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Dor abdominal, Diarreia, Vômitos e Icterícia 
Hanna Briza 
TUTORIA 06 – PANCREATITE AGUDA 
ANATOMIA 
O pâncreas é um órgão de localização retroperitonial, 
situando-se no abdome superior, entre as vértebras 
T12 e L2. Divide-se em três partes: cabeça, corpo e 
cauda. A cabeça encontra-se circundada pelo arco 
duodenal, enquanto sua cauda possui íntimo contato 
com o hilo esplênico. 
Toda secreção pancreática drena para o ducto 
pancreático principal, ou Ducto de Wirsung, 
desaguando o suco pancreático no duodeno, na 
estrutura denominada Papila de Vater ou papila maior 
do duodeno (identificada pela endoscopia na segunda 
porção do duodeno). Devemos lembrar que a papila de 
Vater também recebe o colédoco (via biliar principal). 
Na maioria das pessoas, existe um pequeno segmento 
comum intrapapilar na convergência entre o Wirsung e 
o colédoco. A via biliar “mergulha” na cabeça do 
pâncreas antes de desembocar no duodeno; esta 
informação é de vital importância para entendermos 
posteriormente porque patologias pancreáticas 
podem cursar com obstrução do fluxo biliar. A papila 
de Vater contém um arranjo de fibras musculares lisas, 
o esfíncter de Oddi, que auxilia no controle da expulsão 
da bile e suco pancreático. O ducto pancreático 
secundário, denominado ducto de Santorini, derivado 
do Wirsung, deságua uma pequena parte do suco 
pancreático na fina papila menor do duodeno, alguns 
centímetros acima da papila de Vater. 
O suprimento arterial é derivado de ramos 
provenientes do tronco celíaco e da artéria 
mesentérica superior. O tronco celíaco dá origem a três 
ramos: artéria hepática comum, artéria esplênica e 
artéria gástrica esquerda. A artéria hepática comum se 
bifurca nas artérias hepática própria e gastroduodenal. 
Esta última, por sua vez, dá origem à artéria 
gastroepiploica esquerda e às artérias 
pancreatoduodenais superiores, responsáveis pela 
irrigação da cabeça pancreática. A artéria esplênica dá 
origem aos ramos pancreáticos, responsáveis pela 
irrigação do corpo e cauda: artéria dorsal do pâncreas, 
artéria pancreática inferior, artéria pancreática magna 
e artéria da cauda do pâncreas. A drenagem venosa se 
faz para o sistema porta, através da veia esplênica ou 
diretamente para a veia porta. A drenagem linfática é 
feita principalmente para os linfonodos 
pancreatosplênicos. Alguns linfáticos drenam para os 
pancreático-duodenais e outros poucos para os 
linfonodos pré-aórticos. A inervação visceral eferente 
é feita pelo nervo vago e pelos nervos esplâncnicos, 
através dos plexos nervosos hepático e celíaco. 
HISTOLOGIA 
Histologicamente, o parênquima pancreático é 
composto por uma porção exócrina formada por 
glândulas mistas túbulo-acinares (80% do órgão), e por 
uma porção endócrina composta pelas ilhotas de 
Langerhans (cerca de 20% de sua massa total). São três 
os principais tipos celulares que compõem o 
componente exócrino: (1) células ductais; (2) células 
centroacinares; e (3) células acinares. Estas células 
produzem dois tipos de secreção: hidroeletrolítica e 
enzimática. As células ductais e centroacinares são 
semelhantes em função: produzem a chamada 
secreção hidroeletrolítica, composta por água e 
eletrólitos, e, principalmente, bicarbonato (HCO3). Já 
as células acinares são responsáveis pela produção da 
secreção enzimática, contendo as enzimas digestivas 
em sua forma precursora, ou zimogênios 
(tripsinogênio, quimotripsinogênio, pró-
carboxipeptidases, prófosfolipase A e B, pró-elastase, 
pré-calicreína) e também na forma ativada (amilase, 
lipase, co-lipase). 
FISIOLOGIA PANCREÁTICA 
O pâncreas é uma glândula do aparelho digestivo capaz 
de exercer uma dupla função – (1) exócrina (produção 
e secreção do suco pancreático, rico em bicarbonato e 
enzimas digestivas); e (2) endócrina (liberação de 
hormônios, tais como a insulina, o glucagon e a 
somatostatina). 
A função pancreática exócrina está associada 
fundamentalmente ao processo de digestão de 
carboidratos, lipídios e proteínas, permitindo que essas 
substâncias sejam adequadamente clivadas em 
moléculas absorvíveis e utilizadas para diversos fins. 
Entretanto, a produção exócrina do pâncreas não se 
limita aos períodos pós-prandiais precoces, mas 
também se faz presente nos períodos interdigestivos, 
ou seja, entre as refeições: 
(1) Secreção Digestiva: a secreção pancreática digestiva é 
semelhante à secreção gástrica, possuindo três fases: 
a) Fase Cefálica: os estímulos olfatórios e visuais 
vão até o córtex cerebral e desencadeiam 
aumento da produção exócrina pancreática 
através de sinais colinérgicos via nervo vago. 
Além da acetilcolina, estão envolvidos o 
Peptídeo Intestinal Vasoativo (VIP) e o Fator 
 
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Dor abdominal, Diarreia, Vômitos e Icterícia 
Hanna Briza 
Liberador de Gastrina (GRF), secretagogos 
liberados pelas terminações nervosas vagais. 
b) Fase Gástrica: resulta da distensão gástrica 
causada pela chegada dos alimentos. Há um 
grande estímulo para a produção de enzimas e 
apenas um pequeno incremento na produção 
de secreção hidroeletrolítica. Além deste 
reflexo gastropancreático, a distensão do 
antro gera liberação de gastrina, a qual 
estimula a secreção pancreática. 
c) Fase Intestinal: é a mais importante fase da 
secreção pancreática, sendo a principal 
responsável pela manutenção da secreção 
durante todo o processo digestório. O quimo 
rico em H+ induz a liberação de secretina pelas 
células S da mucosa duodenal e do jejuno 
proximal. Por outro lado, o quimo é também 
rico em aminoácidos, polipeptídeos e ácidos 
graxos, os quais estimulam as células I do 
duodeno e jejuno proximal a produzirem 
Colecistoquinina (CCK), ou pancreozimina. A 
secretina e a colecistoquinina são os principais 
secretagogos pancreáticos. 
 
(2) Secreção Interdigestiva: inicia-se quando o Trato 
Gastrointestinal alto (TGI) encontra-se livre de 
alimentos. A secreção hidroeletrolítica e enzimática 
interprandial se faz de maneira cíclica, acompanhando 
a atividade elétrica intrínseca do estômago e duodeno, 
durante os chamados Complexos Mioelétricos 
Migratórios (CMM). Acredita-se que esta atividade 
secretória seja mediada por ativação colinérgica. 
O PAPEL DA SECRETINA 
A secretina é um polipeptídeo de 27 aminoácidos cuja 
função primordial é estimular as células ductais e 
centroacinares a produzir secreção hidroeletrolítica, 
fundamentalmente rica em bicarbonato de sódio. A 
secreção alcalina resultante tem como principais 
ações: 
✓ Proteger a mucosa duodenal contra o 
potencial lesivo do suco gástrico ácido. 
✓ Criar um pH alcalino (> 7,00) ótimo para a 
máxima ação das enzimas pancreáticas. 
O PAPEL DA COLECISTOQUININA (CCK) 
A CCK é um polipeptídeo que tem como principal 
finalidade estimular as células acinares a produzir 
secreção rica em enzimas que atuam no processo 
digestório. As enzimas produzidas são, em sua maioria, 
pró-enzimas (ou zimogênios), ou seja, necessitam da 
ação de cofatores para que se tornem substâncias 
biologicamente ativas. Apenas a amilase e a lipase já 
são liberadas em suas formas ativas. As demais 
enzimas são ativadas no interior do lúmen intestinal 
alto, sendo a tripsina o principal cofator de ativação. 
A enteroquinase é uma importante enzima 
normalmente presente na borda em escova das células 
da mucosa duodenojejunal, tendo como função 
primordial converter o tripsinogênio e tripsina. A 
tripsina é uma potente enzima proteolítica, capaz de 
ativar todas as outras pró-enzimas pancreáticas em 
enzimas ativas. As enzimas pancreáticas são 
responsáveis pela digestão das proteínas (tripsina, 
quimiotripsina, elastase e carboxipeptidases), amido 
(amilase) e lipídios (lipase, colipase e fosfolipase A2), 
cujos subprodutos são absorvidos pela mucosa 
intestinal. 
CONCEITO 
A pancreatite aguda é definida como uma condição 
inflamatória aguda do pâncreas,com acometimento 
variável das estruturas peripancreáticas e órgãos à 
distância, cuja gênese depende da autodigestão 
tecidual pelas próprias enzimas pancreáticas. Nos 
casos mais graves, a pancreatite aguda se comporta 
como uma doença multissistêmica e leva à Síndrome 
da Resposta Inflamatória Sistêmica (SIRS), com alta 
letalidade. A pancreatite aguda caracteristicamente 
não deixa sequelas pancreáticas – morfológicas ou 
funcionais – após a resolução do quadro. 
EPIDEMIOLOGIA 
Cerca de 80-90% dos casos de pancreatite aguda 
cursam apenas com edema do pâncreas, sem áreas 
extensas de necrose, sem complicações locais ou 
sistêmicas e de curso autolimitado em 3-7 dias. Esta é 
a pancreatite aguda edematosa ou intersticial, ou 
ainda, pancreatite aguda “leve”. 
Os 10-20% restantes cursam com extensa necrose 
parenquimatosa, hemorragia retroperitoneal, um 
quadro sistêmico grave e uma evolução de 3-6 
semanas. Esta é a pancreatite aguda necrosante ou 
necrohemorrágica, ou ainda, pancreatite aguda 
“grave”. Enquanto a letalidade da pancreatite aguda 
edematosa aproxima-se a 1%, na pancreatite aguda 
necrosante ela chega a 30-60%. 
A incidência da pancreatite aguda varia de 4,8 a 24,2 
casos/100.000 habitantes em países desenvolvidos, 
 
