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Autores: Prof. Guilherme Francisco Profa. Ivete Maria Soares R. Ramirez Prof. Fernando Paiva Santos Profa. Cláudia Martins Colaborador: Prof. Adilson Rodrigues Camacho Biogeografia/ Sociobiogeografia e Ambiente Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 02 /1 6 Professor conteudista: Guilherme Francisco / Ivete Maria Soares R. Ramirez / Fernando Paiva Santos / Cláudia Martins © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) F818b Francisco, Guilherme. Biogeografia/Sociobiogeografia e Ambiente. / Guilherme Francisco, Ivete Maria Soares Ramirez Ramirez, Fernando Paiva Santos, Cláudia Martins. – São Paulo: Editora Sol, 2016. 200 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XXII, n. 2-007/16, ISSN 1517-9230. 1. Biogeografia. 2. Biomos brasileiros. 3. Ecologia urbana. I. Ramirez, Ivete Maria Soares Ramirez. II. Santos, Fernando Paiva. III. Martins, Cláudia. IV. Título. CDU 574 Guilherme Francisco Bacharel e licenciado em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual Paulista (Unesp campus Rio Claro), mestre em Oncologia pela Fundação Antônio Prudente – Hospital AC Camargo e doutor em Oncologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP). Atua como editor científico nos periódicos na área de genética humana e revisor científico em periódicos da área de genética. Possui experiência em docência no Ensino Médio na disciplina de Biologia e no Ensino Superior na área de Epidemiologia e Bioquímica. Atualmente, atua como professor do colégio e curso pré-vestibular do Colégio e Sistema Objetivo. Ivete Maria Soares R. Ramirez Mestranda em Educação, pós-graduada em Jornalismo Científico pelo Laboratório de Estudos Avançados de Jornalismo Científico da Universidade de Campinas – Labjor-Unicamp, bacharel e licenciada em Ciências Sociais e Geografia pela Universidade de São Paulo – USP. Em 2006, estudou em nível de pós-graduação stricto sensu no Núcleo de Pesquisas Ambientais (Nepam-Unicamp) como aluna especial do Programa de Doutorado. É autora de material didático de Geografia do Ensino Médio do Sistema de Ensino Objetivo e do livro Tiwanaku: um Olhar sobre os Andes, resultado de pesquisa de campo e residência durante seis anos no Chile, na região de Atacama, elaborado em parceria com o laboratório de editoração da ECA-USP em 2005. Realiza trabalho de assessoria de coordenação do Ensino Médio no Departamento de Programação Geral (DPG), apoio pedagógico, do Colégio Objetivo, em São Paulo. Ministra cursos para professores nos encontros pedagógicos promovidos pelo DPG, departamento este que assessora as unidades conveniadas do Sistema Objetivo no Brasil e as unidades situadas no Japão, com cursos para professores e atendimento aos alunos. Ministra aulas no programa Atualidades On-line do Sistema Objetivo de Ensino e realiza comentários nos exames do Enem e vestibulares. Coordena, ministra aulas e elabora materiais didáticos para o curso de Licenciatura em Geografia, na modalidade de ensino a distância (EaD), na Universidade Paulista (UNIP). Fernando Paiva Santos Licenciado em Ciências Biológicas pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, pós-graduado em Gestão e Organização Escolar pelo Instituto AVM e graduando em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo (USP). Desenvolveu estágio no Departamento de Ciências Biológicas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) como crédito necessário para o mestrado em Ornitologia. Cursou disciplinas de pós-graduação no Instituto Federal de Ensino Tecnológico de São Paulo (Cefet-SP). É professor de Biologia do Ensino Médio do Colégio Objetivo e do curso pré-vestibular do Sistema Objetivo. Ministra encontros pedagógicos para professores de Biologia do Sistema Objetivo em São Paulo e outros estados brasileiros. Cláudia Martins Mestre e bacharel em Geografia pela Universidade de São Paulo (USP) e doutora em Filosofia das Ciências Humanas pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Atua como docente nas áreas de Epistemologia e História do Pensamento e em questões temáticas da Geografia Urbana. Realizou estágio de iniciação científica no Laboratório de Planejamento Urbano e Territorial em Geografia pela USP e atuou como geógrafa nas Centrais Elétricas de São Paulo e na Fundação de Desenvolvimento Administrativo (Fundap), ocupando-se de questões ambientais e de políticas públicas de saneamento, recursos hídricos e educação ambiental. A-XIX Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 02 /1 6 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Souza Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valéria de Carvalho (UNIP) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Lucas Ricardi Giovanna Cestari Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 02 /1 6 Sumário Biogeografia/Sociobiogeografia e Ambiente APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................9 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................................ 12 Unidade I 1 ORIGEM DA VIDA ............................................................................................................................................ 19 2 TEORIAS EVOLUTIVAS .................................................................................................................................... 25 2.1 Darwinismo ............................................................................................................................................. 25 2.2 Lamarckismo ........................................................................................................................................... 30 2.3 Neodarwinismo ..................................................................................................................................... 30 3 ESPECIAÇÃO ...................................................................................................................................................... 32 3.1 Mecanismos de especiação .............................................................................................................. 35 3.2 Mecanismos de isolamento reprodutivo .................................................................................... 44 4 EVOLUÇÃO HUMANA ..................................................................................................................................... 46 4.1 Evolução dos hominídeos .................................................................................................................48 4.1.1 Australophitecus ..................................................................................................................................... 49 4.1.2 Homo ........................................................................................................................................................... 51 4.1.3 Origem africana: primeiros do gênero Homo ............................................................................. 52 4.1.4 Homo habilis ............................................................................................................................................. 52 4.1.5 Homo rudolfensis ................................................................................................................................... 53 4.1.6 Homo ergaster ......................................................................................................................................... 53 4.1.7 Homo erectus ........................................................................................................................................... 53 4.2 Últimos passos da evolução dos hominídeos ........................................................................... 54 4.3 Homo sapiens ........................................................................................................................................ 55 4.4 Evolução do homem moderno ....................................................................................................... 56 4.4.1 Modelo de evolução multirregional ................................................................................................ 56 4.4.2 Modelo de substituição ........................................................................................................................ 57 4.4.3 Modelo de hibridação e assimilação ............................................................................................... 57 4.5 H. sapiens são originais ...................................................................................................................... 59 Unidade II 5 BIOMAS ............................................................................................................................................................... 67 5.1 Biomas mundiais .................................................................................................................................. 67 5.1.1 Tundra .......................................................................................................................................................... 68 5.1.2 Taiga ............................................................................................................................................................. 