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Pressupostos da Responsabilidade Civil - Teoria Subjetiva

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21/08 – Aula 3: Pressupostos da Responsabilidade Civil – Teoria Subjetiva (até culpa)
	Quadro
Pressupostos da Responsabilidade Civil – Teoria Subjetiva. P1
Pressupostos da Responsabilidade Civil – Teoria Subjetiva
1 Introdução
1.1 Acepções da responsabilidade civil
1.2 Pressupostos da responsabilidade civil
2 O ilícito civil
2.1 A caracterização do ilícito como fato jurídico
2.2 A antijuridicidade como elemento objetivo do ilícito
2.3 A imputabilidade como elemento subjetivo do ilícito
2.4 Responsabilidade civil é sinônimo de ilícito civil?,
2.5 O fato ilícito stricto sensu (cláusula geral de ilicitude culposa)
2.6 Apenas do ato ilícito advém a responsabilidade civil?
2.7 Tutela preventiva e tutela repressiva do ilícito
2.8 Excludentes de ilicitude civil
2.8.1 Estado de necessidade (art. 188, II, c/c os arts. 929 e 930, CC)
2.8.1.1 Estado de necessidade sem que a pessoa lesada seja culpada pelo perigo
2.8.1.2 Estado de necessidade quando a pessoa lesada é culpada pelo perigo
2.8.2 Legítima defesa (art. 188, I, c/c o parágrafo único do art. 930)
2.8.2.1 Pressupostos da legítima defesa
2.8.2.2 Legítima defesa que causa danos em terceiro inocente
2.8.2.3 Legítima defesa de terceiro
2.8.2.4 Legítima defesa putativa
2.8.3 Exercício regular de um direito (art. 188, I)
2.8.4 Estrito cumprimento do dever legal
2.8.5 Excludentes de ilicitude: disciplina heterogênea
3 A culpa
3.1 A culpa e a responsabilidade civil
3.2 A evolução do significado de culpa civil
3.3 A culpa presumida
3.4 A gradação da culpa
3.5 O ilícito e a culpa
3.6 A mitigação da reparação por equidade
3.7 O renascimento da culpa
	CAPÍTULO VI
PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL – TEORIA SUBJETIVA
1. INTRODUÇÃO
1.1. ACEPÇÕES DA RESPONSABILIDADE CIVIL
Em sentido estrito e para as finalidades propostas por este capítulo, a responsabilidade civil pode ser conceituada como a “reparação de danos injustos resultantes da violação de um dever geral de cuidado”. Com efeito, vimos que a responsabilidade civil detém três funções, cada qual contando com os seus pressupostos. Porém, ao adentrarmos no vasto campo das teorias subjetiva e objetiva, passamos à fase de verticalização do estudo da função reparatória da responsabilidade, que é a espinha dorsal do Código Civil e o eixo desse modelo jurídico nos dois últimos séculos. Assim, nos próximos capítulos nos distanciaremos de suas finalidades punitiva e precaucional, que apenas serão lateralmente abordadas. Sabemos que o conceito de responsabilidade civil na modernidade líquida é cambiante e assume formatos distintos conforme as múltiplas exigências de um ordenamento jurídico vocacionado à proteção e promoção do ser humano. Todavia, ao concentrarmos os nossos esforços na apreensão de conceitos como ato ilícito, culpa, abuso do direito, dano e nexo causal, estaremos precipuamente relacionando-os a uma específica função da responsabilidade civil, qual seja, a de reequilibrar o patrimônio da vítima, transferindo os danos ao agente.
1.2. PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL
Existem acentuadas divergências doutrinárias no tocante ao elenco dos pressupostos da responsabilidade civil, sendo que nenhuma delas logrou a obtenção de uma aceitação preponderante.
Optamos assim por uma classificação tetrapartida dos pressupostos da responsabilidade civil, cujos elementos são: (a) ato ilícito; (b) culpa; (c) dano; (d) nexo causal. Aliás, não é outro o resultado que se alcança ao compulsarmos o art. 927, caput, do Código Civil – dispositivo introdutório ao Título dedicado à responsabilidade civil: “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”
Os quatro pressupostos ora elencados se amoldam à teoria subjetiva da responsabilidade civil, que provém da prática do ato ilícito. A cada um deles será dedicado um capítulo neste Título II. Entretanto, na teoria objetiva, como veremos no Título III, sobejam banidos da obrigação de indenizar os pressupostos do ato ilícito e da culpa, concentrando-se a atenção do civilista nos pressupostos do risco da atividade, nexo causal e dano. Por isto, somente será possível enfrentar a teoria objetiva em um segundo momento, quando devidamente assimilados os pressupostos do ato ilícito, culpa, dano e nexo causal.
2. O ILÍCITO CIVIL
2.1. A CARACTERIZAÇÃO DO ILÍCITO COMO FATO JURÍDICO
O ato ilícito é um fato jurídico. Os fatos jurídicos são aqueles eventos, oriundos da natureza ou da vontade humana, que podem repercutir na órbita jurídica, produzindo diferentes efeitos.
