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Editora 1ª Edição | Dezembro | 2012 Impressão em São Paulo/SP DEFICIÊNCIA INTELECTUAL Estratégias Educacionais para o Trabalho de Inclusão Regina Bonat Pianovski Catalogação elaborada por Glaucy dos Santos Silva - CRB8/6353 P581d Pianovski, Regina Bonat. Deficiência intelectual. / Regina Bonat Pianovski. – São Paulo : Know How, 2011 000p. : 21 cm. Inclui bibliografia. 1. Deficiência intelectual. 2. Saúde mental. 3. Legislação de direito da educação especial. 4. Inclusão de deficientes intelectual. I. Título. CDD – 371.9 Deficiência Intelectual: Estratégias Educacionais para o Trabalho de Inclusão Coordenação Geral Nelson Boni Coordenação de Projetos Leandro Lousada Coordenadora Pedagógica de Cursos EaD Esp. Maria de Lourdes Araujo Professor Responsável Regina Bonat Pianovski Projeto Gráfico, Diagramação Janine Lopes Capa Vitor Bioni Bertollini Revisão Ortográfica Célia Ferreira Pinto 1a Edição: Dezembro de 2012 Impressão em São Paulo/SP Copyright © EaD KnowHow 2012 Nenhuma parte desta públicação pode ser reproduzida por qualquer meio sem a prévia autorização desta instituição. Apresentação Neste livro, estaremos abordando a Deficiência Intelectual, iniciando com o resgate do processo histórico social que permeou este conceito, as definições e concepções segundo diferentes auto- res. Traremos as classificações da Deficiência Intelectual segundo os principais sistemas de classificação e as Síndromes associadas, destacando suas principais características. Também serão enumera- das as sugestões e orientações de alguns autores (BARTALOTTI, 2006; RAMOS, 2008; HONORA e FRIZANCO 2008). Apresenta- remos na sequência a legislação que garante os direitos e a inclusão das pessoas com deficiência, como também as convenções e outros documentos que marcaram os debates na busca destes direitos; do- cumentos estes que trazem importantes informações para profes- sores e educadores. UNIDADE 1 ► Compreensão histórico-social dos conceitos de deficiência intelectual. UNIDADE 2 ► Definições de deficiência intelectual. UNIDADE 3 ► Fatores de risco pré-natais, fatores de risco perinatais e fatores de risco pós-natais. UNIDADE 4 ► Saúde mental e deficiência intelectual. UNIDADE 5 ► Inclusão da pessoa portadora de deficiência no ensino regular. UNIDADE 6 ► Legislação que assegura os direitos da educação especial. REFERÊNCIAS 45 07 65 83 103 115 143 Sumário 6 Unidade COMPREENSÃO HISTÓRICO-SOCIAL DOS CONCEITOS DE DEFICIÊNCIA INTELECTUAL1 1 Termo utilizado em substituição ao termo Deficiência Mental. 1 9 Caro(a) aluno(a) Para compreendermos a Deficiência Intelectual necessita- mos resgatar o contexto histórico que permeou a construção deste conceito. Neste capítulo, serão apresentadas as várias concepções que se sucederam neste processo histórico-social, a partir das contribuições de autores que se debruçaram sobre o tema, como Telford e Sawrey, Chalub, Assumpção Jr e Sprovieri, Reily, Kirk & Gallagher, Miranda, Sassaki, Aranha, Amaral, Silva e Dessen, entre outros. Objetivos da unidade Ao concluir esta unidade, você deverá ser capaz de: ► Destacar as diferentes concepções relacionadas ao tratamento e abordagem da deficiência na história da humanidade. ► Identificar os principais autores e suas contribuições para o estu- do da Deficiência Intelectual. ► Enumerar os acontecimentos e os autores que marcaram o per- curso da Deficiência Intelectual no Brasil. Conteúdos da unidade ► Concepções de deficiência no decorrer da História da humanidade. ► Contribuições do estudo de diferentes autores para a compreen- são científica da deficiência. ► Deficiência Intelectual no Brasil: principais acontecimentos. 11 1.1. OS ESTUDOS SOBRE A DEFICIÊNCIA INTELECTUAL O termo Deficiência Intelectual foi aprovado em agosto de 2006, na Convenção Internacional de Direitos Humanos das Pesso- as com Deficiência da Organização das Nações Unidas (ONU), em substituição ao termo Deficiência Mental. “Ao falarmos de combater a fragmentação de conceitos (mui- tas vezes contraditórios), falamos de Hidra de Lerna, as muitas cabeças dos labirintos das representações, tantas vezes encobridoras do fenô- meno real.” (Amaral, 1995, p.41). Para compreender as concepções que cercam a Deficiên- cia Intelectual, Amaral, em “Conhecendo a deficiência” (em companhia de Hércules), de 1995, reporta-se à interessante tarefa de unir Ciência e Mito, visto que o percurso ambivalente de exclusão e assistencialis- mo que escreveu a história da pessoa deficiente parece ter sido sem- pre acompanhado de muitos mitos, atuando como barreiras, como obstáculos à sua existência e desenvolvimento. A problemática da diferença, do raro, do incomum, do bizarro, sempre despertou 12 curiosidade, medo e surpresa. Mas, também levou a questionamen- tos, o que deu origem à Ciência, como se sabe. No que diz respeito ao comportamento humano, pode-se dizer que o comportamento da pessoa, dita normal, sempre se explicou por si, enquanto que o comportamento bizarro dos mentalmente enfermos (psicóticos) e dos mentalmente atrasados (deficientes mentais) suscitava dúvidas e exigia explicações. No caso, explicar-se por si significa a improbabi- lidade de causar algum dano ou consequência à sociedade, significa corresponder a um padrão estabelecido pelo grupo social, circuns- tância em que se incluem as expectativas prospectadas para cada um. Significa que os que se afastam deste padrão tendem não apenas a atrair a atenção, mas também a preocupar a opinião pública pelas ameaças que suscitam: a segurança pessoal, o status social das pessoas afetadas, os problemas que trazem às famílias, a outros indivíduos e à sociedade. (TELFORD e SAWREY, 1976) A ideia de limitação, frequentemente associada ao deficiente físico, intelectual ou social, veio constantemente vinculada à ideia de estar à margem, de estar fora do contexto. Ideia esta, particularmen- te, desenvolvida durante e após a Revolução Industrial que trouxe, dentre outras, a consciência do papel social ligado a determinado sta- tus econômico-social. Caracterizado por uma aceleração do proces- so produtivo e consolidação capitalista, este período passou a exigir também, a escolarização dos trabalhadores. Se antes já era conside- rado um infeliz, desafortunado, incapaz, agora, com a importância dada à produtividade, que deve gerar um papel social, a circulação e a distribuição de riquezas, o indivíduo deficiente alcança a categoria de estorvo, por estar fora da produção, devido às suas limitações e não-eficiência. (CHALUB, in TELFORD e SAWREY, 1976). Segundo Chalub (1976), este cenário somente muda quan- do se atenuam as regras do capitalismo vitoriano e as ideias socialis- 13 tas se ampliam, com novas concepções sobre trabalho, sociedade e o homem, atingindo inclusive o excepcional, embora, ainda assim, seja visto como desgraçado. Telford e Sawrey (1976) dizem que a maioria dos progres- sos científicos surgiu da curiosidade originada dos acontecimentos invulgares da vida e das necessidades sociais que deles resultavam, o que também fez surgir linhas significativas de investigação além de questões de interesse público. São exemplos: ► a investigação de Locke sobre as origens e natureza das experi- ências cognitivas; ► as contribuições de Freud sobre a natureza da motivação, sobre a interpretação de sonhos e suas crenças sobre a psicodinâmica do com- portamento cotidiano, a partir de seus estudos sobre a doença mental; ► os primeiros testes de inteligência, inicialmente desenvolvidos para a identificação e classificação de indivíduos intelectualmente excep- cionais – inicialmente os retardados, e depois os superdotados; ► a atenção sobre os problemas de visão e audição, o papel desses sentidos na vida cotidiana, a partir da existência de pessoas cegas e surdas, o que também originou pesquisas, movimentos educativos e programasde bem-estar social, sobre os problemas consequentes da cegueira e da surdez, em nível pessoal, familiar e social. Afirmam os autores que as interpretações místicas e so- brenaturais dos desvios ainda persistiram muito tempo, embora já estivessem aceitas explicações naturalistas dos eventos de compor- tamento, ou seja, embora a mente normal já fosse concebida como anima (entidade, poder ou força material) que controlava o cor- 14 po, a explicação do comportamento e desenvolvimento anormais, ainda, era atribuída a espíritos benignos ou malignos. O homem pré-histórico já praticava a trepanação (abertura de um orifício no crânio), para permitir a saída de espíritos malignos do corpo, o que parece indicar quão antiga era a crença humana na concepção de- monológica da natureza e origem das doenças e porque não, dos desvios mentais. O lento processo histórico, que