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0 UNISALESIANO Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium PEDAGOGIA Anne Carolline dos Santos Paz Renata Fernanda Nabas Oliveira A IMPORTÂNCIA DO OLHAR PEDAGÓGICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO INFANTIL PARA O ENSINO FUNDAMENTAL LINS – SP 2017 1 ANNE CAROLLINE DOS SANTOS PAZ RENATA FERNANDA NABAS OLIVEIRA A IMPORTÂNCIA DO OLHAR PEDAGÓGICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO INFANTIL PARA O ENSINO FUNDAMENTAL Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Banca Examinadora do Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium, curso de Pedagogia, sob a orientação da professora Dr.ª Elaine Cristina Moreira da Silva e orientação técnica da professora Ma. Fátima Eliana Frigatto Bozzo. LINS – SP 2017 2 Paz, Anne Carolline dos Santos; Oliveira, Renata Fernanda Nabas A importância do olhar pedagógico na transição da Educação Infantil para o Ensino Fundamental / Anne Carolline dos Santos Paz; Renata Fernanda Nabas Oliveira. – – Lins, 2017. 63p. il. 31cm. Monografia apresentada ao Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium – UniSALESIANO, Lins-SP, para graduação em Pedagogia, 2017. Orientadores: Elaine Cristina Moreira da Silva; Fátima Eliana Frigatto Bozzo. 1. Transição. 2. Educação Infantil. 3. Ensino Fundamental. I Título. CDU 37 P368i 3 Anne Carolline dos Santos Paz Renata Fernanda Nabas Oliveira A IMPORTÂNCIA DO OLHAR PEDAGÓGICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO INFANTIL PARA O ENSINO FUNDAMENTAL Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) apresentado ao Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium para obtenção do título de graduação do curso de Pedagogia. Aprovado em ________/________/________ Banca Examinadora: Prof.ª Orientadora: Dr.ª Elaine Cristina Moreira da Silva. Titulação: Doutora em Educação – Universidade Nove de Julho – São Paulo Assinatura: _________________________________ 1ª Prof.ª Dr.ª Adriana Monteiro Piromali Guarizo. Titulação: Doutora em Letras pelo Ibilce – UNESP - São José do Rio Preto. Assinatura: _________________________________ 2ª Prof.ª Ma. Denise Rocha Pereira Titulação: Mestra em Educação – Linha de pesquisa – Psicologia da Educação: Processos Educativos e Desenvolvimento Humano – UNESP – Marília. Assinatura: _________________________________ 4 DEDICATÓRIA Dedico este trabalho a minha família, em especial minha mãe e minha irmã, por sempre me apoiarem do início da faculdade até aqui, motivando-me e nunca permitindo com que desistisse, por mais difícil que tenha sido. A minha madrinha e também educadora, Gislaine, por ter me inspirado desde pequena a querer seguir essa carreira tão bonita como a de professora, por mais difícil que esta possa ser nos dias de hoje. Anne Carolline dos Santos Paz 5 DEDICATÓRIA Dedico esse trabalho a minha filha Manuela, que despertou em mim, a vontade de ser educadora ao me fazer enxergar o quanto as crianças necessitam de um olhar diferenciado dentro de processo educacional para conseguirem serem alunas, sem deixarem de vivenciar suas infâncias. Também foi ela, que ao vivenciar sua primeira transição escolar (da Educação Infantil para o Ensino Fundamental) e sofrer com as mudanças bruscas desmotivando-se em relação à escola, me fez refletir sobre a importância dessa transição para o processo educacional e enquanto marco na vida escolar das crianças. Renata Fernanda Nabas Oliveira 6 AGRADECIMENTOS Agradeço em primeiro lugar a Deus, por até aqui ter me dado forças para continuar objetivando sempre crescer e melhorar cada vez mais. A minha família, por ter me ajudado e incentivado sempre com palavras e carinho e estarem sempre ao meu lado em todos os momentos. Deixo aqui também meus sinceros agradecimentos à minha parceira e grande amiga, que pretendo levar para toda vida, Renata, que me incentivou a realizar um excelente trabalho. Para encerrar, aos educadores do UniSalesiano, muito obrigada, e em especial à Prof.ª Dr.ª Elaine Cristina Moreira da Silva, que além de orientadora também foi uma grande parceira em toda essa trajetória. Anne Carolline dos Santos Paz 7 AGRADECIMENTOS Primeiramente agradeço a Deus por ter tocado meu coração em relação a acreditar em mim e na possibilidade de aos 32 anos, casada e com uma filha pequena ingressar na faculdade e conseguir me formar, ambicionando trabalhar por um processo escolar melhor para todas as crianças. Em seguida, agradeço a minha família que me incentivou e me apoiou o tempo todo, principalmente nos vários momentos de cansaço e desânimo. Também não poderia deixar de mencionar minha amiga e parceira nesse trabalho, Anne, por “abraçar” esse tema e trabalhar com seriedade desde o projeto até a conclusão do TCC, sempre com o objetivo de realizarmos um trabalho de qualidade. Para finalizar, meu muito obrigado a todos os educadores do curso de Pedagogia do UniSalesiano, em especial à nossa orientadora Prof.ª Dr.ª Elaine Cristina Moreira da Silva, meu agradecimento sincero por ter acreditado em nossa capacidade e confiado em nosso comprometimento de trabalhar com esse tema, que considero tão relevante. Renata Fernanda Nabas Oliveira 8 “[...] A criança tem cem linguagens (e depois cem, cem, cem), mas roubaram- lhe noventa e nove. A escola e a cultura lhe separam a cabeça do corpo. Dizem-lhe: de pensar sem as mãos, de fazer sem a cabeça, de escutar e de não falar, de compreender sem alegrias, de amar e maravilhar-se só na Páscoa e no Natal. Dizem-lhe: de descobrir o mundo que já existe e de cem roubaram- lhe noventa e nove. Dizem-lhe: que o jogo e o trabalho, a realidade e a fantasia, a ciência e a imaginação, o céu e a terra, a razão e o sonho são coisas que não estão juntas. Dizem-lhe: que as cem não existem, a criança diz: ao contrário, as cem existem.” Loris Malaguzzi (1999, p. 17) 9 RESUMO As transições escolares são marcos na vida de todos que passam por elas, e esses marcos enquanto positivos ou negativos podem auxiliar respectivamente no interesse ou no desinteresse dos educandos envolvidos no processo. Os governos abordam essa questão e defendem em seus documentos que as transições devem ocorrer de maneira gradativa e continua, para que não haja grandes rupturas, porém, na prática sabe-se que as transições não ocorrem sempre assim. A primeira transição obrigatória acontece entre Educação Infantil e Ensino Fundamental e envolve crianças em tenra idade. Reconhece-se que essas crianças precisam vivenciar o ambiente escolar enquanto educandas, mas também não devem deixar de vivenciar a infância. Nesse sentido, a escola deve se preocupar em propiciar um ambiente adequado que atenda também à essa necessidade. A presente pesquisa tem o objetivo geral de sistematizar e constituir uma reflexão sobre a transição da Educação Infantil para o Ensino Fundamental, a partir da inclusão da criança de seis anos nessa etapa e da obrigatoriedade da pré-escola na Educação Básica brasileira. Para isso, utilizou-se de pesquisa bibliográfica para investigar quais orientações são apresentadas pelos documentos referentes a nova lei do Ensino Fundamental de nove anos, ao educador do 1º ano do Ensino Fundamental e também buscou compreender, por meio das leituras, quais são as habilidades e as necessidades da criança de seis anos. Posteriormente, na pesquisa de campoaplicou-se um questionário para verificar a maneira como a criança de seis anos é vista no contexto da transição da Educação Infantil para o Ensino Fundamental pelo educador e também se existem treinamentos e formações específicas que auxiliem os educadores a seguirem os moldes apresentados pelos documentos oficiais. Nesse sentido, acredita-se que esse fator poderia contribuir para a adaptação dos educandos na nova etapa escolar, o que tornaria a escola mais significativa para os mesmos. Palavras-chave: Transição. Educação Infantil. Ensino Fundamental. 10 ABSTRACT School transitions are milestones in the lives of all who pass through them, and these milestones whereas positive or negative can help respectively in the interest or the lack of interest of the students involved in the process. Governments approach this issue by arguing in their documents that transitions must occur gradually and continuously so that there are no major disruptions, but in practice it is known that transitions do not always occur in this way. The first compulsory transition happens between Preschool and Elementary School and involves children at an early age. It is recognized that these children need to experience the school environment as students, but they should not stop experiencing their childhoods and in that sense the school should be concerned to provide an adequate environment for them. The present research has the general objective of systematizing and constituting a reflection on the transition from Preschool to Elementary School, from the inclusion of the six-year-old child in elementary schooland the compulsory preschool in the Brazilian Basic Education. For this, it was used a bibliographical research to investigate which guidelines are presented by the documents referring to the new law of Elementary School of nine years, to the educator of the 1st year of Elementary School and sought to understand, through the readings, what are the skills and the needs of the six-year-old. Subsequently, in the field research, a questionnaire was applied to verify how the six-year-old child is seen in the context of the transition from Preschool to Elementary School by the educator and if there are specific training and learning that help educators to follow the molds presented by official documents. In this sense, it is believed that this factor could contribute to the adaptation of students in the new school stage, which would make the school more meaningful for them. Keyword: Transition. Preschool. Elementary School. 