Assim, com Pontes de Miranda, é possível definir o fato jurídico, de maneira mais realista, como “o fato ou complexo de fatos sobre o qual incidiu a regra jurídica; portanto, o fato de que dimana, agora, ou mais tarde, talvez condicionalmente, ou talvez não dimane, eficácia jurídica”.
2.2. A ANTIJURIDICIDADE COMO ELEMENTO OBJETIVO DO ILÍCITO
O ilícito envolve dois juízos de valor: um, que versa sobre o comportamento em si mesmo considerado e exprime o caráter socialmente nocivo dele; outro, que incide sobre o ilícito como ato humano, em toda a sua dimensão, e exprime a censura ético-jurídica da atuação do agente.
Antijuridicidade e imputabilidade preenchem o perfil da ilicitude civil.
De modo simplificado, percebe-se que a ilicitude nasce, fundamentalmente, de uma contrariedade ao direito, por se configurar em situações nas quais é detectada uma violação da ordem jurídica. Este é o seu dado objetivo: a antijuridicidade.
O comportamento antijurídico se instala no momento em que o agente ofende o dever genérico e absoluto de não ofender, sem consentimento, a esfera jurídica alheia. Cuida-se da divergência entre aquilo que ordena a norma e a conduta do agente, mediante a não realização dos fins da ordem jurídica. Seja por ação ou por omissão, a contradição do comportamento com o sistema – tido aqui como conjunto de princípios e regras produz a antijuridicidade.
2.3. A IMPUTABILIDADE COMO ELEMENTO SUBJETIVO DO ILÍCITO
A antijuridicidade não esgota a ilicitude. Só é possível compreender a amplitude do fato ilícito quando àquela acrescermos o elemento subjetivo da imputabilidade. Enquanto a antijuridicidade é um juízo sobre a conduta, a imputabilidade é um juízo sobre o agente.
Na definição do Houaiss o verbo imputar significa “atribuir a (alguém) a responsabilidade”. O imputável é aquela pessoa a quem se pode legitimamente atribuir um comportamento antijurídico. O imputável pode ser censurado e reprovado por suas condutas comissivas ou omissivas contrárias ao direito.
O imputável, ainda, possui capacidade psíquica de autodeterminação, detém discernimento, pois é livre para agir de outro modo. Haverá imputabilidade quando o autor do comportamento antijurídico for dotado de maturidade e sanidade. Ou seja, contar com 18 anos de idade e não ser pessoa portadora de transtornos mentais submetida ao regime de interdição.
2.4. RESPONSABILIDADE CIVIL É SINÔNIMO DE ILÍCITO CIVIL?
Embora exista, em doutrina, certa tendência a unificar tais fenômenos – ilícito civil e responsabilidade civil –, na verdade eles não se confundem, sendo realidades distintas. É necessária a superação de mais um dos diversos dogmas do direito privado: aquele que reduz o ato ilícito a mero fato gerador da responsabilidade civil, quando, em verdade, a obrigação de indenizar é somente uma das eventuais consequências de um ilícito civil. De saída, sobreleva evidenciar a existência de uma gama infinita de efeitos jurídicos potenciais decorrentes da ilicitude. Se o fato ilícito é um acontecimento contrário ao ordenamento jurídico, certamente, o próprio sistema jurídico poderá reconhecer diferentes consequências à prática desse comportamento desconforme a
ordem jurídica.
Por certo, o espectro de incidência da ilicitude é mais amplo e aberto, não se satisfazendo com soluções apriorísticas, que implicariam em menoscabo de sua própria conceituação. Bem por isso, é necessário perceber a multiplicidade de espécies de fatos ilícitos a partir de sua eficácia, embora este critério não seja único.Todavia, a responsabilidade civil é apenas a parte visível do ilícito. Como em um iceberg, existe uma porção muito mais ampla da ilicitude civil que se encontra submersa. Infelizmente, igualmente submersa se manteve nos estudos jurídicos. Já em 1966, Giorgio Cian acusava a doutrina italiana de apenas se preocupar em estabelecer quais seriam as fattispecies geradoras de responsabilidade, ao invés de estudar o ilícito como noção geral e autônoma.
2.5. O FATO ILÍCITO STRICTO SENSU (CLÁUSULA GERAL DE ILICITUDE CULPOSA)
O Código Civil de 2002, no seu art. 186, apresentou uma concepção stricto sensu de ilicitude, como se pode notar: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
Cuida-se de uma cláusula geral de ilicitude culposa, dotada até mesmo de certo caráter pedagógico, pois enfatiza que, ao contrário do que ocorre no direito penal – no qual a antijuridicidade é sempre acrescida da tipicidade –, no direito privado os fatos ilícitos não são previamente subsumidos na moldura legal, sendo o ilícito um fenômeno cultural e contingente, por abranger quaisquer comportamentos que violem não apenas as regras, mas também os princípios e direitos fundamentais. Sendo o art. 186 uma norma vaga e imprecisa, o poder judiciário poderá renovar as hipóteses de ilicitude conforme a dinâmica social.
