e não simplesmente “conteú- dos valiosos”, pois ao optar pela segunda possibilidade estaríamos nos comprometendo com um dos lados de uma controvérsia que está longe de ser resolvida. É perfeitamente concebível que a ha- bilidade de mexer as orelhas sem mover outros músculos da face seja considerada valiosa em algumas culturas, como é claramente possível que o desenvolvimento de uma atitude positiva para com o incesto entre irmãos seja considerado valioso em outras culturas. Se isso é verdade, então o domínio daquela habilidade e o desen- volvimento desta atitude seriam parte integrante do processo edu- cacional nessas culturas, do mesmo modo que não o são na nossa. É possível, para citar outro exemplo, que o desenvolvimento de uma atitude crítica para com as opiniões de outras pessoas, incluindo-se aí os mais velhos, ou aqueles em posição de autoridade, seja considerado algo indesejável em algumas culturas e algo altamente valioso em outras. Se este for o caso, o desenvolvimento dessa atitude não será parte integrante do processo educacional nas primeiras culturas e o será nas outras. E assim por diante. Não nos compete aqui discutir a questão da objetividade ou não dos valores, embora este seja um tópico fascinante. Também não entraremos na complicada questão que é colocada pela coexistência de valores conflitantes dentro de uma mesma cultura (concebendo-se o termo «cultura» aqui em um sentido bastante amplo), em caso de conflito, deverão ter prioridade e prevalecer os valores de quem? Os dos pais do educando? Os dos professores? Didatismo e Conhecimento 8 ÁREA PEDAGÓGICA GERAL Os dos governantes? Os da igreja? Ou os do próprio educando? Tendo em mente essa caracterização do conceito de educação, retomemos as perguntas formuladas no início desta seção: Pode haver ensino sem que haja educação? Pode haver aprendizagem sem que haja educação? Parece óbvio que, se a educação é o processo através do qual os indivíduos adquirem domínio e compreensão de certos con- teúdos considerados valiosos, naturalmente pode haver ensino e aprendizagem sem que haja educação, ou seja, ensino e aprendi- zagem não-educacionais. Basta que as condições estipuladas na caracterização do conceito de educação não sejam cumpridas, para que o ensino e a aprendizagem deixem de cumprir função educa- cional. Já observamos atrás que o domínio de habilidades às quais não se atribui valor, ou o desenvolvimento de atitudes considera- das perniciosas, em um dado contexto, não são partes integrantes do processo educacional, dentro daquele contexto. Em uma cultura semelhante à nossa, por exemplo, o fato de um indivíduo apren- der a mexer as orelhas sem mover outros músculos da face, ou de desenvolver uma atitude de aceitação ou tolerância para com rela- ções sexuais entre irmãos, não é visto como uma contribuição para o seu processo educacional. Consequentemente, se alguém ensina a outra pessoa aquela habilidade ou esta atitude, esse ensino estará se realizando fora do contexto educacional, pois esses conteúdos não são considerados valiosos em nossa cultura. Igualmente, en- sinar a alguém a arte (ou técnica) de arrombar cofres fortes, ou de bater carteiras, ou de mentir com perfeição, não é contribuir para sua educação, em um contexto cultural em que esses conteúdos não são considerados valiosos, como, queremos crer, seja aquele em que vivemos. Pode haver, portanto, ensino e aprendizagem sem que haja educação, quando os conteúdos ensinados e aprendidos não são considerados valiosos. Contudo, mesmo o ensino e a aprendiza- gem de conteúdos considerados valiosos podem ser não educa- cionais se, por exemplo, levam ao domínio sem compreensão (no sentido ilustrado) desses conteúdos. Alguém que aceita normas sociais e valores culturais sem examinar e compreender sua razão de ser, sem dúvida aprendeu certo conteúdo (possivelmente até através do ensino), mas o