11 LISTA DE QUADROS Quadro 1: Correspondência entre os modelos de ensino................................. 24 Quadro 2: Atividades que interligam Educação Infantil e Ensino Fundamental.................................................................................................... 50 LISTA DE FIGURAS Figura 1: Participação total das redes na pesquisa......................................... 43 Figura 2: Participação total dos educadores na pesquisa............................... 43 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ANA: Avaliação Nacional da Alfabetização. BNCC: Base Nacional Comum Curricular. CEB: Câmara de Educação Básica. CNE: Conselho Nacional de Educação. DCNEB: Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica. DCNEF: Diretrizes Curriculares Nacionais para Ensino Fundamental DCNEI: Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil. ECA: Estatuto da Criança e do Adolescente. LDBEN: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. MEC: Ministério da Educação e Cultura. PCN: Parâmetros Curriculares Nacionais. PNAIC: Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa. PNE: Plano Nacional de Educação. RCNEI: Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil. UNICEF: Fundo das Nações Unidas para Infância. 12 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................................................. 12 CAPÍTULO I – ASPECTOS LEGAIS DA TRANSIÇÃO.................................... 16 1 ORIENTAÇÕES E CONSIDERAÇÕES SOBRE A TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO INFANTIL PARA O ENSINO FUNDAMENTAL.......................... 16 CAPÍTULO II – NOVA PERSPECTIVA SOBRE INFÂNCIA E CRIANÇAS.... 29 1 A INFÂNCIA E A CRIANÇA DE SEIS ANOS............................................... 29 1.1 O trabalho pedagógico com a criança de seis anos................................... 33 CAPÍTULO III – O OLHAR DO EDUCADOR DO PRIMEIRO ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL............................................................................................... 41 1 PESQUISA COM OS EDUCADORES DO PRIMEIRO ANO ....................... 41 2 ANÁLISE DE DADOS E APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS.............. 45 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................. 53 REFERÊNCIAS................................................................................................. 55 BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA................................................................... 59 APÊNDICE........................................................................................................ 60 13 INTRODUÇÃO Nos últimos anos, verificam-se avanços nas pesquisas que buscam observar, problematizar e refletir sobre a importância do aumento do tempo de permanência da criança na escola. Contudo, deve-se enfatizar que um fator fundamental para justificar esse aspecto é a qualidade desse tempo na escola. Entretanto, Demo (2011), acredita que o aumento de dias letivos em função do aumento do Ensino Fundamental para nove anos, não atingirá os objetivos estipulados se os educadores não se conscientizarem da importância da qualidade desse tempo e mudarem as concepções atribuídas à palavra “aula”. A peça-chave da escola e mesmo da universidade é a “aula”. Em especial, seus professores creem que o estudante aprende escutando aula, e nisto são seguidos pelos pais.[...]. Aumentamos o ensino fundamental para nove anos, em grande parte para dar mais aula.[...]. É quase automático que se aponte como vantagem maior um tempo maior de aula. (DEMO, 2011, p.1). A inserção da criança de seis anos nessa etapa de ensino é uma oportunidade de problematizar sobre esses aspectos, pois: A ampliação do ensino fundamental para nove anos significa, também, uma possibilidade de qualificação do ensino e da aprendizagem da alfabetização e do letramento, pois a criança terá mais tempo para se apropriar desses conteúdos. No entanto, o ensino nesse primeiro ano ou nesses dois primeiros anos não deverá se reduzir a essas aprendizagens. (BEAUCHAMP; PAGEL; NASCIMENTO, 2007, p. 8). Até 2016 o ingresso das crianças na Educação Infantil era facultativo, porém desde então, com a promulgação da Lei nº 12.796/13 que dispõe sobre a obrigatoriedade do ingresso da criança de quatro anos na Educação Infantil ele tornou-se obrigatório na modalidade pré-escola, a mesma lei determina que os Estados e Municípios tenham até 2016 para se adequarem ao novo modelo. Nessa mudança, o primeiro ano do Ensino Fundamental passou a tornar-se efetivamente um ano de transição, pois todas as crianças ao ingressarem nele virão da Educação Infantil, com uma concepção de escola já em construção. Reconhece-se que as transições de uma etapa escolar para a outra são sempre marcos importantes na vida dos educandos, que podem interferir positiva ou negativamente no interesse dos mesmos pela escola. Portanto, diante desse novo cenário, surge uma dúvida: “Será que o olhar pedagógico 14 pode facilitar o processo de transição da Educação Infantil para o Ensino Fundamental?”. Para que essa transição seja gradativa e contínua é relevante promover adequações que englobem váriosaspectos no primeiro ano do Ensino Fundamental, entre eles o olhar dos educadores sobre essas crianças. No intuito de que essa transição seja articulada e atenda ao seu propósito, é de suma importância a construção de uma nova cultura escolar, na qual haja uma adequação estrutural e pedagógica, aliadas à uma articulação permanente entre Educação Infantil e Ensino Fundamental para o sucesso do educando no primeiro ano do fundamental. Afinal, agora com a criança de seis anos inserida nesse contexto, é ainda mais importante conhecer o olhar dos educadores do primeiro ano sobre a infância e o trabalho desenvolvido na Educação Infantil, no Ensino Fundamental e sobre a legislação e documentos vigentes que regem essas etapas do ensino escolar. Frente às diferenças observadas em relação à Educação Infantil, que tem por objetivos o educar e o cuidar e o Ensino Fundamental que é historicamente conhecido por enfatizar apenas a aprendizagem cognitiva, diversos pontos necessitam ser observados para que a haja uma continuidade no processo de formação escolar a fim de que esse processo propicie um desenvolvimento integral dos educandos. A criança do 1º ano deve ter garantido seu direito à educação em ambiente próprio e com rotinas adequadas que possibilitem a construção de conhecimentos considerando as características das faixas etárias, integrando e cuidar e o educar. (SÃO PAULO, 2009, p. 2). Para melhorar a qualidade desse novo ensino e tornar a escola um ambiente mais atrativo para as crianças, faz-se necessário e fundamental que os educadores conheçam e respeitem as especificidades delas. Na transição para o Ensino Fundamental a proposta pedagógica deve prever formas para garantir a continuidade no processo de aprendizagem e desenvolvimento das crianças, respeitando as especificidades etárias, sem antecipação de conteúdos que serão trabalhados no Ensino Fundamental. (SÃO PAULO, 2009, p. 30). Diante de tais fatos, a presente pesquisa propõe-se a investigar nas leis, em documentos oficiais de orientação pedagógica que abordam a ampliação do Ensino Fundamental, dentre outros, se existe uma preocupação que vá além das questões do aprendizado cognitivo, que ampare a criança de seis 15 anos, para que seja aluna e continue também sendo criança, assim mesmo que inserida no Ensino Fundamental ela poderá vivenciar sua infância, afinal como se sabe: [...] a infância tem sido encurtada e o processo de transformação em adulto ocorre mais cedo. A brincadeira, tão importante para saúde mental do ser humano, é abandonada ou colocada em segundo plano. Muitas vezes, a criança é precocemente submetida a situações estruturadas e levada a cumprir tarefas para alcançar um desempenho que é esperado dela. O processo de aprendizado, que deveria ser estimulante, muitas vezes se torna maçante. Isso acaba comprometendo sua espontaneidade e reduzindo a possibilidade de ela encontrar sua vocação e descobrir seu próprio jeito de ser. (ZATZ; ZATZ; HALABAN: 2006, p.15). Com o objetivo principal de sistematizar e constituir uma reflexão sobre a transição da Educação Infantil para o Ensino Fundamental, a partir da ampliação da duração para nove anos, da inclusão da criança de seis anos nessa etapa escolar e da obrigatoriedade do ingresso da criança de quatro anos na Educação Infantil, essa pesquisa foi delineada a partir de alguns objetivos específicos, são eles: investigar quais orientações são apresentadas nos documentos referentes à nova Lei do Ensino Fundamental de nove anos, aos profissionais envolvidos nesse contexto; compreender, por meio de estudos, quais são as especificidades das crianças de seis anos; e verificar a maneira como a criança e a transição da Educação Infantil para o Ensino Fundamental são vistas pelo educador do primeiro ano. O capítulo I, nomeado: “Aspectos Legais da Transição”, abrangerá os resultados das pesquisas descritivas com revisões bibliográficas, nas quais serão analisados os dados referentes às novas leis que embasam a educação atualmente, suas diretrizes e referenciais, além de outros materiais já elaborados nesse sentido. No capítulo II, denominado: “Nova Perspectiva sobre Infância e Crianças”, serão abordados pontos específicos sobre a infância, a criança de seis anos e suas especificidades. Por fim, o capítulo III, intitulado: “O Olhar do Educador do Primeiro Ano do Ensino Fundamental”, apresentará a pesquisa de campo realizada por meio de abordagem quantitativa e qualitativa, na qual far-se-á uso de levantamentos e coletas de dados em questionários aplicados aos educadores dos primeiros anos do Ensino Fundamental em escolas estaduais, municipais e particulares 16 do município de Lins, interior do estado de São Paulo, no primeiro semestre de 2017. Desse modo, considera-se que uma preocupação maior em conhecer os documentos oficiais, respeitar à infância e suas especificidades também no contexto escolar e proporcionar continuidade ao trabalho pedagógico desenvolvida na etapa anterior, possa possibilitar um aprendizado significativo que facilite a adaptação das crianças na nova etapa escolar e promova a motivação necessária para que elas queiram estar na escola, pois é nesse ambiente que passarão boa parte de suas vidas. 