Ao nosso entendimento, melhor ainda andou o Código Civil brasileiro de 2002, ao inserir o ato ilícito como gênero, na parte geral, no artigo 186 do Código Civil. De certo modo, a redação da norma deixou a desejar, pois impropriamente vincula o ilícito com a reparação de danos, como se aquele não possuísse significado nas hipóteses de ausência de repercussão patrimonial ou extrapatrimonial na esfera subjetiva de terceiros. Todavia, é relevante sob o prisma dogmático, o fato de a lei civil discriminar o ato ilícito em sua pureza, de uma espécie de ato ilícito, tida como pressuposto da obrigação de indenizar na imputação subjetiva da responsabilidade civil (art. 927, CC). Assinala o legislador, “Aquele que por ato ilícito (arts. 186 e 187), causa dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.” O referido dispositivo não sanciona a conduta em si, mas sobretudo o seu efeito, consistente na concreta causação de um dano.
Portanto, não é possível vincular, de forma absoluta, a ilicitude à reparação, seja porque existe, no atual sistema civil-material, uma tutela preventiva, seja porque existe, na própria tutela repressiva clássica, ilícitos cujos efeitos não se esgotam na reparação.
2.6. APENAS DO ATO ILÍCITO ADVÉM A RESPONSABILIDADE CIVIL?
A resposta é afirmativa. Embora menos comum, os atos lícitos, conformes ao direito, podem, da mesma maneira, em certos casos, empenhar dever de reparação. Os atos em estado de necessidade, por exemplo, embora lícitos (Código Civil, art. 188, II), podem ensejar responsabilidade civil. A hipótese mencionada nos arts. 929 e 930 da Codificação Reale reconhece o dever de reparar danos causados a terceiros em estado de necessidade. Exemplificando: se um motorista, para se livrar de alguém que dirige em contramão de direção, descamba para o acostamento e derruba um muro ou cerca pertencente a terceiro, haverá o dever de reparar o dano, com direito regressivo em relação ao causador do perigo, apesar da conduta ser reconhecida como lícita, nos termos do art. 188, inciso II, do próprio Código.
2.7. TUTELA PREVENTIVA E TUTELA REPRESSIVA DO ILÍCITO
A ilicitude civil contemporânea apresenta dois matizes básicos: (a) um repressivo, traduzido, quase sempre, pelo dever de reparar os danos causados; e (b) outro preventivo, de forte cor contemporânea, cuja especificidade consiste em não aguardar que os danos tenham lugar para que ele se faça valer.
Nesses termos, havendo violação a um direito da personalidade, seria inadequado aguardar passivamente as agressões, para só então manejar a ação reparatória clássica. A lesão pode ser prontamente combatida, e a tutela inibitória a tanto se presta. Figure-se a hipótese de recém-nascido, internado em hospital público, no qual mortes de crianças, em condições semelhantes à do internado, vêm ocorrendo. É necessário buscar, preventivamente, resguardar o bem maior, que é a vida humana, sendo para tanto necessário uma tutela inibitória, com os instrumentos próprios (multa para compelir o hospital a guardar as devidas cautelas médico-higiênicas, transferência para outro estabelecimento hospitalar etc.).
Com efeito, não se poderá ignorar as sanções preventivas, que miram a própria proteção do bem jurídico (v. g., interdito possessório, busca e apreensão), com destaque na espécie para a importante tutela inibitória, cuja feição acautelatória ex ante atua como potente elemento dissuasivo de potenciais comportamentos ofensivos a interesses alheios, com destaque para a defesa das situações jurídicas da personalidade. A técnica inibitória é instrumento de dissuasão (deterrence) que encontra assento no artigo 5º da CF, “A lei não excluirá...”.
A ação inibitória, explica Massimo Bianca, insere-se no âmbito da responsabilidade extracontratual. Esse reconhecimento não se concilia com a concepção que reduz a responsabilidade civil a uma técnica de alocação de danos a cargo de um responsável segundo vários critérios de imputação. Umasanção que proíbe determinados comportamentos não teria espaço em um sistema de mera alocação de danos. O remédio inibitório se insere coerentemente no sistema de responsabilidade civil como um mecanismo de reação ao próprio fato ilícito, assumindo relevo central o comportamento lesivo a interesses protegidos.
