Buscar

APOSTILA-Introdução-aos-estudos-literários

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 73 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 73 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 73 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS 
LITERÁRIOS 
 
 
 
 
 
 
 
 
GUARULHOS – SP 
 
 
2 
 
SUMÁRIO 
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 4 
2 O QUE É LITERATURA? ....................................................................................... 5 
2.1 Função da Literatura ............................................................................................ 6 
2.2 Gêneros Literários ............................................................................................... 6 
2.3 Texto literário X texto não literário ....................................................................... 7 
3 A LINGUAGEM LITERÁRIA ................................................................................ 10 
3.1 Literariedade ...................................................................................................... 11 
3.2 Linguagem literária — poesia e prosa ............................................................... 18 
3.3 Prosa de ficção .................................................................................................. 20 
3.4 Ficção e discurso ............................................................................................... 22 
4 NATUREZA E FUNÇÕES DA LITERATURA ...................................................... 25 
4.1 Arte e literatura .................................................................................................. 25 
4.2 Prazer e utilidade ............................................................................................... 27 
4.3 Literatura e escrita ............................................................................................. 28 
5 LEITURA E LITERATURA ................................................................................... 32 
5.1 A importância das diferentes formas de leitura no cotidiano escolar ................. 32 
5.2 O que diferencia a leitura da literatura da leitura de outros tipos de texto? ....... 36 
5.3 Métodos de leitura: diferentes possibilidades para serem aplicadas em sala de 
aula 40 
6 GÊNEROS DISCURSIVOS LITERÁRIOS ........................................................... 45 
6.1 Linguagem literária ............................................................................................ 45 
7 RECURSOS LINGUÍSTICOS DO TEXTO LITERÁRIO ....................................... 53 
8 NARRATIVA LITERÁRIA ..................................................................................... 56 
 
3 
 
8.1 Autor, narrador e narratário ............................................................................... 56 
8.2 Autor & narrador ................................................................................................ 59 
8.3 Leitor & narratário .............................................................................................. 61 
8.4 Níveis do discurso ............................................................................................. 64 
8.5 Níveis do discurso específicos da narrativa ....................................................... 68 
8.6 Recursos técnico-discursivos utilizados nas narrativas literárias ...................... 69 
9 BIBLIOGRAFIA BÁSICA ...................................................................................... 72 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
4 
 
1 INTRODUÇÃO 
Prezado aluno! 
 
O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao 
da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se 
levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que 
seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a 
pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é 
a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao 
protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. 
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa 
disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das 
avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe 
convier para isso. 
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e 
prazos definidos para as atividades. 
Bons estudos! 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
5 
 
2 O QUE É LITERATURA? 
A literatura (do latim littera, que significa “letra”) é uma das manifestações 
artísticas do ser humano, ao lado da música, dança, teatro, escultura, arquitetura, dentre 
outras. Ela representa comunicação, linguagem e criatividade, sendo considerada a arte 
das palavras. 
Trata-se, portanto, de uma manifestação artística, em prosa ou verso, muito antiga 
que utiliza das palavras para criar arte, ou seja, a matéria prima da literatura são as 
palavras, tal qual as tintas é a matéria prima do pintor. 
De tal maneira, o conceito de literatura também pode compreender o conjunto de 
histórias fictícias inventadas por escritores em determinadas épocas e lugares, sejam 
poemas, romances, contos, crônicas, novelas. 
Os textos literários possuem uma função muito importante para o ser humano, de 
forma que provocam sensações e produzem efeitos estéticos os quais nos fazem 
entender melhor nós mesmos, nossas ações bem como a sociedade em que vivemos. 
Segundo o crítico literário Afrânio Coutinho: 
"A Literatura é, assim, a vida, parte da vida, não se admitindo possa 
haver conflito entre uma e outra. Através das obras literárias, tomamos contato 
com a vida, nas suas verdades eternas, comuns a todos os homens e lugares, 
porque são as verdades da mesma condição humana." 
Nesse sentido, devemos lembrar que o conceito de literatura foi se alterando ao 
longo do tempo, e seu significado tal qual conhecemos hoje, é diferente da visão clássica 
de antanho. 
Para o filósofo Grego Aristóteles, um dos primeiros a focar nos estudos sobre essa 
arte: “A Arte literária é mimese (imitação); é a arte que imita pela palavra”. 
Com efeito, o conceito de literatura foi se ampliando e abrangendo assim, diversos 
textos que englobam os gêneros literários que hoje conhecemos: literatura infantil, 
literatura de cordel, literatura marginal, literatura erótica, dentre outros. 
 