fez sem compreensão, a aprendizagem, neste caso, foi não educacional, e se a aprendizagem foi decorrên- cia de um ensino que estava interessado apenas na aceitação das normas e dos valores, e não na sua compreensão, o ensino também foi não educacional (tendo sido, possivelmente, doutrinacional). O chamado condicionamento, na medida em que produz algum tipo de comportamento que não é acompanhado de compreensão, não pode ter lugar dentro de um processo educacional. Quer nos parecer, pois, que não resta a menor dúvida de que o ensino e a aprendizagem podem ser não educacionais, ou porque os conteúdos ensinados e/ou aprendidos não são considerados va- liosos ou porque levam ao domínio sem compreensão. É por isso que se pode criticar o ensino que insiste na mera memorização ou a aprendizagem puramente mecânica, automática, não significativa. O ensino e a aprendizagem, nesses casos, não estão contribuindo para a educação do indivíduo, mesmo que os conteúdos ensinados e aprendidos sejam considerados valiosos, porque não estão levan- do o indivíduo a compreender esses conteúdos. Da mesma maneira, parece-nos bastante impróprio falar em educação de animais, por exemplo, embora não reste dúvida de que animais possam aprender, frequentemente em decorrência de atividades de ensino. Muitos animais são perfeitamente capazes de dominar habilidades às vezes bastante complexas. É difícil imagi- nar, porém, que esse domínio seja acompanhado de compreensão (no sentido visto). Não o sendo, é impróprio afirmar que foram educados: parece ser bem mais correto dizer que foram meramente treinados, ou talvez, condicionados. De igual maneira, o ensino e a aprendizagem de conteúdos que consistam de enunciados falsos, ou de enunciados que a me- lhor evidência disponível indique terem pouca probabilidade de serem verdadeiros (e, consequentemente, grande probabilidade de serem falsos), ou, talvez, de enunciados acerca dos quais a evi- dência, favorável ou contrária, seja inconclusiva, não devem ser parte integrante do processo educacional, pois quer nos parecer que em nossa cultura não seja considerado valioso um conteúdo que consista de enunciados falsos, ou contrários à melhor evidên- cia disponível, ou acerca dos quais a evidência seja inconclusiva. O ensino de conteúdos deste tipo parece bem mais próximo da doutrinação do que da educação. Devemos ressaltar, para evitar mal-entendidos, que ensinar que um dado enunciado, ou conjun- to de enunciados, é falso ou não evidenciado é afirmar algo ver- dadeiro, se os enunciados em questão forem realmente falsos ou não evidenciados, e se constitui, portanto, em uma atividade que pode, legitimamente, ser parte integrante do processo educacional. O que não pode ser visto como educacional é o ensino (e a apren- dizagem) de enunciados falsos ou não evidenciados como sendo verdadeiros ou evidenciados. A Questão da Intenção Imaginemos que alguém esteja levando aos lábios um copo contendo um líquido vermelho. O que é que esta pessoa está fa- zendo? A esta pergunta pode-se responder, obviamente, com uma descrição dos movimentos físicos da pessoa em questão: ela está levando aos lábios um copo que contém um líquido vermelho. Mas esta resposta é pouco informativa. Para se oferecer uma resposta que seja mais informativa, po- rém, é necessárioque se faça menção da intenção (ou do propó- sito) que a pessoa tem a levar aos lábios o copo com o líquido. A pessoa pode estar meramente saciando a sua sede com um bom vinho, ou pode estar se embebedando. Ou pode estar se suicidando com um líquido venenoso, ou pode estar comungando. Ou, ainda, pode estar fazendo um número de coisas que não vem ao caso enu- merar. Sua intenção ao tomar o líquido é que vai determinar o que esta pessoa esta realmente fazendo. É bom ressaltar que a questão da intenção é sumamente importante. Se se descobre que a pessoa em pauta tinha meramente