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Natália Furlaneto DEFINIÇÃO Definida como elevação da temperatura corpórea em resposta a uma variedade de estímulos, mediada e controlada pelo sistema nervoso central (SNC). Mais confiável: via oral ou retal. Mensurações menos confiáveis: temperatura axilar, timpânica e palpação. Axilar é adequada para triagem clínica (culturalmente incorporada), apesar de não ser tão fidedigna. PARÂMETROS DE FEBRE Temperatura retal > 38,3°C; Temperatura oral > 38°C; Temperatura axilar > 37,8°C. RETAL QUANDO USAR quando Tᵒ axilar questionável. A febre é definida como uma temperatura retal ≥38ᵒC (Livro Nelson). Normal: 36,6-37,9 ᵒC na região retal. >40ᵒC é chamado de hiperpirexia. O ponto mais alto é atingido no início da noite e o ponto mais baixo é observado ao amanhecer. Toda e qualquer elevação anormal na temperatura corporal deve ser considerada como sintoma de uma condição subjacente. EPIDEMIOLOGIA Queixa comum: 25% de todas as consultas na emergência de pediatria. PATOGÊNESE A temperatura corporal é regulada por: Neurônios termossensíveis do hipotálamo pré-óptico/anterior respondem a alterações na temperatura sanguínea. Receptores para frio e calor localizados na pele e nos músculos. Respostas termorreguladoras: Redirecionar o sangue para leitos vasculares cutâneos partir deles, sudorese aumentada ou diminuída. Regulação do volume líquido extracelular através da arginina vasopressina. Respostas comportamentais: procurar um ambiente com temperatura mais quente ou mais fresca. 3 MECANISMOS PODEM PRODUZIR FEBRE: 1. PIROGÊNIOS: elevam o ponto de ajuste da temperatura hipotalâmica. ENDÓGENOS: citocinas interleucina 1 e 6, o fator de necrose tumoral α e os interferons β e γ. - Leucócitos ativados produzem prostaglandinas E2, que se fixam em receptores específicos no hipotálamo e gera um novo ponto de ajuste da Tᵒ. - Causas: doenças infecciosas, medicamentos, neoplasias, inflamações. EXÓGENOS: de fora do corpo (patógenos, drogas, toxinas microbianas). - Estimulam macrófagos a produzirem pirogênios endógenos. - Endotoxina: um dos poucos que afeta diretamente a termorregulação no hipotálamo e estimula a liberação de pirogênios endógenos. - Fármacos que reconhecidamente causam febre: vancomicina, anfotericina B e alopurinol. 2. PRODUÇÃO DE CALOR SUPERANDO A PERDA: intoxicação por salicilatos e a hipertermia maligna. 3. PERDA DE CALOR DEFEITUOSA: crianças com displasia ectodérmica; vítimas de exposição grave ao calor. ETIOLOGIA/CAUSAS 4 categorias principais: 1. Infecciosas; 2. Inflamatórias; 3. Neoplásicas; 4. Diversas. Padrão da febre, sintomas indicações para a possível etiologia. INFECCIOSAS Causas mais comuns de febre aguda: Infecções virais autolimitadas (resfriado comum, gastroenterites). Declínio lento da febre ao longo de 1 semana. Infecções bacterianas não complicadas (otite média, faringite, sinusite). Resolução rápida da febre com ATB eficaz (48h). TIPOS DE FEBRE Intermitente: constitui um ritmo circadiano exagerado que inclui um período de temperatura normal em muitos dias; flutuações extremamente amplas podem ser designadas como febre séptica ou “agitada”. Prolongada: é persistente e não varia mais do que 0,5ᵒC/dia. Remitente: é persistente e varia mais de 0,5 ᵒC/dia. Recidivante se caracteriza por períodos febris que são separados por intervalos de temperatura normal. Febre terçã: ocorre no 1ᵒ e no 3ᵒ dia (malária causada por Plasmodium vivax). Febre quartã: ocorre no 1ᵒ e no 4ᵒ dia (malária causada por Plasmodium malariae). Bifásica: indica uma doença única com 2 períodos distintos (padrão de febre em dorso de camelo); o exemplo clássico é a poliomielite. Outros ex: enterovírus, leptospirose, dengue, febre amarela, febre do carrapato do Colorado, febre espiralar por mordida de rato (Spirillum minus) e febres hemorrágicas africanas (febre Marburg, Ebola e Lassa). Febre periódica: síndromes febris com periodicidade regular (neutropenia cíclica e febre periódica, estomatite aftosa, faringite e adenopatia) ou mais amplamente para incluir transtornos caracterizados por episódios recorrentes de febre que não