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FACULDADE ADVENTISTA DA BAHIA CURSO DE PSICOLOGIA JÚLIA MARIA SANTOS BAÊTA CUNHA DIAS ENSAIO SOBRE O FILME “GAROTA, INTERROMPIDA” CACHOEIRA - BA 2020 JÚLIA MARIA SANTOS BAÊTA CUNHA DIAS ENSAIO SOBRE O FILME “GAROTA, INTERROMPIDA” Trabalho apresentado ao curso de Psicologia da FADBA como pré- requisito para obtenção parcial da disciplina de Saúde Mental 2020.2, sob orientação dos respectivos professores Dalmir, Ana Flávia e Márcia. CACHOEIRA - BA 2020 Esse trabalho irá abordar os pontos psicossociais, psicopatológicos e psicofarmacológicos do filme Garota, Interrompida. Esse filme que se passa nos anos 60, conta a história de Susanna que, após uma tentativa de suicídio, tem uma primeira consulta com um psiquiatra que não conhecia e, ao término da mesma, é enviada para um hospital psiquiátrico chamado Claymoore onde é acompanhada por outro psiquiatra que a diagnostica com o Transtorno de Borderline e dá início ao seu tratamento. De acordo com o DSM-5 (página 663), Borderline é um transtorno de personalidade que consiste em um padrão de instabilidade em suas relações interpessoais, nos afetos, na imagem de si e tem impulsividade acentuada. Dos 9 critérios diagnósticos apresentados no livro, Susanna manifesta 6 (2, 3, 4, 5, 6, e 7) que serão mostrados com mais detalhes na parte da psicopatologia. Esse filme é baseado numa autobiografia da personagem principal que passou 18 meses no hospital psiquiátrico. A introdução psicossocial se mostra bem no início do filme, na primeira consulta que Susanna tem com um psiquiatra que é quando ele a diz que ela precisa se tratar porque está magoando todos ao seu redor e seu relacionamento amoroso com os homens é instável porque ela não sabe o quer com qualquer coisa na vida. Em consulta com o Dr. Melvin Potts (psiquiatra de Claymoore), ele pergunta se ela quer ir para casa e ela responde que o que ela vivencia lá é a mesma coisa que ela vivencia ali. Segundo Rigoleto, Ferraz, Sokey e Prates (2016), a personalidade é entendida como o conjunto de traços e características de um indivíduo, que delimitam e permeiam suas relações sociais. Esta indica os comportamentos que se pode esperar de determinada pessoa, seus gostos e opiniões. Por isso Susanna é um motivo de preocupação para os pais devido a sua tentativa de suicídio e porque veem que ela não reage as coisas, não tem opiniões sobre seu futuro, limita seu pensamento a apenas escrever. Susanna percebe mais tarde que ela não está internada apenas porque achou melhor (ela teve que assinar o contrato por ser maior de idade), porém estava lá porque para os pais era menos complicado pagar uma internação do que ajudá-la a lidar com seus problemas psicológicos. Contudo, em geral, ela é comunicativa e até foi aberta com o psiquiatra, se comporta como uma pessoa decente ao ponto do taxista (que a leva para o hospital) perguntar o que ela fez para estar indo porque ela “parece normal” e eles também trocaram outras palavras de forma natural. Ela faz amizade com muitas meninas no hospital psiquiátrico e mais na frente também se torna amiga da enfermeira Valierie. Ela é acessível aos seus amigos e se preocupa com os mesmos, em especial com a Lisa que passa um bom tempo longe do hospital depois de ter fugido, por exemplo. O filme foca pouco sobre a vida dela com os pais e a sociedade em si já que ele é passado quase todo em Claymoore. Não mostra nenhum amigo ou colega antes de sua ida e foca pouquíssimo em seus relacionamentos externos (fora do hospital). Na visão psicopatológica, os sinais da patologia se apresentam nos primeiros minutos do filme com a tentativa de suicídio da protagonista por meio da ingestão de um vidro de aspirinas com 1 litro de vodca (Critério 5). Depois de ter recebido alta do hospital, ela foi ter uma consulta com um psiquiatra que nunca tinha visto na vida que a encaminhou para Claymoore. A caminho do hospital, o taxista pergunta o porquê de ela estar indo para o hospital e ela o responde dizendo que ela estava triste e via coisas (Critério 6). A protagonista, ao longo da primeira hora do filme, tem flashbacks. O