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Dor abdominal, Diarreia, Vômitos e Icterícia 
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mas não há dados concretos a respeito de sua 
incidência no Brasil. 
A mortalidade na pancreatite aguda respeita um 
padrão bimodal, devendo-se, nas primeiras duas 
semanas, à resposta inflamatória sistêmica e às 
disfunções orgânicas por ela induzidas. Após esse 
período, deve-se, habitualmente, às complicações 
infecciosas da doença. Melhor conhecimento da 
fisiopatologia da pancreatite aguda e desenvolvimento 
e implementação de novas medidas terapêuticas 
reduziram a mortalidade nos casos graves, embora ela 
ainda atinja 30% em algumas casuísticas. É importante 
ressaltar que as pancreatites graves são, geralmente, 
de etiologia biliar. 
ETIOLOGIA 
As causas mais comuns de pancreatite aguda são a 
litíase biliar e o álcool, responsáveis por cerca de 75% 
dos casos. Embora não se conheça exatamente o 
mecanismo pelo qual esses dois fatores desencadeiam 
pancreatite aguda, algumas hipóteses foram 
aventadas. 
PANCREATITE AGUDA BILIAR 
A passagem de cálculos biliares através da ampola de 
Vater parece ser a causa mais comum de pancreatite 
aguda. Estes cálculos geralmente são pequenos (< 5 
mm), sendo menores do que aqueles que causam 
coledocolitíase e colangite, embora estas complicações 
possam coexistir com a pancreatite. Cerca de 25-50% 
dos pacientes com pancreatite aguda biliar 
apresentam coledocolitíase associada, na maioria das 
vezes assintomática. A hipótese mais aceita 
atualmente é de que a obstrução transitória da ampola 
de Vater por um pequeno cálculo ou pelo edema 
gerado por sua passagem aumente subitamente a 
pressão intraductal e estimule a fusão lisossomal aos 
grânulos de zimogênio, ativando a tripsina. Isso 
provocaria a liberação de enzimas digestivas 
pancreáticas ativadas no parênquima. Outra hipótese 
aventada é que essa obstrução proporcionaria a 
ocorrência de refluxo biliar para o ducto pancreático, 
desencadeando o processo de ativação enzimática. Ao 
contrário da pancreatite alcoólica, a pancreatite biliar 
não se associa à pancreatite crônica. A colecistectomia 
previne as frequentes recidivas de pancreatite aguda 
nesses pacientes. A pancreatite biliar é mais comum no 
sexo feminino (2:1), em obesos e na faixa etária entre 
50-70 anos, dados próprios da doença litiásica biliar em 
geral. Entretanto, pode ocorrer em qualquer idade e 
em qualquer tipo físico. A pancreatite aguda complica 
3-7% dos indivíduos com colelitíase. 
PANCREATITE AGUDA ALCOÓLICA 
A pancreatite aguda é observada em 5-10% dos 
alcoólatras, competindo com a pancreatite biliar pelo 
primeiro lugar entre as causas de pancreatite aguda. 
Em geral, o indivíduo já é etilista inveterado (> 25 g 
etanol/dia segundo estudos recentes e > 100 g/dia 
classicamente) há pelo menos uns cinco anos (média 
de 15 anos) e já existe um acometimento crônico do 
pâncreas, mesmo que subclínico. A pancreatite 
alcoólica crônica é marcada por vários episódios 
recorrentes de pancreatite aguda, em geral, 
desencadeados após libação alcoólica. A patogênese 
da pancreatite aguda alcoólica é desconhecida, mas 
diversos fatores são implicados: 
1) estímulo direto à liberação de grandes 
quantidades de enzimas pancreáticas ativadas; 
2) contração transitória do esfíncter de Oddi; 
3) lesão tóxica acinar direta do etanol ou de um 
metabólito; 
4) formação de cilindros proteináceos que 
obstruem os dúctulos. 
Além da litíase biliar e do alcoolismo, existem diversas 
outras causas de pancreatite aguda, responsáveis pelos 
25% restantes. Dentro desse grupo merece destaque a 
“pancreatite aguda idiopática” que, na realidade, em 
grande parte das vezes está relacionada à microlitíase 
biliar. 
HIPERTRIGLICERIDEMIA 
A hipertrigliceridemia é responsável por < 4% das 
pancreatites agudas. A maioria dos casos ocorre em 
pacientes diabéticos mal controlados e/ou com 
hipertrigliceridemia familiar e em alcoolistas. Acredita-
se que a lipase pancreática metabolize os triglicérides 
em ácidos graxos livres que, por sua vez, seriam 
diretamente nocivos ao tecido pancreático. Outras 
causas de hipertrigliceridemia são: uso de estrogênio, 
nutrição parenteral, uso de propofol, hipotireoidismo, 
síndrome nefrótica. Os níveis exatos de triglicérides 
necessários para induzir PA não são conhecidos. 
Geralmente níveis maiores que 1.000 mg/dl são 
necessários, mas há relatos de pancreatite com 500-
1.000 mg/dl. OBS.: A hipertrigliceridemia acentuada 
pode falsear o resultado da amilase sérica, pois uma 
substância inibidora da atividade da amilase se eleva 
junto com os triglicerídeos. A diluição da amostra pode 
revelar a hiperamilasemia nesses casos. 
 