sigam um padrão periódico estrito (febre familiar do Mediterrâneo, síndrome periódica associada ao receptor para o fator de necrose tumoral [febre Hibernian], síndrome de hiperimunoglobulina D, síndrome de Muckle-Wells). Natália Furlaneto Factícia/Autoinduzida: manipulação intencional do termômetro ou pela injeção de material pirogênico. Cotidiana dupla (ou febre que tem picos duas vezes em 24h): se associa classicamente à artrite inflamatória. POSSÍVEL EXCLUSÃO DE CAUSA INFECCIOSA 1 único pico febril isolado. Pode ser infusão de derivados sanguíneos, medicações, procedimentos, manipulação de um cateter sobre superfícies corporais colonizadas ou infectadas. Tᵒ > 41ᵒC. Pode ser febre de origem central (decorrente de uma disfunção do SNC envolvendo o hipotálamo). A temperatura corporal raramente se eleva acima de níveis potencialmente letais (42 ᵒC) em crianças neurologicamente normais, a não ser que estejam presentes condições ambientais hipertérmicas extremas ou outras circunstâncias extenuantes, como uma hipertermia maligna, insolação, tireotoxicose subjacente, síndrome neuroléptica maligna, febre por drogas Tᵒ que são mais baixas que o normal. CARACTERÍSTICAS CLÍN ICAS As características clínicas da febre podem variar de absolutamente nenhum sintoma a um mal-estar extremo. Sensação quente ou fria; Rubor facial; Calafrios; Fadiga; Irritabilidade. Palidez; ↓ apetite; Taquicardia. RELAÇÃO ENTRE SINTOMATOLOGIA E ETIOLOGIA Febre + Petéquias + Fácies de doente: indica uma elevada probabilidade de vida para o paciente. Ex: meningococemia, febre maculosa das Montanhas Rochosas ou endocardite bacteriana aguda. Febre + Taquicardia relativa (↑pulso desproporcional à Tᵒ): doenças não infecciosas ou doenças infecciosas com toxina que causem os sintomas. Febre + Bradicardia relativa (pulso ↓): febre tifoide, brucelose, leptospirose, febre por medicamentos, defeito da condução em decorrência do envolvimento cardíaco por uma febre reumática aguda, doença de Lyme, endocardite viral ou endocardite infecciosa. TRATAMENTO Febre preocupação comum nos pais, mas não há evidências científicas de que uma febre alta pode acarretar danos cerebrais ou outros prejuízos corporais, exceto em raros casos de status epilepticus febril e de insolação. Tratar pela única razão de se trazer a temperatura corporal de volta ao normal não é necessário em crianças sadias. É uma resposta adaptativa deve ser tratada em circunstâncias selecionadas. Temperaturas aumentadas em seres humanos se associam a uma replicação microbiana diminuída e a uma resposta inflamatória aumentada. QUANDO PENSAR EM ABAIXAR A FEBRE Exacerbação de doenças: febre ↑ consumo de oxigênio, a produção de dióxido de carbono e o DC. IC; anemia crônica (ex: doença falciforme), a insuficiência pulmonar; instabilidade metabólica em DM. Crianças entre 6 meses e 5 anos: risco aumentado de convulsões febris simples. Crianças portadoras de epilepsia idiopática. Febre alta durante a gravidez pode ser teratogênica. Uma febre com temperaturas inferiores a 39 ᵒC em crianças sadias geralmente não requer tratamento. A não ser que gere muito desconforto/sintomas. ANTIPIRÉTICOS: Reduzem a febre por reduzir a produção de prostaglandinas. Acetaminofen numa dose de 10-15 mg/kg/dose a cada 4h. Efeitos colaterais: danos hepáticos. Ibuprofeno em crianças com mais de 6 meses numa dose de 5- 10 mg/kg/dose a cada 8h. Efeitos colaterais: distúrbios gastrointestinais ou renais. TRATAR A PATOLOGIA DE BASE Imunoglobulina intravenosa doença de Kawasaki. ATB infecções bacterianas. MEDIDAS GERAIS Banhos mornos e cobertores para resfriamento não são consideradas eficazes na redução da febre. Evidências escassas dessas e de outras medidas físicas. FEBRE SEM FOCO É definida como uma temperatura retal de 38 ᵒC ou mais como única manifestação. Os termos “febre sem sinais de localização” e “febre de origem indeterminada” (FOI) constituem subcategorias da febre sem foco. FEBRE SEM SINAIS LOCALIZATÓRIOS INTRODUÇÃO Na maioria é possível identificar a origem da febre após anamnese e exame físico. Em 20% dos casos, a identificação do foco após a avaliação inicial