primeiro foi em uma comemoração ao aniversário do pai (ela diz a mãe que quer tomar uma aspirina e quando ela volta para a realidade está tremendo). O segundo foi quando um cara casado, que ela já havia ficado, pede para ficarem de novo, mas ela recusa. O terceiro foi quando a diretora a questiona sobre o que ela quer na vida futuramente. O quarto é na formatura e o quinto é do dia que ela conheceu o “namorado”. Numa reunião marcada pelo psiquiatra (Dr. Melvin Potts) com os pais e a Susanna Kaysen, ela descobre que foi diagnosticada com o Transtorno de Borderline e ainda sim o jogo sobre isso não é aberto para ela. Potts também afirma que o transtorno pode ter sido herdado de um doa pais, mas o filme não focou neles para sabermos qual. “Segundo Silva (2010) a personalidade é o resultado da genética herdada dos pais, o temperamento, e as experiências que adquirimos durante a vida.” (Rigoleto; Ferraz; Sokey e Prates; 2016). Na noite daquele mesmo dia, ela e as suas amigas, em um ato rebelde, vão até a sala da diretora e cada uma lê sua ficha contendo o diagnóstico e o histórico. Lá, ela leu as seguintes anotações do Dr. Melvin: “1. Reação psiconeurótica depressiva. 2. Altamente inteligente, mas negando sua condição. 3. Perturbação do padrão de personalidade, resistente, tipo misto, R/O Esquizofrenia indiferenciada. Diagnóstico estabelecido: Transtorno de personalidade de Borderline.” Sem saber o que era, nem ter noção de nada, Susanna vai em busca dos livros que tem na sala e procura pelo conceito de Borderline: “Uma instabilidade de autoimagem, dos relacionamentos e do humor. Incerteza sobre metas, compulsão por atividades autodestrutivas como o sexo casual. Costuma-se observar atitudes antissociais e pessimistas.” Uma das provas para esse transtorno seria o sexo casual porque antes de entrar no hospital ela ficou com um homem casado e depois encerrou. Já no hospital, em uma manhã, o namorado veio visitá-la e eles quase tiveram relações sexuais, depois ela terminou com ele. No mesmo dia, de noite, ela beijou um guarda do hospital que gostava dela (Critério 2 e 4). Ela começa a questionar muitas coisas sobre si, embora tenha se identificado com a doença, ela tem dúvidas se é realmente assim, se precisa mesmo estar em um hospital psiquiátrico por ter tentado suicídio e se para se tratar, se quer ir para a casa ou não (Critério 3). São perguntas sem respostas porque nada é esclarecido aos pacientes. É feito o tratamento, é dada a medicação sem um conhecimento prévio por parte dos mesmos. Isso porque ela já era maior de idade e podia estar ciente sobre sua condição psicológica. É visível também que ela tem uma baixa autoestima e se sente vazia (Critério 7). Chega um momento no filme em que Susanna e Lisa fogem do hospital e planejam passar uma noite na casa de Daisy Randone (uma menina que estava internada no hospital, mas saiu e passou a morar sozinha) para depois seguirem viagem. Nessa noite, Lisa e Daisy acabam tendo um desentendimento e Susanna, já estressada, vai no banheiro procurar por Aspirina. Na manhã seguinte, Susanna encontra Daisy enforcada e se desespera enquanto Lisa age friamente. O DSM-5 (página 665) traz a informação de que o sujeito diagnosticado com transtorno pode se sentir mais seguros quando está com um objeto que possa servir de transferência afetiva. No caso do filme isso se aplica ao gato da Daisy que, após seu suicídio, ficou com a Susanna. Acredito que Susanna tinha um diagnóstico diferencial de Transtorno de Borderline depressivo e bipolar, com o foco maior no lado depressivo devido aos fatos mostrados nessa seção.Depois disso, parece que a protagonista acordou para a vida. Voltou para o hospital e seguiu o conselho da enfermeira Valieri, começando a colocar para fora seus sentimentos em forma de escrita (adora escrever), oficina de arte e as três sessões de terapia semanais. Em uma dessas escritas ela diz: “Quando você não quer sentir nada, a morte pode parecer um sonho. Mas ver a morte, vê-la de verdade, mostra como é ridículo sonhar com ela”. Com sua mudança de mente, perspectiva, rotina e consequentemente de vida, Susanna