2.8. EXCLUDENTES DE ILICITUDE CIVIL
A ilicitude ou não do ato, por si só, não diz nada acerca da exclusão da obrigação de reparar. Tanto os lícitos como os ilícitos, na ordem jurídica brasileira, podem dar ensejo à indenização quando causam danos injustos. O mais comum é que a responsabilidade civil surja como consequência de atos ilícitos, porém nada impede, em certos casos, que o legislador impute o dever de reparar como efeito de um ato lícito, mesmo em tese amparado por uma excludente da ilicitude. Não se olvide que a decisão na esfera criminal somente gera influência na jurisdição cível, impedindo a rediscussão do tema, quando tratar de aspectos comuns às duas jurisdições, ou seja, quando tratar da materialidade do fato ou da autoria, segundo previsto no art. 935 do Código Civil.
É certo, como vimos acima, que a obrigação de indenizar os danos causados decorre, quase sempre, da prática de atos ilícitos. A ilicitude gera consequências. O comportamento contrário às prescrições normativas traz punições para o infrator, que vão desde sanções administrativas até a privação da liberdade, a sanção mais grave em nosso sistema, aplicada como resposta à infração de uma norma penal.
Em regra, cada ramo do direito traz especificidades ao estruturar os seus ilícitos. O ilícito penal, com sua tipicidade fechada, decerto não se confunde com o ilícito civil, cuja estrutura é aberta, permeável aos valores e sem definição prévia de condutas vedadas. Embora existam diferenças, timbradas, quase sempre, pela gravidade da violação, não existem hiatos ontológicos entre os ilícitos. Todos eles são atos contrários ao direito e, por isso, recebem sanções, que variam de acordo com a estrutura da ordem jurídica. Porém, voltando à questão fundamental: apenas os atos ilícitos dão ensejo à responsabilidade civil, ou, ao contrário, também os atos lícitos fazem nascer o dever de
indenizar?
Dispõe o art. 188 do Código Civil: “Não constituem atos ilícitos: I – os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido; II – a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente. Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.”
2.8.1. ESTADODE NECESSIDADE (ART. 188, II, C/C OS ARTS. 929 E 930, CC)
O estado de necessidade e a legítima defesa são figuras semelhantes e de mesma inspiração. Todavia, ensina Clóvis Bevilaqua, diferenciam-se pelo fato de que nalegítima defesa há uma agressão humana dirigida a uma pessoa ou seus bens. Já no estado de necessidade, não se vislumbra uma agressão humana, mas uma situação fática que efetivamente ameaça a integridade de um bem jurídico. Para afastar tal ameaça, permite-se que outro bem jurídico, de menor ou igual valor, seja sacrificado. Ao considerar lícito o ato praticado em estado de necessidade o ordenamento autoriza a violação de um direito alheio para se evitar um mal maior.
O atual estado da responsabilidade civil exige o reconhecimento quanto à superação da fronteira do ilícito civil na conceituação do dano. Com efeito, nesses atos justificados a ilicitude se encontra ausente, cogitando-se tão somente de antijuridicidade da consequência produzida, ou seja, do dano em si, como resultado do comportamento. Essa lesão ao interesse juridicamente tutelado do terceiro – estranho ao fato gerador da situação – será o dano injusto motivador da reparação.
2.8.1.1. ESTADO DE NECESSIDADE SEM QUE A PESSOA LESADA SEJA CULPADA PELO PERIGO
O legislador optou por proteger a vítima, considerando que pelo princípio da reparação integral sejam os danos patrimoniais ou extrapatrimoniais – é inarredável o direito da vítima à reparação, mesmo que amparado o agente pela excludente da ilicitude. Assim, se alguém, agindo em estado de necessidade, causar danos à pessoa ou à coisa, deve repará-los (art. 929). Se o motorista, dirigindo com prudência, vê, após uma curva, um veículo ultrapassando na contramão, e instintivamente gira a direção para a esquerda, subindo na calçada e atropelando alguém, estará obrigado a reparar os danos que a pessoa atropelada sofreu. A vítima, assim, será indenizada, ainda que lícito o comportamento daquele que a atropelou. Pode, porém, o motorista do veículo, após indenizar a vítima (atropelado), intentar ação de regresso contra o condutor do veículo na contramão (causador do perigo), de acordo com a previsão do art. 930 do Código Civil e respaldo na jurisprudência.
2.8.1.2. ESTADO DE NECESSIDADE QUANDO A PESSOA LESADA É CULPADA PELO PERIGO
Vimos que o causador do dano, ainda que agindo em estado de necessidade, estará obrigado a repará-lo. O art. 929, porém, interpretado a contrario sensu, exclui essa reparação se a vítima do dano foi culpada pelo perigo. Se alguém, em absurdo protesto, resolve atear fogo ao próprio corpo – como, lamentavelmente, ocorre vez por outra na Europa e no Oriente Médio –, as pessoas próximas podem investir contra o suicida, para evitar que a morte se consume. Se, nessa operação, causam danos (quebram braço da vítima ao tentar segurá-la), ou destroem bens (quebram janela ou porta, de
propriedade da vítima, para atingi-la) tais atos, praticados em estado de necessidade, não empenham responsabilidade civil, pois a culpada pelo dano foi, claramente, a própria vítima.