70 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 02 /1 6 5.1.3 Florestas temperadas ............................................................................................................................. 72 5.1.4 Campos ....................................................................................................................................................... 73 5.1.5 Desertos ...................................................................................................................................................... 74 5.1.6 Floresta pluvial tropical ........................................................................................................................ 76 5.1.7 Bioma aquático........................................................................................................................................ 77 5.2 Biomas brasileiros ................................................................................................................................. 80 5.2.1 Bioma amazônico ................................................................................................................................... 81 5.2.2 Bioma caatinga ........................................................................................................................................ 83 5.2.3 Bioma Pantanal Mato-Grossense ..................................................................................................... 84 5.2.4 Bioma Mata Atlântica ........................................................................................................................... 85 5.2.5 Bioma pampa (pradarias e campos) ................................................................................................ 86 5.2.6 Bioma cerrado .......................................................................................................................................... 88 6 BIOGEOGRAFIA DE AMBIENTES AQUÁTICOS ....................................................................................... 88 6.1 Ambientes marinhos ........................................................................................................................... 88 6.2 Estrutura oceânica ............................................................................................................................... 89 6.3 Biogeografia marinha ......................................................................................................................... 91 6.4 Biogeografia do mar aberto ............................................................................................................. 93 6.5 Padrões de circulação de águas oceânicas ................................................................................ 96 6.6 Biomas e províncias oceânicas ....................................................................................................... 98 6.7 Biogeografia de mares rasos ............................................................................................................ 99 Unidade III 7 TEORIAS E ESTUDOS BIOGEOGRÁFICOS ...............................................................................................110 7.1 Biogeografia de ilhas ........................................................................................................................110 7.1.1 Tipos de ilhas e biogeografia ............................................................................................................ 110 7.1.2 Evoluindo nas ilhas: exemplos e tendências para irradiação adaptativa ...................... 116 7.1.3 Enfrentando dificuldades: como chegar e sobreviver nas ilhas? ...................................... 118 7.1.4 Teoria da Biogeografia de Ilhas ...................................................................................................... 123 7.2 Ecologia de Paisagens .......................................................................................................................126 7.2.1 Abordagens da Ecologia de Paisagens ........................................................................................ 128 7.2.2 Os elementos de uma paisagem diferem entre si .................................................................. 130 7.2.3 Fronteiras dos patches influenciam a dinâmica ecológica ................................................ 132 7.2.4 O contexto do patch é importante .............................................................................................. 133 7.2.5 Conectividade é a característica-chave da estrutura da paisagem ................................ 134 7.2.6 Processos e padrões espaciais são dependentes de escalas ............................................... 134 7.3 Sucessão ecológica ............................................................................................................................139 7.3.1 Importância e conceito de sere .......................................................................................................141 7.3.2 Um exemplo de sucessão ecológica............................................................................................. 143 7.3.3 Sucessão primária ................................................................................................................................ 147 7.3.4 Sucessão secundária ........................................................................................................................... 148 7.3.5 Comunidades clímax .......................................................................................................................... 150 7.3.6 Interação entre feedbacks positivos e negativos na sucessão ecológica ......................151 7.3.7 Sucessão urbana .................................................................................................................................. 152 7.3.8 Sucessão induzida por atividades humanas ............................................................................. 152 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 02 /1 6 7.3.9 Degradação de pastagens por sobrepastoreio ......................................................................... 153 7.3.10 Desertificação ..................................................................................................................................... 153 8 ECOLOGIA URBANA E A SOCIOBIOGEOGRAFIA ................................................................................159 8.1 Organização do espaço ....................................................................................................................159 8.2 PNUD e Ps para o desenvolvimento sustentável ...................................................................162 8.3 Atmosfera e os gases ........................................................................................................................166 8.4 Crescimento das metrópoles .........................................................................................................166 8.5 Clima local e microclimas urbanos: interferência na qualidade de vida da população ...............................................................................................................................................167 8.5.1 A questão metodológica das escalas nos estudos do clima .............................................. 167 8.5.2 O ambiente urbano e clima local ...................................................................................................171 9 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 02 /1 6 APRESENTAÇÃO A Biogeografia constitui-se no estudo da distribuição das espécies e ecossistemas em um determinado espaço geográfico por meio do tempo geológico. Sabemos que os organismos e as distintas comunidades biológicas variam de uma forma altamente regular ao longo dos distintos gradientes geográficos como a latitude, a altitude, a sua posição em termos de isolamento e o lugar onde se encontra o seu hábitat. Nos estudos biogeográficos, pretendemos identificar e compreender a diversidade e a complexidade dos biomas e sua relação com a ocupação e os modos de vida dos grupos humanos. É importante reconhecer a disponibilidade dos recursos e sua apropriação pelas distintas comunidades. A ideia é interpretar e relacionar os conceitos sociológicos e biológicos com os conceitos geográficos e a qualidade de vida. Pretendemos com este estudo descrever e identificar, por meio de indicadores cartográficos, a evolução histórica de algumas doenças endêmicas e diferenciá-las das doenças epidêmicas que acometem os grupos humanos, sua evolução e possível contenção ou erradicação. Nossa preocupação também está fundamentada na interpretação e no relacionamento dos conceitos geográficos, transferindo-os para situações concretas, destacando a ação humana e os impactos ambientais. Pretendemos também diferenciar os ambientes terrestres e aquáticos, destacando suas características e especificidades. Herrera (1982, p. 161-189) aborda a questão da natureza humana afirmando que ela difere biologicamente de outras espécies, mas questiona: qual seria a sua especificidade? O autor define a natureza humana como um “mecanismo de relojoaria” extremamente complexo e seleciona traços distintos da espécie humana: Homo sapiens, Homo faber e animal metafísico. Como define o filósofo Schopenhauer (2005), ele conhece a morte e se questiona sobre o significado do Universo e de sua própria vida. Para complementarmos a questão da natureza humana, lembramos da leitura da obra Natureza Humana: Justiça vs. Poder, de Michel Foucault, na qual ocorre um debate entre o filósofo e o linguista Noam Chomsky. Foucault (2014, p. 2-3) pergunta a Chomsky: A minha primeira pergunta é dirigida ao senhor, Sr. Chomsky: por que o senhor emprega com frequência o conceito de natureza humana, chegando a relacionar a ela termos como “ideias inatas” e “estruturas inatas”? Que argumentos o senhor infere da linguística para atribuir uma posição central ao conceito de natureza humana? 