a intenção de saciar sua sede, mas que alguém (sem ela saber) despejou veneno no líquido, causando sua morte, nós não diríamos que ela se suicidou, e sim que foi assas- sinada. Se sua intenção era saciar a sede, mas, por puro engano, bebeu um líquido venenoso ao invés do vinho que pensava estar bebendo, nós não diríamos que houve suicídio, e sim um lamentá- vel acidente, que veio a ser fatal, se, naturalmente, em consequên- cia disso, a pessoa veio a falecer. Estas distinções são importantes, principalmente em contextos jurídicos. Em nosso caso, porém, elas não parecem nos ajudar muito na determinação da intenção da pessoa que levou aos lábios o copo com o líquido vermelho. De que maneira poderíamos determinar sua intenção? Didatismo e Conhecimento 9 ÁREA PEDAGÓGICA GERAL Deve ser dito claramente que não há maneiras seguras e infa- líveis de determinar a intenção de alguém. Intenções não são coi- sas direta e imediatamente observáveis, como o são movimentos físicos -- pelo menos no caso de outras pessoas. (A situação parece bastante diferente quando se trata de nossas próprias intenções: a elas temos acesso direto e imediato, se bem que não através da ob- servação.) Contudo, uma intenção pode, muitas vezes, ser indireta- mente determinada através do contexto em que certos movimentos físicos são realizados, com ajuda do nosso conhecimento (mesmo que elementar) acerca do desenvolvimento e comportamento das pessoas. Se, no nosso caso, a pessoa estava levando o copo aos lá- bios dentro de uma igreja, na presença de um sacerdote, etc., é bas- tante plausível que sua intenção era comungar -- pelo que sabemos do comportamento “normal” das pessoas, dificilmente ela estaria tentando se embebedar ou cometer suicídio ali. Se a pessoa, po- rém, estava levando o copo aos lábios em um clube noturno, onde esteve a dançar, tem o semblante alegre e descontraído, é bem pos- sível que sua intenção fosse meramente saciar a sede -- dificilmen- te estaria comungando ali, por exemplo. E assim por diante. Quando estamos na posição de observadores, procurando des- cobrir a intenção de alguém, precisamos analisar o contexto e, com base em nosso conhecimento acerca do comportamento “normal” das pessoas, aventar uma hipótese, que terá maior ou menor proba- bilidade de ser correta, dependendo das circunstâncias. Em alguns casos pode ser impossível determinar a intenção de alguém. Em outros pode ser até razoavelmente fácil (o que não exclui a possi- bilidade de erro). No nosso caso, não há dados que permitam de- terminar qual das hipóteses é mais provável, ou mesmo se alguma delas tem certa possibilidade, pois só oferecemos a descrição de um movimento físico: o de levar aos lábios um copo com líquido vermelho -- não descrevemos o contexto. Mas em grande parte dos casos há uma indicação do contexto, da situação, que nos permite inferir qual a intenção do agente ao realizar certos movimentos. Voltemos agora à afirmação que fizemos acima de que se não houver, por parte de quem apresenta certo conteúdo, a intenção de que alguém aprenda aquilo que está se expondo, então não há ensino. O problema que esta afirmação enfrenta, dissemos, está re- lacionado com a dificuldade em determinar a intenção de alguém, a partir dos movimentos físicos que realiza. Esta dificuldade, con- tudo, não é intransponível, como acabamos de ver, e é comparti- lhada por todas as situações em que atribuímos intenções a outras pessoas, algo que fazemos em grande frequência. Constantemente atribuímos intenções aos outros e, embora muitas vezes erremos ao fazê-lo, com surpreendente frequência acertamos. Estamos agora em condições de responder à pergunta que formulamos anteriormente. Qual é realmente a diferença entre a primeira e a segunda situação que imaginamos naquele parágrafo? Por que é que no primeiro caso parece plausível dizer que o pro- fessor não estava ensinando, e