melhorou. Se arrumava melhor, sorria mais, estava sem remédios, dores de cabeça, dormindo melhor e tinha sua doença sob controle. Por isso ela teve alta e no dia em que foi embora até passou pó facial e pintou as unhas de sua amiga Lisa. Isso mostra como a autoestima dela mudou positivamente. Os aspectos psicofarmacológicos notados começaram com o primeiro medicamento que aparece no filme: o Valium. Um Diazepam, do grupo de benzodiazepinas, que tem o objetivo de produzir um efeito calmante. Foi usado 5mg em Susanna, de forma intravenosa, quando ela chegou no hospital depois de ter tentado cometer suicídio ao ingerir um vidro de aspirinas (AAS) junto com um litro de vodca. Devido a intoxicação crônica, ela apresentou alguns dos efeitos colaterais como a sudorese e o vômito. Ainda sendo acolhida pelos médicos, Susanna fala para examinarem a sua “mão porque elas não têm ossos” (um delírio causado pela droga psicoativa) e é então que o médico observa seu pulso todo roxo (veias estouradas) e também desconfia da tentativa de suicídio. Já no hospital psiquiátrico, a enfermeira leva o medicamento Colace para Susanna e ela recusa, porém é obrigada a tomar então, imita Lisa, fingindo que tomou. Não muito tempo depois, Susanna observa Daisy pedindo as enfermeiras o mesmo medicamento e elas negam. A protagonista oferece os dela, mas Lisa se intromete sugerindo uma troca por saber que Daisy tem Valium. Desesperada pelo remédio, Daisy troca e toma o Colace e Lisa toma o Valium. Vale ressaltar que os medicamentos, entregue pelas enfermeiras para as pacientes, não eram de conhecimento das mesmas e elas eram obrigadas a tomar. Apenas era mencionado para que servia como, por exemplo, “é para dormir”. Isso leva a dependência como aconteceu com Daisy Randone. “Relatam Simões e Farache-Filho (1988 apud MONTEIRO 2008, p. 3) que ‘a utilização de fármacos psicoativos, em determinadas situações, é necessária e são eficazes em muitos casos; no entanto, o abuso e a automedicação pela população são questionados’. O uso exacerbado desses medicamentos é um fato na sociedade atual, gerando preocupação entre as autoridades de saúde, pois, é sabido que a utilização prolongada dos psicofármacos, além de efeitos colaterais indesejáveis, provoca dependência química e geram dificuldades quanto ao término do tratamento.” (Nasario e da Silva, 2016). Valium, em sua bula, não recomenda os benzodiazepínicos como tratamento primário de doenças psicóticas. Também não indica seu uso singular para tratar na depressão ou na ansiedade porque, em relação a depressão, pode causar suicídio do sujeito. Levando isso em consideração, talvez a personagem principal não devesse ter tomado uma injeção desse medicamento já que, no hospital psiquiátrico, foi observado nela a Esquizofrenia Indiferenciada. Aspirina é um remédio produzido do Ácido Acetilsalicílico e comumente é utilizado como medicamento em caso de dor, febre e inflamação, devido ao seu inibidor, não- seletivo, da ciclo-oxigenase. Na bula do fármaco está escrita a contraindicação do uso com bebidas alcoólicas porque pode causar um “aumento do dano à mucosa gastrintestinal e prolongamento do tempo de sangramento devido a efeitos aditivos do Ácido Acetilsalicílico e do álcool.” (Site: consulta remédios). Colace é um medicamento que tem por objetivo hidratar as fezes para que a evacuação não seja dolorosa já que alguns remédios, como Valium, podem causar alguns distúrbios gastrointestinais. Não é um estimulante, mas sim um laxante. É composto de Docusato de sódio e não depende de prescrição médica. Foi apresentado ao longo dessa dissertação que a Susanna tinha algumas questões sobre si como onde está e onde quer chegar, o que pode ser uma base suspeita para Borderline. Mas então, todos os que têm essas dúvidas estão doentes? O doutor a encaminha para um hospital psiquiátrico se baseando em uma única sessão afirmando que ela precisava descansar. Não sabia o suficiente sobre ela, nem os seus motivos para cogitar a ideia de suicídio. O filme é uma grande crítica aos diagnósticos e a como as pessoas eram vistas naquela época porque qualquer indivíduo que apresentasse