10 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 02 /1 6 Resposta de Chomsky: Bem, gostaria de começar com algumas pinceladas técnicas. Toda pessoa que se interessa pelo estudo de línguas depara com um problema empírico bem definido. Ela depara com um organismo, digamos um organismo maduro, adulto, falante, que de alguma forma adquiriu uma fantástica gama de habilidades que lhe permitem especialmente se fazer entender, compreender o que as pessoas lhe dizem, e fazer isso de uma forma que, penso, podemos chamar de altamente criativa. Ou seja, muito daquilo que uma pessoa diz numa comunicação normal com os outros é novo, muito do que houve é original. A pessoa tem habilidades, tem inteligência (FOUCAULT, 2014, p. 2-3). Mas façamos outras perguntas: o que realiza o ser humano a si mesmo em termos ambientais? Até que ponto a natureza humana está comprometida e compromete a biosfera? Existe algo que o relaciona à biosfera de forma específica, a seu hábitat e a sua cultura, como os seres humanos os organizam? Como se reproduzem e como sobrevivem? Para tanto, Herrera avalia a Teoria Malthusiana (dos rendimentos decrescentes) e a posição marxista quanto ao possível colapso dos meios de produção e de sobrevivência no que tange aos recursos naturais. O autor menciona em sua análise as sofridas regiões pobres e dominadas e o neomalthusianismo, relacionando crescimento populacional e subdesenvolvimento. Para ele, o ser humano está exposto ao perigo, mas fugir para onde? Os riscos que corre são originados de suas próprias ações em relação à natureza. Mas o ser humano, ao contrário de outras espécies, é uma criatura cultural, e Herrera questiona: por que não utilizar os avanços científicos em seu benefício em vez de ampliar a situação de crise? As interpretações são múltiplas acerca do problema da autodestruição e variam sob os pontos de vista do biológico ao psiquiátrico. Historicamente, a razão ocidental enlouqueceu? A concepção marxista da história fundamentada na ideia de progresso material, segundo Hegel (apud HERRERA, 1982, p. 69), fala de forças materiais conflitantes: “toda a história da humanidade desde a dissolução da primitiva sociedade tribal, que mantinha a terra em propriedade comum, tem sido uma história de luta de classes, contendas entre explorador e explorado, classes governantes e oprimidas”. Herrera propõe partir de um enfoque unificado para compreender a evolução histórica do Homem e se ele é produto de um desajuste biológico condenado a se extinguir ou se existe uma explicação alternativa para a crise atual. Ele pergunta se há uma mutação cultural. A sociedade mundial proposta pelo marxismo já demonstrou suaslimitações de caráter prático durante a vigência da Guerra Fria, de ordem bipolar. A luta entre “exploradores e explorados”, povos “opressores e oprimidos”, é uma realidade ainda observada em nossa cotidianidade no contexto da Nova Ordem Mundial, multipolar e globalizada. O que a Biogeografia e a Sociobiogeografia têm de compatibilidade com tal situação? A irracionalidade na gestão dos ambientes, a expropriação dos recursos, o descaso com a natureza e com a utilização dos 11 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 02 /1 6 recursos como a água, os recursos minerais, a falta de saneamento e tudo o que possa afetar a saúde e a sobrevivência dos grupos humanos relacionaria a Biogeografia e a Sociobiogeografia. A irracionalidade da crise da destruição ainda não tem explicações conclusivas. A vida nos distintos continentes está em jogo, na relação entre as espécies existentes, suas especificidades, os biomas nos quais se inserem e as condições geográficas apresentadas pelos distintos ambientes continentais e oceânicos. A Biogeografia envolve distintas teorias e conceitos que se referem à Botânica, à Zoologia, à Ecologia, à Antropologia, à Biologia da Conservação e à Geografia da Conservação. No caso específico da Geografia, os estudos relacionam-se à espacialidade dos seres vivos com atributos físicos do ambiente, o modo como as sociedades humanas atuam sobre esses atributos e os seus hábitos de consumo. Os objetivos gerais da presente disciplina para o curso de Licenciatura em Geografia devem possibilitar ao aluno, futuro docente, trabalhar conceitos que auxiliem na compreensão da distribuição dos seres vivos no tempo e no espaço. A discussão do caráter interdisciplinar da Biogeografia visa promover um encontro entre as abordagens geográficas e ecológicas, possibilitando ao aluno a análise, discussão e interpretação das teorias, métodos e técnicas de interpretação biogeográfica por meio do desenvolvimento de projeto didático, e, finalmente, dar oportunidade teórica para que os alunos realizem futuramente trabalhos práticos de campo em suas respectivas comunidades, em ambientes distintos, estabelecendo relações entre a Biogeografia, a Sociobiogeografia e a conservação da natureza. Devemos considerar para nossos estudos a questão da vulnerabilidade como um conceito flexível e que deve ser ajustado e absorvido conforme se apresentam as disciplinas que o utilizam. No que se refere às mudanças ambientais globais, a Biogeografia, a Sociobiogeografia e a Geografia se associam para desenvolver estudos contextualizados sobre a vulnerabilidade e a exposição às quais estão submetidas as espécies em situações de estresse e à própria sobrevivência frente aos impactos e rupturas socioambientais que comprometem a manutenção dos indivíduos ou coletividade. Adger (1999) traduziu o termo vulnerabilidade –exposição ao estresse e ruptura ambiental – baseado nos impactos ambientais, políticos, econômicos e históricos, na capacidade de transformações socioculturais contemporâneas e nos desastres ambientais que interferem na qualidade de vida. Assim, pretendemos identificar e compreender a diversidade e complexidade dos biomas e sua relação com o processo de ocupação e modos de vida dos grupos humanos. A ideia é reconhecer a disponibilidade dos recursos e a sua apropriação pelas distintas comunidades humanas, interpretando e relacionando os conceitos sociológicos e biológicos com os conceitos geográficos e sua relação com a qualidade de vida. Nesta disciplina, pretendemos descrever e identificar, por meio de indicadores cartográficos, a evolução histórica de algumas doenças que acometem os grupos humanos, sua evolução e erradicação, interpretando e relacionando os conceitos geográficos, transferindo-os para situações concretas e destacando a ação humana e os possíveis impactos ambientais. Entre os objetivos gerais, destacamos a distinção dos ambientes terrestres e sua biodiversidade, a relação entre os grupos humanos e os ambientes, a contextualização entre os aspectos naturais, a 12 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 02 /1 6 biodiversidade e a ação humana construtiva e destrutiva e, acima de tudo, o estabelecimento de um diálogo entre a Geografia, a Biologia e a Sociologia, dentro do contexto de saúde e qualidade de vida. Bons estudos! INTRODUÇÃO Iniciamos o nosso trabalho com uma indagação: o que se estuda em Biogeografia? Podemos defini-la como a dimensão espacial da evolução que permite documentar e compreender modelos espaciais de biodiversidade, de acordo com definições de Brown e Lomolino (1998), que falam ainda em dimensão espacial da evolução, como evidenciam certas imagens. Figura 1 Observamos em estudos biogeográficos que algumas espécies estão confinadas a uma determinada região, caracterizando o que em Geografia e Biologia chamamos de endemismo, e outras semelhantes são aparentadas, vivendo em regiões separadas por barreiras biogeográficas (disjunção). A teoria que explica a grande biodiversidade existente em algumas áreas do mundo, como a Floresta Amazônica, denomina-se Teoria dos Refúgios. O Prof. Dr. Aziz Ab’Saber falava a respeito dela em suas aulas e obras. Segundo ele, teria ocorrido na era Cenozoica (no período quaternário) uma instabilidade climática, com alternância de períodos secos e frios, e foi no Holoceno que surgiu a espécie humana. De acordo com essa teoria, a Floresta Amazônica foi fragmentada, formando alguns pequenos acúmulos (redutos) em lugares mais úmidos, com maiores índices pluviométricos, que foram sendo intercalados com uma vegetação arbustivo-herbácea – o cerrado –, e, por ter sido desmembrada em “refúgios” com distintas vegetações e climas, ocorreu uma alta concentração de processos evolutivos distintos. 