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Dor abdominal, Diarreia, Vômitos e Icterícia 
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HIPERCALCEMIA 
O hiperparatireoidismo primário é causa rara de 
pancreatite (menos que 0,5%). Cerca de 2% dos 
pacientes com esta síndrome endócrina podem evoluir 
com tal complicação. Outras causas de hipercalcemia 
podem determinar pancreatite, até mesmo a infusão 
excessiva de gluconato de cálcio. O mecanismo é 
desconhecido. 
PÓS-OPERATÓRIO 
A pancreatite aguda pode ocorrer no pós-operatório 
de cirurgias abdominais e cirurgias cardíacas (pelo 
efeito da CEC). A incidência depende do tempo de 
cirurgia e do grau de proximidade entre o pâncreas e o 
local operado. Nas cirurgias abdominais, o mecanismo 
é o trauma direto, sendo o prognóstico muito ruim 
quando comparado com outras causas de pancreatite. 
O diagnóstico é difícil, pois a dor abdominal é comum 
no pós-operatório. 
INDUZIDA POR FÁRMACOS 
A pancreatite causada por medicamentos é um evento 
incomum. A patogenia pode estar relacionada à 
hipersensibilidade ou a um efeito tóxico direto. O 
diagnóstico depende de alto grau de suspeição e 
anamnese detalhada. A classe de drogas mais 
associada com a pancreatite aguda são os 
imunossupressores, incluindo a azatioprina, 6-
mercaptopurina, ciclosporina e tacrolimus. Nos 
pacientes HIV positivos, a principal causa de 
pancreatite é a induzida por medicamentos, 
principalmente a didanosina (DDI) e a pentamidina. 
Outras drogas envolvidas são: antibióticos 
(metronidazol, SMZ-TMP, tetraciclina), diuréticos 
(tiazídicos, furosemida), drogas usadas nas doenças 
inflamatórias intestinais (sulfasalazina, 5-ASA), 
anticonvulsivantes (ácido valproico), antiinflamatórios 
(sulindac), anti-hipertensivos (metildopa, IECA, 
clonidina), cálcio, estrógenos e tamoxifeno. 
Obs: Litíase biliar e álcool são as principais causas de 
pancreatite aguda, respondendo por cerca de 75% dos 
casos. Contudo, enquanto o álcool também pode 
provocar pancreatite crônica,o mesmo não acontece 
com os cálculos biliares, que causam exclusivamente 
doença aguda. 
OUTRAS CAUSAS 
1) Trauma Abdominal: principal causa de 
pancreatite aguda em pacientes pediátricos. 
2) Pancreatite Aguda Hereditária. 
3) Fibrose Cística. 
4) Colangiopancreatografia Endoscópica 
Retrógrada (CPER). 
5) Viroses: caxumba, coxsackie, hepatite B, 
citomegalovírus, varicela-zóster, herpes 
simples. 
6) Bacterianas (micoplasma, legionela, 
leptospira, salmonela, tuberculose, brucelose, 
etc.) e Fúngicas (Aspergillus sp., Candida sp.) 
7) Infestações Parasitárias: o destaque em nosso 
meio é o Ascaris lumbricoides, que pode 
obstruir transitoriamente a ampola de Vater, 
causando pancreatite aguda. Outros parasitas 
implicados são: T. gondii, Cryptosporidium. 
8) Obstrução Ductal Crônica (cisto de colédoco, 
divertículo, pancreatite crônica, Ca pâncreas, 
adenoma viloso, doença de Crohn e outros). 
9) Vasculite (PAN, LES), outras causas de isquemia 
pancreática. 
10) Pancreas Divisum, Pâncreas Anular. 
11) Envenenamento por escorpião (Titius sp., o 
“escorpião brasileiro”) 
“PANCREATITE AGUDA IDIOPÁTICA” 
Cerca de 20% dos pacientes com pancreatite aguda 
encontram-se neste grupo. Hoje em dia, são descritas 
duas entidades que parecem ser responsáveis por 
grande parte das pancreatites agudas neste grupo: 
(1) Microlitíase Biliar – 2/3 dos casos. 
(2) Disfunção do Esfíncter de Oddi – 1/3 dos casos. 
Microlitíase biliar (“Lama Biliar”): “lama biliar” é uma 
suspensão viscosa na vesícula biliar que pode conter 
cálculos microscópicos. Na USG, parece como um 
agrupamento de ecos de baixa amplitude, sem sombra 
acústica, “repousando” no fundo da vesícula e 
mudando de local conforme a posição do paciente. 
Alguns estudos sugeriram que até 75% dos casos de 
pancreatite aguda “idiopática” podem ser 
ocasionados, na realidade, pela lama biliar. O uso de 
ácido ursodesoxicólico reduz a recorrência desses 
episódios. Outras opções são a papilotomia 
endoscópica e a colecistectomia. 
Disfunção do Esfíncter de Oddi: pode ser 
diagnosticada pela mensuração da pressão 
intraesfincteriana, através da canulização da Papila de 
Vater (guiada pela endoscopia). A pressão do esfíncter, 
que normalmente fica em torno de 15 mmHg, costuma 
ser flagrada em níveis próximos a 40 mmHg. O 
tratamento preconizado é a papilotomia endoscópica 
 
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Dor abdominal, Diarreia, Vômitos e Icterícia 
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ou a esfincteroplastia cirúrgica, com resultados 
razoáveis. 
FISIOPATOLOGIA 
Na pancreatite aguda, o patologista detecta uma 
reação inflamatória aguda difusa do pâncreas, 
associada a áreas de necrose gordurosa (marco da 
doença), tanto ao longo do parênquima do órgão 
quanto nos tecidos peripancreáticos, incluindo o 
mesentério e o omento. Nos casos mais graves, 
formam-se extensas áreas de necrose glandular, com 
ruptura vascular e focos de hemorragia. Os achados 
patológicos indicam um processo “autodigestivo” do 
pâncreas. 
O pâncreas funciona como uma grande glândula 
exócrina e endócrina: suas células acinares são 
responsáveis pela função exócrina, sintetizando e 
secretando as enzimas pancreáticas, fundamentais 
para a digestão dos alimentos no tubo digestivo. As 
células das Ilhotas de Langerhans têm função 
endócrina, sintetizando e secretando hormônios como 
a insulina, o glucagon e a somatostatina. 
Com exceção da amilase e da lipase, as demais enzimas 
pancreáticas são armazenadas e secretadas como 
próenzimas inativas – os zimogênios. Os principais 
exemplos são: tripsinogênio, quimotripsinogênio, pró-
elastase, pró-fosfolipase A. Ao chegar ao duodeno, o 
tripsinogênio é convertido em tripsina pela 
enteroquinase, uma enzima proteolítica existente na 
“borda em escova” do epitélio intestinal. A tripsina é o 
“gatilho” para o restante do processo digestivo, pois é 
capaz de ativar todas as outras enzimas pancreáticas, 
incluindo o próprio tripsinogênio. Nesse momento, 
forma-se uma grande quantidade de tripsina, 
quimotripsina, elastase e fosfolipase A (entre outras 
enzimas). 
O que acontece na pancreatite aguda? Ainda não se 
tem certeza do mecanismo patogênico inicial da 
pancreatite aguda, embora existam algumas hipóteses 
aceitas – sabemos que o processo inflamatório se inicia 
pela lesão das células acinares, que passam a liberar 
enzimas pancreáticas ativas para o interstício. 
Segundo a teoria mais aceita atualmente, um estímulo 
lesivo à célula acinar provoca a fusão dos grânulos 
contendo zimogênio com as vesículas lisossomais, que 
contêm a enzima catepsina B. Esta hidrolase é capaz de 
converter o tripsinogênio em tripsina dentro da célula 
acinar, culminando na ativação de todos os 
zimogênios. As vesículas de fusão, em vez de migrarem 
para a borda luminal da célula, migram para a borda 
intersticial, sendo liberadas no estado ativo no 
interstício pancreático, dando início ao processo 
autodigestivo. Essa hipótese é denominada “teoria da 
colocalização lisossomal”. Tal mecanismo é 
reproduzível no laboratório, em animais. Um aumento 
na concentração intracelular de cálcio também parece 
capaz de promover a autoativação do tripsinogênio em 
tripsina, participando na gênese da pancreatite. 
As enzimas fosfolipase A e lipase são as responsáveis 
pela autodigestão da gordura pancreática e 
peripancreática. Os ácidos graxos liberados neste 
processo formam complexos com o cálcio 
(saponificação), contribuindo para a hipocalcemia da 
pancreatite. A enzima elastase é a responsável pela 
lesão do tecido intersticial e pela ruptura da parede 
vascular. 
Antigamente, acreditava-se que as enzimas 
pancreáticas eram as únicas responsáveis pela 
inflamação e necrose pancreáticas, assim como a 
disfunção sistêmica. Hoje em dia, sabe-se que a lesão 
enzima-induzida é apenas o evento inicial de uma 
cascata de fatores. A tripsina converte a pré-calicreína 
em calicraína, ativando o sistema de cininas, e o fator 
XII (fator de Hageman) em fator XIIa, ativando o 
sistema da coagulação pela via intrínseca (responsável 
pela formação de microtrombos nos vasos 
pancreáticos, que podem contribuir para a necrose). 
Por ser interligado ao sistema de cininas e o fator XII, o 
sistema complemento também é ativado, atraindo 
para o local neutrófilos e macrófagos, que, por sua vez, 
produzem novos mediadores inflamatórios, como o 
PAF (Fator Ativador Plaquetário) e diversas citocinas, 
como IL-1, TNF-alfa, IL-6 e IL-8. Um exagero neste 
processo leva à SIRS (Síndrome da Resposta 
Inflamatória Sistêmica). 
Dano à microcirculação – A liberação de enzimas 
ativadas no interstício do pâncreas acaba lesando o 
endotélio vascular assim como as células acinares. 
Alterações microcirculatórias, como microtrombose, 
vasoconstrição, estase capilar, redução da saturação 
de oxigênio e isquemia progressiva ocorrem. Tais 
fenômenos produzem um aumento na permeabilidade 
capilar e edema da glândula. A lesão vascular pode 
levar à insuficiência microcirculatória e amplificação do 
dano ao tecido pancreático. 
Translocação bacteriana – A translocação bacteriana é 
fenômeno que ocorre na pancreatite aguda. A quebra 
da barreira intestinal é ocasionada pela hipovolemia (e 
isquemia) e por shunts arteriovenosos induzidos pela 
pancreatite. A principal via de translocação bacteriana 
 