17 CAPÍTULO I ASPECTOS LEGAIS DA TRANSIÇÃO 1 ORIENTAÇÕES E CONSIDERAÇÕES SOBRE A TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO INFANTIL PARA O ENSINO FUNDAMENTAL A Constituição Federal, de 05 de outubro de 1988, capítulo III, artigo 205, estabelece que a Educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade e visa ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho. A Lei Maior também assegura, em seu artigo 277, a Educação como um dos direitos prioritários das crianças, jovens e adolescentes e garante, em seu artigo 208, inciso I, a educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade. Contudo, apesar de documentos explicitarem, que as crianças há muito tempo têm direito a educação escolar, como aponta a Declaração Universal dos Direitos das Crianças, aprovada na Assembleia Geral das Nações Unidas em 1959, em seu princípio sétimo: A criança tem direito a receber educação escolar, a qual será gratuita e obrigatória, ao menos nas etapas elementares. Dar-se-á à criança uma educação que favoreça sua cultura geral e lhe permita - em condições de igualdade de oportunidades - desenvolver suas aptidões e sua individualidade, seu senso de responsabilidade social e moral. Chegando a ser um membro útil à sociedade. (UNICEF, 1959). Reconhece-se que a situação tanto das crianças, quanto dos estudantes brasileiros em geral nem sempre funcionou assim, afinal sabe-se que na década de 1950, o Brasil vivia em um regime liberal populista com um modelo de sistema educacional implantado em todo o país, centralizado e com acesso limitado a poucas pessoas. Entretanto, com a aprovação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), em 1961, os Estados e Municípios ganharam mais autonomia. Essa teve nova edição em 1971 e chegou a sua versão atual nos anos noventa. A LBDEN em vigor é a conhecida Lei nº 9.394/96, sancionada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, em 20 de dezembro de 1996, que trouxe diversas mudanças em relação às leis anteriores, como por 18 exemplo, a inclusão da Educação Infantil (creches e pré-escolas) como primeira etapa escolar, determinando assim que a Educação Básica no país fosse dividida entre Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio. Essa foi a primeira vez que a Educação Infantil foi incluída entre as etapas escolares. É importante lembrar que, nesse momento, a criança de seis anos se encontrava inseridanessa etapa. Diante da emenda, em 6 de fevereiro de 2006, a Lei n° 11.274/2006 alterou-se a redação dos artigos 29,30,32 e 87 da Lei nº 9.394/96, ao instituir formalmente a duração de nove anos para o Ensino Fundamental, com matrícula obrigatória a partir dos seis anos de idade. Desde então, a Educação Infantil, etapa inicial em relação à escolarização nacional, foi subdividida entre creches que recebem crianças de zero a três anos e pré-escolas, que atendem crianças entre quatro e cinco anos. A partir desse momento, a criança de seis anos passou a ser incluída no Ensino Fundamental. Conforme o primeiro Plano Nacional de Educação de 2001 (PNE), que vem a ser um plano decenal elaborado com a finalidade de direcionar esforços e investimentos para a melhoria da qualidade da educação no país, em sua meta de número 2, a inclusão das crianças de seis anos de idade no Ensino Fundamental, tem como objetivos principais: oferecer maiores oportunidades de aprendizagem no período da escolarização obrigatória; e assegurar que ingressando mais cedo no sistema de ensino às crianças alcançassem maiores níveis de escolaridade. Contudo, para que esses objetivos sejam efetivamente alcançados, é fundamental, além de aumentar o tempo da criança na escola, pensar na qualidade desse tempo, por meio da elaboração de espaços adequados, uma grade curricular e um projeto político-pedagógico mais eficazes. Nesse sentido, essa afirmação é reforçada pelo atual PNE, em vigor desde 2014, que declara: É preciso, no entanto, ter em conta que a melhor aprendizagem não resulta apenas do tempo de permanência na escola, mas do modo adequado da sua utilização. Portanto, o ingresso aos 6 anos no ensino fundamental não pode ser uma medida apenas de ordem administrativa. Nesse sentido, faz-se necessário atentar para o processo de desenvolvimento e aprendizagem, o que significa respeitar as características etárias, sociais, psicológicas e cognitivas das crianças, bem como adotar orientações pedagógicas que levem em consideração essas características, para que elas sejam respeitadas como sujeitos do aprendizado. (BRASIL, 2014, p.19). 19 De acordo com a resolução 7/2010, as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de nove anos (DCNEF) definem que para ingressar no novo Ensino Fundamental as crianças teriam que ter seis anos completos ou a completar no início do ano letivo, mais precisamente até o dia 31 de março. As crianças que completassem seis anos após essa data deveriam continuar inseridas na Educação Infantil, conforme as orientações legais e normas estabelecidas pelos pareceres do Conselho Nacional de Educação (CNE) e da Câmara de Educação Básica (CEB). Nesta perspectiva deu-se início a um período de discussões que buscavam estabelecer parâmetros para facilitar a adaptação das crianças a esse novo contexto no qual estavam sendo inseridas. É importante lembrar que até então, as crianças de seis anos poderiam tanto ingressar na escola naquele momento, quanto vir da Educação Infantil, uma vez que até 2016, apesar de ser reconhecida como a etapa inicial da escolarização no país, a Educação Infantil era facultativa. Com a homologação da Lei nº 12.796/2013, tornou-se obrigatória a oferta gratuita da Educação Básica a partir dos quatro anos e os estados e municípios teriam um prazo de adequação até o ano de 2016. Sendo assim, a Educação Infantil, na modalidade pré-escola, passou a ser efetivamente obrigatória no país a partir do ano de 2016, embora sem caráter de retenção. Essa alteração na lei mudou definitivamente o cenário educacional e reforçou a necessidade do primeiro ano do Ensino Fundamental ser considerado um ano de transição, uma vez que, ao adentrarem com seis anos no Ensino Fundamental, após frequentarem a Educação Infantil, as crianças estarão inevitavelmente vivenciando um processo de transição escolar. Diante dessa nova realidade, veio à tona, de maneira mais enfática, a importância dos períodos de “transição escolar”, que devem ocorrer ao prever articulações entre as etapas de ensino, afinal se antes algumas das crianças somente conheciam a escola a partir do Ensino Fundamental e essas não poderiam fazer comparações com a etapa anterior, a partir de agora, com a mudança todas elas poderão e farão tais comparações, afinal terão um conceito de escola já em formação. O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI), que embasa e orienta o trabalho pedagógico desenvolvido na Educação Infantil, já 20 previa antes mesmo das crianças de seis anos estarem inseridas no Ensino Fundamental, que a transição entre essas etapas escolares merecia uma atenção especial dos educadores para não traumatizar as crianças. A passagem da educação infantil para o ensino fundamental representa um marco significativo para a criança podendo criar ansiedades e inseguranças. O professor de educação infantil deve considerar esse fato desde o início do ano, estando disponível e atento para as questões e atitudes que as crianças possam manifestar. Tais preocupações podem ser aproveitadas para a realização de projetos que envolvam visitas a escolas de ensino fundamental; entrevistas com professores e alunos; programar um dia de permanência em uma classe de primeira série. (BRASIL, 1998, vol.1, p.84). Na teoria, a ampliação do Ensino Fundamental seria uma oportunidade de dar continuidade ao trabalho desenvolvido nas escolas de Educação Infantil, para que não houvesse rupturas entre as etapas e que essa passagem entre os níveis escolares fosse feita de maneira gradativa e contínua. Seguindo a resolução 5/2009, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI), também acentuam a necessidade da instituição de ensino que oferece o Ensino Fundamental assegurar que essa transição ocorra de forma a dar continuidade aos processos de aprendizagem e de desenvolvimento. Na transição para o Ensino Fundamental a proposta pedagógica deve prever formas para garantir a continuidade no processo de aprendizagem e desenvolvimento das crianças, respeitando as especificidades etárias, sem antecipação de conteúdos que serão trabalhados no Ensino Fundamental. (BRASIL, 2010, p. 30). Além