13 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 02 /1 6 Nos períodos interglaciais, o clima apresentava-se mais úmido, o que favoreceu o maior contato entre os diferentes tipos de ambientes, bem como as populações que habitavam os refúgios. Isso permitiu maior contato entre distintas espécies, o que explicaria a diferença de concentração de espécies endêmicas em certas áreas da atual Floresta Amazônica. Já no Pleistoceno, período caracterizado pela presença de espécies de mamíferos e pássaros de grande dimensão, a Floresta Amazônica viu-se inundada pelo que foi denominado Grande Lago Amazonas, uma vez que a vazão do Rio Amazonas foi interrompida pela formação na parte ocidental da América do Sul, pela formação da Cordilheira dos Andes. Vamos recordar que o Rio Amazonas nasce no Peru em região andina e que tem seu curso direcionado para Leste, ou seja, com foz no Oceano Atlântico. Em decorrência desses fatos, separaram-se as paisagens vegetais oriental – norte e oriental-sul, o que contribuiu para caracterizar a maior divergência da biodiversidade. Ocorre então uma regressão do lago amazônico, o que acabou impulsionando a distribuição da formação florística da Amazônia central. Novamente nos períodos interglaciais ocorreram as transgressões marítimas, o que representa o avanço do mar sobre o continente, inundando vastas áreas. Isso teria contribuído para isolar as áreas vegetadas tanto ao Norte quanto ao Sul do Rio Amazonas e para o fortalecimento das hipóteses de que a floresta teria se expandido e regredido, o que contribuiu para a variação de espécies que compartilham um mesmo gênero. Aí está, portanto, a concentração de riqueza em termos de biodiversidade existente nesse bioma. Dando continuidade a isso, foram observadas mudanças climáticas que na contemporaneidade assumem um nível cada vez mais intenso, o que, conforme muitos estudos afirmam,é agravado pelas ações antrópicas. As mencionadas mudanças climáticas foram constantes, o que ampliou o desenvolvimento de novas espécies que se tornaram endêmicas (particulares daquela área). Por outro lado, as áreas dominadas pelo cerrado acabaram recebendo espécies que haviam crescido nos refúgios. Dessa forma, apresentaremos em nosso curso a Ecobiogeografia, a Biogeografia Evolutiva, com a informação da origem da vida e evidências evolutivas, e as teorias evolutivas, com o Lamarckismo e o Darwinismo/Neodarwinismo, seguindo com a especiação e a evolução humana. Também procuraremos destacar os biomas mundiais e a Fitogeografia e daremos especial ênfase aos biomas brasileiros, sua caracterização e conservação. Diferenciaremos os ambientes aquáticos: a limnologia e a oceanografia básicas. Quanto às teorias biogeográficas, falaremos sobre a corologia, as ecorregiões, os refúgios e os redutos dos domínios morfoclimáticos. Destacaremos a Teoria Biogeográfica das ilhas, a ecologia das paisagens e a sucessão ecológica, inclusive com sugestões para recuperação de áreas degradadas. Quanto à Ecologia Urbana, destacaremos o uso do solo: verticalização, áreas verdes, tipos de moradias e contrastes existentes. Também consideramos importante falar sobre os microclimas urbanos e as influências na qualidade de vida a partir do saneamento básico e os aspectos nocivos da poluição 14 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 02 /1 6 e agressão aos ecossistemas afetando as florestas urbanas e os recursos hídricos, bem como a exclusão espacial e a valorização imobiliária das áreas verdes. Nas ciências ambientais, nosso foco será relativo à natureza das questões ambientais, ao cenário socioambiental mundial e aos principais problemas decorrentes: perda da biodiversidade, miséria, pobreza, desertificação, mudanças climáticas, crescimento populacional, poluição ambiental e os princípios da ecologia humana, além dos modelos de desenvolvimento e sustentabilidade e a responsabilidade socioambiental. Complementamos nossos estudos com a Biotecnologia aplicada, a adaptação para distintas áreas de conhecimento e a sugestão de práticas de educação ambiental e estudo do meio. As abordagens se inserem na montagem de roteiros e em sua própria trajetória no que concerne às alterações e transformações que acontecem no planeta Terra. Devemos ter presente que as atividades humanas acabaram gerando transformações regionalizadas no que se refere à escala econômica. Portanto, podemos dizer que existe um sentido econômico e social na apropriação de recursos naturais e na organização do espaço. As questões biogeográficas e sociobiogeográficas estão dessa forma diretamente relacionadas com as questões ambientais globais, bem como com os riscos que decorrem dessa interação, e estão associadas à economia ecológica e suas tentativas de sustentabilidade, desenvolvimento e capacidade de renovação. Estamos diante de preocupações relativas às mudanças ambientais globais, que podem ser entendidas por meio da construção da modernidade e da cultura, ambas presentes nos conceitos teóricos da Biogeografia, Sociobiogeografia e da Geografia, de uma forma contextualizada, relacionada às mudanças econômicas e sociais vividas no passado e na contemporaneidade. Os estudos sociobiogeográficos estão associados às questões ambientais e à subjetividade, uma vez que não podemos ignorar a existência de um entrelaçamento da historicidade das ações humanas e seu desempenho em termos de atividades produtivas. Existem algumas indagações que são feitas quando nos referimos a estudos específicos, como é o caso da Biogeografia. Vamos procurar respondê-las ao longo do nosso livro-texto. Com certeza, em algum momento de sua vida lhe ocorreu perguntar por que existem espécies semelhantes convivendo num mesmo hábitat (lugar)? São áreas de endemismo, como matas de igapó, ou matas de terra firme, como se observa ao longo do Rio Negro, na Amazônia, onde coabitam aves representativas das afinidades biogeográficas. Mas existem também espécies aparentadas vivendo em hábitats semelhantes, mas disjuntos. É o caso do baobá (Andasonia baobá), da família Malvaceae e da Ceiba glaziovii barriguda. Comparando as distintas paisagens, observamos diferenças na distribuição dos seres vivos e questionamos: como explicar a diversidade da vida e sua espacialidade? Podem ser espécies bem diferentes – por exemplo, de pássaros que desenvolveram um mesmo tipo de canto e de territorialidade: eles protegem uma área, que é o seu nicho alimentar, e 15 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 02 /1 6 alimentam-se de vegetais ou de pequenos seres que compartem com eles esse lugar. O que foi observado é que os padrões de cantos são distintos para cada uma das espécies. No entanto, existe outra situação, na qual as mesmas espécies de pássaros ocupam hábitats distintos, como a Hypocnemis suflava, que dá prioridade aos bambuzais, e a Hypocneperuviana, que vai ocupar áreas de floresta mais densas e mais altas. Dessa forma, comparando diferentes paisagens, constatamos diferenças na distribuição das espécies, e essa questão é que pertence aos estudos biogeográficos. Como explicamos essa variedade de vidas em determinados espaços? Percebemos que o tempo e o espaço são determinantes para a constituição de padrões da natureza. Saiba mais Para saber mais, consulte a revista a seguir: CIÊNCIA HOJE. São Paulo: Instituto Ciência Hoje, ed. 319, v. 53, out. 2014. Essa edição fala sobre a anta e quanto essa espécie pode ensinar aos cientistas. Outras questões são aventadas nos estudos biogeográficos e se relacionam às transformações que ocorreram em outras épocas na história da vida na Terra. Tais transformações permitiram que algumas espécies estivessem confinadas a uma região (endemismo) e outras espécies semelhantes (aparentados) vivessem em regiões separadas por barreiras biogeográficas (disjunção). Mas existem outros questionamentos, por exemplo: como planejar e utilizar os recursos ecossistêmicos sem liquidá-los? As necessidades dos grupos humanos foram sendo alteradas ao longo da sua historicidade, de simples consumo para sobrevivência, relações de troca, comércio mais amplo e centralizado na ideia de lucro entremeado pela exploração. Dessa maneira, a natureza e seus recursos também sofreram transformações, nem sempre com preocupações sustentáveis. Outra questão refere-se às diferentes sociedades e a como elas pensam e classificam os seres vivos. Os organismos variam em suas formas ao longo dos distintos ambientes geográficos, determinados por fatores climáticos, altitude do relevo e condições de solo. A evolução da biogeografia teve seu desempenho graças aos biólogos e pesquisadores Alexander Von Humboldt, Hewett Cottrell Watson, Alphonse de Candolle, Alfred Russel Wallace, Philip Lutley Sclater, Charles Darwin, entre muitos outros. Podemos dividir os estudos biogeográficos em Biogeografia Histórica e Biogeografia Ecológica. Cada um deles apresenta conceitos específicos e marcados por um padrão de distribuição dos organismos. A 16 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 02 /1 6 fim de facilitar os estudos nessa área, mapearam-se as distintas regiões do planeta, que foram nomeadas como regiões biogeográficas: • Região paleártica: o continente europeu, o norte da África até o Deserto do Saara, o norte da Península Arábica e toda a Ásia, desde o norte da Cordilheira do Himalaia, incluindo-se o Extremo Oriente, com o Japão, a China e a Península Coreana. • Região neoártica: da América do Norte até a fronteira com o México. • Região neotropical: do centro doMéxico até a América do Sul. • Região afro-tropical ou etiópica: a África Subsaariana e os dois terços localizados mais ao sul da Península Arábica. • Região indo-malaia: subcontinente indiano, sul da China, Península da Indochina, Filipinas e porção ocidental da Indonésia. • Região australiana: porção oriental