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Dor abdominal, Diarreia, Vômitos e Icterícia 
Hanna Briza 
é através do cólon transverso, uma vez que este 
segmento intestinal está próximo ao pâncreas e pode 
ser afetado pelo processo inflamatório 
peripancreático. As consequências da translocação 
bacteriana podem ser letais. A infecção de tecido 
pancreático e peripancreático ocorre em cerca de 30-
40% dos casos de pancreatite aguda grave e traz uma 
letalidade altíssima, quando não tratada 
adequadamente. 
QUADRO CLÍNICO 
Pancreatite aguda é uma importante causa de dor 
abdominal aguda associada a vômitos.Uma vez que a 
clínica da doença pode ser similar à de numerosas 
outras patologias agudas, é difícil o diagnóstico basear-
se somente em sintomas e sinais clínicos. A doença 
varia em severidade e o diagnóstico é, muitas vezes, 
falho nos extremos da apresentação. Os principais 
sintomas da pancreatite aguda são a DOR ABDOMINAL, 
as NÁUSEAS e os VÔMITOS. 
Quase todos os pacientes experimentam dor 
abdominal aguda em andar superior de abdome. A dor 
é contínua e pode se localizar em mesogástrio, 
quadrante superior direito, ser difusa ou, raramente, à 
esquerda. Uma característica da dor, que está presente 
em metade dos pacientes e que sugere origem 
pancreática, é a disposição em barra e a irradiação para 
o dorso. Normalmente precisa de analgésicos opiáceos 
para o seu controle. Ao contrário da dor biliar que 
permanece, no máximo, de 6 a 8 horas, a dor 
pancreática se mantém por dias. A progressão da dor é 
rápida (mas não tão abrupta quanto aquela da 
perfuração visceral), atingindo intensidade máxima 
dentro de 10 a 20 minutos. Pancreatite aguda com 
ausência de dor não é comum (5-10%), mas pode ser 
complicada e fatal. 
Um aspecto interessante é o fato de os sintomas na 
pancreatite aguda relacionada ao álcool 
frequentemente aparecerem após um ou três dias de 
uma libação alcoólica intensa. 
A dor abdominal é tipicamente acompanhada (cerca de 
90%) de náuseas e vômitos que podem persistir por 
várias horas. Os vômitos podem ser incoercíveis e, em 
geral, não aliviam a dor; podem estar relacionados à 
dor intensa ou a alterações inflamatórias envolvendo a 
parede posterior do estômago. Inquietação, agitação e 
alívio da dor em posição de flexão anterior do tórax 
(genupeitoral) são outros sintomas notados. Pacientes 
com ataque fulminante podem apresentar-se em 
estado de choque ou coma. 
O exame físico varia na dependência da gravidade da 
doença. Achados sistêmicos incluem febre, sinais de 
desidratação, taquicardia e, em casos mais graves, 
choque e coma. Na pancreatite necrosante, o paciente 
pode se apresentar em mau estado geral, toxêmico, 
pálido, hipotenso, taquicárdico (100-150 bpm), 
taquipneico (pela dor ou pelo acometimento 
pulmonar), febril (38,5-39ºC) e com o sensório 
deprimido (confusão mental, torpor ou coma). Existe 
um espectro de gravidade na pancreatite aguda, e os 
sinais acima podem estar presentes em maior ou 
menor grau. O derrame pleural à esquerda é comum 
(pela extensão da inflamação para a hemicúpula 
diafragmática esquerda) e pode contribuir para a 
dispneia. 
O abdome na pancreatite aguda geralmente mostra 
achados inferiores aos esperados pelo quadro álgico do 
paciente. O exame físico revela desde dor leve à 
palpação até sinais de irritação peritoneal com 
descompressão dolorosa (Blumberg) nos casos mais 
graves. Distensão abdominal, devido ao “íleo 
paralítico” em consequência à inflamação intra-
abdominal, é um achado comum, especialmente nos 
casos mais graves. Na radiografia, a distensão pode ser 
de delgado e/ou de cólon. 
Obstrução do ducto biliar principal em razão de 
coledocolitíase ou edema da cabeça do pâncreas pode 
ocasionar icterícia (geralmente leve). A icterícia ocorre 
em cerca de 10% dos casos e não necessariamente 
indica, como vimos, pancreatite aguda biliar. Alguns 
sinais cutâneos podem acontecer na pancreatite 
aguda, de forma incomum: 
a) Equimose em flancos – Sinal de Grey-Turner 
b) Equimose periumbilical – Sinal de Cullen 
c) Necrose gordurosa subcutânea – Paniculite 
d) Equimose na base do pênis – Sinal de Fox 
Sinal de Grey-Turner 
Os primeiros dois sinais ocorrem em 1% dos casos. São 
característicos, mas não patognomônicos. São 
causados pela extensão do exsudato hemorrágico 
pancreático retroperitoneal através do tecido 
subcutâneo e estão associados com mau prognóstico. 
 
7 
Dor abdominal, Diarreia, Vômitos e Icterícia 
Hanna Briza 
Já a necrose gordurosa subcutânea (paniculite) é um 
evento raro, se caracterizando pela presença de 
nódulos subcutâneos dolorosos de 0,5-2 cm e eritema 
na pele adjacente (semelhantes ao eritema nodoso). 
Geralmente, se localizam nas extremidades, podendo 
ser justarticulares, mas podem ocorrer em outros 
locais, como nádegas, tronco e escalpo. Podem 
preceder, ou não, os sintomas da pancreatite e tendem 
a melhorar junto com o quadro clínico. 
 
A retinopatia de Purtscher é uma rara complicação da 
pancreatite aguda. Manifesta-se como escotomas e 
perda súbita da visão. A fundoscopia demonstra 
exsudatos algodonosos e hemorragias confinadas à 
mácula e à papila óptica. 
O comprometimento respiratório pode piorar após os 
primeiros dias, se instalando derrame pleural (com 
preferência pelo lado esquerdo), atelectasia (pela dor 
ou obesidade) ou mesmo a Síndrome do Desconforto 
Respiratório Agudo (SDRA) – esta é uma das 
complicações sistêmicas mais temíveis da pancreatite 
aguda e se caracteriza pela hipoxemia refratária à 
administração de altos fluxos de O2 , associado a 
infiltrado pulmonar bilateral, em geral assimétrico. O 
principal diagnóstico diferencial da SDRA é o edema 
pulmonar cardiogênico. 
O paciente pode chegar “chocado” ou evoluir para o 
choque após os primeiros dias – o choque na maioria 
dos casos tem dois componentes: 
1) Hipovolêmico – estima-se a perda de 6-10 
litros para o retroperitônio ou para o peritônio 
nos pacientes com pancreatite grave. 
2) Vasodilatação sistêmica (choque distributivo) 
– exatamente a mesma fisiopatologia do 
choque séptico, porém, sem haver infecção. 
Podemos chamar de “choque sirético” (SIRS = 
Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica). 
Neste choque, temos uma queda acentuada da 
resistência vascular periférica (causando grave 
hipotensão arterial), venodilatação e um 
aumento do débito cardíaco (estimulado pela 
baixíssima pós-carga). 
A insuficiência renal é comum na pancreatite grave, 
manifestando-se como azotemia no exame laboratorial 
(aumento de ureia e creatinina). A causa na maioria das 
vezes é pré-renal, devido à hipovolemia (perda para o 
3º espaço), portanto, é reversível com a reposição 
volêmica agressiva. No entanto, em alguns casos, os 
rins são lesados pela reação inflamatória sistêmica 
(enzimas ativadas e mediadores liberados por 
leucócitos) ou pela isquemia prolongada, evoluindo 
para um quadro de necrose tubular aguda – neste caso, 
a azotemia não reverte com a reposição volêmica e 
pode vir a ser grave a ponto de causar síndrome 
urêmica e distúrbios hidroeletrolíticos e acidobásicos 
indicativos de diálise. 
DIAGNÓSTICO 
A leucocitose é comum, principalmente nos casos 
graves, onde pode chegar até 30.000/mm3 refletindo 
o grau de inflamação sistêmica (por isso é um 
importante critério prognóstico). O aumento de 
proteína C reativa é outro marco laboratorial de 
gravidade, já que mede a intensidade da resposta 
inflamatória. A hiperglicemia é uma alteração comum, 
e no início do quadro é devida à SIRS mas, 
posteriormente, pode ser secundária a uma destruição 
maciça das ilhotas de Langerhans, na pancreatite 
necrosante extensa. Hipocalcemia também é achado 
frequente, e decorre da saponificação do cálcio 
circulante pela gordura peripancreática necrosada – 
por este motivo também possui relação direta com a 
gravidade do quadro (quanto mais necrose, mais 
hipocalcemia). Outros marcos que indicam gravidade 
são o aumento das escórias nitrogenadas e as 
alterações nas provas de coagulação (ex.: alargamento 
do TAP e PTTa). 
As provas hepáticas também podem estar alteradas, 
revelando aumento das aminotransferases, fosfatase 
alcalina e bilirrubina. O aumento das 
aminotransferases, além de ter valor prognóstico, 
pode sugerir o diagnóstico etiológico da pancreatite. 
Uma TGP (ALT) > 150 U/L tem especificidade de 96% 
para pancreatite biliar. Porém, a TGP (ALT) < 150 U/L 
não afasta pancreatitebiliar, já que a sensibilidade é 
baixa (48%). 
CONFIRMAÇÃO DIAGNÓSTICA 
O diagnóstico de pancreatite aguda pode ser 
facilmente estabelecido diante de um caso clínico 
típico com o auxílio da dosagem sérica de amilase e 
lipase (que estarão > 3x o LSN). Métodos de imagem, 
como a Tomografia Computadorizada de Abdome, são 
 