disso, as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica (DCNEB) apontam que, tanto a Educação Infantil quanto o Ensino Fundamental, têm como norteadores os princípios Éticos que envolvem dentre outros aspectos, a valorização da autonomia e da solidariedade; os princípios Políticos, que englobam o direito à cidadania e o respeito à democracia; e os princípios Estéticos, que estão relacionados ao desenvolvimento da sensibilidade e criatividade. Contudo, infelizmente, sabe-se que na prática a realidade mostra-se diferente. A ideia de continuidade entre as etapas parece distante, quando se compara Educação Infantil e Ensino Fundamental. Na Educação Infantil, tudo acontece em meio ao lúdico e a afetividade das “tias” (denominação carinhosa atribuída às educadoras que atuam nessa 21 etapa, por parte dos pais, responsáveis e das próprias crianças), em um ambiente acolhedor e colorido, frente a uma rotina muito flexível e interessante e geralmente com o acompanhamento atento da maioria das famílias. Ressalta-se que nessa etapa, as crianças convivem em ambientes cercados de música e rodas de conversas, com “hora” para tudo: hora da história, do vídeo, do lanche, do banho, do “soninho”. Tem o dia da piscina, do parque, do brinquedo, da informática, enfim, tudo é pensado e organizado para atender as necessidades da criança em amplos aspectos. Incentivos não faltam frente às atividades desenvolvidas e dos trabalhos apresentados. Pequenas evoluções são sempre muito comemoradas nessa fase, na qual o erro é encarado como parte do processo evolutivo. A socialização, a interação entre as crianças e até mesmo entreseus familiares são estimuladas proporcionando o desenvolvimento da relação social e psicológica nos diferentes contextos. A partir desse pressuposto, pode-se afirmar que a escola nessa modalidade de ensino, geralmente assume o compromisso de ser bastante acolhedora e valoriza a possibilidade de se aprender brincando. Além disso, na Educação Infantil o cuidar e o educar são vistos como ações indissociáveis e fundamentais para a promoção da autonomia e do desenvolvimento integral das crianças. [...] nessa etapa deve-se assumir o cuidado e a educação, valorizando a aprendizagem para a conquista da cultura da vida, por meio de atividades lúdicas em situações de aprendizagem (jogos e brinquedos), formulando proposta pedagógica que considere o currículo como conjunto de experiências [...] (BRASIL, 2013, p.37). No Ensino Fundamental o cuidar e o educar também estão presentes, conforme o que define a resolução 4/2010, que define as DCNEB, em seu artigo sexto, quando aponta que é necessário considerar essas dimensões, em sua inseparabilidade, mas as preocupações, em muitos casos, limitam-se apenas às questões que envolvem o desenvolvimento cognitivo, apesar dos objetivos gerais do Ensino Fundamental propostos nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), estabelecerem também como meta para essa etapa escolar a formação integral dos educandos, como é apontado no documento (BRASIL, 1997, p.67), que apresenta que os objetivos escolares devem ser definidos em termos de capacidades de ordem cognitiva, física, 22 afetiva, de relação interpessoal e inserção social, ética e estética, tendo em vista uma formação ampla dos estudantes. A transferência de prédio, que ocorre especialmente nas escolas públicas, já anuncia mudanças significativas. O aspecto físico das escolas de Ensino Fundamental tende a mostrar que tudo por lá é pensado para crianças maiores. Todo o colorido da etapa anterior é resumido em alguns enfeites com letras e números colados nas paredes. A “tia” imediatamente dá lugar à “professora”. Os brinquedos e brincadeiras são substituídos por cadernos e lápis de escrever. As tão acolhedoras rodas de conversa são trocadas por fileiras de carteiras e o lúdico se fará cada vez menos presente. Apesar dos discursos que defendem a gestão democrática e a inclusão das famílias como parceiras da ação educativa no contexto escolar, dá-se a impressão de que nessa etapa as famílias não são bem-vindas. Em algumas escolas, os pais e responsáveis são orientados a deixar seus filhos no portão ou mesmo no pátio da escola e o contato com os educadores fica restrito aos bilhetes na agenda e às reuniões periódicas. O enfoque muda drasticamente: o erro, geralmente, passa a ser encarado como falta de capacidade ou de esforço e a partir daí a escola basicamente se resumirá em: letras, números, provas e notas, conforme evidencia o documento Práticas Cotidianas na Educação Infantil - Bases para a Reflexão Sobre as Orientações Curriculares. As crianças, ao ingressarem na escola, tornam-se alunos e, dependendo da proposta educacional que vivenciam, são reduzidas “as suas cabeças” isto é, às possibilidades de seu desempenho cognitivo, como se a mente e as emoções fossem algo etéreo, separado do corpo. As concepções dominantes em nossa sociedade sobre os alunos, muitas vezes estereotipadas, carregam em si elementos que seguidamente antagonizam com as de crianças, excluindo a possibilidade da experiência peculiar de infância. (BRASIL, 2009, p. 26, 27). Diante disso, o ingresso das crianças de seis anos no Ensino Fundamental, agora advindas da Educação Infantil, exigirá adequações e cautela, pois a ruptura de uma visão positiva que elas já tenham sobre a escola poderá trazer danos às mesmas, ao sistema educacional e consequentemente a toda sociedade. É preciso atentar-se às recomendações dos documentos destinados a esse momento de transição a fim de promover as mudanças adequadas para que essa etapa escolar aconteça ao respeitar as especificidades das crianças, suas necessidades e suas potencialidades. 23 O ingresso das crianças de seis anos ao Ensino Fundamental deve direcionar a atenção dos envolvidos ao planejamento de políticas educacionais, que atendam às necessidades dessas crianças enquanto educandos e desses educandos enquanto crianças. Isso não se aplica somente ao primeiro ano, mas a todos os demais anos do ensino fundamental nos anos iniciais, que ainda abrangem o período da infância. A entrada das crianças de 6 anos no Ensino Fundamental é uma ótima oportunidade de construção coletiva de novas ações pedagógicas e de organização do tempo e do ambiente escolar, que poderá ter consequências benéficas também para os alunos dos outros anos. Dado o caráter integrativo que a ação pedagógica para essas crianças precisa ter, há grandes possibilidades de estímulo à revisão das práticas mais tradicionais também dos anos seguintes da escolaridade [...] (SÃO PAULO, 2009, p.6). Apesar do foco desse trabalho ser a transição da Educação Infantil para o Ensino Fundamental, reconhece-se que as mudanças primordiais para que essa transição ocorra de maneira positiva, que incluem os projetos pedagógicos, melhorias nos espaços educativos, nos materiais didáticos, no mobiliário, entre outros itens que precisam ser repensados para atender às crianças com essa nova faixa etária inserida no ensino fundamental, podem melhorar também as condições de aprendizagem da infância que já estava presente nesse ambiente anteriormente. Antes de refletirmos sobre essas questões, é importante salientar que a mudança na estrutura do ensino fundamental não deve se restringir a o que fazer exclusivamente nos primeiros anos: este é o momento para repensar todo o ensino fundamental – tanto os cinco anos iniciais quanto os quatro anos finais. (BEAUCHAMP; PAGEL; NASCIMENTO (Org.), 2007, p.8). Faz-se necessário uma reorganização geral em todos os anos de transição, que aliem as questões estruturais e físicas às propostas curriculares e projetos pedagógicos, a fim de melhor atender as necessidades dos educandos e também facilitar a adaptação dos mesmos às novas etapas. A passagem entre as várias etapas de escolaridade deve prever sempre eixos de conexão que favoreçam a integração dos alunos aos novos desafios. Nesse sentido, tanto a entrada dos alunos no 1º ano, quanto a passagem dos alunos do 5º para o 6º ano devem ser pensadas, a fim de se evitar a descontinuidade do trabalho pedagógico. Essa integração progressiva, quando bem planejada, ajuda os alunos a se adaptarem com mais facilidade, contribuindo para suas aprendizagens, assim como as suas relações interpessoais no universo. (SÃO PAULO, 2009, p.3). 