da Indonésia, ilha de Nova Guiné, Austrália e Nova Zelândia. • Região oceânica: ilhas do Oceano Pacífico. • Região antártica: abrange o continente e o oceano de mesmo nome. Devemos ter presente que o padrão que rege a distribuição dos organismos em termos espaço-temporais decorre de uma interação dos organismos vivos (bióticos) e do planeta (abióticos), considerando-se três tipos: a extinção, a dispersão e a especiação (vicariância, com evolução desencadeada por um ou mais eventos geológicos em uma determinada área). Uma questão que está presente nos temas ambientais é: como explicar as transformações que ocorreram em outras épocas da história da vida na Terra? Segue um exemplo. Após análises palinológicas, foram observadas na paisagem atual da área urbana de Ponta Grossa, cidade do norte do estado do Paraná, mudanças não só climáticas, mas também na paisagem vegetal em amostras de Araucária, datadas de 40.000 e 43.600 anos aproximadamente, e que ela estaria associada a elevados valores de pólen de Poaceae (Gramineae), sugerindo que no passado teriam existido campos úmidos nessa região em um período que antecedeu a última glaciação no hemisfério Norte. Os resultados sugerem que aumentou a vegetação de floresta e a de campos e que ambas coexistiram durante os últimos 40.000 anos. Este é só um exemplo de estudo biogeográfico que apresenta uma mudança – no caso, vegetacional e climática – que ocorreu por volta de 21.400 anos A.P., observada cientificamente pelos valores encontrados de pólen de Araucária e um pequeno decréscimo de pólen herbáceo. O que apresentamos representa algumas das hipóteses alternativas e explicativas da distribuição e escolas biogeográficas com abordagens históricas, como a dispersão, que indica que as espécies estão 17 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 02 /1 6 num determinado espaço geográfico porque dispersaram de outro espaço para esse atual (neste caso, a barreira geográfica é um fator limitante da distribuição). Você já deve ter se questionado: como explicar de forma científica a evolução geológica da vida na Terra? Sob o sentido criacionista, as distintas religiões a explicam de acordo com suas interpretações. Trata-se de uma outra visão e devemos acima de tudo respeitá-la, mas embora a ciência não interfira nas interpretações religiosas, os cientistas, por meio da Biologia, da Antropologia, da Geologia, da Arqueologia e da Geografia, mostram uma outra visão. Em Geologia e Geomorfologia, estudamos as eras geológicas, você deve se recordar, pois por meio delas construímos uma cronologia que estabelece o surgimento das espécies através dos tempos, no caso, muito longos. Observação As eras geológicas são: Cenozoica, Mesozoica, Paleozoica, Proterozoica, Arqueozoica e Azoica. Elas se dividem em períodos – por exemplo, na Cenozoica há o Terciário e o Quaternário. 19 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 02 /1 6 BIOGEOGRAFIA/SOCIOBIOGEOGRAFIA E AMBIENTE Unidade I 1 ORIGEM DA VIDA O termo “ecologia” foi criado – ou, melhor dizendo, utilizado – pela primeira vez pelo cientista Ernest Haeckel em 1869 para definir os estudos científicos das interações entre organismos vivos e o meio ambiente. Tal palavra deriva do termo grego oikos, que se refere à casa. Segundo Krebs (1972), a ecologia é o estudo científico das interações que determinam a distribuição e a abundância dos organismos. Nota-se aqui que Krebs não faz uso do termo ambiente, uma vez que o ambiente de um indivíduo consiste em um conjunto de influências que agem sobre ele, sendo elas representadas por fatores bióticos e fenômenos abióticos. Dessa forma, entendemos que a ecologia é o estudo científico da distribuição e da abundância dos organismos e também das interações que determinam a distribuição e a abundância. Trata-se então de um termo abrangente que, à luz da interdisciplinaridade, pode ser compreendido também por outras ciências, ou seja, não só pela Biologia, como outrora, mas também pela Geografia. Sabemos que os fenômenos ambientais têm suas origens e/ou manifestações explicadas por essa ciência, por isso o estudo da distribuição e da abrangência dos organismos vivos depende do entendimento das características geográficas do meio ambiente, como o clima, o relevo, a composição do solo, entre outros tantos fatores. Ampliando-se a visão desse contexto, vemos que o mundo vivo pode ser encarado como uma composição hierárquica quimiobiológica, que se inicia com partículas subcelulares – os átomos – passando por células, tecidos, órgãos e sistemas até chegar aos organismos complexos. Então, necessitamos antes de mais nada entender, não aceitar, como esses organismos apareceram em nosso planeta. Para descrevermos como a vida se originou, é necessário, inicialmente, estabelecermos uma escala de tempo. A Terra tem aproximadamente 5 bilhões de anos. As rochas mais antigas, cerca de 3,9 bilhões de anos. A datação da primeira célula, 3,5 bilhões de anos, segundo diversas estimativas. Contudo, antes mesmo de essa escala ser criada (afinal, baseia-se em estudos mais recentes que se referem, entre outras coisas, ao Big Bang – teoria que busca explicar a origem do Universo e dos corpos celestes nele existentes mesmo sem ter a noção de quanto tempo tem a vida na Terra), muitos pensadores tentaram elucidar como a vida surgiu no planeta. Um desses pensadores foi Aristóteles, que, como outros na Grécia, defendia a teoria de que da matéria inanimada pode surgir vida. Para Aristóteles, existia um princípio vital na matéria bruta capaz de produzir matéria viva quando em condições favoráveis. Segundo ele, esse princípio não se tratava de algo palpável, concreto, mas sim de uma força capaz de gerar vida. Essa teoria se tornou conhecida como Abiogênese ou Geração Espontânea, sendo aceita por cerca de dois mil anos desde sua criação. 20 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 02 /1 6 Unidade I Durante todo o tempo em que a teoria foi aceita, até receitas para criar seres vivos foram difundidas mundo afora. O belga Jean Baptiste van Helmont, que fez experimentos significativos na Botânica, foi um dos que propuseram tais receitas. Segundo ele, era possível produzirmos camundongos a partir de roupas sujas guardadas com germe de trigo em local tranquilo. Isso em 21 dias, segundo ele! O naturalista Alexander Ross (apud BALME, 1962), também defensor da Abiogênese, em resposta às dúvidas que pairavam sobre a teoria, afirmou: Então pode ele duvidar se do queijo ou da madeira se originam vermes; ou se besouros e vespas das fezes das vacas; ou se borboletas, lagostas, gafanhotos, ostras, lesmas, enguias etc. são procriadas da matéria putrefeita, que está apta a receber a forma de criatura para a qual ela é por poder formativo transformada. Questionar isso é questionar a razão, senso e experiência. Se ele duvida, que vá ao Egito, e lá ele irá encontrar campos cheios de camundongos, prole da lama do Nilo, para a grande calamidade dos habitantes. O primeiro passo para a derrubada dessa teoria foi dado somente em 1668, pelo biólogo italiano Francesco Redi. Para tal, Redi realizou um experimento no qual colocava pedaços de peixe em vidros abertos. Ele notava que, após alguns dias, surgia grande quantidade de larvas de insetos. Em frascos agora fechados, repetia o procedimento e notavaque as larvas não apareciam. Outro ponto observado por ele foi que as moscas que surgiam das larvas eram semelhantes àquelas que rodeavam o peixe antes do nascimento das larvas. Figura 2 – Livro de Redi sobre seus experimentos a respeito da origem da vida 21 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 02 /1 6 BIOGEOGRAFIA/SOCIOBIOGEOGRAFIA E AMBIENTE Apesar dos trabalhos de Redi terem sido executados com critério e rigor científicos, ele não conseguiu derrubar a teoria. Os defensores da Abiogênese refutavam suas ideias dizendo que por estarem fechados, os frascos não permitiam a entrada do princípio ativo. Então Redi passou a cobrir os frascos com gaze perfurada e, mesmo assim, continuou a não observar o surgimento das larvas. Redi afirmava que seres vivos só aparecem a partir de outros seres vivos, afirmação esta que é a base da teoria denominada Biogênese, que começava a surgir. Pouco tempo depois, com a invenção do microscópio óptico, o inglês John Needham realizou experimentos para tentar confirmar a Abiogênese, dando novo fôlego à teoria. Needham produzia caldos nutritivos com frutas e carnes que, depois de aquecidos, eram fechados e posteriormente aquecidos outra vez. Com o microscópio, o pesquisador verificava o aparecimento de microrganismos no caldo após o procedimento. Dessa maneira, afirmava ele que os microrganismos tinham surgido por geração espontânea. O padre italiano Lazzaro Spallanzani refez os experimentos de Needham, em 1776, mas em vez de somente aquecer, ele ferveu o caldo nutritivo. Como o simples aquecimento não era suficiente para matar os microrganismos preexistentes, estes perduravam, voltando a aparecer no experimento de Needham. Já no experimento de Spallanzani, a fervura matava os organismos, que, assim, não reapareciam. Needham contestou duramente os experimentos de Spallanzani, afirmando que este teria destruído o princípio vital com a fervura. Apesar desse argumento parecer superficial aos nossos olhos, na época foi suficiente para derrubar as conclusões de Spallanzani e manter a Abiogênese aceita. As ideias de Spallanzani podem não ter acabado com a teoria da Abiogênese, mas, por outro lado, influenciaram a indústria alimentícia, pois Nicolas Apert, um industrial francês, aproveitou as conclusões do trabalho de Spallanzani e as aplicou à produção de alimentos em conserva. Para pôr um fim à Teoria da Geração Espontânea, o francês Louis Pasteur realizou experimentos semelhantes aos que já haviam sido feitos, não deixando, contudo, margem às contestações sobre a destruição ou impedimento da força vital. Pasteur ferveu um caldo nutritivo, como havia feito Spallanzani, mas deixou-o em um frasco de pescoço de cisne, o que permitia a entrada de ar. Dessa forma, não era possível argumentar que o princípio vital fora destruído ou impedido de ter contato com o caldo. Enquanto o tubo em forma de pescoço de cisne estava intacto, os microrganismos não cresciam no caldo estéril, mas, ao quebrar-se o pescoço, então havia crescimento deles. Com isso foi possível afirmar que os microrganismos não surgiam a partir do caldo, e sim eram transportados pelo ar; portanto, surgiam de outros preexistentes. 