Caracteriza-se aqui a distinção entre o estado de necessidade ofensivo (ou agressivo), que se verifica quando o titular do bem jurídico preterido não é o causador do perigo atual – porém pessoa inocente – e, por outro lado, do estado de necessidade defensivo, que acontece quando o proprietário do bem jurídico sacrificado é o causador do perigo, o provocador do fato.
Da mesma forma, se o dono da coisa danificada é o culpado pelo perigo – tal como aconteceu no exemplo acima –, ele não fará jus à reparação. Imagine-se que um sujeito sai para passear com seu cachorro, extremamente feroz. O cachorro, na rua, se solta e parte para atacar uma criança. Alguém, que vê a cena, estando armado, atira contra o cachorro. Não estará obrigado a indenizar o dono do animal, pois este foi culpado pelo perigo (art. 929, a contrario sensu).
O disposto no art. 65 do Código de Processo Penal – que estatui que a sentença que reconhece o estado de necessidade, entre outras situações, faz coisa julgada no cível – não significa a exclusão da obrigação de reparar, pois os efeitos do estado de necessidade, em tema de reparação de danos, serão aqueles estatuídos pelas leis civis, as quais, explicitamente, a ele imputam, como consequência, a responsabilidade civil (arts. 929 e 930).
2.8.2. LEGÍTIMA DEFESA (ART. 188, I, C/C O PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 930)
Em princípio, a legitima defesa foi projetada como forma excepcional de tutela à pessoa em face de uma injusta agressão. Todavia, com o passar do tempo e a dinâmica das relações econômicas, dilatou-se o seu conceito para permitir a legítima defesa ao patrimônio do indivíduo. Vê-se tal situação no art. 1.210, § 1º, do Código Civil,31 ao facultar ao possuidor turbado a reação por sua própria força, contanto que o faça de forma rápida, no calor dos acontecimentos, sem permitir que o agressor tenha soberania que consolide sua situação sobre o bem.
Um ato imposto por legítima defesa não é antijurídico. Na legítima defesa há uma agressão ilícita – um ataque atual e contrário ao direito –, contra a qual alguém, injustamente agredido, reage. Essa reação, desde que razoável e proporcional, não empenha responsabilidade civil de quem reagiu, ainda que tenha causado danos ao agressor. Não sendo a reação ilícita, inexiste responsabilidade civil pelo dano ocasionado, com exceção das situações em que atingir terceiro, ou se de fora dos limites da defesa.
A legítima defesa, no entanto, não recebeu, do legislador, o mesmo tratamento do estado de necessidade. São institutos, para o direito civil, diferentes e, por isso, merecem tratamentos diversos. Enquanto na legítima defesa a situação de perigo nasce da injusta agressão – cabendo ao autor a opção entre sofrer o mal ou causá-lo – e o agredido é o provocador, no estado de necessidade o conflito entre interesses próprios e alheios resulta do fortuito ou da atividade humana, do próprio prejudicado ou de terceiro, sendo possível que a ação defensiva se dirija em face de um inocente. No estado de necessidade a pessoa lesada pode não ter nenhuma relação com o perigo criado, e assim seria injusto deixá-la desamparada. Pense-se na hipótese da vítima, atropelada porque o motorista desviou seu carro de outro motorista na contramão.
Decerto o causador do dano não tem culpa; muito menos, porém, teria a vítima, que se viu gravemente atingida pelo acidente. O motorista, quando menos, assumiu o risco, e o atropelado não pode ser esquecido à própria sorte.
2.8.2.1. PRESSUPOSTOS DA LEGÍTIMA DEFESA
Sempre que a agressão puder ser repelida, ou dominada, com determinada reação, o que ultrapassá-la deve ser enxergado como nova agressão, e não como defesa. Repita-se, porém, que o caso concreto e suas circunstâncias podem evidenciar que o meio empregado era o único de que dispunha a vítima, ou que, muito nervosa, não soube bem ponderar os limites de sua reação. Tais alegações não devem ser afastadas a priori, podendo redimensionar os contornos do caso.
De toda sorte, vingança não é legítima defesa. Digamos que dois colegas de faculdade nutrem ódio recíproco. Um deles, certo dia, aguarda o outro, na saída das aulas, com um cão feroz, devidamente treinado, que recebe comando para atacar o desafeto.
Este, entrando no carro, consegue livrar-se da fera. Depois, o agredido vai até em casa, pega uma arma, volta ao local, e desfere vários tiros contra o dono do animal. Não houve legítima defesa, e sim excesso penal e civilmente punível.
2.8.2.2. LEGÍTIMA DEFESA QUE CAUSA DANOS EM TERCEIRO INOCENTE
As afirmações até aqui feitas em relação à legítima defesa estão relacionadas com um pressuposto básico: o de que o dano foi sofrido pelo agressor. A legítima defesa, por certo, isenta da obrigação de reparar os danos aquele que age sob seu manto. Mas tal isenção apenas ocorrerá se os danos forem experimentados por quem injustamente agrediu outrem. Quando os danos são sofridos por terceiro inocente – em qualquer bem jurídico, não apenas vida e integridade física –,outras serão as consequências jurídicas.