8 
Dor abdominal, Diarreia, Vômitos e Icterícia 
Hanna Briza 
úteis nos casos duvidosos, podendo confirmar o 
diagnóstico de pancreatite ao demonstrarem a 
presença de edema/necrose do parênquima 
pancreático. Cumpre ressaltar, no entanto, que os 
exames de imagem não são obrigatórios para o 
diagnóstico em todos os casos, existindo indicações 
específicas para sua realização. 
AMILASE SÉRICA 
Esta enzima pancreática costuma se elevar já no 
primeiro dia do quadro clínico (2-12h após o início dos 
sintomas), mantendo-se alta por 3-5 dias. Sua 
sensibilidade é de 8590% entre 2-5 dias. Sua 
especificidade é de 70-75%. O normal da amilase sérica 
geralmente é abaixo de 160 U/L. A especificidade 
aumenta muito quando considerados níveis acima de 
500 U/L e principalmente 1.000 U/L! A amilase pode 
estar normal nos casos de pancreatite crônica 
avançada agudizada (como na pancreatite alcoólica), 
pois o parênquima pancreático já está destruído, 
exaurido de suas enzimas. Como já citado 
anteriormente, os níveis de amilase podem estar 
falsamente reduzidos na hipertrigliceridemia (quando 
os triglicerídeos aumentam, aumenta também um 
fator solúvel que inibe a amilase...). Uma amilase 
colhida após o quinto dia dos sintomas 
frequentemente é negativa. 
A especificidade da amilase é comprometida por 4 
fatos: 
1) Amilase Salivar: a maior parte da amilase 
existente no organismo não é pancreática, mas 
sim salivar (55-60% da amilase). 
2) Absorção Intestinal: existe amilase pancreática 
na luz intestinal, podendo haver absorção 
luminal pelo intestino inflamado ou obstruído. 
3) Macroamilasemia: uma entidade caracterizada 
pela ligação de uma proteína sérica à amilase 
plasmática, impedindo que ela seja 
normalmente filtrada pelos rins. 
4) Insuficiência Renal: uma parte da amilase é 
eliminada pelos rins, logo, a insuficiência renal 
grave cursa com hiperamilasemia. 
Doenças da glândula salivar e outras doenças 
intraabdominais agudas podem cursar com aumento 
da amilase. Ex.: colecistite aguda, coledocolitíase, 
perfuração de qualquer víscera oca (ex.: úlcera 
perfurada), isquemia Confirmação diagnóstica 
mesentérica, obstrução intestinal aguda, apendicite 
aguda, salpingite aguda, gravidez ectópica. Entretanto, 
apesar de existirem diversas causas de 
hiperamilasemia, raramente elas elevam a amilase 
acima de 3-5 vezes o limite da normalidade (> 500 
UI/L). Elevações dessa magnitude possuem 
ESPECIFICIDADE para pancreatite. 
A determinação da isoforma pancreática da amilase 
não é específica da pancreatite, visto também estar 
aumentada nas lesões intestinais e na insuficiência 
renal. 
LIPASE SÉRICA 
Esta outra enzima pancreática se eleva junto com a 
amilase na pancreatite aguda, porém, permanece alta 
por um período mais prolongado (7-10 dias). Possui 
sensibilidade igual à da amilase (85%), sendo mais 
específica (80%). A lipase também existe dentro do 
lúmen intestinal e as mesmas condições abdominais 
que fazem aumentar a amilase também podem fazer 
aumentar a lipase – Em geral, essas condições também 
não aumentam mais que 3 vezes o limite da 
normalidade (normal: até 140 U/L; 3x o normal: > 450 
U/L, variando conforme o método laboratorial usado). 
AMILASE + LIPASE SÉRICAS 
Tanto a amilase quanto a lipase, se acima de 3 vezes o 
limite superior da normalidade, são altamente 
específicas para pancreatite aguda – logo, na prática 
devemos dosá-las em conjunto para confirmar o 
diagnóstico de pancreatite! Se as duas estiverem 
aumentadas, a especificidade é de 95%. A sensibilidade 
das duas juntas é de 95%, ou seja, em apenas 5% dos 
casos de pancreatite aguda as duas enzimas são 
normais (provavelmente casos de “pancreatite crônica 
agudizada”). 
OUTRAS DOSAGENS LABORATORIAIS 
Diversos fatores vêm sendo estudados como 
substitutos da amilase e lipase para o diagnóstico de 
pancreatite aguda, por exemplo: peptídeo ativador do 
tripsinogênio, tripsinogênio 2 e tripsinogênio urinário. 
Tais exames, no entanto, ainda precisam ser 
consagrados com grandes estudos para ganharem real 
aplicação prática. 
TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA CONTRASTADA 
A Tomografia Computadorizada (TC) com contraste 
venoso é o melhor método de imagem para avaliar a 
presença de complicações locorregionais num quadro 
de pancreatite aguda, sendo indicada nos casos 
classificados como “graves”. Como a TC pode ser 
normal em 1530% dos casos de pancreatite “leve”, sua 
 
9 
Dor abdominal, Diarreia, Vômitos e Icterícia 
Hanna Briza 
realização não se justifica nestes pacientes, até porque 
a probabilidade de complicações é baixa em tal 
contexto. A TC pode mostrar aumento focal ou difuso 
do pâncreas, borramento da gordura peripancreática e 
perirrenal, coleções líquidas peripancreáticas, 
pseudocistos e áreas não captantes de contraste 
indicativas de necrose. Possui elevada sensibilidade e 
especificidade, e pode, como vimos, esclarecer os 
casos de dúvida diagnóstica (aqueles em que a clínica é 
sugestiva, mas a dosagem de amilase e lipase não é 
confirmatória). 
Obs: Como já dissemos, nem todos os pacientes 
necessitam de TC. As indicações para sua realização 
na PA são mostradas na tabela abaixo. Os critérios 
prognósticos de Ranson e APACHE-II serão 
comentados adiante, quando falarmos em 
prognóstico da pancreatite aguda. Vale relembrar: na 
pancreatite “leve” (edematosa), a TC não é 
necessária. 
 