24 Pensando nisso, o Governo Federal produziu em parceria com o CNE/CEB um conjunto de diretrizes e normas orientadoras para todos os envolvidos no processo, a fim de reorganizar todo o Ensino Fundamental. Muitos desses documentos apontam que é essencial que haja uma articulação entre essas duas etapas e um olhar contínuo sobre os processos já vivenciados pelas crianças no contexto escolar, o que objetiva auxiliar para que as transições escolares ocorram de modo que não haja rupturas bruscas no processo, o que poderia traumatizar as crianças e dificultar a adaptação das mesmas no primeiro ano do Ensino Fundamental. [...] prever formas de articulação entre os docentes da Educação Infantil e do Ensino Fundamental (encontros, visitas, reuniões) e providenciar instrumentos de registro – portfólios de turmas, relatórios de avaliação do trabalho pedagógico, documentação da frequência e das realizações alcançadas pelas crianças – que permitam aos docentes do Ensino Fundamental conhecer os processos de aprendizagem vivenciados na Educação Infantil, em especial na pré- escola e as condições em que eles se deram, independentemente dessatransição ser feita no interior de uma mesma instituição ou entre instituições, para assegurar às crianças a continuidade de seus processos peculiares de desenvolvimento e a concretização de seu direito à educação. (BRASIL, 2013, p.96). Os documentos também evidenciam pontos importantes referentes ao novo Ensino Fundamental que permitem afirmar que o primeiro ano desse novo ensino não corresponde à antiga primeira série do modelo anterior, na qual a criança deveria ser alfabetizada, o primeiro ano, no novo modelo, deve focar-se na adaptação e na continuidade do processo, o que caracteriza o novo primeiro ano como um ano de transição. [...] O conteúdo do primeiro ano do Ensino Fundamental de nove anos é o mesmo conteúdo trabalhado no primeiro ano/primeira série do Ensino Fundamental de oito anos? Não. Pois não se trata de realizar um “arranjo” dos conteúdos da primeira série do Ensino Fundamental de oito anos. Faz-se necessário elaborar uma nova proposta político-pedagógica e curricular coerente com as especificidades não só da criança de seis anos de idade, como também das demais crianças de sete, oito, nove e dez anos de idade que realizam os cinco anos iniciais do Ensino Fundamental, assim como os anos finais dessa etapa de ensino. (BRASIL, 2009, p. 25). O quadro encontrado no mesmo documento, que aborda o passo a passo do processo de implantação do novo Ensino Fundamental de nove anos, expedido pelo Governo Federal, elucida a não correspondência entre o antigo e o atual modelo dessa etapa, o que demonstra a importância de reflexões e o 25 desenvolvimento de um trabalho pedagógico diferenciado dentro da nova proposta de inclusão da criança de seis anos nessa etapa escolar. Quadro 1 – Correspondência entre os modelos de ensino 8 anos de duração 9 anos de duração Idade correspondente no início do ano letivo (sem distorção idade/ano) 1º ano 6 anos 1ª série 2º ano 7 anos 2ª série 3º ano 8 anos 3ª série 4º ano 9 anos 4ª série 5º ano 10 anos 5ª série 6º ano 11 anos 6ª série 7º ano 12 anos 7ª série 8º ano 13 anos 8ª série 9º ano 14 anos Fonte: (BRASIL, 2009, p.12) Por meio dele, percebe-se que houve uma mudança na nomenclatura de série para ano e também que a perspectiva da ampliação do Ensino Fundamental para nove anos não implica em antecipar o ingresso da criança de seis anos ao ensino fundamental para transferir a essa criança as obrigações da primeira série do modelo de ensino anterior. No entanto, não se trata de transferir para as crianças de seis anos os conteúdos e atividades da tradicional primeira série, mas de conceber uma nova estrutura de organização dos conteúdos em um Ensino Fundamental de nove anos, considerando o perfil de seus alunos. (BRASIL, 2006, p. 17). O documento de âmbito nacional denominado Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), formaliza essa questão ao estabelecer como meta que as crianças estejam alfabetizadas até os oito anos de idade, ou ao final do 3° ano do Ensino Fundamental, o que permite maior autonomia aos educadores dos Anos Iniciais para não restringirem o foco dos seus trabalhos 26 exclusivamente à alfabetização no sentido leitura e escrita, mas trabalharem com isso num contexto amplo e significativo. A terceira versão da BNCC, prevê que essa meta seja antecipada em um ano, ou seja, com as crianças alfabetizadas ao final do 2º ano, porém a nova Base ainda não foi aprovada, sendo assim, a orientação apresentada pelo PNAIC é a que deve ser seguida. Historicamente o Ensino Fundamental interceptava as crianças que não estivessem completamente alfabetizadas (no sentido de codificação e decodificação) já ao final da primeira série. Agora, com a incorporação da concepção que enfatiza a necessidade de um processo que englobe alfabetização e letramento, essa etapa escolar prevê que se considerem os três primeiros anos como um bloco destinado à alfabetização, garantindo assim o respeito às variações no tempo de aprendizagem dessas habilidades pelos educandos. Ao final desse ciclo, a fim de garantir o que determina o PNAIC, ocorre uma avaliação denominada ANA (Avaliação Nacional da Alfabetização), que tem entre os seus objetivos avaliar o nível de alfabetização dos educandos no 3° ano do Ensino Fundamental. Diante disso, reconhece-se a importância de proporcionar aos educandos do primeiro ano um ambiente bem preparado que lhes garanta a segurança necessária para dar continuidade aos estudos. Continuidade e ampliação – em vez de ruptura e negação do contexto sócio afetivo e de aprendizagem anterior – garantem à criança de seis anos que ingressa no Ensino Fundamental o ambiente acolhedor para enfrentar os desafios da nova etapa. (BRASIL, 2006, p. 20). Identifica-se assim que, para que os objetivos propostos na ampliação do Ensino Fundamental sejam plenamente atingidos, o ingresso da criança aos seis anos no primeiro ano precisa acontecer em um processo de transição e não pode limitar-se a questão da alfabetização com foco na leitura e escrita. Essa alfabetização precisa ser ampla, contextualizada, significativa e respeitar o tempo de cada criança ao propiciar-lhes o desenvolvimento integral, como acontecia na Educação Infantil. Essa criança, que não pode mais ser vista como a mesma da Educação Infantil, também não deve ser encarada apenas como mais um educando do Ensino Fundamental. É preciso lembrar que dentro dessas duas categorias, de criança e de educando, está também inserida a infância que, segundo definição 27 da edição de 2010 do minidicionário Houaiss, "é o período da vida humana que vai do nascimento ao início da adolescência" (p.435). Ao longo da história humana, a concepção de infância evoluiu muito e por meio dessas evoluções a criança passou a ser vista com outros olhos pela sociedade em geral, agora ela é reconhecidamente um sujeito de direitos, sendo assim apresentada nas DCNEI: Sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura. (BRASIL, 2010, p. 12). Esse reconhecimento é um aspecto decisivo para permitir que a sociedade atual possa exigir das escolas uma postura diferente em relação às crianças-educandos. Em 2007, dentro do guia com orientações para a inclusão da criança de seis anos de idade, que foi criado e distribuído pelo Ministério da Educação (MEC), a todas as escolas públicas brasileiras e as secretarias estaduais, municipais e do distrito federal que declararam à ampliação dos seus sistemas de ensino no censo escolar, a autora Sônia Kramer apresentou a infância da seguinte maneira: [...] a infância é entendida, por um lado, como categoria social e como categoria da história humana, englobando aspectos que afetam também o que temos chamado de adolescência ou juventude. Por outro lado, a infância é entendida como período da história de cada um, que se estende, na nossa sociedade, do nascimento até aproximadamente dez anos de idade. (KRAMER, 2007 p.13). Entretanto o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu segundo artigo, determina que para a lei seja considerada criança a pessoa com até doze anos incompletos. Sendo assim, é preciso compreender que tanto na Educação Infantil quanto em todos os anos inicias do Ensino Fundamental estão presentes as crianças e, consequentemente, a infância. Além disso, a obrigatoriedade do ingresso na pré-escola aos quatro anos aliada às mudanças sociais que ocorreram nas últimas décadas, evidencia que as crianças passam a maior parte de sua infância dentro do contexto escolar. Considerando-se também algumas questões atuais como o aumento da desigualdade social, ondeem alguns casos a criança é até mesmo obrigada a trabalhar, a violência doméstica e urbana, as mudanças em relação à vida 28 familiar como a presença efetiva das mães no mercado de trabalho, a redução no número de filhos dos casais ou mesmo a agitação que faz parte do cotidiano e torna o tempo escasso, percebe-se a dificuldade que as crianças enfrentam em vivenciar plenamente sua infância. Diante desse cenário, uma mudança de postura por parte da escola que vise considerar que o espaço escolar necessita favorecer o brincar é indispensável. É preciso garantir que as crianças sejam atendidas nas suas necessidades (a de aprender e a de brincar), que o trabalho seja planejado e acompanhado por adultos na educação infantil e no ensino fundamental e que saibamos em ambos, ver, entender e lidar com as crianças como crianças e não apenas como estudantes. (KRAMER, 2007, p. 20). O direito que as crianças têm de brincar é assegurado pela Declaração Universal dos Direitos da Criança, em seu princípio sétimo enfatiza que: “A criança deve desfrutar plenamente de jogos e brincadeiras os quais deverão estar dirigidos para educação; a sociedade e as autoridades públicas se esforçarão para promover o exercício deste direito”. Dada à importância do brincar para a vida das crianças, sabe-se que esse é um dos pilares da Educação Infantil e também um direito adquirido, é essencial assegurar que esse direito seja respeitado, para que elas possam vivenciar essa prática ao longo de toda infância, inclusive no Ensino Fundamental. Como aponta Brasil (2009, p.27), ao defender que os educandos de seis, anos ainda estão em um momento da vida em que o brincar é parte inerente de seu desenvolvimento e, portanto, é preciso uma readequação da escola para acolher essas crianças no Ensino Fundamental e atender a essa necessidade, que também é um direito adquirido. Nessa perspectiva, a terceira versão da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), de 2017, que ainda está em discussão, apresenta a necessidade de considerar também no Ensino Fundamental as brincadeiras e aspectos lúdicos que permeiam a infância como aliados nos processos de aprendizagem e desenvolvimento das crianças, quando diz que: “[...] ao valorizar as situações lúdicas de aprendizagem, aponta para a necessária 29 articulação com as experiências vivenciadas na Educação Infantil.” (Brasil, 2017, p.53). Compreende-se que há necessidade de que tudo seja adequado de modo a proporcionar um ambiente acolhedor que facilite a adaptação e promova nas crianças uma ideia de continuidade. Além do projeto pedagógico, os espaços educativos, os materiais didáticos, o mobiliário, os utensílios e equipamentos precisam ser repensados para atender às crianças com essa nova faixa etária no ensino fundamental, bem como à infância que já estava nessa etapa escolar anteriormente. Pensar sobre a infância na escola e na sala de aula é um grande desafio para o ensino fundamental que, ao longo de sua história, não tem considerado o corpo, o universo lúdico, os jogos e as brincadeiras como prioridade. Infelizmente, quando as crianças chegam a essa etapa de ensino, é comum ouvir a frase “Agora a brincadeira acabou!”