22 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 02 /1 6 Unidade I Figura 3 – Louis Pasteur A partir desse momento, a Teoria da Abiogênese caiu definitivamente e a Teoria da Biogênese consolidou-se no meio científico. Além disso, Pasteur criou também um processo industrial muito utilizado até os dias de hoje, a pasteurização – processo em que se eliminam os microrganismos dos alimentos para que estes se mantenham por um longo período. Figura 4 – Rascunho de Louis Pasteur sobre seus experimentos Além dessas duas teorias, que são as que receberam maior respaldo científico ao longo da história, outras também surgiram com o passar do tempo. Talvez dessas outras menos conhecidas a que mais se 23 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 02 /1 6 BIOGEOGRAFIA/SOCIOBIOGEOGRAFIA E AMBIENTE destacou foi a da Panspermia. Tal ideia defende que a vida na Terra teve origem extraterrena, ou seja, os seres vivos que aqui habitam tiveram sua origem a partir de outros vindos de fora do planeta, através de meteoros ou cometas que aqui caíram. O grande defensor dessa ideia no final do século XIX foi o cientista alemão Hermann Ludwig Ferdinand von Helmholtz. De fato, atualmente sabemos que restos de compostos orgânicos, como hidrocarbonetos, aminoácidos e outros compostos de carbono, já foram identificados em meteoritos. Contudo, a teoria da Panspermia não resolve como surgiu a vida, e sim transfere a dúvida para outra parte da galáxia. Ela também pode ser contestada pelo fato de que, para entrar na Terra, esse ser vivo teria que ter resistido às intensas radiações no espaço, às temperaturas extremas e à entrada dos corpos na atmosfera terrestre. Apesar da discussão sobre qual teoria era a correta, temos que conceber que o surgimento do primeiro ser vivo – o coacervado – não está de acordo com a Teoria da Biogênese, uma vez que, se não havia nenhum ser vivo, como surgiu então o primeiro deles? Com o passar dos anos e do desenvolvimento científico, principalmente nos campos da Geologia e da Astronomia, os cientistas começaram a estudar questões como idade e composição química da Terra, das estrelas e do Sistema Solar e a propor teorias de como elas poderiam ter surgido. Essas questões também influenciaram os pesquisadores da área biológica, que começaram a questionar como surgiu a vida em nosso planeta. O bioquímico russo Aleksandr I. Oparin, em 1924, e o geneticista inglês John B. S. Haldane, em 1928, propuseram um esquema para estudar a questão da origem da vida em nosso planeta. A hipótese de Oparin-Haldane é baseada no fato de que por meio de reações químicas entre moléculas simples, tais como CH4, CO, CO2, H2, H2S, HCN, NH3, H2O, se formariam moléculas mais complexas (aminoácidos, açúcares, ácidos nucleicos, lipídeos); depois de milhões de anos; tendo um grande acúmulo dessas moléculas, elas se combinariam, formando biopolímeros (peptídeos, polissacarídeos, nucleotídeos), que reagiriam entre si e formariam estruturas coacervadas (estruturas que parecem célula). Dentro dessas estruturas e após milhões de anos, reações químicas começariam a ocorrer e seriam tão complexas que poderíamos considerar as estruturas coacervadas como vivas. Stanley L. Miller e Harold C. Urey (Prêmio Nobel de Química em 1934) conseguiram produzir aminoácidos em laboratório a partir de condições que simulavam o ambiente da Terra primitiva. Tal experimento utilizava água aquecida a 80 ºC, simulando o mar, e uma mistura de gases metano, amônia e hidrogênio; além disso, também foram usadas faíscas como fonte de energia para as reações químicas, representando as descargas elétricas dos raios que eram constantes naquele momento. Algum tempo depois, a análise da solução do experimento detectou a presença de aminoácidos. 24 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 02 /1 6 Unidade I Figura 5 – Harold C. Urey (ao centro) Sidney Fox, em 1957, inspirado pelo trabalho de Miller, realizou um experimento onde aqueceu uma mistura de aminoácidos para comprovar que eles poderiam ter se agrupado realizando ligações peptídicas no meio ambiente para formar complexos proteicos – as proteínas. Isso corroborou com as conclusões de Oparin e Haldane ao constatar que moléculas mais simples presentes na Terra primitiva eram capazes de produzir espontaneamente moléculas complexas como os aminoácidos, que são a base das moléculas orgânicasmais abundantes nos seres vivos, as proteínas, sendo que estas ainda são responsáveis por grande parte das reações químicas nas células vivas até hoje. Tais experimentos construíram a hipótese heterotrófica da origem da vida. Segundo essa hipótese, o primeiro ser vivo foi um heterótrofo simples formado pela reação entre as substâncias simples que existiam no planeta, e a partir da organização das substâncias complexas formadas nesse momento surgiu o primeiro ser vivo, que, por sua vez, nutria-se de outras substâncias livres no ambiente, como a glicose, formada por processo semelhante às demais. A formação da glicose, fonte de energia primária aos seres vivos, foi comprovada por outro experimento famoso na história da bioquímica – o experimento de Calvin. Figura 6 – Melvin Calvin 25 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 02 /1 6 BIOGEOGRAFIA/SOCIOBIOGEOGRAFIA E AMBIENTE Melvin Calvin, bombardeando gases primitivos com radiações, obteve entre outros compostos um tipo de carboidrato. Esse material, acredita-se, foi a fonte de alimento para os primeiros seres vivos, e a partir do processo de fermentação desse carboidrato surgiu, em quantidade, outro composto que seria fundamental para a evolução dos seres vivos: o gás carbônico. Com a eliminação do gás carbônico na atmosfera, foi possível a evolução das células vivas e o aparecimento de um fenômeno fundamental para a manutenção da vida no planeta: a fotossíntese. Com o aparecimento dos organismos autótrofos, capazes de sintetizar a glicose por meio da fotossíntese, ocorreu a modificação do ambiente, transformando primeiramente a atmosfera, pois pela fotossíntese ocorre a liberação de gás oxigênio, devido à quebra da molécula de água. Sendo assim, nota-se uma gradual transformação do meio por conta de processos biológicos ocorridos nos organismos primitivos heterótrofos e depois autótrofos. Foi só então que as células heterotróficas modernas, se é que assim podemos chamá-las, puderam aparecer no planeta e perdurar até a atualidade, sofrendo, é claro, modificações ao longo do tempo – a evolução. 2 TEORIAS EVOLUTIVAS Durante muito tempo, a origem das espécies foi atribuída a um ou mais deuses que teriam “criado” os seres vivos como eles são no presente, ordenados em uma escala hierárquica imóvel, sendo a espécie humana o ponto mais elevado (MARTINS, 2001). Na Antiguidade, Platão (428/7–348/7 a.C.) defendia que a verdadeira natureza das coisas se encontrava na essência delas, por baixo de sua superfície. A essência das coisas seria feita de ideias fixas, que eram ocultadas pela multiplicidade de maneiras como os indivíduos se manifestavam. Assim, as diferentes espécies seriam apenas variações da espécie essencial ou verdadeira. O homem seria a expressão mais perfeita da ideia e todos os outros seres, estágios degenerativos. Aristóteles (384–322 a.C.), discípulo de Platão, via a natureza de uma forma estática, mas diferentemente do seu mestre, acreditava que as variações individuais eram devidas a imperfeições, visto que a forma original era fixa desde a sua criação. A essência dos indivíduos era transmitida aos descendentes pelos genitores (ROSE, 2000). A ideia judaico-cristã de origem das espécies, descrita no Livro do Gênesis, no qual um único Deus teria criado a Terra e todas as espécies, sendo o homem o último ser vivo criado e que deveria dominá-la e povoá-la, perdurou da Antiguidade ocidental até o Renascimento no século XVI, sem grandes contestações (SALATINO, 2001). Porém, os maiores teóricos conhecidos sobre tal aspecto são Charles Darwin e Jean Baptiste Lamarck. Não que estes sejam os únicos a discutir tais ideias sobre a evolução das espécies, mas sem dúvida foram os que alcançaram maior notoriedade. 2.1 Darwinismo O grande biólogo russo-americano Theodosius Dobzhansky é autor da frase: “Em Biologia nada tem sentido, exceto à luz da evolução!”