O exame ideal é a TC helicoidal, que é capaz de revelar 
imagens com maior definição da captação do contraste 
endovenoso. O melhor momento para a realização de 
TC na pancreatite aguda grave é após o terceiro dia do 
início do quadro (isto é, após as primeiras 72h, que é 
quando as complicações como a necrose costumam 
estar bem estabelecidas, sendo mais fácil observá-las). 
Deve-se evitar a TC contrastada em pacientes que 
evoluem com injúria renal aguda pela pancreatite 
grave (evitar um componente de “nefropatia induzida 
por contraste”). Nestes casos, a RNM torna-se 
preferencial. 
ULTRASSONOGRAFIA 
O pâncreas pode ser visualizado, mostrando sinais 
ecogênicos clássicos de pancreatite aguda. Contudo, a 
frequente interposição de alças intestinais repletas de 
gás torna a ultrassonografia de abdome um exame de 
baixa sensibilidade tanto para o diagnóstico de PA 
quanto para a detecção de necrose pancreática. 
Por outro lado, a USG abdominal é o método de 
escolha para o diagnóstico da litíase biliar, a causa mais 
comum de pancreatite aguda, podendo assim orientar 
a conduta posterior. Por isso, está sempre indicada. 
RADIOGRAFIA SIMPLES 
É um importante exame a ser pedido nos pacientes 
com quadro de “abdome agudo”, principalmente na 
dúvida entre um abdome cirúrgico ou não. O RX de 
tórax pode revelar derrame pleural à esquerda ou 
atelectasia em bases pulmonares; em casos mais 
graves pode haver um infiltrado bilateral compatível 
com SDRA. A pancreatite aguda pode determinar várias 
alterações no RX de abdome, assim como outras causas 
de abdome agudo inflamatório – são elas: 
1. Alça sentinela (íleo localizado). 
2. Sinal do cólon amputado: paucidade de ar no 
cólon distal à flexura esplênica, devido a um 
espasmo do cólon descendente. 
3. Dilatação das alças (íleo paralítico 
inflamatório). 
4. Aumento da curvatura duodenal (aumento da 
cabeça do pâncreas). 
5. Irregularidades nas haustrações do transverso, 
devido ao espasmo difuso. 
As alterações intestinais da pancreatite aguda são 
decorrentes da extensão do exsudato inflamatório 
pancreático para o mesentério, mesocólon transversoe peritônio. 
RESSONÂNCIA NUCLEAR MAGNÉTICA 
A RNM é provavelmente equivalente à TC em termos 
de acurácia para o diagnóstico de pancreatite aguda, 
porém, possui duas importantes vantagens: (1) na 
suspeita de pancreatite biliar, a colangiorressonância 
pode identificar mais de 90% dos cálculos na via biliar; 
(2) no paciente que evolui com IRA no contexto da PA 
“grave”, a RNM evita a exposição ao contraste iodado 
endovenoso. Suas limitações continuam sendo o 
elevado custo e a menor disponibilidade. A RNM é 
superior à TC na análise de coleções líquidas, com 
maior poder de diferenciação entre pseudocistos, 
abscessos, necrose. 
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS 
As doenças que se manifestam com intensa dor 
abdominal aguda devem ser afastadas, entre elas: 
1. Doença péptica / Úlcera perfurada. 
2. Colelitíase, Coledocolitíase, Colecistite aguda. 
3. Isquemia mesentérica. 
 
10 
Dor abdominal, Diarreia, Vômitos e Icterícia 
Hanna Briza 
4. Obstrução intestinal aguda. 
5. IAM inferior / Dissecção aórtica abdominal. 
6. Gravidez ectópica. 
Na colelitíase e na doença péptica a dor costuma ter 
menor duração. A dor da colecistite aguda pode ser 
muito semelhante a dor da pancreatite. A isquemia 
mesentérica aguda pode ser facilmente confundida 
com pancreatite aguda – um histórico de fibrilação 
atrial, pós-IAM, a ausência de vômitos incoercíveis, a 
presença de diarreia ou sangue no toque retal e uma 
acidose metabólica proeminente, são dados que 
sugerem o diagnóstico de isquemia mesentérica. Na 
úlcera perfurada, o exame abdominal em geral mostra 
irritação peritoneal proeminente (às vezes, “abdome 
em tábua”), achados não esperados na pancreatite 
aguda, que é uma causa de inflamação 
predominantemente retroperitoneal. 
Há casos em que os critérios clínicos e laboratoriais não 
são capazes de diferenciar com certeza a pancreatite 
aguda de seus diagnósticos diferenciais; nestes, está 
indicada a laparotomia exploradora. 
TRATAMENTO 
Só para relembrar as definições, pois estas influenciam 
totalmente a abordagem terapêutica da pancreatite 
aguda. 
FORMA LEVE: 
• Menos do que três critérios de Ranson 
positivos e APACHE II < 8. 
• Ausência de complicações orgânicas 
sistêmicas. 
FORMA GRAVE: 
• Escore de Ranson > 3. 
• APACHE > 8. 
• Presença de complicações orgânicas 
sistêmicas. 
• Presença de complicações locais como 
necrose, abscesso e pseudocisto. 
COMO ABORDAR INICIALMENTE UM QUADRO DE 
PANCREATITE AGUDA? 
1. Reposição volêmica, analgesia e dieta zero. 
2. Definir se é a forma leve ou a forma grave de 
doença (só é possível após 48 horas). 
3. Na forma grave, orientar a conduta posterior 
pelo resultado da TC contrastada (observar se 
existe necrose > 30% do pâncreas). 
4. Observar o surgimento de complicações 
tardias. 
5. Recomeçar a dieta enteral no momento 
adequado. 
TRATAMENTO DA FORMA LEVE 
A forma leve não indica internação em serviço de 
Terapia Intensiva – O paciente pode ser internado em 
uma unidade intermediária, permanecer em dieta zero 
até a melhora do quadro clínico (principalmente a dor) 
e até que haja peristalse audível. A realimentação oral 
em geral é possível com 3-5 dias de evolução na forma 
leve. Os melhores critérios para iniciarmos dieta são a 
melhora da dor abdominal, o retorno da peristalse, a 
ausência de vômitos e o paciente manifestar desejo de 
alimentar-se. O tratamento de suporte nesses casos se 
resume a: 
(1) Analgesia – meperidina ou outros opiáceos. 
Algumas referências mais antigas recomendam evitar 
o uso de morfina pelo fato desta medicação poder 
aumentar o tônus do esfíncter de Oddi. No entanto, a 
última edição do Sabiston ressalta que – apesar de tal 
efeito realmente poder ocorrer – até hoje nunca foi 
confirmado que o controle álgico com morfina exerce 
impacto efetivamente negativo na evolução da 
pancreatite aguda. Logo, se necessário, PODEMOS usar 
morfina no paciente. 
(2) Hidratação venosa para reposição volêmica (perdas 
para o terceiro espaço e pelos vômitos). 
(3) Controle eletrolítico e ácido-básico (ex: 
hipocalemia e alcalose metabólica devido aos vômitos, 
hipocalcemia, hipomagnesemia, esta última comum na 
pancreatite alcoólica.). A forma leve geralmente é a 
manifestação da pancreatite intersticial (edematosa) e 
nesses casos a TC não é necessária (exceto se houver 
alguma complicação tardia). 
TRATAMENTO CLÍNICO DA FORMA GRAVE 
Os casos graves podem evoluir com complicações 
orgânicas sistêmicas importantes, como choque misto, 
insuficiência renal, queda do sensório, insuficiência 
cardíaca congestiva e SDRA. Estas devem ser 
agressivamente tratadas. Às vezes, é necessária 
intubação traqueal com ventilação mecânica e a 
monitorização hemodinâmica completa (cateter de 
PAM e cateter de Swan-Ganz). Vamos descrever alguns 
tópicos especiais no tratamento da pancreatite aguda 
grave: 
 