. Nosso convite, e desafio, é aprender sobre e com as crianças por meio de suas diferentes linguagens. Nesse sentido, a brincadeira se torna essencial, pois nela estão presentes as múltiplas formas de ver e interpretar o mundo. (BEAUCHAMP; PAGEL; NASCIMENTO (Org.), 2007, p.30). Nesse sentido, toda a equipe escolar, especialmente os educadores, precisa modernizar suas concepções para atender às novas necessidades do processo educacional e das crianças nele envolvidas, ter consciência disso é um fator primordial para garantir que a transição ocorra de maneira adequada, caso contrário o sucesso desse processo estará inevitavelmente comprometido. Organizar o trabalho pedagógico da escola e da sala de aula é tarefa individual e coletiva de professores, coordenadores, orientadores, supervisores, equipes de apoio e diretores. Para tanto, é fundamental que se sensibilizem com as especificidades, as potencialidades, os saberes, os limites, as possibilidades das crianças e adolescentes diante do desafio de uma formação voltada para a cidadania, a autonomia e a liberdade responsável de aprender e transformar a realidade de maneira positiva. (KRAMER, 2007, p.11). Logo, a escola só conseguirá cumprir seu papel de formar integralmente os educandos se reorganizar seu currículo, seus espaços, ambientes e fundamentalmente suas práticas pedagógicas. 30 CAPÍTULO II NOVA PERSPECTIVA SOBRE INFÂNCIA E CRIANÇAS 1 A INFÂNCIA E A CRIANÇA DE SEIS ANOS De acordo com as alterações na atual LDBEN promovida pelas promulgações das Leis de nº 11274/2006 e 12796/2013, supracitadas no capítulo anterior, fazem-se necessárias diversas reflexões quanto aos inúmeros contextos e questões envolvidas no ingresso, cada vez mais cedo, das crianças nas escolas. No caso da transição escolar entre a Educação Infantil e o Ensino Fundamental, foco do trabalho, dentre os diversos questionamentos que podem ser realizados apresentam-se perguntas como: “Será que as escolas de Ensino Fundamental estão preparadas para receber a criança de seis anos?”; “Os envolvidos no processo conhecem às necessidades, especificidades e os direitos dessas crianças?”; “O educador do primeiro ano, recebe formações específicas com orientações sobre a importância desse ano enquanto ano de transição escolar?”; Diante de dúvidas como essas, fica evidenciado que para que haja sentido na inclusão da criança de seis anos nessa etapa escolar existe a necessidade de todos os profissionais envolvidos na escola, em especial, os gestores e educadores, conhecerem mais sobre as orientações dos documentos oficiais e sobre as literaturas e estudos específicos que envolvem o desenvolvimento das crianças dessa faixa etária em todos os seus aspectos: físico-motor, afetivo-emocional, social e cognitivo, para que assim possam reconhecer as necessidades e especificidades, que são apenas alguns dos fatores que norteiam a aprendizagem delas, que estão em pleno crescimento e construção de suas habilidades e identidades. O primeiro ano conta com uma criança cuja curiosidade latente está se transformando em interesse pelo conhecimento sistematizado das coisas e das pessoas. Vale lembrar que sistematizado não significa fragmentado e nem compartimentado em disciplinas estanques. Nesse momento a escola é fonte dessa curiosidade latente e, ao mesmo tempo horizonte, para apresentar conhecimento de todas as áreas. (TIERNO, 2008, p.17). 31 Reconhece-se que atualmente ao falar das crianças abrange-se indiretamente a infância e diante disso faz-se necessário um conhecimento sobre essa categoria, em seu contexto social. Diversos autores, dentre eles Ariès (1981), afirmam que até o fim da Idade Média, a infância não era definida como uma fase, com particularidades de um indivíduo, com características e necessidades próprias, a criança era vista apenas como um adulto em miniatura, porém sem direitos próprios e com atribuições inadequadas à sua faixa etária. Mudanças importantes para uma nova concepção de infância só começam a surgir no fim da Idade Média, entretanto somente no século XIX essas concepções começam a nortear os processos educacionais. Vale ressaltar que desde então a infância é uma categoria social, marcada pela idade e o tempo de ser criança, que varia de acordo com as diferentes culturas, classes sociais e histórias pessoais de cada ser e de cada família, esse é também um momento específico do desenvolvimento humano no qual se aprende a brincar, falar, andar e interagir no meio em que vive. A inserção concreta das crianças e seus papéis variam com as formas de organização da sociedade. Assim, a ideiade infância não existiu sempre e da mesma maneira. [...] Numa sociedade desigual as crianças desempenham, nos diversos contextos, papéis diferentes. (KRAMER, 2007, p. 14-15). A infância sofreu alterações que podem ser evidenciadas tanto na literatura, quanto na legislação, em especial na década de 1980. Os debates políticos que ocorrem em torno da Constituição de 1988 e os estudos de diversas áreas do conhecimento contribuíram para o questionamento da concepção de naturalização das desigualdades sociais e educacionais, até então predominantes e para o reconhecimento de que as condições de desigualdade no caso das crianças eram determinadas por fatores econômicos, culturais e sociais. Dessa forma, à medida que a sociedade organizada exerceu pressão sobre o Estado, este passou a incorporar, nos textos legais, o entendimento da criança como sujeito de direitos. Pode-se citar como exemplos desses textos legais a Constituição de 1988, o ECA nos anos 1990, a atual LDBEN de 1996. Contudo, se no contexto político as diferentes concepções sobre a infância influenciaram ou justificaram as políticas educacionais com limites e 32 possibilidades, no contexto pedagógico a definição dessas concepções é um fator determinante que conduzirá todo o trabalho a ser desenvolvido. Tais concepções orientarão os conceitos sobre ensino, aprendizagem e desenvolvimento, além de, pautarem as ações sobre metodologias, seleções de conteúdos, organizações de espaço e tempo e de avaliações. Atualmente, pelo menos nos documentos legais, a criança é vista como um ser único e de direitos, com suas especificidades e necessidades, que precisam ser consideradas nos contextos em que estão inseridas, como afirma o documento do MEC, a seguir: Na atualidade, já se reconhece que as crianças têm suas necessidades, têm seus processos físicos, cognitivos, emocionais e características individuais – sexo, idade, etnia, raça e classe social – e têm seus direitos e deveres. Portanto, suas infâncias são diversas, pois elas atuam e participam nos espaços socioculturais, e de seus tempos. (BRASIL, 2015, p. 10). Ao afirmar que a infância é um conceito que foi construído ao longo da história, compreende-se que essa não é uma definição natural, e sim social. Para Kramer (2007) o conceito de infância se diferencia conforme a posição da criança e de sua família na estrutura socioeconômica e cultural em que se inserem. Portanto, não há uma concepção infantil homogênea, uma vez que as crianças e suas famílias estão submetidas a processos desiguais de socialização e de condições objetivas de vida. De acordo com essa perspectiva, cabe à escola reconhecer esses sujeitos como capazes de aprender os diferentes conhecimentos acumulados pela humanidade ao longo da história, dispostos em diversos conteúdos escolares, porém essa instituição deve respeitar a singularidade desse período da vida e as particularidades das diferentes “infâncias” inseridas naquele contexto. Afinal, em um país com tantas desigualdades sociais e econômicas, faz-se importante ressaltar que, quando se fala na inserção da criança de seis anos no Ensino Fundamental, abrange-se também milhares de crianças brasileiras que não vivenciam a infância que se espera ou se coloca como “ideal” pela sociedade, pois são obrigadas, desde muito cedo, a ingressar no mundo adulto em meio a diferentes formas, seja por meio do trabalho infantil, exploração sexual, maus tratos e tantos outros infortúnios que se apresentam no cotidiano. 