não é possível essa situação é conhecida como febre sem sinais localizatórios (FSSL). Doença infecciosa aguda autolimitada ou está no pródromo de uma doença infecciosa benigna. Poucas têm uma infecção bacteriana grave ou potencialmente grave. Desafio: diferenciação de doença benigna autolimitada de infecção bacteriana grave. DEFINIÇÕES FSSL É a ocorrência de febre com menos de 7 dias de duração em uma criança em que história clínica e exame físico cuidadosos não revelam sua causa. NÃO é sinônimo de criança com febre e exame físico normal, pois a elucidação da causa da febre pode estar na história. Ex: criança com disenteria e febre. Uma febre de aparecimento agudo, com duração de menos de 1 semana e sem sinais de localização, é um desafio diagnóstico comum em crianças com idade inferior a 36 meses. Etiologia e a avaliação da febre sem sinais de localização dependem da idade da criança. INFECÇÃO BACTERIANA GRAVE ( IBG) É toda infecção bacteriana que acarreta risco de morbidade ou mortalidade, caso ocorra atraso em seu diagnóstico. Inclui: infecção urinária, pneumonia, bacteriemia oculta, meningite bacteriana, artrite séptica, osteomielite, celulite e sepse. Natália Furlaneto O risco de IBG é maior em < 3 meses de idade, principalmente nos recém-nascidos (RN), e decresce progressivamente com a idade. BACTEREMIA OCULTA Refere-se à presença de bactéria em hemocultura, em uma criança febril, sem infecção localizada e com pouco ou nenhum achado clínico. Maioria com resolução espontânea, mas podem ocorrer complicações sérias, como pneumonia, meningite, artrite séptica, osteomielite, sepse e morte. AVALIAÇÃO DA CRIANÇA COM FSSL Para padronizar a abordagem e diagnosticar precocemente as infecções bacterianas graves ou potencialmente graves, várias estratégias foram elaboradas para avaliar crianças menores de 3 anos de idade com FSSL, utilizando-se a associação de critérios clínicos e laboratoriais. Os critérios mais difundidos são o de Rochester e o protocolo de Baraff et al., publicado em 1993. CRITÉRIO DE ROCHESTER: procura separar os lactentes menores de 3 meses de idade em 2 grupos alto risco e baixo risco para presença de doença bacteriana grave na vigência de FSSL. O lactente jovem deve preencher todos os critérios para ser considerado de baixo risco. PROTOCOLO DE BARAFF: estratifica as crianças com FSSL por grupo etário e, ainda, dentro de cada faixa etária, em baixo e alto risco para doença bacteriana grave. No Hospital Universitário da Universidade de São Paulo (HU-USP), utiliza-se protocolo de atendimento para as crianças com FSSL, que é baseado no protocolo de Baraff e no critério de Rochester, mas propõe uma intervenção menor. Seguindo esse protocolo em um período de 12 meses, foram acompanhadas 251 crianças com FSSL. Todos os casos com IBG foram identificados e a utilização de antibioticoterapia empírica foi reduzida. Vacinação completa para haemophilus influenzae tipo b (Hib), pneumococo e meningococo é considerada quando a criança recebeu pelo menos 2 doses de cada uma dessas vacinas. Inicialmente, as crianças com FSSL menores de 3 anos de idade são avaliadas em relação à presença ou não de comprometimento do estado geral (toxemia). Essa avaliação deve ser feita com a criança afebril, pois a própria febre pode deixar o paciente com variados graus de prostração. Toda criança com comprometimento do estado geral, independentemente da idade, deve ser hospitalizada, investigada para sepse e tratada com antibióticos. A investigação para sepse compreende coleta de hemograma completo, hemocultura, sedimento urinário, urocultura e, quando indicado, líquido cefalorraquidiano (LCR) (análise bioquímica, coloração de Gram e cultura), radiografia torácica e coprocultura. A abordagem da criança com FSSL sem comprometimento do estado geral, varia de acordo com a idade da criança, uma vez que cada faixa etária apresenta diferenças substanciais em relação à etiologia, gravidade e prevalência de infecção bacteriana. Habitualmente, as crianças são classificadas em 3 grupos etários distintos para efeitos de avaliação de FSSL: 1. RN (< 30 dias); 2. Lactentes jovens (de 30 a 90 dias de vida); 3. Crianças de 3 a 36 meses de idade. 