 
6 
 
2.1 Função da Literatura 
A arte literária representa recriações da realidade produzidas de maneira artística, 
ou seja, que possui um valor estético, de onde o autor utiliza das palavras em seu sentido 
conotativo (figurado) para oferecer maior expressividade, subjetividade e sentimentos ao 
texto. 
Dessa forma, a literatura possui um importante papel social e cultural envolvido no 
contexto em que fora criada, posto que abarca diversos aspectos de determinada 
sociedade, dos homens e de suas ações e, portanto, que provoca sensações e reflexões 
do leitor. Para o filósofo francês Louis-Gabriel-Ambroise, Visconde de Bonald: “A 
literatura é a expressão da sociedade, como a palavra é a expressão do homem. ” 
 
2.2 Gêneros Literários 
Os gêneros literários são categorias da literatura que englobam os diversos tipos 
de textos literários segundo sua forma e conteúdo. 
Tanto o conceito de literatura se modificou ao passar do tempo como o de gênero 
literário, uma vez que os gêneros literários, abordado por Aristóteles, eram classificados 
de três maneiras, semelhante ao que conhecemos hoje, embora possua diferenças. 
De acordo com o esquema proposto por Aristóteles, os gêneros literários eram 
divididos em: Lírico (“palavra cantada”), Épico (“palavra narrada”) e Dramático (“palavra 
representada”). (MUNIZ,2019) 
Atualmente, o gênero épico, que envolvia as narrativas históricas baseado nas 
lendas e na mitologia, foi substituído pelo gênero narrativo.Sendo assim, os gêneros 
literários são classificados em: 
 
 Gênero Lírico: possui um caráter sentimental com presença do eu-
lírico, por exemplo, as poesias, odes e sonetos. 
 
7 
 
 Gênero Narrativo: possui um caráter narrativo, ou seja, envolve 
narrador, personagens, tempo e espaço, por exemplo, os romances, 
contos e novelas. 
 Gênero Dramático: possui um caráter teatral, ou seja, são textos para 
serem encenados, por exemplo, tragédia, comédia e farsa. 
(MUNIZ,2019) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Fonte: www.gestaoeducacional.com.br 
2.3 Texto literário X texto não literário 
A literatura é definida como uma expressão artística realizada por meio da palavra, 
no entanto, é preciso tomar um cuidado: nem todo texto é considerado literário. 
Basta se lembrar que a finalidade da literatura / de obras literárias é entreter o 
leitor. Se determinado texto não tiver como fim o entretenimento, ele não será 
considerado literário. 
 
8 
 
De modo geral, um texto não literário se caracteriza por ter as seguintes 
características de maneira marcante e facilmente identificáveis: 
 
 Função utilitária, com a finalidade de fornecer alguma informação ao 
leitor; 
 Uso de linguagem denotativa, o que torna o texto objetivo; 
 Preservação da impessoalidade e imparcialidade, sem expressar 
opiniões; 
 Ausência de recursos estilísticos, como as figuras de linguagem, 
reforçando a objetividade do conteúdo. 
 
Tais características são encontradas em textos jornalísticos, bulas de 
medicamentos, entrevistas, artigos científicos, dicionários, guias técnicos de 
equipamentos e eletrônicos, entre outros. (CORTES,2019) 
Para elucidar essa questão, separamos exemplos de criações que são 
consideradas textos literários e não literários. Confira, a seguir, quais são eles: 
 
Texto literário 
“QUADRILHA 
João amava Teresa que amava Raimundo 
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili, 
que não amava ninguém. 
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento, 
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia, 
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes 
que não tinha entrado na história”. 
Poema Quadrilha, de Carlos Drummond de Andrade, em Alguns Poemas. 
 
