Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
MEDICINA | REUMATOLOGIA | LARISSA MARZAGÃO FERREIRA Introdução Artrite microcristalina: enfermidade secundária à resposta inflamatória aos microcristais formados e/ou depositados nos tecidos. Manifesta-se por elevados níveis de ácido úrico sérico, o qual é depositado na forma de cristais de monourato de sódio nas articulações, bainhas sinoviais, bursas, tecido subcutâneo e outros órgãos, como os rins (formação de cálculos renais. Epidemiologia: A incidência vem aumentando em todo o mundo devido à: maior longevidade, mudanças no estilo de vida e nas dietas e crescente prevalência de comorbidades (obesidade, síndrome metabólica, DM, HAS e doenças cardiovasculares). Maior prevalência em homens:: Homens possuem mais ácido úrico que as mulheres; Estrógeno tem efeito uricosúrico, sendo rara a gota na mulher pré-menopausa. Pico entre 30 e 60 anos nos homens e entre 55 e 70 anos nas mulheres. A idade é relevante devido a cofatores múltiplos: redução da função renal, maior uso de diuréticos e outras drogas, alterações no tecido conjuntivo favorecendo formações de cristais, maior prevalência de osteoartrite. Fatores de risco: Hiperuricemia, o abuso de bebida alcoólica, carne e frutos do mar ingeridos em excesso, e medicamentos (p. ex., diuréticos, baixas doses de salicilatos, ciclosporina, tacrolimo, etambutol, pirazinamida, ácido nicotínico). Frequentemente está associada com obesidade, dislipidemias, doenças mieloproliferativas, hematológicas e renais. Classificação e etiopatogenia Gota primária: erro inato no metabolismo das purinas → superprodução de ácido úrico e/ou diminuição da excreção renal de urato (principal mecanismo). Geralmente acompanha: obesidade, consumo excessivo de álcool, HAS e hipertrigliceridemia. Gota secundária: casos que aparecem no curso de outra doença ou uso de medicamentos. Doenças mieloproliferativas: leucemias, metaplasia mieloide, policitemia vera, linfomas. Hemoglobinopatias: drepanocitose, anemias hemolíticas. Drogas: diuréticos, salicilatos em baixas doses, pirazinamida, etambutol, L-dopa, quimioterápicos, ciclosporinas, tacrolimo, ácido nicotínico. Outros:: dietas ricas em purinas, inanição, saturnismo, cetose, estados de hiperinsulinemia ou resistência à insulina, psoríase, sarcoidose, hiperparatireoidismo, insuficiência renal, depleção de volume plasmático. Etiopatogenia: Em pH fisiológico, ácido úrico = urato, que, ao ultrapassar 6,8 mg/dL no plasma, forma cristais. O ácido úrico deriva do metabolismo das purinas, as quais possuem dois fontes: 1. Purinas endógenas: catabolismo dos ácidos nucleicos celulares e da biossíntese de novo das purinas (80%). 2. Purinas alimentares (20%). Estrógeno bloqueia enzimas como a URAT1 (transportadora renal de urato), diminuindo a absorção do ácido úrico e aumentando a eliminação pela urina. MEDICINA | REUMATOLOGIA | LARISSA MARZAGÃO FERREIRA Pacientes com doenças e em uso de medicações que levam ao maior risco do desenvolvimento de gota o fazem devido a um aumento do turnover celular = maior degradação de ATP – acúmulo de ADP, AMP e, consequentemente, maior síntese de ácido úrico. Fatores que contribuem para a formação de cristais: Presença intra-articular de cátions e agentes nucleantes (proteoglicanos, colágeno, sulfato de condroitina etc.), diminuição do pH e da temperatura articular, desidratação articular, traumas articulares e rápidas flutuações nos níveis de urato.. Patogênese da artrite gotosa aguda: Cristais de MUS estimulam uma resposta pró-inflamatória: Podem ser fagocitados por monócitos ou ativá-los via TLR. → liberação de citocinas inflamatórias (IL-1β, 6, 8 e TNF-α).. Os cristais também ativam inflassomas, os quais ativam a IL- 1β, que, por sua vez, faz liberar mais mediadores inflamatórios e recrutar mais neutrófilos para