substitui as expli- cações sobrenaturais pelas naturalistas, ainda presente entre nós, tem nos filósofos e médicos, as figuras mais influentes nesta transi- ção. (TELFORD e SAWREY, 1976) Os filósofos gregos são citados por Telford e Sawrey (1976) como os pioneiros no desenvolvimento de uma concepção naturalista da natureza da mente e seu funcionamento. Aristóteles (384-322 a.C.) já concebia a mente como atributo ou organização da própria matéria, nem acima ou além dela, “uma concepção tão moderna quanto qualquer das formulações que precederam o mo- derno período naturalista.” (TELFORD e SAWREY, 1976, p. 22) Hipócrates (460-375 a.C.) afirmava, segundo os autores, que a epilepsia tinha causa natural, não era divina nem sagrada e que os médicos haviam usado sua suposta divindade como pre- texto para explicar sua inépcia em prestar assistência. Para Galeno (século II a.C.), que localizou as funções psíquicas no cérebro, seu funcionamento e atividades eram determinados pela secura e amo- lecimento dos tecidos nervosos. Tais concepções abriram caminho para a concepção naturalista das origens do comportamento anor- mal. (TELFORD e SAWREY, 1976) 15 “Essa pequena placa de calcário traz a representação de uma pessoa com deficiência física, sua mulher e filho, fazendo uma oferen- da à deusa Astarte, da mitologia fenícia. A imagem indica, segundo os médicos especialistas, que Roma teve poliomielite.” (GUGEL, 2007) A Idade Média, segundo Telford e Sawrey (1976), repre- sentou um período de trevas, reafirmando a crença em poderes invisíveis e situando o homem como vítima atroz. Sintomas psicó- ticos eram ou obra demoníaca ou transes estáticos. Transes estes que indicavam profecias feitas em direção mais divina do que de- moníaca. Todavia, o indivíduo anormal não merecia atitude cristã coerente, era temido e no final da Idade Média, com os horrores da Inquisição, eram repudiados pelas famílias e amigos. Somente no Renascimento registraram-se mudanças de atitu- des relacionadas ao indivíduo anormal. Paracelso (1493-1541) foi um médico que se tornou famoso por um tratado, em que defendia o uso da medicina no tratamento dos comprometimentos mentais, em lugar de exorcismos e magias. Neste período, também apareceu assistência comunitária a deficientes, na Bélgica, assim como uma instituição para o cuidado dos infelizes, mantida por São Vicente de Paulo (1576-1660). Assumpção Jr e Sprovieri (2000) também discorrem sobre 16 a trajetória das concepções de deficiência na História da humani- dade. Afirmam que na Idade Antiga, caracterizada por sociedades menos elaboradas e mais primitivas, o deficiente intelectual era vis- to como um ônus à sociedade, em função da sua necessidade de subsistência. Já, na Idade Média, com a publicação em 1482, do “Malleus Malleficarum”, manual criado por dois dominicanos para diagnosticar bruxas e feiticeiros, muitos deficientes foram conde- nados às fogueiras da Inquisição, porque os sinais de malformação física ou mental eram relacionados com sinais do demônio. Entre- tanto, com o advento do Cristianismo, propõe-se outra forma de ver os deficientes, como aqueles que representavam a inocência e a pureza, pela boca dos quais, Deus falava. Em 1325, frente à necessidade de que o Estado gerenciasse os bens das pessoas com deficiência surgiu a ideia das instituições. Assim, dizem os autores: “Como podemos perceber, ainda que sob a égide da proteção e da bon- dade, a instituição se organiza, e permanece até hoje, como um aparato de controle e de resolução da problemática ocasionada pelo portador de deficiência mental.” (ASSUMPÇÃO JR. e SPROVIERI, 2000, p. 4) Hoje, ainda, existem instituições especializadas, mas muitas foram extintas em função da política de inclusão do deficiente no Imagem da Idade Média. (GUGEL, 2007) 17 ensino regular. Na Renascença e Idade Moderna, a Deficiência Intelectual saiu do território da magia e da religião, adentrando o território da Ciência. A partir desta data, os estudos médicos passaram a procu- rar a localização das causas da deficiência intelectual, nas estruturas cerebrais. Surge a preocupação de estabelecer-se uma relação entre as estruturas cerebrais e o déficit intelectual, passando-se a ver o deficiente não como pessoa, mas como um organismo, “propician- do mais seus mecanismos de exclusão social”. (ASSUMPÇÃO JR. e SPROVIERI, 2000, p. 5) 1.2. PRINCIPAIS CONTEÚDOS PARA O ESTUDO DA DEFICIÊNCIA INTELECTUAL Assumpção e Sprovieri (2000, p. 4-7) referindo-se à Idade Moderna, citam, assim, alguns autores que, segundo eles, apresen- taram contribuições importantes para o estudo da Deficiência Inte- lectual, conforme quadro 1: 18 Jean Itard - Considerado o pai dos estudos sobre deficiência intelectual. Aos 24 anos, médico-chefe do Instituto Imperial dos Surdos-Mudos, desenvolve um projeto educacional com Victor de Aveyron, o menino selvagem, capturado nas florestas, e que havia recebido de Pinel o diagnóstico de “imbecilidade”. A partir das tentativas de reeducação, Vitor apre- senta progressos, justificando a abordagem a partir de uma visão pedagógica. Condilac - completa as ideias de Locke. Foderé Pinel Esquirol Séguin Morell Down Segundo ele, não deve haver máximas so- bre nada; postula que todas as ideias devem nascer das sensações e das operações men- tais, as quais representam as próprias sensa- ções transformadas. Relaciona a deficiência intelectual com o bócio endêmico e o hipotiroidismo. Associa a deficiência intelectual com o as alterações neuropatológicas. Relaciona a deficiência intelectual a carên- cias infantis ou condições pré ou perinatais, diferenciando-a da loucura e das demências. Ao abordar questões teóricas relacionadas à deficiência intelectual e aos distúrbios a ela associados, vincula-a à falência da vontade. Teoria das degenerescências. Em 1888, a descrição da Síndrome de Down, que consistia num conjunto de sinais que, apesar da ausência de uma etiologia de- finida, caracterizava um quadro específico. Fonte: Assumpção e Sprovieri (2000) Locke - filósofo da década de 1700. QUADRO 1: AUTORES E SUA CONTRIBUIçÃO NO ESTUDO DA DEFICIÊNCIA INTELECTUAL Propõe a teoria da tabula rasa, segundo a qual o conceito de mente é compreendido como uma página em branco, passível de ser preenchida a partir dos programas siste- máticos de educação. 19 QUADRO 2: A DEFICIÊNCIA INTELECTUAL NO BRASIL No século XX, segundo Assumpção e Sprovieri (2000, p. 70), os estados modernos passaram a investir seu dinheiro em in- divíduos capazes de produzir. Surgiu a contribuição de Binet, com seu conceito de Idade Mental, propondo a avaliação do desempe- nho médio das crianças e os graus de desvios dessa média. No Brasil, a questão é mais complexa, pois o interesse so- bre o assunto foi mais recente. No quadro 2, destacam-se alguns au- tores, seus estudos e os acontecimentos importantes relacionados à deficiência intelectual, em ordem cronológica, segundo os estudosde Assumpção e Sprovieri (2000, p. 1-11). 1871 - criação de escolas especializa- das em Salvador e no Rio de Janeiro. Começo do século - ainda mostra in- fluência das teorias de degenerescência. 1918 - Surge Ulisses Pernambucano: con- siderado um dos baluartes do estudo da deficiência intelectual no Brasil. 1919 - em São Paulo. Desta forma a loucura nas crianças é ligada à oligofrenia e quadros deliquenciais. Sinais de degeneração ligados a problemá- tica intelectual e conductual, com a possibi- lidade de serem avaliados e prognosticados de maneira científica e médica. Realizou uma série de trabalhos dedicados à criança, contribuindo com propostas pe- dagógicas, e também com a padronização e divulgação de instrumentos de diagnóstico. Criam-se as classes especiais, através do Serviço de Higiene Mental e Saúde Pública. 1921 - Theodora Simon, Arthur Perre- let e Helena Antipoff Helena Antipoff Estes três educadores chegam a Belo Hori- zonte, vindos da Europa, para a Escola de Aperfeiçoamento de Belo Horizonte. Responsável pela estruturação da Socieda- de Pestallozzi e também desenvolveu um modelo pedagógico de atendimento ao de- ficiente intelectual. 