1. RN/NEONATOS: Todo RN com FSSL deve ser hospitalizado (não confiabilidade dos achados físicos + sistema imune imaturo), submetido à investigação para sepse e receber antibioticoterapia até o resultado das culturas. Terapêutica empírica inicial: ATB endovenoso. Pode-se utilizar cefalosporina de 3ª geração (cefotaxima ou ceftriaxona). Apresentem sinais limitados de infecção difícil distinguir se é infecção bacteriana ou viral grave ou uma doença viral autolimitada. Neonatos que apresentam febre e não parecem doentes têm 7% de risco de ter uma infecção bacteriana grave. As infecções bacterianas graves incluem: bacteremias, meningites, pneumonias, osteomielite, artrite séptica, enterites e infecções do trato urinário. Embora possam adquirir patógenos da comunidade, os neonatos com uma infecção grave estão em risco principalmente de doenças bacterianas neonatais de aparecimento tardio (estreptococos do grupo B, E. coli e Listeria monocytogenes) e da infecção por vírus herpes simplex (HSV) adquirida no período perinatal. As diretrizes práticas recomendam que um neonato que tenha tido uma febre registrada no domicílio por um pai confiável deve ser tratado como um neonato febril. Suspeita de excesso de roupas e cobertores remover as cobertas excessivas e avaliar novamente a temperatura em 15- 30 min. Se a temperatura corporal normal, é considerado afebril. EXAMES COMPLEMENTARES Obter culturas de sangue, de urina e do líquido cefalorraquiano (LCR) Os estudos do LCR devem incluir celularidade, níveis de glicose e de proteínas, coloração pelo Gram e cultura; a reação da cadeia de polimerase para HSV e enterovírus deve ser considerada. Cultura de fezes e radiografia de tórax também podem fazer parte da avaliação. São recomendadas combinações de antibióticos, como ampicilina e cefotaxima ou ampicilina e gentamicina. Deve-se incluir o aciclovir caso se suspeite de uma infecção por HSV devido a crises convulsivas, hipotensão, elevaçãodas transaminases, pleocitose do LCR ou história materna conhecida de HSV genital, especialmente por ocasião do parto. 2. LACTENTE JOVEM/ 1-3 MESES: As crianças dessa faixa etária são avaliadas em relação ao risco de IBG, pelos critérios de Rochester: Se baixo risco, faz-se seguimento clínico diário; Se alto risco, indica-se hospitalização, coleta de exames (hemocultura, urocultura, LCR, radiografia de tórax) e introdução de antibioticoterapia empírica (cefalosporina de 3ª geração). Maioria esmagadora: síndrome viral. Natália Furlaneto Em contraste com as infecções bacterianas, muitas doenças virais apresentam um padrão sazonal típico: as infecções pelo vírus sincicial respiratório e pelo vírus influenza A são mais comuns durante o inverno, enquanto as infecções por enterovírus e por parechovírus ocorrem habitualmente no verão e no outono. Os organismos a serem considerados incluem E. coli, Streptococcus do grupo B, L. monocytogenes, Salmonellaenteritidis, N. meningitidis, S. pneumoniae, H. influenzae tipo b e S. aureus. Pielonefrite: é a infecção bacteriana grave mais comum nesse grupo etário e é também mais comum em lactentes do sexo masculino não circuncisados e em lactentes portadores de anomalias do trato urinário. O patógeno mais comumente identificado em lactentes bacterêmicos é E. coli, a maioria deles apresentando pielonefrite. Os patógenos mais frequentemente identificados depois da E. coli como causa de bacteremia são Streptococcus do grupo B, seguidos de S. aureus; os pneumococos tendem a ser encontrados em lactentes de idade mais avançada. A maioria das hemoculturas se mostram positivas dentro de 24h (91%), com 99% delas positivas por volta de 48h. Outras doenças bacterianas potenciais nesse grupo etário incluem otite média, pneumonia, onfalite, mastite e outras infecções da pele e dos tecidos moles. CONDUTA – ALTO RISCO Lactentes febris de aparência doentia (tóxica) com idade de 3 meses ou menos necessitam de hospitalização imediata e da pronta instituição da terapia antimicrobiana parenteral após serem obtidas culturas de sangue, urina e LCR. Um regime