33 Nesse ponto de vista, torna-se essencial que os educadores busquem conhecer os seus educandos, suas respectivas famílias e seus contextos sociais, para que dessa forma possam planejar pesquisar e executar um trabalho de qualidade, que respeite essa fase da vida e traga benefícios a essas crianças. Para que isso aconteça também é necessário compreender algumas características que diferem a criança dessa faixa etária das outras, sobretudo em sua imaginação, curiosidade e capacidade de aprendizagem. Ao nascer, o cérebro humano tem 25% do peso que terá quando adulto. Para se ter uma ideia da importância central dos anos da educação infantil, basta dizer que entre 3 e 4 anos o cérebro atingiu 80% de seu peso adulto e que aos 6 anos já está com 90% do peso adulto. Dentro do cérebro, a parte mais importante nos seres humanos é o córtex cerebral, que representa em torno de 85% do peso total adulto. Isso implica que, do nascimento até a idade de 6 anos, o grande crescimento do cérebro significará, sobre tudo, um aumento extraordinário do córtex cerebral, que é a parte mais evoluída de nosso encéfalo e onde se situam os processos psicológicos mais finos e elaborados, incluídos o controle motor da ação e a capacidade de representação do corpo e de sua atividade sobre os meios físico e social. (PANIGUA; PALACIOS; 2007, p. 33). Esses estudos demonstram que a criança tem uma capacidade de aprendizagem muito grande ao longo dos primeiros anos de vida e que por isso, é preciso valorizar os conhecimentos prévios dela, adquiridos desde o nascimento e possibilitar que na Educação Infantil sejam priorizados o desenvolvimento de habilidades, para que posteriormente no Ensino Fundamental haja uma continuidade no processo de aprendizagem do educando, de modo a articular os saberes trazidos da etapa anterior com os novos aprendizados adquiridos no primeiro ano, favorecendo tanto a adaptação quanto o desenvolvimento integral das crianças. O documentário internacional “O começo da vida”, dirigido por Estela Renner (2016), também apresenta o resultado de estudos que consideram o desenvolvimento infantil de zero a seis anos como o grande alicerce da vida para a espécie humana. Mostrando diferentes tipos de infâncias, o documentário aponta que nessa etapa, a criança deve conhecer suas origens (família, comunidade) e criar laços afetivos que as deixem seguras para desenvolver-se com autonomia. Feito isso, se tiverem suas necessidades básicas de alimentação e higiene atendidas, as crianças aprenderão o tempo 34 todo de maneira natural e se essa condição estiver associada a estímulos adequados e interessantes, ao diálogo e a possibilidade de exploração de objetos, com certeza o crescimento delas ocorrerá de maneira mais adequada e significativa. Ao reconhecer que a humanidade pode ser melhor se cuidar de forma diferente da primeira infância, reconhece-se também que as escolas, enquanto instituições que recebem as crianças cada vez mais cedo em seus espaços e ambientes podem ter um papel fundamental no sonhado “futuro melhor”, o que torna ainda mais importante repensar e reestruturar o trabalho nas primeiras etapas escolares. 1.1 O trabalho pedagógico com a criança de seis anos Partindo do princípio de conseguir articular o trabalho desenvolvido entre as etapas escolares dando continuidade ao processo, o educador do primeiro ano necessita ter bem definido o significado amplo do que é o educar na etapa anterior, conforme apresenta o RCNEI, vol. 1: Educar significa, portanto, propiciar situações de cuidados, brincadeiras e aprendizagens orientadas de forma integrada e que possam contribuir para o desenvolvimento das capacidades infantis de relação interpessoal, de ser e estar com os outros em uma atitude básica de aceitação, respeito e confiança, e o acesso, pelas crianças, aos conhecimentos mais amplos da realidade social e cultural. (BRASIL, 1998, vol. 1, p. 23). Além disso, é necessário que as escolas de Ensino Fundamental acolham as crianças e suas infâncias para que elas possam vivenciar plenamente essa fase, o que implica no fato de que essas instituições precisam considerar a importância da dimensão lúdica nos processos de aprendizagem. Macedo; Petty e Passos (2005, p. 16) apontam que valorizar o lúdico nos processos de aprendizagem significa,entre outras coisas, considerá-lo na perspectiva das crianças. Porque para elas, apenas o que é lúdico faz sentido. Diante dessa afirmação, jogos e brincadeiras no contexto escolar podem atuar como recursos pedagógicos importantes. Com objetivos pré-definidos e contanto sempre com a intervenção adequada do educador quando necessário, esses recursos podem trazer muitos benefícios aos envolvidos no 35 processo ensino-aprendizagem, além de auxiliar o trabalho dos educadores, também devem ajudar na adaptação da criança na nova etapa. Sabe-se que dentro do contexto escolar, as propostas curriculares e a ações pedagógicas são fatores determinantes para que o conhecimento seja ou não apropriado por parte dos educandos, por essa razão o educador necessita adequar suas práticas às possibilidades de desenvolvimento e de aprendizagem de seus educandos. Leituras e estudos específicos, as conhecidas anamneses, rodas de conversa e as tradicionais reuniões com os pais, são apenas algumas das diversas maneiras de estabelecer um maior e melhor contato com essas crianças. Conhecê-las torna-se essencial para facilitar o trabalho do educador na hora de planejar suas atividades e ações. Vale ressaltar, que replanejar suas atividades e ações de acordo com a necessidade dos educandos é igualmente importante para que haja uma prática pedagógica adequada à proposta. Nesse sentido, acredita-se que uma das melhores opções de trabalho em ambiente escolar com essas crianças deve envolver atividades significativas para elas, que explorem seu desenvolvimento como um todo e não o restrinja apenas aos conteúdos que privilegiem o desenvolvimento intelectual. O professor, na relação com a criança do primeiro ano, precisa conhecer o seu próprio aspecto lúdico para brincar e brincar e brincar, proporcionando a troca de papéis entre os alunos, problematizando questões de toda ordem (as de objeto de conhecimento formal, relacionamento social, sexualidade, consumismo, violência, meio ambiente e conseqüência de seus atos). Conteúdos são bem-vindos desde que o foco não se restrinja a eles, mas se ampliem na experiência da criança e na sua capacidade de expressão. Aliás, o sujeito da aprendizagem é a criança de seis anos e não o ensino. (TIERNO, 2008, p.17). Diante da proposta da inclusão da criança de seis anos no Ensino Fundamental, as instituições e educadores devem estar em sintonia com a legislação para que trabalhem com essas crianças a partir da nova proposta de ensino, pois somente dessa forma o primeiro ano será um elo entre o trabalho desenvolvido na etapa anterior e o trabalho que está por vir. 36 [...] A educação, uma prática social, inclui o conhecimento científico, a arte e a vida cotidiana. Educação infantil e ensino fundamental são frequentemente separados. Porém, do ponto de vista da criança, não há fragmentação. Os adultos e as instituições é que muitas vezes opõe educação infantil e ensino fundamental, deixando de fora o que seria capaz de articulá-los: a experiência com a cultura. [...] Entender que pessoas são sujeitos da história e da cultura, além de serem por elas produzidas, e considerar os milhões de estudantes brasileiros de 0 a 10 anos como crianças e não só estudantes, implica ver o pedagógico na sua dimensão cultural, como conhecimento, arte e vida, e não só como algo instrucional que visa ensinar coisas. (KRAMER, 2007, p.19-20). Para Brandão e Paschoal (2009) uma possibilidade interessante para desenvolver um trabalho de qualidade com a criança de seis anos, é por meio da pedagogia de projetos (projeto de trabalho), o que significa: a) Considerar o interesse e a necessidade das crianças, partindo de uma proposta definida pelos educadores após um contato inicial com as crianças e o meio ambiente (social, cultural, histórico, geográfico), delimitando temas a partir do contexto infantil, de modo que elas possam vivenciá-los de forma significativa; b) Permitir que as crianças analisem os problemas, as situações e os acontecimentos dentro de um contexto e na globalidade, utilizando para isso os conhecimentos presentes nos eixos de trabalho (música, movimento, linguagem oral e escrita, matemática, artes, natureza e sociedade) e a sua experiência sociocultural; c) Assumir uma postura pedagógica que perceba a criança como uma pessoa capaz de construir seu conhecimento e, consequentemente, veja no professor um mediador na construção de novos saberes. (BRANDÃO; PASCHOAL, 2009, p.46). A escolha de metodologias de trabalho diferenciadas, significativas e motivadoras, pode estimular o envolvimento dos educandos nas atividades, pois nessa perspectiva as crianças são vistas como sujeitos ativos, que devem questionar e expor suas opiniões e estabelecer, dessa forma, uma relação na qual o educador seja o mediador de novos conhecimentos ao promover um aprendizado mútuo. Dessa forma, a atuação do educador dependerá muito dos conhecimentos que ele tem sobre a criança, no sentindo de que a relação entre o adulto e criança é o que embasa e motiva todo o fazer pedagógico. A motivação é ponto forte para que a aprendizagem aconteça, pois o estudante precisa ter atitude de receptividade para estabelecer relações entre os conteúdos que já conhece e os novos conceitos que serão apresentados, além de perceber a funcionalidade dos temas aprendidos, quanto mais esses conteúdos forem utilizados em sua prática profissional, mais interessados estes aprendizes se sentirão em conhecer, entender e aplicar o assunto em questão. (GASPARIN, 2001, p.7). 