. Essa é uma verdade na Biologia e na Ecologia. Assim, tentamos 26 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 02 /1 6 Unidade I explicar os processos pelos quais as propriedades de diferentes tipos de espécies lhes possibilitam viver em determinados ambientes e não em outros. No linguajar popular, o termo utilizado mais amplamente é adaptado. Costuma-se dizer que o organismo é mais ou menos adaptado ao ambiente em referência a sua sobrevivência ou morte ali. Para um evolucionista, o termo adaptado significa que o ambiente estabeleceu forças de seleção natural que afetaram a vida de ancestrais, e, assim, moldaram e especializaram a evolução do organismo. Contudo, a adaptação implica que os organismos estão moldados aos seus ambientes atuais, sugerindo intenção ou previsão. Todavia, os indivíduos não foram planejados ou moldados para o presente: eles foram moldados (por seleção natural) por ambientes passados. Suas características refletem os sucessos e as falhas de ancestrais. Eles parecem estar moldados pelos ambientes presentes apenas porque estes assemelham-se aos ambientes passados. Figura 7 – Folha de rosto do livro A Origem das Espécies A Teoria da Evolução por Seleção Natural é uma teoria ecológica. Foi inicialmente elaborada por Charles Darwin em 1859, embora sua essência tenha sido também examinada por Alfred Russel Wallace, seu contemporâneo e correspondente. A teoria baseia-se em cinco pontos: • Os indivíduos que constituem uma população de uma espécie não são idênticos. • Ao menos parte dessa variação é hereditária. • Todas as populações têm a potencialidade de povoar toda a Terra, e o fariam se cada indivíduo sobrevivesse e deixasse descendentes. 27 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 02 /1 6 BIOGEOGRAFIA/SOCIOBIOGEOGRAFIA E AMBIENTE • Ancestrais diferentes deixam números diferentes de descendentes. • O número de descendentes deixados por um indivíduo não depende inteiramente, da interação entre as características do indivíduo e do ambiente. Segundo Begon, Harper e Townsend (1996), em todo ambiente, alguns indivíduos tenderão a sobreviver, a se reproduzir melhor e a deixar mais descendentes do que outros. Se, devido ao fato de alguns indivíduos deixarem mais descendentes do que outros, as características hereditárias de uma população mudarem de uma geração para outra, considera-se que ocorreu evolução por seleção natural. Figura 8 – Charles Darwin Quando nos maravilhamos com a diversidade e a complexidade das especializações, existe uma tentação em considerar cada caso como um exemplo de perfeição evolutiva. Mas isso seria um grande erro! O processo evolutivo atua sobre a variabilidade genética disponível. Consequentemente, é improvável que a seleção natural leve à evolução de indivíduos perfeitos. O próprio Darwin não era concreto sobre a origem das modificações nos indivíduos. De forma geral, ele deixava claro que os organismos sofriam modificações de origem desconhecida ou não clara até aquele momento, mas que, após seu desenvolvimento, tais modificações eram fundamentais para o processo de seleção natural. Tais explicações sobre o surgimento dessas modificações nos organismos vieram a ser elucidadas com a redescoberta de trabalhos contemporâneos aos de Darwin, mas que relatavam como as características são transmitidas de um indivíduo aos seus descendentes. Tais trabalhos foram realizados por Gregor Mendel e ficaram esquecidos por cerca de trinta e cinco anos, até serem publicados. 28 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 02 /1 6 Unidade I Mendel descreve a partir de suas experiências como as características de um indivíduo são transmitidas aosdescendentes e destes às próximas gerações, fato que reforça a ideia da seleção natural, em que cada organismo que se reproduz mais pode deixar mais descendentes adaptados ao meio e assim modificar o padrão das populações de um determinado local. Observe as ponderações de Edmac Trigueiro (2015, p. 5) sobre esse episódio: [...] Entretanto, assim como Darwin, Mendel era um homem à frente de seu tempo que fez todo o trabalho de pesquisa em hereditariedade cruzando ervilhas que mantinha no mosteiro em que exercia também seu ofício de pároco. Na época de Darwin, não se entendia como os filhos se pareciam com os pais, nem qual mecanismo biológico explicava isso. As chamadas leis da hereditariedade só foram compreendidas após os experimentos de Mendel com as ervilhas no jardim de seu mosteiro. Dessa maneira, Mendel revolucionou a ciência e a genética, sendo chamado até hoje de Pai da Genética. Seus trabalhos foram essenciais para a sedimentação da Moderna Teoria da Evolução, ou Neodarwinismo. Sobre o tema, leia o texto a seguir: Ideias e pessoas que influenciaram Darwin Darwin foi influenciado pelos trabalhos de cientistas famosos, como o astrônomo John Herschel (1792–1871) e o naturalista e viajante Alexandr Humboldt (1767–1835). Este último foi responsável, segundo o próprio Darwin, pelo impulso de viajar a terras desconhecidas em expedições científicas. O trabalho do geólogo e amigo Charles Lyell (1797–1875) também marcou o estudo de Darwin. Além de levar uma cópia do Princípios de Geologia, de Lyell, em sua viagem a bordo de Beagle, as primeiras anotações de viagem de Darwin eram sobre os temas de Geologia. Malthus Darwin também aponta a influência das ideias do vigário inglês Thomas R. Malthus (1766–1834) na elaboração do conceito de seleção natural. Em 1798, Malthus sugeriu que a principal causa da miséria humana era o descompasso entre o crescimento das populações e a produção de alimentos. Disse ele: “O poder da população é infinitamente maior do que poder da terra de produzir os meios de subsistência para o homem. A população, se não encontra obstáculos, cresce de acordo com uma progressão aritmética”. Malthus não se referiu apenas às populações humanas, mas tentou imaginar a humanidade submetida às mesmas leis gerais que regem populações de outras espécies de 29 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 02 /1 6 BIOGEOGRAFIA/SOCIOBIOGEOGRAFIA E AMBIENTE seres vivos. Esse foi um dos méritos de seu trabalho, que chamou a atenção de Darwin para as ideias de “luta pela vida” e “sobrevivência dos mais aptos”. Seleção artificial Um dos argumentos apresentados por Darwin em favor da seleção dos mais aptos baseou-se no estudo das espécies cultivadas pelo homem. Sabia-se que pelo menos alguns animais domésticos e vegetais cultivados pertenciam a espécies com representantes ainda em estado selvagem. Os exemplares domésticos, entretanto, diferiam em tantas características dos selvagens que podiam, quanto ao seu aspecto geral, até ser classificados como espécies diferentes. Darwin se dedicou à criação de pombos, cujas variedades domésticas eram sabidamente originadas de uma única espécie selvagem, a Columba livia, a partir da seleção artificialmente conduzida pelos criadores. Sua conclusão foi que a seleção artificial podia ser comparada àquela que a natureza exercia sobre as espécies selvagens. A publicação da teoria de Darwin Em 1844, Darwin escreveu um longo trabalho sobre a origem das espécies e a seleção natural. Não o publicou, porém, porque tinha receio de que suas ideias fossem um tanto revolucionárias. Amigos de Darwin, conhecedores da seriedade de seu trabalho, tentaram inutilmente convencê-lo a publicar o manuscrito antes que outros publicassem ideias semelhantes. A teoria selecionista de Wallace Em junho de 1858, Darwin recebeu uma carta do naturalista inglês Alfred Russel Wallace (1823–1913), que continha conclusões fundamentalmente semelhantes às suas. Wallace havia estudado as faunas da Amazônia e das Índias Orientais, chegando à conclusão de que as espécies se modificavam por seleção natural. Darwin ficou assombrado com as semelhanças do trabalho de Wallace em relação ao seu próprio trabalho, entre outras coisas pelo fato de Wallace ter também se inspirado em uma mesma fonte não biológica, o livro de Malthus, Ensaio sobre a Lei da População. Darwin escreveu, então, um resumo de suas ideias, que foram publicadas juntamente com o trabalho de Wallace, em 1º de julho de 1858. Um ano mais tarde, Darwin publicou o trabalho completo no livro A Origem das Espécies. As anotações de Darwin confirmaram que ele concebeu a sua teoria de evolução cerca de 15 anos antes de ter recebido a carta de Wallace, e este admitiu que Darwin tinha, realmente, sido o pioneiro. Fonte: Só Biologia ([s.d.]). 