que no segundo parece bem mais plausível dizer que o professor estava ensinando, embora em am- bos os casos os alunos nada hajam aprendido? No primeiro caso, os fatos da situação -- o contexto -- mais nosso conhecimento de que crianças “normais” de sete anos têm condições de aprender nos indicam que o professor dificilmente poderia ter a intenção de que as crianças aprendessem os aspectos mais complicados da teoria da relatividade de Einstein. Por bizarro que possa parecer, é bem mais plausível imaginar que o professor estivesse ensaian- do uma aula ou conferência, e que a presença das crianças fosse puramente acidental ou ornamental. No segundo caso, porém, a situação é alterada. A audiência é composta de alunos no último ano do Curso de Física. Baseados nesse fato, e em nosso conhecimento (ou na suposi- ção razoável) de que alunos no último ano do Curso de Física têm, em geral, condições de entender a teoria da relatividade de Eins- tein, torna-se bem mais plausível atribuir ao professor à intenção de que os alunos aprendessem o que ele estava expondo, ou seja, a intenção de ensinar. Em um caso, portanto, é plausível afirmar que o professor não estava ensinando, e no outro é plausível afirmar que estava. Em nenhum dos dois casos, porém, houve aprendiza- gem. A plausibilidade das afirmações acima não se deve, portanto, ao fato de os alunos não haverem ou haverem aprendido o que lhes era exposto. Deve-se, isto sim, ao fato de que em um caso não faz sentido atribuir ao professor a intenção de que seus alunos viessem a aprender o que expunha, e no outro faz. Foi por isso que ressaltamos acima que não iríamos discutir a afirmação simples de que não houve ensino naquelas situações e sim a afirmação composta de que não houve ensino porque não houve aprendizagem. Embora as situações sejam, exceto pela au- diência, idênticas, estamos propensos a acreditar que no primeiro não houve ensino e que no segundo pode ter havido. Mas não esta- mos propensos a acreditar que este seja o caso porque na primeira situação não tenha havido e na segunda tenha havido aprendiza- gem, pois, por hipótese, não houve aprendizagem em nenhuma de- las. Baseamo-nos no fato de que no primeiro não é plausível atri- buir ao professor à intenção de causar (ou produzir, ou ocasionar, ou ensejar) a aprendizagem dos alunos, enquanto no segundo é. O Conceito de Ensino Em relação ao conceito de ensino, podemos resumir as nossas conclusões e sugerir algumas de suas implicações: - O conceito de ensino faz referência a uma situação ou atividade triádica, isto é, de três componentes, quais sejam, aquele que ensina aquele a quem se ensina, e aquilo que se ensina. Esta conclusão sugere que não é muito apropriado dizer que alguém en- sinou a si própria alguma coisa, sendo, portanto, um autodidata (o termo “didata” provém do verbo grego didaskein, que quer dizer, exatamente, “ensinar”). Quando dizemos que uma pessoa esta en- sinando algo a outra pessoa, pressupomos que a primeira saiba (ou domine) o que está ensinando e que a segunda não saiba (ou domi- ne) o que está sendo ensinado. Se há, porém, apenas uma pessoa em jogo, mais certo conteúdo, ou esta pessoa já sabe (ou domina) este conteúdo, em cujo caso não precisa ensiná-lo a si própria, ou esta pessoa não sabe (ou domina) o conteúdo em questão, em cujo caso não tem condições de ensiná-lo a si própria. Designar certas pessoas como autodidatas parece, portanto, bastante descabido. Isso não quer dizer, porém,que alguém não possa aprender por si próprio certo conteúdo, sem que alguma outra pessoa necessaria- mente lhe ensine. Neste caso, porém, a pessoa que vem aprender um dado conteúdo por si próprio não é um autodidata, mas sim um auto aprendiz. - Segunda: Para que uma atividade se caracterize como uma atividade de ensino não é necessário que aquele a quem se ensina aprenda o que está sendo ensinado; basta