antimicrobiano inicial eficaz para crianças de aparência doentia sem achados focais é constituído de ampicilina (para a cobertura de L. monocytogenes e de Enterococcus) associada com ceftriaxona ou cefotaxima. Esse regime é eficaz contra os patógenos bacterianos habitualmente causadores de sepse, infecções do trato urinário e enterites em lactentes pequenos. Se suspeita de meningite, devido a anormalidades do LCR, deve-se incluir a vancomicina, para tratar S. pneumoniae resistente a penicilina até que sejam conhecidos os resultados da cultura e dos testes de sensibilidade. CONDUTA – BAIXO RISCO Boa aparência geral; que estavam anteriormente saudáveis; que não tenham evidências de infecção de pele, dos tecidos moles, de ossos, articulações ou ouvidos; e que tenham uma contagem de leucócitos periféricos (WBC) de 5.000- 15.000 células/μL, uma contagem absoluta de neutrófilos segmentados de menos de 1.500 células/μL e resultados normais do exame de urina e culturas (de sangue e urina) negativas têm pouca probabilidade de ter uma infecção bacteriana grave. O valor preditivo negativo com intervalo de confiança de 95% desses critérios para qualquer infecção bacteriana grave é>98% e para bacteremia é >99%. Dentre as infecções bacterianas graves, a pielonefrite é a mais comum e pode ser vista em lactentes com aparência de boa saúde que tenham uma febre sem foco ou naqueles que pareçam doentes. O exame de urina pode ser negativo em lactentes com idade inferior a 2 meses com pielonefrite. A bacteremia está presente em menos de 30% dos lactentes apresentando pielonefrite. A procalcitonina, a velocidade de hemossedimentação (VHS) e a proteína C-reativa são marcadores biológicos que podem ser considerados na avaliação de uma criança com febre. Perfis de expressão de genes em microarranjos baseados no hospedeiro, determinados nos leucócitos do paciente, podem ser capazes de detectar padrões de transcrição de RNA (bioassinaturas) que distinguem as infecções virais das bacterianas A decisão quanto à obtenção de LCR em lactentes com idade de 1-3 meses com boa aparência depende da decisão de se administrarem antibióticos empíricos. Uma punção lombar pode ser adiada caso se planeje a observação atenta sem antibióticos. Se houver deterioração clínica, uma avaliação completa para sepse deve ser realizada e devem ser administrados antibióticos intravenosos. Caso sejam iniciados antibióticos empíricos, a avaliação do LCR deve ser realizada, preferencialmente antes da administração dos antibióticos. 3. ENTRE 3 E 36 MESES: AS CRIANÇAS SÃO SUBDIVIDIDAS EM 2 GRUPOS DE ACORD O COM A TEMPERATURA AXILAR: 30% das crianças com febre não apresentam sinais de localização. As infecções virais são a causa da maioria esmagadora das febres nessa população, mas infecções bacterianas graves ocorrem efetivamente e são causadas pelos mesmos patógenos citados para pacientes com idade de 1-3 meses, exceto pelas infecções adquiridas no período perinatal. • TEMPERATURA ≤ 39°C: deve-se considerar a coleta de sedimento urinário e urocultura (por cateterização vesical nas crianças sem controle esfinctérico ou jato médio nas crianças com controle esfinctérico), uma vez que a infecção urinária é a infecção bacteriana mais prevalente. Essa coleta está especialmente indicada nos meninos menores de 12 meses de idade e nas meninas menores de 24 meses de idade. Com resultado do exame normal, a conduta é observação clínica, com reavaliação diária e utilização de antitérmicos usuais, até a resolução da febre ou identificação do foco infeccioso; • TEMPERATURA > 39°C: inicia-se investigação laboratorial com coleta de sedimento urinário e urocultura (por cateterização vesical nas crianças sem controle esfinctérico ou jato médio nas crianças com controle esfinctérico) para afastar infecção urinária, e, quando afastada, deve-se realizar a coleta de exames de sangue e radiografia de tórax. A suspeita de bacteriemia oculta é feita na presença de número de leucócitos > 20.000/mm3 ou total de neutrófilos > 10.000/mm3 e radiografia de tórax normal. Nessa situação, recomenda-se introdução de antibioticoterapia empírica