Vale dizer, ao assentar a defesa do agredido como legítima, o direito a reconhece em relação à vítima que provocou a defesa/dano. Se o dano atinge terceiro ou coisa de terceiro, ele é indenizável, porque, então, adentra no mundo jurídico como ato contrário ao direito, visto que o terceiro não integra a relação que legitima o ato defensivo, seja por exceder o agente os limites de defesa, seja por imperícia no ato ou mesmo imprudência, através da avaliação errônea da relação; em resumo, por qualquer erro de conduta.
2.8.2.3. LEGÍTIMA DEFESA DE TERCEIRO
Não raramente o indivíduo faz uso da força para defender terceiros em casos que a opção pela espera pela autoridade policial seria infrutífera, diante da exposição iminente a risco daquele cuja órbita jurídica se deseja acautelar.
Há, contudo, a possibilidade de alguém, agindo na defesa de terceiro, errar na execução e atingir outros. Responderá da mesma forma como quem age em legítima defesa própria?
Os pressupostos para a defesa de terceiro são os mesmos da defesa própria, não exigindo a lei existência de qualquer relação jurídica entre o ameaçado e o reagente. Na verdade, a relação que se estabelece entre o agredido e o terceiro defensor seria a gestão de negócios, excluindo as situações em que já exista prévio vínculo, como no poder de família. A legítima defesa alheia somente se exclui onde a vontade do agredido pode excluir, ou seja, se ele recusar a defesa.
2.8.2.4. LEGÍTIMA DEFESA PUTATIVA
A solução, segundo cremos, estará em verificar, objetivamente, o quadro fático. Se o agressor não tinha, minimamente, condições para desconfiar da farsa, a indenização deverá ser afastada (culpa exclusiva da vítima), ou reduzida substancialmente (art. 945: “Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano”).
Se, contudo, a agressão decorreu de negligência do agressor, que mal apreciou os fatos, vendo perigo onde não havia, nem tinha razões razoáveis para se crer na sua existência, a indenização não poderá ser excluída, respondendo por sua negligência quem engendrou, mentalmente, uma situação inexistente e, assim agindo, causou danos a terceiros.
2.8.3. EXERCÍCIO REGULAR DE UM DIREITO (ART. 188, I)
Estatui o art. 188: “Não constituem atos ilícitos: I – os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido [...].” Não houve, nesse ponto, novidade em relação ao Código Civil de 1916. Repetiu-se, no atual art. 188, inciso I, o dispositivo do art. 160, inciso I, do Código revogado.
O exercício regular de um direito não constitui contrariedade ao direito. As legislações civis normalmente pré-excluem de ilicitude o exercício de um direito reconhecido ante a incompatibilidade lógica entre exercer um direito e o recíproco cometimento de ilícito. Cada direito tem o seu raio de ação e seu exercício: só é legítimo quando se move dentro da área fixada pelo ordenamento. Fugindo de sua órbita, ainda que originariamente tenha sido exercitado nos seus limites, atingirá o campo do direito alheio, surgindo o conflito.
2.8.4. ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL
O estrito cumprimento de dever legal, embora não mencionado pela lei civil, inclui-se, segundo a doutrina, no conceito de exercício regular de direito. Afinal, quem age corretamente no cumprimento de dever legal está, de certo modo, no exercício regular de direito.
Ao contrário do que fez com o “estado de necessidade” e com a “legítima defesa”, o Código Penal não definiu o conceito de “estrito cumprimento de dever legal”, limitando-se a dizer, em seu artigo 23, inciso III, que não há crime quando o agente pratica o fato em estrito cumprimento de dever legal. Sua conceituação, porém, é dada pela doutrina, a exemplo de Fernando Capez, que assim define o “estrito cumprimento do dever legal”: “É a causa de exclusão da ilicitude que consiste na realização de um fato típico, por força do desempenho de uma obrigação imposta por lei, nos exatos limites dessa obrigação.”
Em outras palavras, a lei não pode punir quem cumpre um dever que ela impõe. A conduta em estrito cumprimento de dever legal pode ter por agente tanto o funcionário público quanto o particular. Invariavelmente demanda a existência de uma norma preceptiva, impondo a alguém a realização de comportamento definido num tipo legal incriminador.