que o que ensina tenha a intenção de que aquele a quem ele ensina aprenda o que está sendo ensinado. Esta segunda conclusão é rica em implicações. Em primeiro lugar, ela implica a existência de ensino sem apren- dizagem (o que poderíamos chamar de ensino mal sucedido). Em segundo lugar, ela sugere que coisas realmente não ensinam, por- que não podem ter a intenção de produzir a aprendizagem. Isto, por sua vez, significa que não é muito correto dizer: “A natureza me ensinou”, ou “a vida me ensinou”, etc. Significa, também, que Didatismo e Conhecimento 10 ÁREA PEDAGÓGICA GERAL é só com muito cuidado que podemos falar em ensino através de máquinas (máquinas de ensinar, computadores, por exemplo), ou mesmo através de livros. Um computador (ou um livro) só ensina na medida em que a pessoa que o programou (ou escreveu) teve a intenção de que alguém aprendesse através dele. - Terceira: A intenção de produzir a aprendizagem, isto é, a intenção de ensinar, só pode ser constatada mediante análise do contexto em que certas atividades são desenvolvidas. Se esta aná- lise tornar razoável a atribuição da intenção em pauta, podemos concluir que pode estar havendo ensino (10); caso contrário, sere- mos forçados a admitir que não esteja. Esse exame do contexto é, portanto, extremamente importante. A presente conclusão, quando vista à luz das precedentes, tem pelo menos três implicações bastante significativas. Em primeiro lugar, desde que ensinar é sempre ensinar alguma coisa, algum conteúdo a alguém, quem quer que seja que pretenda estar ensi- nando tem a obrigação de indicar, de maneira clara e inequívoca, exatamente o que é que ele tenciona que seus alunos aprendam. Se o conteúdo a ser aprendido não é claramente indicado, a pessoa que o expõe pode estar fazendo uma variedade de coisas (um dis- curso, uma pregação, etc.), mas dificilmente estará ensinando, pois se torna bastante problemático atribuir-lhe a intenção de que os alunos aprendam algo que não é especificado. Em segundo lugar, é necessário que as atividades desenvolvidas por quem pretende estar ensinando estejam relacionadas, de alguma maneira, com o conteúdo a ser aprendido. Isto significa que, embora as ativida- des que possam ser consideradas atividades de ensino, em geral, sejam virtualmente ilimitadas, as atividades que podem ser con- siderada de ensino de um conteúdo específico são limitadas pela natureza do conteúdo em questão. Se as atividades desenvolvidas não têm relação com esse conteúdo, torna-se difícil atribuir ao su- posto ensinante a intenção de que seus alunos aprendam o con- teúdo que lhes está sendo proposto. Em terceiro lugar, desde que ensinar é sempre ensinar alguma coisa a alguém, é necessário que quem pretenda estar ensinando conheça e leve em consideração a condição de seus alunos (sua idade, seu desenvolvimento, seu nível intelectual, etc.) para não apresentar-lhes conteúdos para os quais não estão preparados e que não têm condições de aprender e para não desenvolver atividades inadequadas à condição desses alunos. Torna-se bastante problemático atribuir a alguém a inten- ção de que seus alunos aprendam certo conteúdo se esse conteúdo, por exemplo, está acima da capacidade desses, ou se as atividades escolhidas como meios para alcançar esse objetivo não podem ser desenvolvidas ou acompanhadas pelos alunos. Com essas conclusões chegamos, porém, ao segundo tópico a ser discutido nesta parte do trabalho. Até agora discutimos a pos- sibilidade de haver ensino sem aprendizagem. Discutamos agora a questão inversa: pode haver aprendizagem sem ensino? Pode Haver Aprendizagem sem que Haja Ensino? A resposta a essa pergunta parece ser bem mais fácil do que a resposta à questão anterior. Parece óbvio que pode haver apren- dizagem sem ensino. Atrás já aludimos ao fato de que é possível que, durante uma aula ou exposição, alguém aprenda coisas que o professor