11 
Dor abdominal, Diarreia, Vômitos e Icterícia 
Hanna Briza 
Analgesia: Deve ser feita com opiáceos, pois a dor em 
geral é de forte intensidade. Se for possível o controle 
com a Meperidina, essa deve ser o opiáceo de escolha, 
devido a uma vantagem teórica sobre a morfina (a 
morfina pode aumentar o tônus do esfíncter de Oddi). 
Caso ainda assim a dor seja de forte intensidade, já 
vimos que é possível o uso de morfina... O grande 
problema da Meperidina é que pode haver acúmulo de 
metabólitos tóxicos, com irritação neuromuscular e, 
raramente, convulsões. 
Hidratação Venosa (medida mais importante): Deve 
ser feita visando uma reposição volêmica vigorosa, 
com os objetivos principais de normalizar a diurese, a 
pressão arterial, a frequência cardíaca e a pressão 
venosa central. Estes pacientes perdem uma grande 
quantidade de líquido para o retroperitônio. Na 
pancreatite grave, pelo menos 6 litros de cristaloide 
devem ser repostos nas primeiras 24h. O fluido de 
escolha pode ser o Ringer lactato ou o soro fisiológico, 
com alguns autores preferindo o primeiro, devido ao 
fato de conter cálcio. Coloides sintéticos devem ser 
evitados, pois podem aumentar o risco de SDRA na PA 
grave. 
A estimativa da perda volêmica é feita pelo exame 
clínico, pelo hematócrito inicial (na admissão pode 
estar aumentado pela hemoconcentração), pela queda 
do hematócrito após 48h de reposição volêmica (uma 
queda maior que 10% indica uma grande 
hemoconcentração prévia) e pelo balanço hídrico 
(quando muito positivo nas primeiras 48h, significa que 
o organismo precisou de mais líquido para repor as 
perdas). 
Nos casos graves ou refratários ou nos pacientes com 
problema cardíaco prévio devemos guiar a nossa 
reposição volêmica pela PCP (Pressão Capilar 
Pulmonar), estimada pelo cateter de Swan-Ganz. 
Devemos mantê-la em torno de 18 mmHg. 
Suporte Nutricional: Estes pacientes ficarão em dieta 
oral zero por períodos prolongados (superiores a 
quatro semanas), tornando necessário outro tipo de 
suporte nutricional, que deve ser iniciado de 
preferência nas primeiras 48h, devido ao estado 
hipercatabólico da pancreatite grave. A nutrição 
enteral jejunal (por cateter nasojejunal instalado por 
via endoscópica) é a mais indicada atualmente. A dieta 
deve ser rica em proteínas e pobre em lipídeos. 
Estudos demonstraram que essa alimentação é segura 
e pode reduzir o risco de infecção pancreática por 
diminuir a translocação bacteriana pela mucosa 
intestinal. A Nutrição Parenteral Total (NPT) é indicada 
nos poucos pacientes que não toleram a dieta enteral 
ou naqueles em que as necessidades calóricas não são 
atingidas após o segundo ao quarto dia de dieta. Esta 
dieta possui risco de sepse pelo cateter venoso 
profundo, além de ser mais cara e menos efetiva que a 
enteral. Estudos recentes comparando a nutrição 
nasojejunal com a nasogástrica, a princípio, não 
encontraram piores resultados com a segunda 
(teoricamente, o gotejamentode nutrientes antes do 
duodeno poderia agravar o estímulo ao pâncreas 
inflamado, piorando a pancreatite). Mais estudos são 
necessários a fim de esclarecer melhor se a nutrição 
nasogástrica é realmente segura e equivalente à 
nasojejunal. 
Aminas Vasopressoras: A noradrenalina (associada ou 
não à dobutamina), em veia profunda, deve ser 
utilizada nos casos de choque refratário à reposição 
volêmica vigorosa. 
Quando necessária, isso indica que o paciente tem 
forte componente de choque “sirético” ou mesmo 
séptico. Seu uso deve ser guiado pelos parâmetros da 
monitorização hemodinâmica. 
Cateter Nasogástrico em Sifonagem: Um cateter 
nasogástrico deve ser deixado em sifonagem nos casos 
de vômitos incoercíveis e distensão abdominal (íleo 
paralítico). O objetivo é descomprimir o tubo digestivo 
e reduzir o risco de broncoaspiração. 
Antibiótico Profilático: Até pouco tempo atrás, 
recomendava-se antibioticoprofilaxia para portadores 
de pancreatite aguda grave com > 30% de necrose do 
pâncreas. No entanto, estudos recentes sugeriram 
NÃO haver qualquer benefício com essa conduta, pelo 
contrário: ela parece aumentar a incidência de 
superinfecções fúngicas (candidíase sistêmica). 
Importantes livros de referência (ex Harrison e Cecil) 
afirmam que NÃO HÁ LUGAR para a 
antibioticoprofilaxia em pancreatite aguda, seja ela 
grave (necrohemorrágica) ou não. 
O fato é que alguns autores ainda defendem este 
procedimento (ex.: Associação Italiana para o Estudo 
do Pâncreas) enquanto outros ainda não o 
descartaram por completo, pelo menos em casos 
selecionados (ex.: a AGA, ou Associação Americana de 
Gastroenterologia, aceita seu uso em portadores de 
necroses extensas, desde que o ATB não seja mantido 
por mais de 14 dias). Que orientação devo guardar para 
o dia da prova??? Em vista das recomendações das 
principais referências de prova, sugerimos acatar suas 
orientações claramente expressas e NÃO INDICAR ATB 
 
12 
Dor abdominal, Diarreia, Vômitos e Icterícia 
Hanna Briza 
PROFILÁTICO EM CASOS DE NECROSE PANCREÁTICA 
ESTÉRIL (isto é, só se deve fazer ATB se a necrose 
estiver comprovadamente infectada). 
Medidas sem Eficácia Confirmada: 
Lavagem peritoneal (diálise peritoneal): era 
recomendada (por alguns autores) a pacientes com 
critérios de gravidade que evoluem mal a despeito dos 
cuidados intensivos. O princípio da lavagem peritoneal 
consistia na depuração das enzimas e toxinas 
extravasadas do pâncreas inflamado para a cavidade 
peritoneal, evitando que estas substâncias fossem 
novamente absorvidas para a corrente sanguínea. 
Devido a resultados controversos, essa terapia caiu em 
desuso. 
Outras medidas estudadas no tratamento da 
pancreatite aguda não tiveram benefício em humanos: 
octreotídeo, somatostatina (drogas que inibem a 
secreção enzimática acinar), aprotinina, plasma fresco 
congelado, etc. Um inibidor do PAF (Fator Ativador 
Plaquetário), chamado lexipafante, administrado 
dentro das primeiras 72h do início dos sintomas na 
pancreatite aguda grave, demonstrou algum benefício 
prognóstico num estudo piloto, mas isso não foi 
confirmado em estudos randomizados. O uso de 
probióticos parece aumentar a mortalidade. 
NECROSE PANCREÁTICA INFECTADA 
– DIAGNÓSTICO E CONDUTA – 
A pancreatite aguda com mais de 30% de necrose na 
TC contrastada tem uma chance de 40% de infecção do 
tecido necrosado. Por isso, estes pacientes, quando 
apresentam uma piora clínica após uma melhora inicial 
ou aparece um quadro novo de febre, leucocitose ou 
qualquer outro sinal de sepse, devem ser submetidos à 
investigação de infecção pancreática. Geralmente a 
infecção ocorre após 10 dias do início da pancreatite... 
Se a TC mostrar gás no pâncreas ou tecido 
peripancreático (sinal da bolha de sabão), isso é 
bastante indicativo de infecção. Caso contrário, o 
diagnóstico é feito pela punção do tecido necrótico 
guiada por TC. 
Neste contexto, na realidade, qualquer coleção de 
líquido também deve ser puncionada. O exame 
bacteriológico possui ótima acurácia diagnóstica (90% 
de sensibilidade): se mostrar bactérias coráveis pelo 
Gram ou crescimento positivo em culturas para germes 
comuns, o diagnóstico de necrose pancreática 
infectada (ou coleções infectadas) está confirmado. O 
resultado fica pronto em 2 dias. Os germes mais 
comuns são os Gram-negativos entéricos (Escherichia 
coli, Klebsiella sp,...), Staphylococcus aureus, 
anaeróbios e Candida sp. Em 80% dos casos cresce 
apenas uma bactéria. As bactérias chegam até o 
pâncreas por translocação pela quebra da integridade 
da barreira intestinal. 
Toda pancreatite com necrose infectada deve indicar a 
necrosectomia, que reduz substancialmente a 
letalidade desses pacientes. Trata- -se de uma cirurgia 
de alto risco que é feita deixando-se a cavidade aberta 
ou fechada, com revisões posteriores programadas a 
cada 2-3 dias, no intuito de completar a necrosectomia. 
Deve-se postergar a necrosectomia, se a condição 
clínica permitir, para após 12 dias do início do quadro, 
quando o pâncreas já está mais estruturado. Estudos 
mostraram um melhor prognóstico nesses pacientes 
quando comparados aos submetidos à intervenção 
precoce. 
Existe uma tendência crescente para a realização dessa 
cirurgia através da técnica videolaparoscópica, porém, 
a literatura ainda não validou tal estratégia. Logo, até 
o momento ainda não é possível recomendar a 
necrosectomia videolaparoscópica com base em 
evidências científicas, mas muitos serviços têm 
adotado essa conduta. 
Devemos lembrar que a necrosectomia na ausência de 
infecção não traz benefício prognóstico e pode até 
aumentar a mortalidade da pancreatite necrosante. 
COLANGIOPANCREATOGRAFIA RETRÓGRADA 
ENDOSCÓPICA (CPRE) E PAPILOTOMIA 
É empregada nas primeiras 72h da pancreatite aguda 
biliar, na presença de colangite e/ ou icterícia 
progressiva moderada a grave (ex.: bilirrubina total > 5 
mg/dl). Logo, a CPRE + papilotomia não está indicada 
de rotina em todos os casos de pancreatite aguda 
biliar! Durante a CPRE, a papilotomia ou 
esfincterotomia endoscópica é capaz de permitir a 
saída dos cálculos impactados ou acumulados no 
colédoco. 
COLECISTECTOMIA SEMIELETIVA 
A colecistectomia de urgência deve ser evitada na 
pancreatite aguda biliar, por ter maior 
morbimortalidade. Entretanto não deve ser 
postergada por muito tempo, pois o índice de recidiva 
é relativamente alto (20-25%) e precoce. Todos os 
pacientes com pancreatite aguda biliar devem ser 
submetidos à colecistectomia laparoscópica antes da 
alta hospitalar (semieletiva), porém, somente após a 
 