com cefalosporina de 3ª geração (ceftriaxona na dose de 50 mg/kg, IM) e retorno diário para reavaliação clínica e verificação do andamento da hemocultura nas crianças sem vacinação completa para Haemophilus influenzae tipo b, Streptococcus pneumoniae e Neisseria meningitidis. Nas crianças vacinadas (2 ou mais doses) para hemófilos, pneumococo e meningococo, a opção é reavaliação diária sem introdução de antibioticoterapia, pois a taxa de bacteriemia oculta nessa população é inferior a 1%. O tratamento de crianças febris toxêmicas com idade de 3-36 meses que não apresentem sinais focais de infecção inclui a hospitalização e a pronta instituição da terapia antimicrobiana após a obtenção de espécimes de sangue, urina e LCR para cultura. É fundamental salientar que todas as crianças devem ser reavaliadas diariamente até a resolução do quadro, resultados finais das culturas, quando coletadas, e/ou identificação do foco da febre. O Brasil vive, neste momento, uma epidemia de dengue que, com certa frequência, pode se apresentar inicialmente como FSSL. Natália Furlaneto O seguimento diário dessas crianças contribui para o esclarecimento diagnóstico. PROPOSTA ATUAL DE AV ALIAÇÃO DAS CRIANÇAS COM FSSL A introdução da vacina pneumocócica conjugada diminuiu a incidência de infecções pneumocócicas invasivas por Streptococcus pneumoniae e a bacteriemia oculta caiu de 2 a 4% para menos de 1%. Com o advento e o uso extenso da vacina conjugada para Haemophilus influenzae tipo b (Hib) e da vacina para Streptococcus pneumoniae, a frequência de infecções por esses 2 patógenos diminuiu. As infecções bacterianas localizadas, especialmente a infecção urinária, passaram a responder por 5 a 10% dos casos. Assim, as intervenções nas crianças com FSSL e devidamente vacinadas para hemófilos, pneumococo e meningococo passam a ser observacionais após exclusão de infecção urinária. Entretanto, as crianças sem vacinação completa devem ser avaliadas clínica e laboratorialmente. A presença de PCR (Proteína C Reativa) e PCT (Pró- calcitonina) ↑ estão associadas com IBG. A PCR aumenta mais lentamente que a PCT. PCT: mais sensível para identificação de IBG em crianças com febre com menos de 12 horas. Desempenho superior no diagnóstico, com maior sensibilidade e especificidade para diferenciação de doença bacteriana e viral em crianças. Elevados custos restringem seu uso rotineiramente. As escolhas dos valores de PCR e PCT dependem se estes marcadores serão utilizados para excluir ou incluiros casos de IBG. IDENTIFICAÇÃO DE IBG NAS CRIANÇAS COM FSSL: os níveis de corte de 80 mg/L para a PCR ou 2 ng/ mL para PCT apresentam especificidade de 90% e sensibilidade de 40 a 50%. PARA DESCARTAR IBG: os níveis de corte de 20 mg/L para PCR ou 0,5 ng/mL para PCT apresentam sensibilidade de 80% e especificidade de 70%. Inúmeros vírus são responsáveis por doenças febris em crianças, que podem se apresentar inicialmente como FSSL, como herpesvírus humano 6, enterovírus, adenovírus e influenza. Estudos recentes revelam menor taxa de IBG nas crianças com FSSL e infecção viral documentada, o que acarreta diminuição na solicitação de exames laboratoriais e na utilização de antibioticoterapia empírica. No HU-USP, a pesquisa de vírus respiratórios em secreção de nasofaringe por imunofluorescência indireta é realizada com frequência e inclui a pesquisa de adenovírus, vírus influenza A e B, vírus sincicial respiratório e vírus parainflueza 1 2 e 3. Em um recente estudo, conduzido em crianças com FSSL atendidas no serviço de emergência pediátrica desse hospital, foi observado vírus respiratório em cerca de 24% dessas crianças, sendo o adenovírus o agente mais detectado, seguido do parainfluenza 3 e do influenza A. Com a maior disponibilidade da pesquisa de vírus respiratório e introdução das vacinas para pneumococo e meningococo no calendário nacional, a avaliação da criança com FSSL pode ser mais observacional, depois de afastada infecção urinária. Como crianças pequenas integralmente vacinadas têm um risco muito menor de bacteremia oculta e de meningite como causa de febre aguda sem sinais de localização, alguns