não está querendo lhe ensinar (isto é, coisas que o pro- fessor não tem a intenção de que ele venha a aprender), como, por exemplo, que o assunto da exposição é terrivelmente maçante. Este seria um exemplo de aprendizagem sem ensino. Acabamos de sugerir que o chamado autodidata é, na realidade, um auto apren- diz, alguém que aprende um certo conteúdo sozinho, e não alguém que o ensina a si mesmo. Sugerimos, também, que não é muito correto dizer que a natureza e a vida ensinam. Nestes casos, tam- bém, parece ser muito mais correto dizer que certas pessoas apren- dem determinadas coisas por si próprias. Estes seriam exemplos de aprendizagem sem ensino. Parece claro, portanto, que pode haver aprendizagem sem ensino. Mas consideremos a posição de alguém que argumente da seguinte maneira. Concordo não ser muito correto dizer que a na- tureza e a vida ensinem coisas às pessoas; é muito mais correto dizer que as pessoas aprendem sozinhas -- se bem que através de seu contato com a natureza ou através de sua experiência da vida. Mas -- continua o argumento -- esta situação não é diferente da do aluno na sala de aula: o aluno, na sala de aula, também aprende, na realidade, sozinho -- se bem que, muitas vezes, através de seu con- tato com o professor. A sua aprendizagem, prossegue o argumen- tante, não é o produto, ou o resultado, ou a consequência do ensino do professor: há muitos fatores que incidem sobre ela, como, por exemplo, a motivação do aluno, suas condições de saúde e ali- mentação, o clima sócio emocional na sala de aula, as condições do meio ambiente (a temperatura da sala, etc.), e assim por diante. Um dos fatores mais importantes a incidir sobre a aprendizagem é a experiência anterior do aluno com conteúdos semelhantes aos que agora se pretende que ele aprenda, a bagagem de experiência e conhecimento que ele traz consigo. É somente na medida em que estes fatores incidem de maneira favorável sobre o aluno que ele vem a aprender, continua o argumentante, e conclui: A aprendiza- gem do aluno é sempre uma autoaprendizagem: se ele está doente, ou subnutrido, ou não tem motivação, ele não aprende, por melhor que seja o professor. Ao professor cabe, portanto, simplesmente facilitar a aprendizagem, remover os obstáculos a ela, criar-lhe condições propícias. A aprendizagem, porém, é sempre um ato do aluno e nunca a consequência de um ato do professor, a saber, do ato de ensinar. Toda aprendizagem, portanto, diz o slogan, é autoa- prendizagem. Aqui termina o argumento. Várias observações podem ser feitas aos que assim argumen- tam. Em primeiro lugar, os que assumem essa posição respon- dem afirmativamente à pergunta: Pode haver aprendizagem sem que haja ensino? É verdade que vão mais longe, afirmando que a aprendizagem, em hipótese alguma, pode ser entendida como uma consequência do ensino. Em segundo lugar, precisa ser dito que grande parte das afirmações feitas pelos que defendem essa posi- ção é perfeitamente aceitável -- por exemplo, o que se diz acerca dos vários fatores que incidem sobre a aprendizagem. É este fato que faz com que a posição em pauta pareça ter certa plausibilidade inicial. O que precisa ser esclarecido -- e esta é uma terceira obser- vação -- é o papel do ensino, e, consequentemente, do professor, no processo de aprendizagem. Estamos entrando, aqui, porém, em uma área perigosa para o filósofo, pois esta última questão parece levantar um problema de natureza empírica acerca do qual somente um psicólogo poderia nos dar informações. Um filósofo que se preocupa essencialmente com questões conceituais faria bem, poderia parecer, em não se intrometer nesta área. Para esclarecernosso objetivo, portanto, é necessário que indiquemos claramente em que sentido um filósofo pode contribuir para a solução desse problema. Vimos atrás que o conceito de ensino inclui uma referência ao conceito de aprendi- zagem (mais precisamente, faz referência à intenção de produzir a aprendizagem). O que queremos examinar aqui é se o conceito de aprendizagem exclui a possibilidade de que a aprendizagem seja Didatismo e Conhecimento 11 ÁREA PEDAGÓGICA GERAL vista como o produto, o resultado, ou a consequência do ensino, pelo menos em alguns casos. Já admitimos a possibilidade de que a aprendizagem ocorra sem ensino. Queremos, agora, examinar a suposta impossibilidade de que ela aconteça em decorrência do en- sino, como efeito ou consequência deste. Se esta impossibilidade for real, isto é, se o conceito de aprendizagem logicamente exclui a possibilidade de que a aprendizagem seja vista como (em alguns casos) uma decorrência do ensino, então o ensino, como uma ati- vidade que é desenvolvida com a intenção de que dela resulta a aprendizagem, é um empreendimento fútil. Não caberá mais ao professor ensinar -- restar-lhe-á apenas a tarefa de detectar obs- táculos e empecilhos à aprendizagem (como falta de motivação, desnutrição, etc.) e de procurar encontrar maneiras de remover esses obstáculos e empecilhos, tornando-se, portanto, caso venha a ser bem sucedido, um facilitador da aprendizagem. Diga-se de passagem, que essa tarefa não é pequena, nem fácil, e muito me- nos indigna. Todo professor sensível se dedica a ela. Acontece, porém, que muitos professores acreditam que, além da tarefa de detectar obstáculos e empecilhos à aprendizagem e de procurar en- contrar maneiras de removê-los, cabe-lhes a tarefa de ensinar, ou seja, de desenvolver certos tipos de atividade que deverão resultar na aprendizagem, por parte dos alunos, de certos conteúdos. Ora, essa tarefa só é realizável se a impossibilidade a que nos referimos não for real. Para elucidar essas questões que, embora conceituais, têm muitas implicações práticas, é necessário levar em conta o que psi- cólogos afirmam acerca da natureza da aprendizagem. Mas nossa investigação não é equivalente a uma investigação psicológica, de natureza empírica. Há certo sentido em que é verdade que toda aprendizagem à autoaprendizagem, que é o seguinte: ninguém pode aprender por mim. Se eu quero vir a saber (ou dominar) um certo conteúdo, sou eu e ninguém mais que tenho que aprender esse conteúdo. Alguém pode me explicar em detalhe o conteúdo a ser aprendido, pode dis- cuti-lo comigo, esclarecer minhas dúvidas, estabelecer paralelos entre esse conteúdo e outros que já conheço (ou domino), etc., mas a aprendizagem, em última instância, é minha. Sou eu que tenho que assimilar, compreender, dominar o que deve ser aprendido. Se for só isso que se quer dizer quando se afirma que toda aprendiza- gem é autoaprendizagem, então o slogan é perfeitamente aceitável. Mas muita gente quer dizer mais com o slogan. Quer dizer que o professor não deve interferir no processo de aprendizagem do aluno (a não ser para remover obstáculos a essa aprendizagem) e que este deve descobrir por si só aquilo que deve aprender. O melhor que o professor pode fazer, em uma linha de ação positiva, talvez seja criar condições propícias para que o aluno descubra, ele próprio, o conteúdo a ser aprendido. Interpretado dessa maneira, o slogan já não nos parece tão aceitável. Em primeiro lugar, essa aprendizagem por descoberta parece inteiramente apropriada em contextos nos quais a pessoa está aprendendo sozinha, sem o au- xílio do professor, ou em contextos nos quais aquilo que deve ser aprendido ainda não foi descoberto por ninguém, sendo, portanto, desconhecido. Em segundo lugar, não nos parece que jamais tenha sido provado que, no que diz respeito a conteúdos já conhecidos, já descobertos por alguém, a melhor maneira de aprender esses conteúdos seja trilhar o caminho seguido por quem originalmen- te os descobriu. Em outras palavras, parece ser bem possível, por exemplo, que a melhor maneira de aprender um dado conteúdo já conhecido