13 
Dor abdominal, Diarreia, Vômitos e Icterícia 
Hanna Briza 
resolução do quadro clínico agudo. Deve ser 
complementada pela CPRE pós-operatória com 
papilotomia, caso existam cálculos no colédoco ou pela 
colangiografia e exploração do colédoco 
peroperatória. 
PROGNÓSTICO 
Na abordagem da pancreatite aguda, é fundamental 
realizarmos o quanto antes uma avaliação formal do 
prognóstico. Assim, poderemos guiar melhor nossa 
conduta terapêutica. Esta avaliação deve ser feita 
através de critérios clínicos e laboratoriais validados, 
classificando a pancreatite como “leve”, “moderada” 
ou “grave”. No caso da pancreatite “grave” é 
mandatório realizar uma TC abdominal com contraste 
endovenoso após as primeiras 72h do início do quadro, 
a fim de detectar a presença ou não de necrose 
(pancreatite necrosante) bem como outras 
complicações locorregionais. O fato é que diferentes 
escores foram validados com o intuito de estratificar o 
prognóstico da pancreatite aguda. A seguir, 
apresentaremos os principais. 
CRITÉRIOS DE RANSON 
Apesar de serem muito antigos e cada vez menos 
utilizados na prática, os critérios de Ranson são os mais 
cobrados nas provas de residência. São 11 os critérios 
estudados por Ranson, em 1974. Destes, cinco são 
avaliadosna admissão do paciente e refletem a 
gravidade e a extensão do processo inflamatório, assim 
como a idade. Os outros seis critérios são avaliados ao 
longo das 48 horas iniciais e refletem o 
desenvolvimento das complicações sistêmicas e o grau 
de perda volêmica para o “terceiro espaço”. 
Devemos saber que a maioria dos pacientes com 
pancreatite aguda tem a forma leve da doença, e o 
número médio de critérios de Ranson positivos é de 
1,6. A minoria com a forma grave tem uma média não 
muito alta (2,4). A média nos casos fatais é de 5,6. 
Deve-se salientar que os 11 critérios devem ser 
buscados, pois caso contrário reduz-se a sensibilidade 
do escore – tais critérios predizem 60-85% e omitem 
15-30% das pancreatites graves. 
 
 
ESCORE APACHE-II 
O APACHE II é outro escore validado para estimativa do 
prognóstico. Foi criado para a avaliação de pacientes 
graves em geral e, portanto, pode muito bem ser 
utilizado na pancreatite (considera-se como “grave” a 
pancreatite que soma 8 ou mais pontos). O APACHE-II 
consta de 14 parâmetros (sendo 12 variáveis 
fisiológicas), que levam em conta diversas funções 
orgânicas (circulatória, pulmonar, renal, cerebral, 
hematológica etc.) e sua interpretação não é simples. 
Para torná-lo prático, o cálculo pode ser feito online ou 
com programas de computador. O APACHE II possui a 
vantagem de poder ser calculado já nas primeiras 24 
horas da admissão, diferentemente do Ranson, que 
requer 48h para ser concluído. 
ESCORE “BISAP” 
O BISAP é um escore de fácil aplicação à beira do leito, 
consistindo de 5 parâmetros importantes para a 
definição de pancreatite aguda “grave”. Tais 
parâmetros são memorizados como um acrônimo das 
letras que compõem seu nome... Curiosamente, a 
palavra “BISAP” não tem como único propósito servir 
de mnemônico: na realidade, trata-se também de uma 
sigla em inglês (Bedside Index for Severity in Acute 
Pancreatitis). Observe a composição do “BISAP”: 
(B) Blood urea (ureia sérica) > 44 mg/ml (I) Impaired 
Mental Status ou “alteração do estado mental”; (S) 
SIRS (Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica); 
(A) Age ou “idade” > 60 anos; (P) Derrame Pleural. 
ESCORE DE ATLANTA 
Este é um dos escores mais utilizados na prática atual. 
Preconiza que a pancreatite aguda pode ser 
classificada em 3 subtipos, dependendo da gravidade. 
 
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Dor abdominal, Diarreia, Vômitos e Icterícia 
Hanna Briza 
Ele ressalta o conceito mais importante acerca da 
estratificação de gravidade dessa doença: o que define 
se a pancreatite aguda é “grave” ou não é a presença 
da Síndrome de Resposta Inflamatória Sistêmica (SIRS) 
desencadeada pela inflamação pancreática (isto é, a 
inflamação se origina no pâncreas, porém, todos os 
órgãos e tecidos do corpo podem acabar sofrendo 
consequências). Evidentemente, quanto mais intensa a 
inflamação sistêmica maior a chance de falência 
orgânica múltipla e, por conseguinte, pior o 
prognóstico do paciente. 
ESCORE DE ATLANTA 
PANCREATITE AGUDA “LEVE”: ausência de falência 
orgânica e ausência de complicações locais (ex 
coleções líquidas, necrose peripancreática) ou à 
distância. 
PANCREATITE AGUDA “MODERADA”: falência orgânica 
transitória (< 48h de duração) ou presença de 
complicações locais e/ou à distância. 
PANCREATITE AGUDA “GRAVE”: falência orgânica 
persistente (48 horas ou mais de duração. 
TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA CONTRASTADA 
A TC de abdome com reforço de contraste é o “padrã 
oouro” no diagnóstico de necrose pancreática, com 
uma acurácia superior a 90% quando há mais de 30% 
de necrose glandular e uma sensibilidade próxima a 
100% entre o 4º e o 10º dia do início da doença. 
É fundamental sabermos se estamos diante de uma 
pancreatite intersticial ou de uma pancreatite 
necrosante, pois mudam o prognóstico e a conduta. A 
presença de necrose pancreática radiologicamente 
detectada (ausência focal de captação após reforço de 
contraste) eleva substancialmente a morbimortalidade 
associada à doença: a mortalidade geral na pancreatite 
edematosa é menor que 1% enquanto na presença de 
necrose pancreática este índice situa-se entre 10-25%, 
atingindo patamares ainda mais elevados na presença 
de infecção pancreática e outras complicações. 
O processo inflamatório também pode causar o 
aparecimento de Coleções Líquidas Agudas, isoladas 
ou múltiplas e de tamanhos variados – podem ser 
muito bem visualizadas na TC e, como têm duração 
inferior a 4 semanas, não podem ser chamadas de 
Pseudocistos. A extensão do processo inflamatório 
também pode ser bem estimada pela TC, que identifica 
o acometimento do espaço peripancreático, a invasão 
do retroperitônio, do espaço perirrenal anterior e dos 
órgãos adjacentes. 
Existe um escore prognóstico feito pela TC contrastada, 
que contempla a extensão da inflamação (o fleimão 
pancreático) para os tecidos peripancreáticos, a 
presença de coleções líquidas e a extensão da área de 
necrose. Um escore total maior ou igual a 6 pontos 
indica mau prognóstico. 
MARCADORES SOROLÓGICOS 
Proteína C Reativa (PCR) ou Interleucina 6 (IL-6): níveis 
de PCR superiores a 150 mg/L indicam mau 
prognóstico, bem como níveis elevados de IL-6. A IL-6 
é a citocina que estimula a produção e liberação 
hepática dos reagentes de fase aguda, especialmente a 
Proteína C Reativa. Desse modo, a IL-6 é um marcador 
prognóstico mais precoce do que a PCR, sendo a PCR 
de maior valor apenas a partir do 2º dia de internação. 
OUTROS 
O SOFA (Sequential Organ Failure Assessment) e a 
escala de Marshall modificada são outros escores que 
avaliam o grau de comprometimento multiorgânico, 
podendo ser aplicados na pancreatite aguda grave a 
fim de estimar o prognóstico. 
Curiosamente, existe também um escore para avaliar 
BOM PROGNÓSTICO. Trata-se do HAPS (Harmless 
Acute Pancreatitis Score), que é composto por: (1) 
ausência de defesa ou descompressão dolorosa do 
abdome; (2) hematócrito normal; (3) ausência de 
azotemia. O HAPS prevê, com 98% de acurácia, que a 
pancreatite aguda é “leve”.

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