2.8.5. EXCLUDENTES DE ILICITUDE: DISCIPLINA HETEROGÊNEA
Percebe-se, portanto, que a disciplina legal das excludentes de ilicitude civis, longe de serem unívocas, são matizadas, apresentando particularidades de acordo com a espécie da excludente e da pessoa lesada. No estado de necessidade, quem age sob o manto de tal excludente, embora pratique um ato lícito, deverá reparar os danos causados se a pessoa lesada ou o dono da coisa não forem culpados do perigo. Portanto, a absolvição, no juízo criminal, fundada em estado de necessidade, não significa, no âmbito cível, a ausência do dever de reparar (digamos que alguém, de forma absurda, deixa seu carro parado no meio da estrada, depois de uma curva e com isso obriga o motorista prudente, que vem em sentido contrário, a avançar para a contramão, causando mortes. Nessa hipótese, a absolvição criminal do motorista que avançou para a contramão não significa que ele não deva reparar os danos).
Na legítima defesa, ao contrário, quem age sob tal excludente não fica obrigado a reparar os danos causados ao agressor. Se, porém, por erro na execução (aberratio ictus), atingir terceiros, deverá indenizá-los. Se a legítima defesa for de terceiros, e houver erro na execução, da mesma forma: quem agiu em legítima defesa deverá responder pelos danos.
3. A CULPA
3.1. A CULPA E A RESPONSABILIDADE CIVIL
A culpa é elemento nuclear da responsabilidade civil e justificativa filosófica da teoria subjetiva. Ela ocupa papel nevrálgico na etiologia do ilícito, pois quando a ele fazemos alusão, sempre estarão compreendidos os modelos da culpa e do dolo. Com base em tal imbricação, a responsabilidade civil sempre foi uma responsabilidade subjetiva.
3.2. A EVOLUÇÃO DO SIGNIFICADO DE CULPA CIVIL
Essa concepção psicológica de culpa, tão arraigada em nossa experiência, vem sendo paulatinamente desconstruída e substituída por uma concepção normativa de culpa. Cogita-se de um culpa em sentido objetivo, como instrumento de valoração em abstrato de comportamentos, no qual a conduta de um sujeito será culposa se afastada de um parâmetro prefixado, abstraindo-se das condicionantes intrínsecas do agente.
Nesta senda, no âmbito civil os critérios de imputação do ilícito são orientados a uma concepção objetiva e abstrata da culpa – comportamento contrário a um padrão de conduta –, enquanto na seara penal se acentua o aspecto subjetivo da culpa, com uma valoração em termos personalísticos, apresentando uma caracterização moral, condensada no brocardo “nullum crimen sine culpa”, estranha ao sistema da responsabilidade civil.
O direito penal é centrado na conduta da pessoa do autor do ilícito, enquanto a responsabilidade civil tende a eliminar as consequências danosas de um fato, sem se preocupar com o comportamento do agente, em termos de reprovação. Por isso, na esfera civil o acertamento da culpa serve para ressarcir o dano, enquanto no juízo penal para determinar a condenação. Dessa diversidade de funções pode ocorrer que o mesmo fato não seja considerado um crime, mas que integre perfeitamente as estremas de um ilícito civil.
3.3. A CULPA PRESUMIDA
Pode-se conceituar a presunção de culpa como uma técnica processual de inversão do ônus da prova. Ou seja, em hipóteses previstas pela lei, não mais caberia ao ofensor a hercúlea missão de provar o erro de conduta moralmente imputável ao agente – o brocardo actori incumbit probatio –, pois em princípio a demonstração do fato ilícito (antijuridicidade + imputabilidade) já equivaleria a um atestado de culpa. Portanto, o ofensor deveria demonstrar que o dano nãodecorreu de sua falta de diligência e prudência, porém de uma causa estranha ao seu comportamento, tal como força maior, fato exclusivo da vítima ou fato de terceiro.
Vale dizer, trata-se de uma presunção relativa de culpa – juris tantum –, na qual incumbe ao agente refutar o liame entre o seu comportamento irresponsável e a lesão injusta sofrida pelo ofendido. No direito brasileiro, uma das grandes repercussões da aceitação da presunção de culpa se deu no campo da responsabilidade do patrão pelos danos causados por seus empregados contra terceiros, atualmente inserida no art. 932, inciso III, do Código Civil, nos seguintes termos: “Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: [...] III – O empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele.”
3.4. A GRADAÇÃO DA CULPA
No tocante à intensidade da culpa, ensina Serpa Lopes53 que é fato incontestável encontrarem-se nas fontes romanas as expressões culpa lata; culpa latior; magna culpa; culpa levis; culpa levior e uma única vez culpa levíssima. Daí a razão pela qual os glosadores, dominados pela ideia constante de tudo classificar, não hesitaram, sob o impulso desta tendência sistematizante, em estabelecer categorias e graus estimativos da intensidade da diligência empregada. Surgiu então a communis opinio da tripartição da culpa lata, leve e levíssima.
Muitos poderiam acreditar que esta discussão já restou superada, sobretudo pela passagem do perfil de uma culpa psicológica – de embasamento moral – para uma culpa objetiva, de dimensão normativa, na qual ela passa a ser identificada não mais como o estado anímico do agente, mas como um erro de conduta, abstrata e objetivamente confrontado com parâmetros médios de comportamento e diligência social. Além disso, se a responsabilidade civil assume predominantemente uma feição reparatória, em nada acrescentará o exame da gradação da culpa, eis que o quantum reparatório será restrito à extensão do dano.