20 1.3. O PERCURSO HISTÓRICO-SOCIAL DO TRATAMENTO E ABORDAGEM DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA Em seu trabalho de doutorado, Reily (2009) realizou inte- ressante investigação sobre as concepções de deficiência que vêm se processando historicamente. Comenta a autora que a produção acadêmica brasileira sobre o tema, envolvendo tratamento e educa- ção do deficiente na Europa da Idade Média ao século XVIII, ainda é escassa. Valendo-se, portanto, de uma pesquisa histórica baseada em evidências documentais buscou compreender a multiplicidade de representações de deficiência no decorrer da Idade Média. Por ser esse um período longo na História, cerca de mil anos, diz a auto- ra, foi marcado pela hegemonia cristã, crescimento do catolicismo, mas também por outras religiões monoteístas que habitaram a Pe- nínsula Ibérica, fazendo com que mouros, cristãos e judeus convi- vessem entre encontros e disputas, desde 711 até 1492 d.C. Daí, é de esperar-se muitas trocas culturais, de diversas naturezas. Fonte: Assumpção e Sprovieri (2000) Na década de 1940 - Stanislau Krynski Inicialmente preocupou-se com questões endocrinológicas e psiquiátricas puras, mas na sequência dedicou-se ao estudo da defi- ciência intelectual, junto a Escola Paulista de Medicina, criando a CLIDEME. Na década de 1960 - APAE 1º de julho de 1964 - Stanislau Krynski A APAE originou-se da CLIDEME, que sobe a direção de Stanislau Krynski, tornou- -se o mais importante centro de estudos e pesquisas relativas à deficiência intelectual. Criação da Associação Brasileira de De- ficiência Mental (ABDM), sendo seu pri- meiro presidente. 21 Com tal objetivo, investigou fontes imagéticas primárias, produzidas na Idade Média, considerando iluminuras que retrata- vam pessoas deficientes, pretendendo aprofundar a compreensão de atitudes e concepções da sociedade medieval cristã. Na época, as iluminuras representavam importantes veículos visuais de ideias e concepções sociais e que, associadas aos textos dos manuscritos, auxiliaram a esclarecer as relações entre estas e os princípios cris- tãos dominantes. (REILY, 2009) A autora diz que a análise das representações artísticas da deficiência permite entender os estereótipos da diferença, bem como os mitos que sempre a cercaram, embasados nas premissas judaico-cristãs, signos culturais que perduraram até os dias atuais. Para ela, a importância de conhecer o percurso histórico das ideias sobre deficiência está em poder compreender melhor o lugar do deficiente, na sociedade contemporânea. (REILY, 2009) A partir da pesquisa em bibliotecas europeias e america- nas, a autora informa que as representações encontram-se principal- mente em textos teológicos ou religiosos, além de volumes seculares Imagem de um deficiente visual que pede esmolas, de Jacques-Louis David, Musée des Beaux-Arts, Lille, France. (GUGEL, 2007) 22 e romances. Algumas retratam maneiras de como se devem tratar pessoas vulneráveis, outras revelam ser o deficiente, instrumento do poder de Deus, da fé, através dos milagres de cura. Algumas ilustram textos bíblicos, enquanto que várias retratam cenas de cura. Reily (2009) conclui que a diversidade representativa das iluminuras demonstra: ► a força superior de uns, capazes de operar milagres, sobre outros; ► a desgraça da deficiência, não merecida, que cai sobre uma pessoa; ► múltiplas imagens de bobos, cuja gestualidade, às vezes, eviden- cia desrespeito, contestação, ignorância e heresia, o que se tornou muito perigoso quando da Inquisição; ► figuras próximas à inocência; ► figuras de mendigos, recebendo esmolas, acompanhados de suas tigelas; ► associação frequente da deficiência à miséria, marcando a condi- ção econômica dominante da deficiência no medievo – grande contri- buição do estudo, mostrando pela imagem as dimensões desta condição; ► além de inúmeras imagens de difícil compreensão, que alguns autores referem como possíveis exemplos moralizantes, de como um bom cristão deve agir. Imagem de cura na Idade Média. 23 Assim, os especialistas concordam que diferentes momen- tos na História acompanharam os indivíduos com necessidades especiais. Segundo Miranda (2003), alguns estudiosos da Educa- ção Especial identificaram quatro estágios no desenvolvimento do atendimento às pessoas com deficiências, que resumem essa traje- tória (KIRK e GALLAGHER, 2000; MENDES, 1995; SASSAKI, 1997; ZAVAREZE, 2009): 1. a. Era pré-cristã - fase de negligência marcada pela au- sência de atendimento, abandono, perseguição, eliminação, maus tra- tos, atitudes legitimadas pela sociedade. Por não se saber lidar com corpos diferentes, a alternativa era, muitas vezes a eliminação. Segun- do Gugel (2007), Platão, no livro A República, e Aristóteles, no livro A Política, ao tratar do planejamento das cidades gregas indicavam que fossem eliminadas as pessoas nascidas “disformes”. Tal elimi- nação poderia ser por exposição ou abandono ou, ainda, atiradas do aprisco de uma cadeia de montanhas chamada Taygetos, na Grécia. “Em A Política, Livro VII, Capítulo XIV, 1335 b – Quanto a rejeitar ou criar os recém-nascidos. Aristóteles refere-se à necessidade de haver uma lei segundo a qual nenhuma criança disforme será criada; com vistas a evitar o excesso de crianças, se os costumes das cidades impedem o abandono de recém-nascidos deve haver um dispositivo legal limitando a procriação se alguém tiver um filho contrariamente Aristóteles 24 a tal dispositivo, deverá ser provocado o aborto antes que comecem as sensações e a vida (a legalidade ou ilegalidade do aborto será definida pelo critério de haver ou não sensação e vida).” (GUGEL, 2007, p. 63) “A República, Livro IV, 460 c - Pegarão então os filhos dos homens superiores, e levá-los-ão para o aprisco, para junto de amas que moram à parte num bairro da cidade; os dos homens inferiores, e qual- quer dos outros que seja disforme, escondê-los-ão num lugar interdito e oculto, como convém.” (GUGEL, 2007, p. 63) Platão Músico anão – V Dinastia – Oriental Institute Chicago. 25 “Anões eram empregados em casas de altos funcionários, o que lhes permitia honrarias e funerais dignos. A múmia de Talchos, da época de Saíta (1.150 a 336 a.C.), em exposição no Museu do Cairo, traz indicações de que era uma pessoa importante. Já os papiros con- tendo ensinamentos morais no Antigo Egito, ressaltam a necessidade de se respeitar as pessoas com nanismo e com outras deficiências.” (GUGEL, 2007, p.63) 1. b. Era cristã - fase em que se encontra algum atendi- mento que varia conforme as concepções de caridade ou castigo dominantes na comunidade em que o deficiente se encontra. O cor- po diferente continua a ser rejeitado e o deficienteé percebido como pecaminoso, que justificava ser levado à fogueira da Inquisição. De acordo com Peranzoni e Freitas (2000, p.1), na Roma antiga, as crianças com deficiência ou com malformação, eram abandonadas às margens dos rios, embora alguns dos muitos impe- radores apresentassem algum tipo de deficiência, como Galba, Caio Júlio Cesar, Ápio Cláudio, Nero, Othon. Todavia, tais deficiências “eram escondidas e ignoradas pelo povo, devido ao poder que estes possuíam em suas mãos para governar”. Na antiga Grécia, segundo 26 as autoras, a deficiência era ignorada, vista como ofensa ao povo: ao nascer uma criança com alguma deficiência, cabia a um conselho decidir sobre sua vida ou morte. Contudo, também na Grécia, hou- ve personalidades poderosas portadoras de alguma deficiência. ”Os estudos históricos revelam que havia imperadores roma- nos com deficiência, principalmente malformação nos pés. São os casos de Galba (Servius Sulpicius Galba, 3 a.C. a 69 d.C.) e Othon (Marcus Silvius Othon, de 32 a 69 d.C.).” (GUGEL, 2007) 2. Séculos XVIII e meados do século XIX - fase de ins- titucionalização, marcada pela segregação e proteção dos indivídu- os que apresentavam deficiência, em instituições residenciais. Este segundo estágio começa na Alemanha e expande-se para a França. No Brasil, ocorre no século XVIII e permanece até meados do sé- culo XIX. As instituições serviam de depósito para os deficientes, pois o objetivo era a segregação. Embora tenham sido criados no Brasil dois institutos, um para meninos cegos e outro para surdos- -mudos, as condições de atendimento eram muito limitadas. 