37 A continuidade do processo de aprendizagem das crianças dentro do Ensino Fundamental deve envolver um diagnóstico que reconheça o nível de desenvolvimento dessas crianças ao ingressar no primeiro ano, para que o trabalho desenvolvido atenda às suas necessidades. Nesse contexto, o primeiro ano deve contribuir com a ampliação dos conhecimentos das crianças, levando em consideração o que elas já sabem. O aprendizado por meio da experimentação dos meios natural, físico e social, também continua sendo importante, objetivando o desenvolvimento integral das crianças. Isso posto, é importante relembrar que dança, música, poesia, teatro e literatura dentre outras atividades do tipo, deverão estar presentes nos ambientes escolares, como uma forma de expressão da sua realidade. Pode-se dizer que a organização do trabalho pedagógico está relacionada ao sentido que se atribui ao ato de educar, à escola e a sua função social, porém o desenvolvimento do trabalho do educador também dependerá de fatores externos, tais como a parceria da família, um currículo adequado, a elaboração de um projeto político pedagógico coerente e uma gestão democrática dentro da escola, por exemplo, para conseguir alcançar bons resultados em seu trabalho. Para atender as necessidades educacionais da atualidade, o educador precisa se atentar ao fato de que ao longo da história ocorreram evoluções nas concepções teóricas e que o modelo de ensino atual apresenta que o conhecimento se adquire por meio de um processo de construção e não por meio de absorção e acúmulo de informações obtidas do mundo exterior. Ou seja, ao invés de simplesmente transmitir seus conhecimentos, o educador deve encorajar a criança a construir seus conhecimentos ao elaborar suas próprias perguntas e respondê-las por meio de sua própria iniciativa de pesquisar e sua capacidade de investigação. No processo ensino- aprendizagem, o educador deve se policiar para não induzir as respostas dos educandos ou, até mesmo, fornecer-lhes “respostas prontas”. O educador precisa atuar como mediador no processo de aprendizagem, deve sempre provocar o educando, fazendo-lhes pensar. Quando houver erros, estes não devem ser corrigidos de forma brusca ou depreciativa. No atual modelo de ensino, o erro pode ser um importante 38 aliadodo educador, por meio dele é possível identificar a dificuldade do educando e retomar o conteúdo para que o mesmo possa superar tal problema. Os acertos necessitam ser valorizados, pois a autoestima dos educandos também influencia no desenvolvimento do trabalho, porém ao longo das atividades conforme a criança for respondendo corretamente, é necessário contra argumentar, para que se possa verificar o quanto essa criança está convicta de sua resposta. Dessa forma é necessário reforçar mais uma vez que a intervenções do educador são essenciais. Outra metodologia de trabalho que favorece as crianças de seis anos é o trabalho com resoluções de problemas em que se deve apresentar uma situação que envolva a descrição clara de um problema e propor aos educandos que sigam algumas etapas, dentre elas a identificação do problema, a observação, a análise, etc. Para alcançar o objetivo de resolver o problema serão mobilizados diversos aspectos e a aprendizagem nesse contexto possibilitará aos educandos o desenvolvimento da criatividade e da autonomia. Posteriormente deve haver um debate sobre o desfecho da atividade para que todos consigam ampliar suas capacidades de pensar e de respeitar o pensamento dos outros. Partindo de pressupostos teóricos da Epistemologia Genética de Jean Piaget, Brandão e Paschoal (2009) defendem que: A construção das estruturas da inteligência se dá por meio do processo da equilibração e segue uma sequência invariável e idêntica para todas as crianças em todas as culturas. As atividades de uma proposta didática para a criança de seis anos podem ser elaboradas de modo a respeitar a ordem sequencial de construção dessas estruturas. Tais atividades podem ser organizadas para provocar perturbações e conflitos cognitivos que desencadeiem esse processo. (BRANDÃO; PASCHOAL, 2009, p. 70-71). Considerando a necessidade básica de criar diversas situações que desafiem o pensamento da criança, ao gerar conflitos cognitivos, nos quais para resolvê-los, faz-se necessário realizar inúmeras e sucessivas tentativas com possibilidades que possam conduzir à construção de novas estruturas. O psicólogo e biólogo Jean Piaget (1896-1980) é reconhecido como uma referência no desenvolvimento cognitivo humano. Ele classifica-o em períodos, organizados da seguinte forma: a) Sensório-motor: crianças recém-nascidas até 2 anos; 39 b) Pré-operatório: crianças de 2 até 7 anos; c) Operatório concreto: crianças de 7 até 11 anos; e d) Operatório formal: crianças a partir de 11/12 anos. Para Piaget o período pré-operatório, onde estão situadas as crianças de seis anos, é marcado por alguns fatores. Nessa fase há o surgimento de novos sentimentos interindividuais, como por exemplo, respeito, admiração e também há uma introdução ao desenvolvimento da moralidade. Essa criança ainda se encontra na fase do egocentrismo, o que pode dificultar os relacionamentos e trabalhos em grupos. Nessa fase, elas estão desenvolvendo sua coordenação motora fina e sua capacidade de representação, ao adquirirem conceitos como reversibilidade e conservação. Em todos os períodos de desenvolvimento descritos por Piaget (2002b), estão presentes os conceitos de assimilação e acomodação que partem do desequilíbrio apresentado pelo indivíduo frente à um novo desafio, onde esse modifica seu estágio mental para aceitar o novo, ao realizar assim a acomodação. [...] a assimilação é essencialmente a utilização do meio externo pelo indivíduo para alimentar seus esquemas hereditários ou adquiridos. Esses esquemas [...] tem a necessidade de acomodar-se, sem cessar, às coisas e que as exigências dessa acomodação se opõem, com frequência, ao esforço assimilador, é evidente. (PIAGET, 2002b, p. 354). A partir dessas informações, é necessário que as atividades da proposta didática para a criança de seis anos possam ser organizadas de maneira a propiciar atividades significativas e desafiadoras que possibilitem a conquista do verdadeiro conhecimento que faz uso da inteligência presente na capacidade do indivíduo de adaptação e readaptação dos esquemas e não do acumulo de informações. Deve-se reconhecer, porém que os princípios cognitivos não são os únicos responsáveis pela construção do conhecimento, uma vez que afetividade, valores e interesses também estão presentes nesse processo e isso significa que a construção do conhecimento implica sim na ação do cognitivo, mas nela também intervêm, em graus diversos, a afetividade, os valores e o interesse. 40 Afetividade e inteligência podem ser considerados dois aspectos intimamente ligados, ainda mais quando se trata de crianças, a interação com as outras pessoas tende a atuar como um fator determinante. Pode-se relacionar a forma e o dinamismo do comportamento das crianças com a afetividade, enquanto as técnicas utilizadas nas resoluções de problemas auxiliam no aspecto cognitivo. No processo de construção do conhecimento, as crianças se utilizam das mais diferentes linguagens e exercem a capacidade que possuem de terem ideias e hipóteses originais sobre aquilo que buscam desvendar. Nessa perspectiva as crianças constroem o conhecimento a partir das interações que estabelecem com as outras pessoas e com o meio em que vivem. O conhecimento não se constitui em cópia da realidade, mas sim, fruto de um intenso trabalho de criação, significação e ressignificação. (BRASIL, 1998, vol. 1, p. 21-22). Sabe-se que há um paralelo entre o desenvolvimento das funções do intelecto e da afetividade com o desenvolvimento social. Isto é, conforme são feitos progressos no desenvolvimento da inteligência, ocorrem também mudanças na vida social e na afetividade. Dessa forma, a construção das estruturas da inteligência é condição necessária para a socialização e para o desenvolvimento integral das crianças. Assim, compreender, conhecer e reconhecer a forma como as crianças são e estão no mundo, em toda sua particularidade, é um grande desafio para os profissionais da educação. A partir do momento em que estão estabelecidos os conteúdos e as metodologias de trabalho que serão utilizadas em sala de aula, outra questão ainda é muito relevante e diz respeito a como fazer a avaliação da criança do primeiro ano do Ensino Fundamental. A avaliação não deve ser necessariamente disposta apenas da forma tradicional, isto é, a avaliação escrita. De acordo com as orientações pedagógicas atuais, o processo avaliativo precisa acontecer de forma contínua, com acompanhamentos periódicos, que podem ocorrer por meio de portfólios, por exemplo. Outro tipo de avaliação pode ser aquela realizada no final do dia, ou até mesmo depois de um período determinado de trabalho, como ao final de uma sequência didática, por exemplo, que envolva uma roda de conversa na qual a conversa gire em torno de todos os acontecimentos do dia, ou do período que se avalia, para que se reflita sobre as aprendizagens e também 41 sobre o comportamento do grupo inteiro e de cada um em particular, de acordo com as regras estabelecidas para a organização dos trabalhos, os famosos “combinados”. Segundo Brandão e Paschoal (2009, p. 78), "Na hora da avaliação, a criança terá a oportunidade de reconstruir os acontecimentos vivenciados naquele dia, de evocar o que fez e o que sentiu ou como se comportou durante as diferentes atividades das quais participou". A evocação das ações e dos acontecimentos no decorrer do dia, servirá como um estímulo para a representação e criará uma oportunidade de reflexão por parte da criança sobre o que fez, julgando seus próprios atos. Essa reflexão auxiliará a coordenação das ações e das representações que constituem os passos iniciais do processo de abstração reflexiva, que está presente na construção do conhecimento. É importante também que ocorra um momento em que educador e educando se autoavaliem,