3.5. O ILÍCITO E A CULPA
Recordemos que o fato ilícito é o comportamento contrário ao direito praticado por pessoa com discernimento. Isto é, o cerne da ilicitude se compõe dos elementos da antijuridicidade e imputabilidade do agente. Aquele é o elemento objetivo da ilicitude, concerne à aferição do fato e sua oposição ao sistema jurídico. A imputabilidade é elemento subjetivo do ilícito, referindo-se à aptidão da pessoa para compreender o caráter antijurídico de seu comportamento.
O fato ilícito é um gênero que irradia diversas eficácias, dentre as quais a mais conhecida de todas é a eficácia reparatória situada no artigo 186 do Código Civil. Ademais e em sentido amplo, o fenômeno do ilícito se concentra na soma dos seguintes elementos: antijuridicidade + imputabilidade, sendo este o cerne do suporte fático da ilicitude, pois faltando qualquer destes dois elementos inexiste o fato ilícito, em qualquer circunstância.
Ilícito e culpa são conceitos que não se confundem. O fato de o comportamento antijurídico do agente ser qualificado como “voluntário” não guarda qualquer relação com um processo psicológico que oriente a atividade humana. Um ato é qualificado como antijurídico por objetivamente divergir da conduta exterior que a norma indica como correta. Destarte, mesmo na falta de um evento danoso, por vezes o ordenamento jurídico não renunciará a possibilidade de aplicar uma sanção a um ato ilícito. Portanto, o núcleo do ilícito independe da culpa ou do dano e se contenta com a antijuridicidade do ato comissivo ou omissivo.
3.6. A MITIGAÇÃO DA REPARAÇÃO POR EQUIDADE
Como regra geral no direito civil, é irrelevante, em princípio, o grau de culpa para a fixação do valor da reparação. Digamos que um homem ciumento destrói o celular de sua namorada (dolo), ou então esse homem, por descuido (negligência), esbarra e causa o mesmo dano. As indenizações em ambos os casos serão iguais, uma vez que o dano foi idêntico.
Com isso, vemos que a importância da culpa para a mensuração da reparação é escassa no sistema em vigor, pois, independentemente do nível alto ou razoável de descaso do agente perante o dever de diligência, o que avulta na estipulação do ressarcimento dos danos patrimoniais ou na compensação dos danos extrapatrimoniais será a intensidade da lesão sobre o bem jurídico protegido, aplicando-se o princípio da reparação pela integralidade dos danos.
3.7. O RENASCIMENTO DA CULPA
Conforme visto, no direito civil a dicotomia dolo/culpa é normalmente assumida como periférica. Reserva-se ao plano teórico a diferenciação entre dolo e culpa, pois, no pragmatismo da responsabilidade civil, o fundamental para a afirmação da obrigação de indenizar não será o grau da culpa do agente, mas a extensão do dano (art. 944, CC).
A evolução da responsabilidade civil culminou por eliminar a função punitiva da culpa, o que contribuiu para neutralizar qualquer distinção operativa entre culpa e dolo, à medida que o direito privado passou a considerar que a transferência da obrigação de indenizar ao ofensor passa a se exprimir objetivamente pela extensão dos danos que causou ao ofendido, sem qualquer relevo para a intencionalidade ou não do seu agir. Isto fez com que a culpa fosse a regra do direito civil, guindado o dolo a hipóteses residuais, enquanto justamente o contrário se verifica no direito penal, reconduzido a prevalência dos crimes dolosos e, por exceção, culposos.
De modo geral, neste raciocínio pouco importa a reprovabilidade da conduta do ofensor, sua fortuna, os ganhos ilícitos obtidos pelo exercício de sua atividade reprovável ou qualquer circunstância que lhe diga respeito. Afinal, segundo a tradição do direito europeu continental,65 para a avaliação de tais aspectos periféricos, nada melhor do que o direito penal – consistindo a sua função em prevenir e punir condutas ilícitas –, ou o recurso ao direito administrativo sancionatório.
Contudo, algumas disposições do Código Civil de 2002 fazem depender a responsabilidade civil de acentuado grau de culpa do agente, por exemplo:
a) nos contratos benéficos responde por simples culpa o contratante a quem o contrato aproveita, e por dolo aquele a quem desfavoreça (art. 392, CC);
b) a mora do credor subtrai do devedor isento de dolo a responsabilidade pela conservação da coisa (art. 400, CC);
c) nos contratos onerosos o alienante responde pela evicção. Subsiste para ele esta obrigação, ainda que a coisa alienada esteja deteriorada, exceto havendo dolo do adquirente;
d) na descoberta, o descobridor responde pelos prejuízos causados ao proprietário ou possuidor legítimo quando tiver procedido com dolo (art. 1.235, CC).
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