27 Por volta do século XVIII, surgem as primeiras explicações naturalistas para o comportamento das pessoas deficientes, motiva- das por estudos médicos que identificaram lesões e disfunções no organismo, de modo que as pessoas deficientes tornaram-se objeto e clientela de estudo. O atendimento às necessidades básicas de saú- de, com a oferta de tratamento médico, dava continuidade à segre- gação, sendo que as pessoas deficientes eram enviadas aos asilos e hospitais, pois até o início do século XIX, a concepção dominante de deficiência associava-se à incapacidade, inutilidade e dependên- cia. De acordo com Pessotti: [...] “o desenvolvimento da Ciência permite questionar os dogmas re- ligiosos e começam a surgir estudos mais sistemáticos na área médica visando explicar tais comportamentos.” (PESSOTTI, 1984, p.72) 28 3. Século XIX e meados do século XX - fase de desen- volvimento de escolas e/ou classes especiais em escolas públicas, com o objetivo de oferecer educação diferenciada e também elimi- nar asilos e manicômios, e portanto, a segregação, evitando gastos do governo na sua manutenção. No Brasil, a partir da década de 1950, expandiram-se as classes especiais em escolas públicas e priva- das, sem fins lucrativos, isentando o governo de atendimento e as- sistência aos deficientes. Contudo, em 1957, criou-se uma campanha para educação de surdos, com investimento governamental. Kazar (1998) afirma que, ainda hoje, impera o pensamento liberal que isen- ta o governo desta obrigatoriedade, reforçando a ideia da criação de associações para o cuidado de deficientes. (ZAVAREZE, 2009) Vale ressaltar que a II Guerra Mundial assinalou a pri- mordial necessidade de retomada dos valores humanos, o que foi sistematizado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, e que favoreceu desdobramentos mais tarde, como a Decla- ração dos Direitos das Pessoas Deficientes, de 1975 e a Declaração de Salamanca de Princípios, Política e Prática para as Necessidades Educacionais Especiais e Linha de Ação, de 1994. O cogumelo atômico após o lançamento da bomba do avião do Enola Gay. (GUGEL, 2007) 29 Sekkel (2005) cita Sánchez (2003) e Stainback (1999) que falam sobre o início do movimento de integração das pessoas de- ficientes nos anos 50, a partir da iniciativa de pais de deficientes nos EUA. A concepção de que a inteligência não é fixa e inata e sofre influências do ambiente para seu desenvolvimento, favoreceu tal iniciativa. Antes disso, dominavam as teorias raciais buscando afirmar a superioridade da raça branca, a partir do conceito de in- teligência. A autora diz que pela primeira vez, sugeriu-se que os defensores das diferenças raciais manifestavam preconceitos. ”O 32.º Presidente dos Estados Unidos, Franklin Delano Roosevelt, em 1933, com o programa político New Deal, atrelado a as- sistência social, ajudou a minimizar os efeitos da Depressão. Roosevelt que era paraplégico, embora não gostasse de ser fotografado em sua cadeira de rodas, contribuiu para uma nova visão da sociedade ameri- cana e mundial de que a pessoa com deficiência, com boas condições de reabilitação, pode ter independência pessoal. Ele foi um exemplo seguido por muitos americanos com deficiência que buscavam vida in- dependente e trabalho remunerado.” (GUGEL, 2007) 30 4. Final do século XX e por volta da década de 1990 - fase de integração, consequente ao aparecimento de um movimento de integração social visava ao máximo de aproximação possível dos indivíduos com deficiência, aos ambientes escolares frequentados pelas pessoas normais. Tal concepção fundava-se no princípio de educar a criança até o limite de sua capacidade. Miranda (2003) cita Mendes (1995) ao afirmar que esse princípio origina-se do movi- mento filosófico posterior à Revolução Francesa e que defende as possibilidades ilimitadas do indivíduo, acreditando que a educação pode fazer grande diferença no desenvolvimento e na vida das pes- soas. Assim, o conceito de educabilidade do potencial do ser hu- mano passou a ser aplicado também à educação das pessoas que apresentavam deficiência intelectual. (MIRANDA, 2003). Essa inte- gração do deficiente aos bancos escolares até o esgotamento da sua capacidade de compreensão objetiva também seu encaminhamen- to a trabalhos específicos. Segundo Zavareze (2009) nessa quarta fase, surge o termo inclusão, cujos defensores apoiam-se na ideia de oferecer ambiente favorável ao aprendizado das pessoas deficientes, bem como favorecer seu desenvolvimento biopsicossocial e a rela- ção professor-aluno especial-escola-colegas, diminuindo diferenças. O movimento de integração social das pessoas deficientes, no Brasil, cresceu na década de 1970, sendo que as ações orientadas à educa- ção inclusiva firmaram-se a partir da década de 1990. Neste ano, na conferência mundial da UNESCO, o Brasil optou pela construção de um sistema educacional inclusivo e, em 1994, reafirmou tal com- promisso tornando-se signatário da Declaração de Salamanca. Já, Moura (2009) diz que a Deficiência Intelectual pode ser compreendida em quatro períodos distintos da história, assim defini- dos: Separação, Proteção, Emancipação e Integração, entendendo por: 31 ► Separação - fase que se refere aos tempos primitivos, em que os indivíduos acometidos eram abolidos ou eliminados. ► Proteção - fase que não passou de tentativa de proteger pessoas deficientes, que permaneciam com direitos não reconhecidos pela sociedade. ► Emancipação - fase posterior à Revolução Industrial e decor- rente do desenvolvimento de várias disciplinas científicas, que fa- voreceu o reconhecimento dos direitos das pessoas deficientes e da possibilidade de serem úteis e produtivas à sociedade. ► Integração - fase que vigora atualmente, preocupada com os direitos da pessoa deficiente, suas necessidades individuais e seu di- reito ao trabalho. Sassaki (2005) resume a percepção sobre as pessoas defi- cientes dizendo que até o século XX, essas eram vistas como inváli- das, sem valor para a sociedade e para a família, e que a evolução só aconteceu após o século XIX, até a década de 1960, quando passa- ram a ser vistas como incapacitadas. No decorrer da época, passou- -se a considerar as capacidades residuais,ou seja, existia na deficiên- cia uma capacidade, porém, limitada, o que, por sua, vez, limitava a pessoa em todos os seus aspectos. Zavareze (2009) diz que da década de 1960 à década de 1980 surgiram várias denominações para evidenciar a diversidade destas pessoas, tais como: defeituosas, deficientes, excepcionais, buscando fugir do foco do que a pessoa não conseguia fazer. Do final da década de 1980 até o início da década de 1990, o termo utilizado foi “pessoa portadora de deficiência”, agregando um valor à pessoa, e posterior- mente, o termo deficiência foi substituído por necessidade, o qual, 32 todavia, também foi eliminado. A autora diz que hoje o termo utiliza- do é “pessoa com deficiência”, termo que contribui para aumentar a autonomia na tomada de decisões e favorece a inclusão. No Brasil, as entidades filantrópicas assistenciais dirigidas às populações carentes foram pioneiras no atendimento educacional à pessoa deficiente, ao lado das quais apareceram clínicas e escolas privadas. O modelo médico que associa a deficiência a um proble- ma do indivíduo, que deve se adaptar à sociedade ou reabilitado por profissionais, parece ser um dos grandes responsáveis pelas dificul- dades de sua inclusão e aceitação na sociedade. Por muito tempo, tais pessoas foram vistas pelo aspecto médico e não pedagógico, pois a escola preconiza a inclusão, o trabalho com as capacidades e habili- dades das pessoas deficientes. (PERANZONI e FREITAS, 2000) Kirk e Gallagher (2000) afirmam que atualmente, os centros e organizações americanas especializados na educação de crianças com deficiência sofreram influências de ideias e conceitos de pioneiros, do final do século XIX e começo do século XX. E assim, realizam um quadro que demonstra as principais ideias e seus idealizadores: QUADRO 3: PRINCIPAIS IDEALIzADORES E SUAS IDEIAS Idealizador Nacionalidade Ideia principalData Jean Marc Gaspard Itard Samuel Gridley Howe Pode-se usar a pesquisa sobre um único assunto para desenvolver mé- todos de treinamento para o defi- ciente intelectual. As crianças deficientes são capazes de aprender e deveriam contar com uma educação organizada, e não somente receber cuidados por caridade. 1775 1838 1801 1876 Francês Americano 33 Edward Seguin Francis Galton Alfred Binet Louis Braille As crianças deficientes são capazes de aprender, quando ensinadas através de exercícios sensório-motores específicos. Os gênios tendem a aparecer em fa- mílias e as suas origens podem ser determinadas. A inteligência pode ser medida e melhorada através da educação. As crianças cegas são capazes de aprender através de um sistema alter- nativo de comunicação baseado num código com pontinhos em relevo. 1812 1880 1822 1911 1857 1911 1809 1852 Francês Francês Francês Inglês Thomas Hopkins Gallaudet Alexander Graham Bell Maria Montessori Anna Freud Lewis Terman Alfred Strauss As crianças surdas são capazes de aprender a se comunicar soletrando e fazendo gestos com os dedos. As crianças deficientes auditivas con- seguem aprender a falar e a usar a sua audição limitada se esta for ampliada. As crianças conseguem aprender desde muito cedo, utilizando expe- riências concretas planejadas a partir de materiais especiais de instrução. As técnicas de Psicanálise podem ser aplicadas às crianças para ajudá-las nos seus problemas emocionais. Os testes de inteligência podem ser utilizados para identificar crianças su- perdotadas que tendem a manter esta superioridade durante toda a vida. Algumas crianças mostram padrões singulares de distúrbios de aprendi- zagem, que requerem treinamento especial e que são provavelmente causados por lesão cerebral. 