seja seguir o caminho inverso daquele percorrido por quem descobriu esse conteúdo (reverse engineering). Ou algum outro caminho, talvez. Essas questões precisam ser investigadas empiricamente. Não há garantias conceituais para a suposição de que no caso de verdades já conhecidas -- estamos falando agora de conteúdos cognitivos -- a melhor maneira de aprendê-los seja redescobri-las. Por um lado, o processo de descobrimento (ou re- descobrimento) é altamente demorado, e muitas vezes não é bem sucedido. Por outro lado, não há a menor garantia de que, se cada geração precisar redescobrir as verdades já descobertas por prévias gerações se vá chegar muito além do ponto ao quais as gerações prévias chegaram. Isto nos mostra que, em relação a certos con- teúdos, é bem possível que a melhor maneira de ocasionar uma aprendizagem rápida e fácil seja através do ensino. Ora, se isto é possível -- note-se que não estamos dizendo que seja o caso -- então não é (logicamente) impossível que a aprendi- zagem aconteça em decorrência do ensino, como efeito ou conse- quência do ato de ensinar. Filosofia Analítica e Filosofia da Educação Em que consiste a filosofia da educação? A resposta a esta pergunta pode variar, dependendo do que se entende por filosofia (e, naturalmente, também do que se entende por educação, mas a própria conceituação de educação já envolve um certo filosofar sobre a educação). Ao leigo pode parecer incrível que filósofos profissionais não tenham conseguido chegar a um acordo a res- peito do que seja a filosofia, isto é, acerca de seu próprio objeto de estudo, mas esta é a pura verdade. A questão da natureza e da tarefa da filosofia já é ela própria, um problema filosófico, e, como tal, comporta uma variedade de respostas. A muitos pode parecer que esta proliferação de respostas seja indicativa do próprio fracasso da filosofia. Outros veem nesta situação a grande riqueza do pensa- mento humano, que, para cada problema que lhe é proposto, é ca- paz de imaginar uma variedade de soluções, todas elas, em maior ou menor grau, razoáveis e dignas de consideração, e todas elas contribuindo, de uma maneira ou de outra, para uma compreensão mais ampla e profunda dos problemas com que se depara o ser humano. Concordamos com estes últimos, e somos da opinião de que, embora muitos problemas filosóficos milenares não tenham (ainda?) sido solucionados, nossa compreensão deles, hoje, não é idêntica à dos filósofos que os formularam pela primeira vez, sendo muito mais profunda e ampla em virtude das várias respos- tas que já lhes foram sugeridas. Isto significa que há progresso na filosofia, apesar de este progresso não poder ser medido quantita- tivamente, em referência ao número de problemas solucionados, podendo somente ser constatado através de uma visão qualitativa, que leva em conta o aprofundamento e a ampliação de nossa com- preensão desses problemas. Não cremos, portanto, ser impróprio oferecer uma tentativa de “definição” da filosofia, se se mantém em mente que esta sugestão de definição não é feita dogmaticamente, como se fosse à única possível, ou mesmo a única razoável. Outras propostas de defini- ção da filosofia existem que são plausíveis e razoáveis, e que, pos- sivelmente, ao invés de se contraporem àquela que vamos sugerir, como alternativas, justapõem-se a ela como maneiras complemen- tares de ver a filosofia. Didatismo e Conhecimento 12 ÁREA PEDAGÓGICA GERAL A filosofia, do ponto de vista pólo analítico, é aquela atividade reflexiva, realizada, através de análise e de crítica, pelo ser pen- sante, no exame do significado e dos fundamentos de conceitos, crenças, convicções e pressuposições básicas, mantidos por ele próprio ou por outros seres pensantes. Essa caracterização geral da filosofia deixa entrever que a atividade filosófica é uma atividade reflexiva
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