algo que fugisse dos “padrões” era considerado louco. Nem Susanna, nem suas amigas (com exceção de Lisa) precisavam desse tipo de tratamento, não tinham doenças que carregavam a necessidade de estar em um hospital psiquiátrico ao ponto da enfermeira Valerie falar para Susanna que já tinha lidado com muitos pacientes loucos na vida e ela era “uma menininha mimada e preguiçosa que está enlouquecendo a si mesma”. A falta de disponibilidade de conhecimento do hospital para com os pacientes também foi significativa. Elas viviam ali sem saber o que tinham, o que precisavam melhorar, o que tomavam e seus efeitos e objetivos de ação. Apenas tomavam remédio, iam para as terapias e cumpriam com suas obrigações, como robôs. Isso não permitia a evolução cognitiva e saudável das pessoas, nem a independência dos tratamentos farmacêuticos. Diante disso, concluo que o trabalho feito por psicólogos sempre será multidisciplinar. Também se faz necessário projetos de cunho social sejam eles por meio de palestras, debates ou intervenções midiáticas, mas que tenham o objetivo de informar e alertar a sociedade sobre as doenças e como proceder com as mesmas. Sobre os estudos, é de grande importância o conhecimento farmacológico, psicopatológico e o psicossocial para estudar os casos e saber o que fazer e como agir perante eles. Não menos importante, é imprescindível que o profissional tenha um diálogo aberto com o paciente sobre sua doença e sua medicação, como um sinal de respeito e sinceridade, senti muita falta disso no filme. Acredito que esse já possa ser um começo para ajudar a quem precisa. Referências CAMPOS, Leonardo. Crítica | Garota Interrompida. Plano Crítico, 2018. Disponível em: https://www.planocritico.com/critica-garota-interrompida/. Acesso em: 26 de novembro de 2020. Colace. Lucky Vitamim. Disponível em: https://pt.luckyvitamin.com/p-457614-colace- docusate-sodium-stool-softener-100-mg-60-capsules. Acesso em: 25 de novembro de 2020. Garota, Interrompida. Direção: James Mangold. (DE): Columbia Pictures do Brasil, 1999. Garota, Interrompida: uma história sobre transtornos psicológicos e a definição de loucura. SPDM - Associação Paulista Para O Desenvolvimento da Medicina, 2016. Disponível em: https://www.spdm.org.br/imprensa/dica-cultural/item/2365-garota- interrompida-uma-historia-sobre-transtornos-psicologicos-e-a-definicao-de-loucura. Acesso em: 25 de novembro de 2020. MACHADO, Jeferson. Bebidas Alcoólicas x Medicamentos, o que pode acontecer?. Itnet, 2009. Disponível em: http://itnet.com.br/noticia/12365/bebidas-lcoolicas-x- medicamentos-o-que-pode-acontecer. Acesso em: 25 de novembro de 2020. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5. 5. ed. Porto Seguro: Artmed, 2014. MATHIAS, Francielle Tatiana. Bula do Aspirina. Consulta Remédios, 2020. Disponível em: https://www.google.com/amp/s/consultaremedios.com.br/aspirina/bula.amp. Acesso em 25 de novembro de 2020. ______. Bula do Valium. Consulta Remédios, 2019. Disponível em: https://www.google.com/amp/s/consultaremedios.com.br/valium/bula.amp. Acesso em 25 de novembro de 2020. NASARIO, Marcela; SILVA, Milena Mery da. O consumo excessivode medicamentos psicotrópicos na atualidade. UNIEDU, 2016. Disponível em: http://www.uniedu.sed.sc.gov.br/wp-content/uploads/2016/02/Marcela-Nasario.pdf. Acesso em: 25 de novembro de 2020. RIGOLETO, Adriele; FERRAZ, Caroline; SOKEY, Leonardo; PRATES, Natália. Transtorno de Personalidade Boderline. Passei Direto. Disponível em: https://www.passeidireto.com/arquivo/26412557/artigo-transtorno-borderline-compilao- dos-melhores-autores-sobre-o-tema. Acesso em: 25 de novembro de 2020. Valium (comprimido). Minha Vida. Disponível em: https://www.minhavida.com.br/saude/bulas/661-valium-comprimido/reacoes. Acesso em: 25 de novembro de 2020. https://www.spdm.org.br/imprensa/dica-cultural/item/2365-garota-interrompida-uma-historia-sobre-transtornos-psicologicos-e-a-definicao-de-loucura https://www.spdm.org.br/imprensa/dica-cultural/item/2365-garota-interrompida-uma-historia-sobre-transtornos-psicologicos-e-a-definicao-de-loucura
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