1787 1851 1847 1922 1870 1952 1870 1952 1877 1956 1897 1957 Americano Americano Italiano Austríaca Americano Alemão Fonte: Kirk e Gallagher (2000) 34 Como se pode verificar neste quadro, tanto Kirk e Galla- gher (2000) quanto Assumpção e Sprovieri (2000), já apresentados no início deste capítulo, além de outros estudiosos, coincidem em muitos pontos ao relacionar os pioneiros idealizadores que contri- buíram para o desenvolvimento das diversas concepções de Defici- ência Intelectual. Para fins didáticos, destacam-se alguns deles: ► Thomas Willis (1621-1675) inaugurou a visão organicista da Deficiência Intelectual, localizando o cérebro como sede da enfer- midade. Tal foi o início da redenção humanista da pessoa deficiente. Acrescentou-se causas ambientais às causas orgânicas, como foi o caso da malária. ► O médico Jean Marc Itard (1774-1838), reconhecido como o primeiro estudioso a desenvolver métodos para educar uma criança de doze anos de idade, chamada Vitor, o “Selvagem de Aveyron”, dando início à concepção de que a insuficiência cultural determina o déficit mental. No início do século XIX, sistematizou métodos para o ensino de deficientes, acreditando que a inteligência de seu aluno era educável, embora tivesse recebido diagnóstico de idiotia. ► Outro médico da época, Edward Seguin (1812-1880), sob a influência de Itard, desenvolveu um método fisiológico de treina- mento, que consistia em estimular o cérebro por meio de atividades físicas e sensoriais. Todavia, os estudos teóricos sobre o conceito de idiotia e desenvolvimento de métodos educacionais, não restrin- giam seus interesses. Desenvolveu também, serviços como a fun- dação de uma escola para idiotas, em 1837, sendo o primeiro presi- dente de uma organização profissional, que atualmente é conhecida como Associação Americana sobre Retardamento Mental (AAMR). 35 ► A educadora Maria Montessori (1870-1956), também sob a influência de Itard, trouxe importante contribuição para a evolu- ção da Educação Especial, sendo que suas técnicas foram aplicadas em vários países da Europa e Ásia. Desenvolveu um programa de treinamento para crianças deficientes intelectuais, baseado no uso sistemático e manipulatório de objetos concretos. Miranda (2003) informa que as metodologias empregadas por tais estudiosos direcionavam-se aos que eram denominados idiotas e se encontravam institucionalizados. Afirma a autora que, para Seguin, o idiota padrão é o ser que nada sabe, nada pode e nada quer. As tentativas de educabilidade visavam à cura ou a eliminação da deficiência através da educação. Telford e Sawrey (1976) salientam que em 1792, Pinel marcou o início de uma atitude esclarecida em relação aos doentes mentais, ao retirar os grilhões que os amarravam e que em 1837, fundou-se a primeira escola bem sucedida para o tratamento de deficientes intelectuais. Assim, demarcou-se a diferença entre a do- ença mental e a deficiência mental, e seus respectivos tratamentos. Pinel libertando doentes mentais de seus grilhões. (GUGEL, 2007) 36 Mesmo havendo substituído a explicação sobrenatural pela naturalista, persistiu o problema da natureza da pessoa intelectual, estabelecendo-se concepções qualitativas e quantitativas das diferen- ças. Na concepção qualitativa, o entendimento sobre tais indivíduos concentrava-se nas categorias ou classes distintas das pessoas, suge- rindo a existência de um ramo da Psicologia, capaz de fornecer expli- cações sobre esses tipos anormais. Segundo Telford e Sawrey (1976): “A tendência geral do pensamento, nos últimos cem anos, tem sido para se afastar das concepções qualitativas e no sentido de um quadro de referência quantitativo. Contudo, ainda há muitas questões sem respostas a respeito da natureza fundamental das diferenças entre o excepcional e o normal.” (TELFORD e SAWREY, 1976, p. 24). Já, a concepção quantitativa, conforme dizem os autores, pontua que as diferenças entre os grupos anormais e normais são apenas diferenças degrau e não de espécie: “Assim, os processos perceptivos, conceptuais, ideacionais e de aprendizagem de todas as pessoas – sejam normais ou não – são fundamentalmente idênticos. Todos nós aprendemos, retemos, recorda- mos, percebemos, pensamos e fazemos ajustamentos pessoais e sociais de acordo com os mesmos princípios e padrões gerais, mas, alguns de nós fazemos essas coisas mais depressa, melhor, mais apuradamente ou mais apropriadamente do que outros. Em sua forma extrema, a concep- ção quantitativa do mentalmente retardado é que este é intelectualmente inferior ao normal em quantidades determinadas, tal como podem ser rudimentarmente indicadas pelo desempenho de testes, rendimento es- colar e competência social.” (TELFORD e SAWREY, 1976, p.25). 37 Para Telford e Sawrey (1976) a personalidade, caráter, ca- racterísticas físicas e sociais dos indivíduos intelectualmente defi- cientes são normais, ou ainda, os desvios desses aspectos não fazem parte de suas deficiências intelectuais. Atribuem às influências so- ciais a responsabilidade pela padronização de traços que caracteri- zam as pessoas com deficiência e dizem que tal concepção apre- senta provas crescentes, mesmo sabendo-se que existem relações importantes entre os desvios orgânicos e intelectuais. Assim, ressal- tam a concepção de que os valores sociais e o ajustamento pessoal, as origens sociais dos padrões de comportamento anormal são de importância extrema: “O argumento é que, embora as diferenças inerentes entre as pessoas normais e as várias categorias de pessoas excepcionais possam estar grandemente confinadas à área de excepcionalidade das segundas, essas diferenças se alastram, invariavelmente, a outras áreas em resulta- dos da aprendizagem social.” (TELFORD e SAWREY, 1976, p.26) Em seu trabalho Deficiência Mental e Família: Implicações para o desenvolvimento da criança, Silva e Dessen (2001) destacam a proposta de análise histórico-crítica do conceito de deficiência de Aranha (1991, 1995), que ressalta a importância da ideologia do sistema sócio-eco- nômico capitalista, sobre a construção da deficiência. Associada à improdutividade, incapacidade, fraqueza, os indivíduos deficientes são vistos como desviantes por não se enquadrarem nos moldes ca- pitalistas, o que leva à desvalorização e estigmatização social. Por- tanto, tal ideia evidencia e afirma a construção social da deficiência multideterminada por fatores da sociedade em que se encontra. Ao abordar a questão do desvio, as autoras afirmam a im- 38 portância de salientar que a noção de deficiência intelectual está im- pregnada da posição de desviante, que tem relação com as práticas de tratamento dirigidas a essas pessoas e com a rejeição social que exprime a fragilidade para lidar com a diferença. Isso gera o precon- ceito, ou seja, aversão ao diferente, não visto como fazendo parte da essência humana. Acrescentam que para Biklen e Duchan (1994) a concepção de comportamento desviante origina-se da concepção médica de deficiência mental que classifica os indivíduos em cate- gorias diagnósticas baseadas em seus sintomas e na estrutura psico- lógica que presume que o comportamento reflete habilidades fixas. (BIKLEN e DUCHAN, 1994, p.173 apud SILVA e DESSEN, 2001) Silva e Dessen (2001) também argumentam que o rótulo de deficiente intelectual apresenta dupla função, qual seja: determinar como o deficiente vai comportar-se na sociedade e como será a con- duta dos outros na interação com ele. Dizem que este entendimento reafirma a construção social do conceito de deficiência. As autoras dizem que apesar de grande parte dos registros de deficiência intelectual não possuir causa conhecida, a concepção orgânica ainda prevalece nas instituições, apresentando-se como en- foque central no tratamento e manejo das pessoas deficientes inte- lectuais. E falam sobre a concepção adotada hoje no Brasil, embora reconheçam que a deficiência intelectual continua sendo vista como estando dentro do indivíduo, descontextualizada e sem nexo social: “Diante desse contexto, o Ministério da Educação do Brasil (MEC) adotou um enfoque multidimensional para a caracterização da DM, inspirado no modelo proposto pela Associação Americana de De- ficiência Mental (AAMR), incluindo a função intelectual e as habilidades adaptativas, a função psicológico-emocional, as funções física e etiológica e o contexto ambiental (MEC, 1995a). Este modelo enfatiza a funciona- 39 lidade do sujeito e o aspecto orgânico da deficiência, o que não deixa de estar coerente com as concepções que prevalecem na nossa sociedade, as quais refletem os valores estabelecidos pelo sistema vigente, conforme ressaltado por Aranha (1991,1995).” (SILVA e DESSEN, 2001, p.5) Pode-se dizer que nos dias atuais há uma multiplicidade de concepções