autores recomendam que os únicos testes laboratoriais necessários nesse grupo etário quando a temperatura estiver >39 oC são um exame de urina e uma urinocultura em meninos circuncisados com idade inferior a 6 meses e em meninos não circuncisados e em todas as meninas com idade inferior a 24 meses. Qualquer que seja a opção de tratamento (Tabela 177-3), a família deve ser instruída a retornar imediatamente caso a condição da criança se deteriore ou se evidenciem sintomas novos. MANEJO DA FEBRE SEM SINAIS DE LOCALIZAÇÃO – Tᵒ RETAL – L IVRO NELSON QUALQUER CRIANÇA DE APARÊNCIA TÓXICA DE 0- 36 MESES COM TEMPERATURA ≥38ᵒC: Hospitalizar, culturas amplas mais outros testes, * antibióticos parenterais. CRIANÇA < 1 MÊS COM TEMPERATURA ≥38 ᵒC: Hospitalizar, culturas amplas mais outros testes, * antibióticos parenterais. CRIANÇA 1-3 MESES COM TEMPERATURA ≥38ᵒC: Processo em 2 etapas, a seguir: 1. Determinar o risco com base na anamnese, no exame físico e nos estudos laboratoriais Risco baixo: • História médica não complicada; • Exame físico normal; • Estudos laboratoriais normais; • Urina: negativa para esterase leucocitária, nitritos e < 10 leucócitos/HPF; • Sangue periférico: 5.000-15.000 leucócitos/mm3, <1500 segmentados ou proporção de segmentados: neutrófilos totais <0,2; • Estudos das fezes em caso de diarreia (ausência de hemácias e < 5 leucócitos/HPF). • LCR com contagem de células < 8 leucócitos/μL) e ausência de coloração pelo Gram. • Radiografia de tórax sem infiltrados 2. Se a criança satisfizer todos os critérios de risco baixo, não administrar nenhum antibiótico, assegurar acompanhamento em 24h e acesso a cuidados de emergência caso o estado da criança se deteriore. • Deve haver um acompanhamento diário até que as culturas de sangue, urina e LCR sejam finalizadas. • Se alguma cultura for positiva, a criança retorna para avaliação e tratamento adicionais. Se a criança não satisfizer todos os critérios de risco baixo, hospitalizar e administrar antibióticos parenterais até que todas as culturas sejam finalizadas e o diagnóstico definitivo determinado e tratado CRIANÇA DE 3-36 MESES E TEMPERATURA DE 38- 39ᵒC: Tranquilizar enfatizando que o diagnóstico é provavelmente uma infecção viral autolimitada, mas aconselhar o retorno se a febre persistir, temperatura >39 oC e a presença de novos sinais e sintomas. CRIANÇA DE 3-36 MESES E TEMPERATURA >39ᵒC: Processo em duas etapas: 1. Determinar estado de imunização. 2. Caso tenha recebido as vacinas conjugadas pneumocócica e para Haemophilus influenzae tipo b, obter estudos urinários (leucócitos, esterase leucocitária, nitritos e cultura de urina) para todas as meninas, todos os meninos com idade. É fortemente recomendada a instituição da terapia antibiótica empírica em crianças com aparência de boa saúde e idade inferior a 36 meses que não tenham recebido as vacinas conjugadas para Hib e para S. pneumoniae e que tenham uma temperatura retal >39 ᵒC e uma contagem de leucócitos >15.000/μL. Caso sejam obtidas hemoculturas e S. pneumoniae seja isolado, a criança deve retornar ao médico o mais cedo possível após se conhecerem os resultados da cultura. Caso a criança pareça bem, esteja afebril e tenha um exame físico normal, deve-se obter uma segunda hemocultura e tratar a criança com 7-10 dias de terapia antimicrobiana oral. Caso pareça doente e continue a ter febre sem nenhum foco de infecção identificável por ocasião do acompanhamento ou se H. influenzae tiver sido isolado na hemocultura inicial ou N. meningitidis estiver presente na hemocultura inicial, a criança deve ter uma nova hemocultura colhida, ser avaliada para meningite (incluindo uma Natália Furlaneto punção lombar) e receber tratamento no hospital com medicamentos antimicrobianos intravenososapropriados. Caso a criança venha a apresentar uma infecção localizada, a terapia deve ser dirigida aos patógenos prováveis. FEBRE DE ORIGEM INDETERMINADA (FOI) A classificação da febre de origem indeterminada (FOI) é reservada para crianças com febre documentada por um profissional de saúde, cuja causa não pode ser identificada após 3 semanas de avaliação