dentro das articulações, levando à autólise celular enzimática e maior precipitação de cristais no espaço articular. Quadro clínico Hiperuricemia assintomática Artrite gotosa aguda Períodos intercríticos Artrite crônica tofácea Nefropatia Litíase renal por uranos Hiperuricemia assintomática: elevação do nível sérico de ácido úrico não associado com manifestações clínicas de gota e/ou nefropatia. A longo prazo, pode ser fator de risco para a gota., principalmente se os níveis se mantiverem acima de 9 mg/dL. Hiperuricemia = supersaturação dos líquidos orgânicos com urato. Labortório: AU > 6,8 em média (> 6 nas mulheres e > 7 nos homens, nas crianças varia entre 2 e 4 mg/dL). Artrite gotosa aguda> comum por volta dos 40 anos (também antes dos 30 – pensar em deficiência enzimática específica). Dor mono/oligoarticular, início súbito, de forte intensidade, calor, rubor e edema. Pico de dor entre 8h e 12h. Acometimento principal: podagra (hálux). Outras áreas: pododáctilos, as tarsometatársicas, tibiotársicas, joelhos, punhos, mãos cotovelos, bursas e tendões. Fatores precipitantes: abuso de álcool, cirurgias, traumas, sepse e medicamentos. Quadro agudo é acompanhado de febre e calafrios, com duração curta (horas a dias). Período intercríticos: período entre as crises agudas. Dura de meses a anos. Alguns pacientes nunca terão uma segunda crise. Gota tofácea crônica: poliartrite crônica com o surgimento de tofos. Não há período intercrítico: a dor é contínua em várias articulações, de moderada intensidade, poucos sinais inflamatórios e aparecem deformidades. Tofos: são pacotes de ácido úrico, no qual se desenvolve tecido granulomatoso (até fibrose) em volta. Purinas -> hipoxantina -> xantina -> ácido úrico Enzima responsável: xantina oxidase. Essa transformação ocorre para que esses metabólitos se tornem hidrossolúveis (ácido úrico) para serem eliminados na urina. É importante que parte da hipoxantina seja reciclada para voltar à via metabólica. Alguns pacientes possuem deficiência em enzimas que fazem essa reciclagem, fazendo com que haja aumento do ácido úrico. Crises de gota aguda não tratadas ou malcuidadas favorecem a instalação de períodos intercríticos cada vez menores e ataques subsequentes mais graves e prolongados. Gradualmente, há resolução incompleta dos sintomas entre as crises e evolução para a gota poliarticular, crônica. MEDICINA | REUMATOLOGIA | LARISSA MARZAGÃO FERREIRA Geralmente indolores, podendo causar limitação e destruição articular. Se superficiais, podem gerar ulceração e drenagem de substância brancacenta (“pó de giz molhado”). Podem se desenvolver em qualquer parte do corpo, mas os lugares mais comuns são extremidades dos membros e hélice e anti-hélice das orelhas. Podem causar neuropatia compressiva na síndrome do túnel do carpo bilateral e na neuropatia ulnar. Fatores predisponentes: duração e severidade da hiperuricemia, início em idade precoce; longos períodos de gota ativa e não tratada; 4 ou mais crises por ano; tendência de acometimento poliarticular. Lesão renal: Nefropatia por uratos: deposição crônica de urato no interstício renal → pielonefrite crônica e azotemia (presença de ureia e outros compostos nitrogenados no sangue) lentamente progressiva. Nefropatia aguda por ácido úrico: deposição de AU nos túbulos renais. Mais comum no tratamento quimioterápico. Síndrome da lise tumoral. Litíase renal por ácido úrico:: probabilidade de cálculos aumenta com a concentração de urato sérico, com a quantidade de ácido úrico urinário, com a hiperacidez urinária e a desidratação.. Diagnóstico Avaliar fatores de risco e comorbdades! Laboratório: Dosagem de AU no sangue: até 7mg/dL no homem e até 6mg/dL na mulher. Dosagem de AU na urina 24h: 400-800mg em dietas livres. Solicitar em pacientes candidatos ao uso de medicamentos uricosúricos