associadas ao conceito de deficiência intelectual, que, no entanto, parece não delimitar claramente o fenômeno, confor- me afirmam Silva e Dessen (2001). Na concepção contemporânea de deficiência não é possível deixar de considerar a importância do contexto social, da dinâmica e funcionamento de famílias com crianças deficientes sendo que a compreensão desses fatores e suas inter-relações constituem a base da saúde e bem-estar destas crian- ças e suas famílias, lembram as autoras. Muitos são os fatores que afetam o desenvolvimento in- fantil: fatores macrossistêmicos (renda familiar, grau de instrução dos pais, profissão) e microssistêmicos (qualidade das interações e relações entre os membros da família e pessoas próximas), e que estão associados no desenvolvimento da criança. O conceito con- temporâneo de deficiência deve estar consistente à ideia de que a criança deficiente não está imune às muitas transformações de seu ambiente, familiar e social, embora suas capacidades apresentem-se limitadas. (TELFORD e SAWREY, 1976) O século XX deu maior abertura à problemática e à con- cepção da Deficiência Intelectual, pela promoção de estudos epide- miológicos e debates mais consistentes. Concepções que apontam a coexistência do comportamento desadaptado e da subnormalida- de intelectual, parecem unânimes na comunidade científica atual. (MOURA, 2009) 40 A Organização Mundial da Saúde (OMS, 2003) definiu a Deficiência Intelectual como um déficit acentuado na aprendizagem e adaptação do sujeito à sociedade. Sadock e Sadock (2008) afirmam que a deficiência intelectual não é uma doença, mas o resultado de um processo patológico que se desencadeia no cérebro e se carac- teriza por ser adaptativa. A Convenção da Guatemala de 2001 de- finiu a deficiência como “uma restrição física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social.” (MOURA, 2009) Não se pode deixar de mencionar, também, a forte influ- ência que exercem, mesmo nos dias de hoje, os vários mitos que fizeram parte da história da deficiência, ainda presentes, paralisan- tes, contagiantes e generalizantes, sob a forma de preconceitos que orientam atitudes e estereótipos frente à pessoa deficiente. Sekkel (2005), apoiando-se em Crochík (1995) e Amaral (1992), diz que o preconceito não é manifestação isolada do indi- víduo, mas um fenômeno psíquico e social, um pré-julgamento, an- terior à experiência e à reflexão, capaz de criar no indivíduo uma predisposição para a ação, uma atitude favorável ou desfavorável, em relação a determinados grupos, pessoas ou fenômenos. Diz a autora: “O preconceito manifesta-se no indivíduo e tem relação com suas necessidades internas, mas o fato de ele não ser inato nos leva a refletir sobre o desenvolvimento do indivíduo em seu processo de so- cialização e, assim, sobre as determinações presentes na cultura e na so- ciedade. Para a compreensão do preconceito é necessáriopercebê-lo em conjunto com a ideologia e com a constituição da personalidade (Cro- chík, 1995). A superação de preconceitos é algo que demanda investi- 41 mento por parte de todos os envolvidos nos processos de inclusão, pro- movendo mudanças na cultura institucional e na subjetividade de seus protagonistas. Assim, a inclusão resulta em transformações nas relações em todos os níveis.” (SEKKEL, 2005, p.4) Peranzoni e Freitas (2000) afirmam que mesmo a escola que deveria ser um locus privilegiado de ruptura com mitos e ta- bus sobre a deficiência, encontra-se permeada de preconceitos que afetam a individualidade e a personalidade das pessoas deficientes, assim como suas famílias. Dizem que cada época, segundo seus costumes e valores, ditou um tipo de preconceito aos deficientes, frequentemente associado à segregação, privação de convívio com grupos e, portanto exclusão devida a suas limitações e diferenças. E concluem, apresentando a citação de Collares e Moysés (1996): “Se, porém, pretendemos ser agentes efetivos de transforma- ção social, sujeitos da história, fica o desafio de sermos capazes de nos infiltrar na vida cotidiana, quebrar seu sistema de preconceitos e retomar a cotidianidade em outra direção.” (COLLARES e MOYSÉS, 1996, p. 260, apud PERANZONI e FREITAS, 2000) Assim, a importância de se conhecer as diversas concep- ções que vêm sucedendo-se no processo histórico-social da defi- ciência, reflete-se na necessidade, no compromisso e no desafio de romper com as heranças do passado, como tarefa da contempora- neidade, no sentido de firmar-se uma sociedade inclusiva, que de acesso a todos, respeitando seus limites e diferenças. 43 Síntese da Unidade Este capítulo trouxe um resgate histórico da construção do conceito de Deficiência Intelectual destacando as diferentes concepções teóricas. Abordou o tratamento destinado às pessoas com deficiência, desde Hipócrates até os dias de hoje. Enumerou as contribuições de vários autores na busca do entendimento da deficiência e, também, destacou os caminhos da deficiência inte- lectual no Brasil. Exercícios Propostos ► Faça uma tabela relacionando a época, concepção teórica e forma de tratamento destinado a pessoa com deficiência. ► Selecione dois autores que contribuíram no estudo da deficiência intelectual e realize uma pesquisa sobre suas vidas e obras. 44 DEFINIçÕES DE DEFICIÊNCIA INTELECTUAL Unidade2 47 Caro(a) aluno(a) Iniciaremos esta unidade destacando algumas definições de Deficiência Intelectual, segundo vários autores, evidenciando as alterações que tal definição assumiu com a evolução dos estudos desenvolvidos. Também apresentaremos a Deficiência Intelectu- al segundo os diferentes sistemas de classificação, o conceito de inteligência e as dimensões a serem consideradas na avaliação da Deficiência Intelectual, segundo a AAMR (American Association on Mental Retardation). Objetivos da unidade No final desta unidade, você deverá ser capaz de: ► Definir Deficiência Intelectual. ► Reconhecer as classificações de Deficiência Intelectual segundo os principais sistemas de classificação. ► Destacar as dimensões implicadas na avaliação da Deficiência Intelectual. Conteúdos da unidade ► Definições de Deficiência Intelectual segundo a AAMR (American Association on Mental Retardation). ► Dimensões da Deficiência Intelectual ► Principais sistemas de classificação da Deficiência Intelectual. 49 2.1. DEFINIçÃO DE DEFICIÊNCIA INTELECTUAL A definição de Deficiência Intelectual sofreu alterações, desde 1908 com Tredgold até a décima definição atual da AAMR (American Association on Mental Retardation). QUADRO 1: PRINCIPAIS IDEALIzADORES E SUAS IDEIAS 1ª: Tredgold, 1908 2ª: Tredgold, 1937 3ª: Doll, 1941 4ª: Doll, 1941 5ª: AMMR - Heber, 1959 Um estado de deficiência intelectual de nascença ou a partir de tenra idade, devido a desenvolvimento cere- bral incompleto, em consequência do qual a pessoa afe- tada é incapaz de realizar seus deveres como membro da sociedade na posição da vida para a qual ela nasceu. Um estado de desenvolvimento intelectual incomple- to de um tipo e grau que o indivíduo é incapaz de se adaptar ao ambiente normal de seus companheiros, de maneira a conseguir levar sua vida independentemente de supervisão, controle ou apoio externo. Um estado de incompetência social obtido na maturida- de, ou provável de se obter na maturidade, resultante de uma parada no desenvolvimento de origem constitucio- nal (hereditária ou adquirida); a condição é incurável atra- vés de tratamento e irremediável através de treinamento. O autor destaca alguns critérios para uma adequada de- finição: incompetência social, devido à subnormalidade intelectual, a uma paralisação no desenvolvimento obti- da na maturidade, de origem constitucional e incurável. A deficiência intelectual refere-se a um funcionamento intelectual geral abaixo da média que se origina durante o período de desenvolvimento, associado a uma defici- ência em alguma destas áreas: amadurecimento, apren- dizagem e ajustamento. 