30 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 02 /1 6 Unidade I 2.2 Lamarckismo Outro grande nome quando se trata de evolução é o do pesquisador francês Jean Baptiste Lamarck, ou simplesmente Lamarck. Em 1809 ele publicou seu livro Filosofia Zoológica, no qual expôs suas ideias sobre o fenômeno da evolução. Sua ideia central era de que uma grande mudança no ambiente de qualquer espécie animal causaria uma alteração nas suas necessidades. Essas alterações implicariam a necessidade de a espécie se modificar e, consequentemente, formar novos hábitos. Com base nesse argumento, Lamarck enunciou duas leis, nas quais afirmava estarem contidas a essência da evolução e as alterações dos caracteres biológicos das espécies: • A 1ª Lei de Lamarck, ou a Lei do Uso e do Desuso: em qualquer animal que não ultrapassou o limite do seu desenvolvimento, o uso mais frequente e contínuo de qualquer órgão gradualmente fortifica, desenvolve e aumenta esse órgão. Assim, o desuso permanente de qualquer órgão imperceptivelmente o enfraquece e o deteriora, diminuindo a sua capacidade funcional, até que ele finalmente desapareça. • A 2ª Lei de Lamarck, ou a Lei da Herança dos Caracteres Adquiridos: todas as aquisições ou perdas feitas pela natureza nos indivíduos devido ao uso ou desuso são preservadas pela reprodução de novos indivíduos que surgem. A explicação de Lamarck para a evolução, pelo uso e desuso, tem grande repercussão até hoje, contudo é considerada equivocada por não poder ser cientificamente comprovada. Além disso, experimentos comprovam que suas ideias não se concretizam como ele previa. A sua teoria foi desenvolvida numa das épocas mais revolucionárias da história da humanidade, tanto em termos políticos quanto intelectuais: a época da Revolução Francesa. Esse contexto muito provavelmente contribuiu para a ousadia de suas conjecturas (ALMEIDA, 2007; ALMEIDA; DA ROCHA FALCÃO, 2005). Embora o objetivo central de Lamarck não fosse a evolução orgânica e tampouco a origem das espécies, a sua teoria é considerada pelos historiadores da Biologia como a primeira explicação sistemática da evolução dos seres vivos. Ele pode ser considerado o fundador do transformismo (CORSI, 1994). 2.3 Neodarwinismo A união dos trabalhos de Mendel e de Darwin resultou na síntese conhecida como Neodarwinismo ou Teoria Sintética da Evolução, que integra a ideia de mudanças evolutivas graduais e estabilidade genética (FUTUYMA, 2003). De acordo com a teoria neodarwinista, a evolução consiste no surgimento de novas variantes de genes em grupos isolados de uma espécie. Essas variantes surgem ao acaso provocadas por mutações e não ocorrem de maneira homogênea em toda a espécie. Gradualmente, sob a ação da seleção natural, as variantes genéticas que conferem vantagens adaptativas aos indivíduos do grupo são incorporadas ao seu patrimônio genético e repassadas aos seusdescendentes (WAIZBORT, 2001). 31 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 02 /1 6 BIOGEOGRAFIA/SOCIOBIOGEOGRAFIA E AMBIENTE A Teoria Moderna da Evolução é tão completamente identificada com o nome de Darwin que muitos acreditam tratar-se de um conceito inteiramente proposto pelo próprio. Entretanto, a Teoria Sintética da Evolução agrupa num só contexto a seleção natural proposta por Darwin com as bases da hereditariedade propostas por Mendel, além de utilizar-se da genética como fonte das variações nos organismos vivos. A junção delas forma uma teoria que explica como as modificações surgem nos indivíduos, coisa que Darwin não elucidou, e a genética, sim. Ela explica também como elas são transferidas aos descendentes, contribuição de Mendel, e a forma com a qual o meio seleciona os mais adaptados, teoria de Darwin. Não diferentemente das demais teorias evolucionistas, o Neodarwinismo também apresenta falhas, na visão de alguns cientistas. Para Lynn Margulis, por exemplo, a falha do Neodarwinismo se encontra na base matemática dessa teoria. Para ela, a linguagem da vida é a Química, e não a Matemática (CAPRA, 1996). Outros cientistas afirmam que seria necessária uma grande combinação de eventos aleatórios para criar estruturas tão complexas como o olho humano, porque a formação de uma estrutura como o olho humano depende da atividade de vários genes. Portanto, esses eventos deveriam ocorrer em todos os genes relacionados (BEHE, 1997). Em relação a esse aparente problema, Dawkins (1998, p. 102) rebate: Olhos, ouvidos e corações, a asa de um urubu, a teia de uma aranha, tudo isso nos impressiona por sua perfeição óbvia de engenharia, não importando o contexto em que se encontrem: não há necessidade de que sejam apresentados a nós em seu ambiente natural para que notemos que são adequados para algum propósito e que, se suas partes fossem rearranjadas ou alteradas de qualquer forma, seriam piores [...]. Essa é a outra maneira de dizer que não se pode explicar objetos como se tivessem surgido ao acaso [...]. É a sobrevivência lenta, cumulativa, passo a passo e não casual de variantes que surgem aleatoriamente, ao que Darwin denominou seleção natural. Dawkins (1998) defende que existem fundamentos científicos distorcidos que delimitam a não compreensão da teoria ou a visualização de falhas. O Neodarwinismo é sempre visto como uma teoria de puro acaso, isso porque as mutações e recombinações que acontecem no genoma são aleatórias. Essas mutações e recombinações aleatórias fornecem à seleção natural as variações genéticas necessárias ao processo evolutivo. Assim, fica evidente que a seleção natural não é aleatória e pode ou não utilizar mecanismos aleatórios para realizar seu trabalho. Observação O conceito da influência do ambiente é bem diferente para Darwin e Lamarck. Segundo Lamarck, o ambiente induz mudanças nas espécies. Para Darwin, o ambiente seleciona as melhores adaptações. 32 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 02 /1 6 Unidade I Saiba mais Sobre o tema, leia as obras a seguir: CARROLL, S. B. Infinitas formas de grande beleza: como a evolução forjou a grande quantidade de criaturas que habitam o nosso planeta. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003. MAYR, E. O que é evolução. Rio de Janeiro: Rocco, 2009. (Ciência Atual). Outra sugestão é o filme: O DESAFIO de Darwin. Dir. John Bardshaw. EUA: Paramount Pictures, 2011. 104 minutos. 3 ESPECIAÇÃO Segundo a Teoria da Evolução baseada nos ensaios de Charles Darwin, todas as espécies têm ancestrais em comum. Ao tomarmos essa premissa como base, assumiríamos que todas as espécies, sejam vivas ou até mesmo extintas, são descendentes de uma espécie ancestral. Nesse sentido, toda a biodiversidade existente e até mesmo a extinta seria decorrente de processos de especiação, ou seja, mecanismos que favorecem o desenvolvimento de espécies diferentes. No entanto, se a especiação fosse um evento raro, a biodiversidade seria consideravelmente menor, não só atualmente como em períodos geológicos passados. A especiação é um processo fundamental para a diversidade de espécies e a irradiação evolutiva, portanto, fundamental para a evolução. B C D A 1 Figura 9 – Réplica do esboço dos cadernos de Darwin, onde se faz alusão ao grau de parentesco das espécies 33 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 02 /1 6 BIOGEOGRAFIA/SOCIOBIOGEOGRAFIA E AMBIENTE Figura 10 – Charles Darwin Se a especiação é um processo fundamental na evolução e tem como produto final uma nova espécie, temos neste caso que a espécie é o principal agente do processo. Antes de entendermos os processos que levam à formação de espécies, temos de entender o que é uma espécie. A palavra espécie significa, em latim, “tipo” ou “aparência”. No sentido biológico, espécie significa o indivíduo, a unidade básica do sistema taxonômico de classificação dos seres vivos. Desde que foi criado, o conceito de espécie vem sendo alterado conforme foi-se avançando no conhecimento e o conceito anterior apresentando falhas. O primeiro conceito utilizou-se de características morfológicas, denominando espécies como seres que possuem as mesmas características morfológicas em um nível maior que outros conjuntos semelhantes. No entanto, com o desenvolvimento dos conhecimentos do tema, verificou-se que organismos até morfologicamente parecidos na verdade apresentavam outras características que não suportariam denominá-las como mesma espécie, como exemplo espécies crípticas, e ao contrário também: espécies politípicas (organismos da mesma espécie, mas com morfologias diferentes), dimorfismos sexuais e plasticidade fenotípica que algumas espécies podem apresentar. Dessa maneira, esse conceito acabou por ser pouco usado. O conceito, no entanto, foi sendo construído progressivamente. Nessa construção do conceito foi adicionada primeiramente a capacidade de reprodução dos indivíduos. Assim, um dos conceitos propostos foi de que os organismos da mesma espécie deveriam ter a capacidade de cruzamento entre si. Essa definição também acabou por ser considerada insuficiente quando se observou que indivíduos diferentes conseguiam cruzar entre si dando origem a descendentes, como exemplo leões e tigres ou cavalos e burros. O passo seguinte então foi considerar que os descendentes fossem férteis, ao contrário dos descendentes originados dos cruzamentos citados. 34 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 02 /1 6 Unidade I Figura 11 – Exemplo do cruzamento de espécies diferentes, originando um híbrido infértil. O cruzamento de uma égua (A) com um jumento (B) origina a mula (C) A definição de espécie que tem sido mais utilizada – a chamada de conceito biológico de espécie – advoga que espécies são grupos de populações naturais que se intercruzam ou potencialmente se intercruzam, estando isolados reprodutivamente de outros grupos. Tal definição foi proposta pelo biólogo evolucionista Ernst Mayr em 1940 (MAYR, 2001). Nesse conceito, o autor deixa em sugestão que mesmo que membros da espécie não estejam no mesmo lugar, os indivíduos não devem ser classificados como espécies diferentes, uma vez que poderiam intercruzar-se caso houvesse possibilidade. O termo “natural” na definição também tem papel importante, uma vez que reforça a posição de que o cruzamento, ou seja, a troca de genes, ocorra de maneira natural, e não por cruzamentos de espécies diferentes em cativeiros, pois apenas na natureza essa troca de genes tem importância evolutiva. A troca de genes é a principal razão que define
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