ou quando a causa da hiperuricemia persistente está sendo investigada. Avaliase o paciente é hiper ou hipossecretor (candidato ideal ao uricosúricos). Imagem:: Nas fases inicias, o Rx é normal ou há apenas aumento das partes moles. Diagnóstico definitivo: pesquisa de cristais de MUS no líquido sinovial e/ou nos tofos por microscopia ótica com luz polarizada, sendo o padrão esperado: cristais típicos em forma de bastão ou agulha, com forte birrefringência negativa. Erosões ósseas um pouco afastadas das juntas (erosão em saca-bocado); erosões com margens escleróticas e bordas proeminentes (Sinal de Martel); espaço articular preservado; ausência de osteopenia justa-articular; depósitos tofáceos; osteófitos e anquilose óssea. MEDICINA | REUMATOLOGIA | LARISSA MARZAGÃO FERREIRA US: espessamento sinovial com depósitos hiperecoicos, densidade linear sobre a cartilagem (sinal do duplo contorno). TS: pode demonstrar tofos intraarticulares não identificados ao Rx. Tratamento Tratamento da crise aguda: 1- AINEs (primeira linha). Alívio rápido dos sintomas. Indometacina, ibuprofeno, diclofenaco. 2- Colchicina (segunda linha). Utilizada se há contraindicação aos AINES. Tem sua ação “anti-inflamatória” baseada na inibição da movimentação e fagocitose dos leucócitos intra-articulares. 0,5mg 8h/8h ou 6h/6h. Diarreia, vômitos, toxicidade renal, neuromiopatia, supressão de medula óssea. 3- Corticoides intra-articulares (terceira linha). Os corticoides intra-articulares (ex.: triamcinolona 20-40 mg) devem ser escolhidos quando há contraindicação aos AINEs e à colchicina e o paciente apresenta monoartrite. 4- ACTH intramuscular (principalmente gota poliarticular). 5- Corticoide sistêmico. O Ácido Acetilsalicílico (AAS) está contraindicado (em qualquer dose), por variar abruptamente os níveis de urato sérico e articular, podendo, paradoxalmente, exacerbar a crise (ver adiante). Enquanto o AAS em altas doses (anti-inflamatórias) aumenta a excreção renal de ácido úrico, baixando agudamente seus níveis, o AAS em baixas doses (antiplaquetárias) tem efeito contrário: retenção de ácido úrico. ATENÇÃO! EM PACIENTES COM LESÃO RENAL, TRATAR DIFERENTE: AINES, colchinha e corticoide oral estão contraindicados. Utilizar corticoide intraarticular. A colchinha para profilaxia pode ser usada, já que a dose é mais baixa do que a usada para tratar a crise aguda. Profilaxia das crises: 1- Administração profilática diária de 0,5 mg de colchicina. Manter por até 6 meses após alcançado o alvo terapêutico> = AU < 6 mg/dL. 2- Regime de emagrecimento, sob supervisão médica, no caso de pacientes obesos. 3- Eliminação de possíveis fatores predisponentes, como álcool, alimentação rica em purinas etc 4- Instituição do tratamento contra a hiperuricemia. Se o paciente utilizar diuréticos, substituir caso for tiazídico (uma boa opção é a Losartana). MEDICINA | REUMATOLOGIA | LARISSA MARZAGÃO FERREIRA Redução da uricemia: Redução na sua síntese – Alopurinol: (Zyloric) Inibe a xantina oxidase. Candidatos: >800mg/24h + clearence renal > 60 mL/min. A dose inicial é de 100 mg/dia em uma ou duas tomadas, devendo ser aumentada até atingir níveis de ácido úrico ≤ 6 mg/dl. Efeitos adverso: febre, exantemas, necrólise tóxica da epiderme, aplasia de medula, vasculite e síndrome de hipersensibilidade ao alopurinol Estímulo da excreção renal = uricosúricos: Só podem ser usados em pacientes com hiperuricemia comprovadamente provocada pela redução da excreção renal de urato. Os agentes uricosúricos são a probenecida, a sulfimpirazona e a benzbromarona. O candidato ideal para o tratamento com uricosúricos tem menos de 60 anos, rins com função normal, eliminação diária de ácido úrico inferior a 600 mg e não apresenta antecedentes de nefrolitíase. (10% dos pacientes acabam desenvolvendo cálculos renais).
Compartilhar