50 6ª: AMMR Heber, 1961 7ª: AMMR Grossman, 1973 8ª: AMMR Grossman, 1983 9ª: AMMR Luckasson et al, 1992 10ª: AMMR Luckasson et al, 2002 Refere-se a um funcionamento intelectual geral abaixo da média que se origina durante o desenvolvimento as- sociado com deficiência no comportamento adaptativo. Refere-se a um funcionamento intelectual geral sig- nificativamente abaixo da média, existente ao mesmo tempo com déficits no comportamento adaptativo e manifestado durante o desenvolvimento. Refere-se ao funcionamento geral significativamente abaixo da média, resultando em ou associado a defici- ências concomitantes no comportamento adaptativo e manifestado durante a fase de desenvolvimento. A deficiência intelectual refere-se a limitações substanciais no funcionamento atual. É caracterizado por um funcio- namento intelectual significativamente abaixo da média, existente ao mesmo tempo com limitações relacionadas em duas ou mais das seguintes áreas: de habilidades adap- tativas, comunicação, autocuidado, vida doméstica, habi- lidades sociais, uso da comunidade, autodirecionamento, aprendizagem funcional, lazer e trabalho. A deficiência mental é uma incapacidade caracterizada por importantes limitações, tanto no funcionamento in- telectual quanto no comportamento adaptativo, expresso nas habilidades adaptativas conceituais, sociais e práticas. Essa incapacidade tem início antes dos 18 anos. Fonte: (AAMR, 2006, pp.33-34). Esta associação foi fundada em 1876, e tem como objetivo conduzir a Deficiência Intelectual ao entendimento, formulando e disseminando materiais e informações sobre a terminologia e classifi- cação. Segue abaixo as dez definições destacadas por esta associação. 51 2.2. DIMENSÕES DA DEFICIÊNCIA INTELECTUAL 2.2.1. Inteligência Para entendermos a deficiência mental teremos que recorrer aos vários aspectos que a compõem. Optou-se por iniciar pelo conceito de in- teligência, a partir de Kanner (1972), citado por Assumpção Jr. e Sprovieri (2000, p. 12-13), conforme quadro 3. QUADRO 2: CONCEITOS DE INTELIGÊNCIA CITADOS POR KANNER 1914 - Stern Capacidade do organismo para adaptar-se conveniente- mente a situações novas. 1916 - Binet 1917 - Wells 1921 - Thorndike 1943 - Stoddar 1945 - Goddard Conjunto de processos de pensamento que constituem a adaptação mental. Propriedade de combinar de outro modo as normas de conduta para poder atuar melhor em situações novas. Faculdade de produzir reações satisfatórias sob o ponto de vista da verdade ou da realidade. Capacidade de realizar atividades caracterizadas por se- rem: difíceis, complexas, abstratas, econômicas, adaptá- veis a certo objetivo, de valor social, carentes de mode- los, e para mantê-las nas circunstâncias que requeiram concentração de energias e resistência àsforças afetivas. O grau de eficácia que tem nossa experiência para solu- cionar nossos problemas presentes e prevenir futuros. 1945 - Jaspers O total de todos os dons mentais, talentos e perícias úteis nas adaptações às tarefas da vida. Fonte: (ASSUMPÇÃO JR. e SPROVIERI, 2000). Também destacamos os conceitos abordados por Bayley (1976), citados por Assumpção Jr. e Sprovieri (2000, p. 13), confor- me quadro 4: 52 QUADRO 3: CONCEITOS DE INTELIGÊNCIA CITADOS POR BAyLEy 1958 - Weschler A capacidade agregada ou global para agir intencional- mente, para pensar racionalmente e para lidar de modo eficaz com o meio ambiente. Acumulação de fatos e habilidades aprendidos. O po- tencial intelectual inato consiste na tendência para en- gajar-se em atividades que conduzem à aprendizagem, mais do que as capacidades hereditárias, como tais. 1962 - Hayes Fonte: (ASSUMPÇÃO JR. e SPROVIERI, 2000). 2.2.2. Dimensões da Deficiência Intelectual segundo a AAMR 1. Habilidades intelectuais: a inteligência não se refere sim- plesmente a um conceito teórico, mas implica numa capacidade mais am- pla quanto à compreensão do mundo representa. [...] “uma tentativa de esclarecer, organizar e explicar o fato de que os indivíduos diferem em sua competência para entender ideias complexas, para adaptar-se efetivamente ao seu ambiente, aprender pela experiência, envolver-se em várias formas de raciocínio, superar obstáculos pensando e se comunicando.” (NEISSER et. al. citado por AAMR, 2006, p. 49). O diagnóstico de Deficiência Intelectual depende da avalia- ção do funcionamento intelectual de um indivíduo. Porém, de acordo com a AAMR (2006, p.50) deve-se observar algumas implicações da inteligência frente à multidimensional idade da Deficiência Intelectual: 53 ► considerar as limitações da inteligência frente a quatro dimen- sões: comportamento adaptativo, participação, interações e papéis sociais, e contexto. ► “A mensuração da Inteligência pode ter relevância diferente, dependendo do modo como ela estiver sendo considerada, se para propósitos diagnósticos ou de classificação.” (AAMR, 2006, p. 50) ► as pontuações de QI, embora longe da perfeição, ainda são, se- gundo a AAMR, a melhor forma de representar o desempenho da inteligência. A avaliação da inteligência depende de um profissional especializado, com experiência no contato com pessoas com De- ficiência Intelectual, e em alguns casos requer uma equipe multi- disciplinar. Esta avaliação, que deve levar em conta as dimensões propostas pela AAMR, deve ser determinada em função da origem social, linguística e cultural do indivíduo. É necessário que se façam as adaptações necessárias frente a alguma limitação do sujeito. 2. Comportamento adaptativo: depende da reunião de habilidades conceituais, sociais e práticas, aprendidas no dia a dia. Dentre as habilidades conceituais pode-se destacar: linguagem, lei- tura e escrita, conceitos de dinheiro e autodirecionamento. Quanto às habilidades sociais: relações interpessoais, responsabilidade, auto- estima, credibilidade, ingenuidade, obediência a regras e leis, e evi- tar a vitimização. As habilidades práticas englobam: atividades de vida diária (comer, mobilidade, usar o banheiro, vestir-se), ativida- des instrumentais de vida diária (preparar refeições, cuidar da casa, transportar-se, tomar remédios, lidar com dinheiro, usar o telefone), habilidades ocupacionais e a manutenção dos ambientes seguros. 54 As limitações no comportamento adaptativo afetam a vida di- ária no que se refere a competências para reagir a mudanças e também frente às exigências do ambiente. Estas limitações devem ser considera- das à luz das outras quatro dimensões. 3. Participação, interações e papéis sociais: a participação refere-se ao envolvimento do indivíduo nas atividades cotidianas, bem como na execução de tarefas implicadas neste contexto. A ausência da participação e das interações, isto é, a falta de engajamento do indivíduo no seu ambiente representa um obstáculo a disponibilidade e acessibi- lidade dos recursos, acomodações e ou serviços, bem como limitam o cumprimento de papéis sociais. A inserção do indivíduo em ambientes positivos, isto é, em lugares onde possa conviver com pessoas da mesma faixa etária, representam a possibilidade de assumir papéis, participar e interagir com o outro. A participação e as interações implicam o envolvimento nas atividades cotidianas. “O foco central das observações diretas é a interação do indivíduo com seus mundos material e social”. Este comportamento adaptativo é caracterizado “pela extensão pela qual o indivíduo está ativamente engajado com seu ambiente (prestando atenção nele, interagindo, participando.” (AAMR, 2006, p. 53) Quanto aos papéis sociais, referem-se, segundo a AAMR (2006, p. 53) “a um conjunto de atividades valorizadas que são con- sideradas normativas para um grupo etário específico.” Tanto a participação, quanto às interações e os papéis, dependem das oportunidades que são oferecidas ao indivíduo. A AAMR destaca a importância destes fatores para o desenvolvimen- to e, alerta: 55 “A participação refere-se ao envolvimento de um indivíduo e à execução de tarefas nas situações da vida real. Isso denota o grau de envolvimento, incluindo a resposta da sociedade ao nível de funciona- mento do indivíduo.” “A ausência de participação e as interações podem resultar em uma obstrução da disponibilidade ou acessibilidade dos recursos, acomodações e ou serviços.” “A ausência de participação e interações frequentemente limita o cumprimento dos papéis sociais valorizados.” (AAMR, 2006, p. 53) 4. Saúde física e mental: os efeitos da saúde física e mental nas pessoas com deficiência intelectual podem ser amplamente facilita- dores ou amplamente inibidores. Alguns gozam de boa saúde, enquanto outros apresentam várias limitações, como epilepsia, paralisia cerebral, o que restringe as atividades pessoais e a participação social. Cabe destacar a importância dos fatores contextuais dos ambientes onde os sujeitos estão inseridos, os quais podem configurar situações de perigos reais potenciais, ou falhar na proteção e apoio necessários. As pessoas com deficiência mental podem ter dificuldade em lidar com problemas de saúde, em lidar com os sintomas e os sentimentos e, também em lidar com os planos de tratamento. (AAMR, 2006, p. 54). Algumas implicações da saúde física e mental, segundo a AAMR (2006, p. 55): as condições de saúde podem interferir na avaliação da inteligência e do comportamento adaptativo; as medicações tais como, anticonvulsivantes e drogas psicotrópicas, podem afetar o desempenho intelectual; a avaliação dos apoios necessários também pode depender da saúde física. 