ambulatorial ou após 1 semana de avaliação no hospital. ETIOLOGIA As muitas causas de FOI em crianças são: Infecções; Doenças reumatológicas (do tecido conjuntivo ou autoimunes) ou doenças autoinflamatórias. Doenças neoplásicas; Febre por medicamento: prolongada e não se associa a outros sintomas. A suspensão da medicação se associa à resolução da febre, geralmente dentro de 72h, porém alguns medicamentos, como os iodetos, são excretados por um período prolongado, com uma febre que pode persistir por até 1 mês após a retirada do fármaco. A FOI É POR VEZES CAUSADA POR UMA DISFUNÇÃO HIPOTALÂMICA Uma indicação desse transtorno é a não ocorrência da constrição pupilar devido à ausência do músculo constritor do esfíncter do olho. Esse músculo tem seu desenvolvimento embrionário ocorrendo ao mesmo tempo em que a estrutura e a função do hipotálamo estão apresentando diferenciação. QUADRO CLÍNICO A maior parte das febres de origem indeterminada ou não reconhecida resultam da manifestação atípica de doenças comuns. Calafrios e picos febris repetidos são comuns em crianças com septicemia (qualquer que seja a causa), especialmente quando associada a doenças renais, hepáticas ou biliares, endocardite infecciosa, malária, brucelose, febre por mordedura de rato ou uma coleção localizada de pus. A idade do paciente é útil para a avaliação da FOI. Crianças com idade superior a 6 anos apresentam com frequência uma infecção respiratória ou do trato geniturinário, uma infecção localizada (abscesso, osteomielite), AIJ ou, mais raramente, leucemia. Adolescentes tendem mais a apresentar uma doença inflamatória intestinal, processos autoimunes, linfoma outuberculose, além das causas de FOI que são encontradas em crianças menores. A ausência contínua de suor na presença de uma temperatura corporal elevada sugere desidratação devido a vômitos, diarreia ou diabetes insípido central ou nefrogênico. Pode sugerir também uma displasia ectodérmica anidrótica, disautonomia familiar ou exposição à atropina. Deve-se notar igualmentea atividade geral do paciente e a presença ou ausência de erupções cutânea. AVALIAÇÃO LABORATORIAL A hospitalização pode ser necessária devido a exames laboratoriais ou de imagens que não estejam disponíveis ou sejam impraticáveis em nível ambulatorial. Hemograma completo com contagem diferencial de leucócitos. Exame de urina. A VHS baixa não afasta a possibilidade de infecção ou de AIJ. A proteína C-reativa é outro reagente da fase aguda que se torna elevado e retorna ao normal mais rapidamente que a VHS. Os especialistas recomendam verificar-se apenas um dos dois. Estudos de imagens do tórax, seios paranasais, mastoides ou do trato GI podem ser indicados por achados específicos da anamnese ou exame físico. A avaliação radiográfica do trato GI para doença inflamatória intestinal pode ser útil na avaliação de crianças selecionadas com FOI e sem outros sinais ou sintomas focais. O exame da medula óssea pode revelar leucemia. Testes sorológicos podem auxiliar no diagnóstico da infecção por vírus Epstein-Barr, CMV, toxoplasmose, salmonelose, tularemia, brucelose, leptospirose, doença da arranhadura do gato, doença de Lyme, doenças causadas por riquétsia e, em algumas ocasiões, AIJ. TRATAMENTO O tratamento final da FOI é ajustado ao diagnóstico subjacente. Em geral se deve evitar ensaios empíricos de medicação. Uma exceção pode ser o uso do tratamento antituberculose em crianças em estado crítico com suspeita de tuberculose disseminada. Ensaios empíricos de outros medicamentos antimicrobianospodem ser perigosos e dificultar o diagnóstico de uma endocardite infecciosa, meningite, infecção parameníngea ou osteomielite. Os antipiréticos podem ser indicados após uma avaliação completa para se controlar a febre associada a sintomas adversos. PROGNÓSTICO Crianças com FOI têm prognóstico melhor que os adultos. Em muitos casos não é possível se estabelecer o diagnóstico e a febre remite espontaneamente. Em até 25% das crianças em que a febre persiste, a causa não é esclarecida, mesmo após uma avaliação exaustiva.
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