56 5. Contexto: segundo AAMR (2006, p. 55), contexto en- volve: o ambiente social imediato, que inclui a pessoa, a família e seus protetores; a vizinhança, a comunidade ou outros grupos dos quais participa; e, os padrões abrangentes da cultura, da sociedade, do país, ou das influências sociopolíticas. “Proporcionar educação, vida, trabalho e serviços de recrea- ção e lazer e apoios nos ambientes integrados cria situações que permi- tem a uma pessoa crescer e se desenvolver.” (AAMR, 2006, p. 55) Disto dependerá o envolvimento na comunidade, a constru- ção da autonomia, e o desenvolvimento de habilidades significativas. Como esta associação (AAMR, 2006, p. 57) destaca a defi- ciência intelectual não é um transtorno médico, nem um transtorno mental, mas refere-se a: “um estado particular de funcionamento que começa na in- fância, é multidimensional e é afetado positivamente pelos apoios indivi- dualizados. [...] Como um modelo de funcionamento, ele inclui a estrutu- ra e as expectativas dos sistemas nos quais a pessoa funciona e interage: micro, meso e macrossistemas. Por isso, um entendimento abrangente e corretoda condição do retardo mental requer uma abordagem multidi- mensional e ecológica que reflita a interação do indivíduo consigo e com seu ambiente, e os resultados referentes à pessoa dessa interação com a independência, os relacionamentos, as contribuições, a participação na escola e na comunidade e o bem-estar pessoal.” Olhar o indivíduo levando em consideração as dimensões citadas neste capítulo é fundamental para um bom diagnóstico da Deficiência Intelectual. 57 2.3. CLASSIFICAçÕES DA DEFICIÊNCIA INTELECTUAL “O objetivo de um sistema de classificação é a provisão de um esquema organizado para a categorização de vários tipos de observações e, desta organização depende o progresso de qualquer ciência na aquisição do conhecimento.” (AAMR, 2006, p. 102). Serão destacados a seguir, os principais sistemas de classi- ficação de relevância para Deficiência Intelectual. 2.3.1. CID-10 Código Internacional das Doenças Faz parte das classificações relacionadas à saúde da OMS. Composto de 21 capítulos, com uma lista que vai desde “doenças infecciosas e parasitárias” até “fatores que influenciam a condição de saúde e o contato com os serviços de saúde”. Cada item possui um código alfanumérico de quatro caracteres, sendo que a Defici- ência Intelectual está no capítulo 6: “Transtornos mentais e Com- portamentais”. (AAMR, 2006, p. 104) De acordo com o CID-10, citado no AAMR9 (2006, p. 105) a Deficiência Intelectual pode ser definida como: “uma condição de desenvolvimento paralisado ou incompleto da mente, que é especialmente caracterizado pela deficiência das habi- lidades manifestadas durante o período desenvolvimental, habilidades que contribuem para o nível geral de inteligência, isto é, as habilidades cognitivas, de linguagem, motoras e sociais. O retardo pode ocorrer com 58 ousem qualquer outra condição mental ou física. Os graus de retardo mental são convencionalmente estimados por testes de inteligência pa- dronizados. Estes podem ser suplementados por escalas avaliando a adaptação social em um dado ambiente. Estas medidas proporcionam uma indicação aproximada do grau de retardo mental. O diagnóstico também vai depender da avaliação geral do funcionamento intelectual por um diagnosticador experimentado. As habilidades intelectuais e a adaptação social podem mudar com o tempo e, embora pobres, podem melhorar como um resultado de treinamento e reabilitação. O diagnós- tico deve ser baseado nos níveis atuais de funcionamento.” CLASSIFICAçÃO SEGUNDO O CID-10 (AAMR, 2006, P. 105) RETARDO MENTAL (F70-F79) As subdivisões de quatro caracteres que se seguem desti- nam-se ao uso com as categorias F70-F79 para identificar a exten- são da deficiência de comportamento: ► Com o estabelecimento de nenhum, ou mínimo, comprometi- mento de comportamento. ► Comprometimento significativo de comportamento requerendo atenção ou tratamento. ► Outros comprometimentos de comportamento. ► Sem menção a comprometimento de comportamento. Se desejar, use o código adicional para identificar condi- ções associadas, como autismo, outros transtornos desenvolvimen- tais, epilepsia, distúrbios de conduta ou deficiência física severa. 59 ► F70 Retardo mental leve: Extensão aproximada de QI de 50 a 69 (em adultos, idade mental de 9 a menos de 12 anos). Provavelmente, vai resultar em algumas dificuldades de aprendiza- gem na escola. Muitos adultos conseguirão trabalhar, manter bons relacionamentos sociais e contribuir para a sociedade. ► F71 Retardo mental moderado: Extensão aproxima- da de QI de 35 a 49 (em adultos, idade mental de 6 a menos de 9 anos). Provavelmente, vai resultar em marcantes atrasos desenvol- vimentais na infância, mas a maioria pode aprender a desenvolver algum grau de independência no autocuidado e adquirir habilidades adequadas de comunicação e acadêmicas. Os adultos vão necessitar de graus variados de apoio para viver e trabalhar na comunidade. ► F72 Retardo mental grave: QI aproximadamente de 20 a 34 (em adultos, idade mental de 3 a menos de 6 anos). Pode resultar em uma necessidade contínua de apoio. ► F73 Retardo mental profundo: QI abaixo de 20 (em adultos, idade mental abaixo de 3 anos). Resulta em limitação severa no autocuidado, na continência, na comunicação e na mobilidade. ► F78 Outro retardo mental ► F79 Retardamento mental não-especificado 60 2.3.2. Classificação Internacional do Funcionamento da Deficiência e da Saúde - CIF Também compõe as classificações relacionadas à saúde da OMS, representando um instrumento complementar a CID-10. A CIF supera a classificação da perspectiva médica, uma vez que in- clui uma perspectiva societária e ambiental, estando orientada para o funcionamento e saúde de seres humanos. “Como instrumento de propósitos múltiplos, a CIF propor- ciona: (a) uma estrutura conceitual para o entendimento dos estados de funcionamento e deficiências relacionados à saúde; (b) uma linguagem comum para melhorar a comunicação sobre a inabilidade entre usuários de diferentes origens, como clínicos, profissionais da atenção à saúde, pesquisadores, formuladores de políticas e pessoas com deficiências; e (c) um sistema de classificação e codificação sistemática que permite compa- ração estatística dos dados entre países, disciplinas de atenção à saúde e em diferentes momentos no tempo.” (AAMR, 2006, p. 106) De acordo com a CIF a relação entre os termos funciona- mento e Deficiência consiste em: o funcionamento é usado para indicar estados de funcionamentos neutros ou não-problemáticos, e a deficiência é usada para indicar problemas no funcionamento. Para a CIF ambos devem ser considerados em relação à condição de saúde da pessoa e aos fatores sociais. “O funcionamento é con- ceituado ao longo de três dimensões básicas que representam as perspectivas do corpo, do indivíduo e da sociedade.” Cabe destacar que segundo a classificação da CIF: as inca- pacidades são consideradas problemas na função ou estrutura do corpo, como desvio ou perda; as limitações de atividades são as difi- 61 culdades enfrentadas na execução de uma atividade; as restrições do participante referem-se às dificuldades que o indivíduo tem quanto ao envolvimento nas situações da vida. (AAMR, 2006, p. 108). 2.3.3. Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais O DSMIV (Diagnóstico e Estatística de Transtornos Men- tais), segundo o AAMR (2006) foi publicado em 1994 pela Ameri- can Psychiatric Association, sendo implementado, posteriormente. Trata-se de um sistema multiaxial que compreende cinco domínios de informações potenciais sobre o indivíduo: ► EIXO I: inclui os transtornos mentais clínicos. ► EIXO II: transtornos de personalidade e retardo mental. ► EIXO III: usado para relato de condições médicas gerais. ► EIXO IV: usado para a descrição de problemas psicossociais ou ambientais que podem influenciar no diagnóstico e tratamento. ► EIXO V: nível geral do funcionamento. 63 Síntese da Unidade Esta unidade apresentou as dez definições de deficiência intelectual apresentadas pela AAMR (American Association on Mental Retardation) alterações, desde 1908 com Tredgold até a dé- cima definição atual. Também abordou os conceitos de inteligên- cia e as dimensões da deficiência intelectual, a saber: habilidades intelectuais, comportamento adaptativo, participação, interações e papéis sociais, saúde física e mental, e contexto. Finalizando foram apresentados os principais sistemas de classificação de relevância para deficiência intelectual. Exercícios Propostos ► Pesquise outros conceitos de inteligência a partir de autores contemporâneos. ► Entreviste dois profissionais que atendem pessoas com deficiên- cia intelectual sobre como é realizado o diagnóstico.
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