 
9 
 
 
Texto não literário 
INFORMAÇÕES AO PACIENTE 
1. PARA QUE ESTE MEDICAMENTO É INDICADO? 
Este medicamento é indicado como analgésico (medicamento para dor) e 
antitérmico (medicamento para febre). 
2. COMO ESTE MEDICAMENTO FUNCIONA? 
Dipirona é um medicamento à base de dipirona, utilizado no tratamento das 
manifestações dolorosas e de febre. Os efeitos analgésico e antitérmico podem ser 
esperados em 30 a 60 minutos após a administração e, geralmente, persistem por, 
aproximadamente, 4 horas. (Trecho da bula do medicamento Dipirona, disponibilizada pela Anvisa.) 
 
 
 
 
 
 
 
 
Fonte: www.textoinstructivosextobasico.com.br 
 
10 
 
3 A LINGUAGEM LITERÁRIA 
Existe uma infinidade de formas e estilos literários surgidos desde a origem da 
escrita. Entre os teóricos da literatura, há certa afinidade no sentido de reconhecer o que 
é e o que não é literário. Porém, nota-se uma divergência muito grande para identificar, 
pontualmente, quais aspectos são, de fato, essenciais à constituição do texto literário. 
Por conta disso, ao longo dos séculos, surgiram muitas descrições, hipóteses e 
prescrições em relação ao literário. Isso se deve ao fato de que a própria literatura muda 
ao longo do tempo. (Flach, 2018). 
Mesmo assim, parece haver um consenso: a especificidade da literatura está na 
linguagem empregada. A literatura, para existir, se vale dos mesmos recursos linguísticos 
necessários à comunicação do cotidiano a saber, o domínio de uma língua (português, 
espanhol, russo, grego) e da linguagem em todos os seus níveis (vocabulário, 
organização textual, sentidos). A linguagem é um produto social, que só existe por meio 
da interação entre seus usuários. Daí que, ao fazer uso da linguagem, sempre se leva 
em consideração o destinatário da comunicação e os efeitos pretendidos. Contudo, há 
uma preocupação estética na linguagem literária que é inexistente ou secundária em 
textos não literários. 
E é aí que as diferenças começam a se estabelecer. Um conceito mais ou menos 
abrangente de literatura é o que a define como uma arte verbal. De fato, na literatura há 
um esforço criativo em relação à linguagem cotidiana. Além disso, a definição de literatura 
também está relacionada à ideia de uma representação de mundo. Enquanto a 
linguagem em uso cotidiano corresponde à ideia de uma verdade, a uma informação, a 
linguagem literária corresponde a uma representação da realidade. Justamente por ser 
uma representação, não é a realidade. Nesse processo de representação está o olhar 
particular do artista, como revela Massaud Moisés (1995, p. 314): 
 
Dado ser impossível captar a realidade por via direta, só resta conhecê-
la por meio de um sinal que a represente, não como tal, visto ser impossível, mas 
como pode ser expressa, ou seja, enquanto se submete à expressão: assim, 
conhecemos a representação da realidade, não ela própria. Mas fazê-lo implica 
“mentir”, “fingir” a realidade que se mostra, de modo que a realidade espelhada 
na representação não é a que se deseja conhecer, mas como aparece na mente 
 
11 
 
do artista; ou seja, como se reflete na sua imaginação. Daí a concluir que 
Literatura é ficção, ou imaginação. 
 
 
“Mentir” e “fingir” aqui não são empregados em sentido pejorativo, mas com o 
propósito de mostrar que a literatura não é a realidade, e sim uma representação 
(metafórica, multissignificativa, subjetiva) desta, que se vale das potencialidades da 
linguagem para produzir novos sentidos. Tal conceito está ancorado na ideia aristotélica 
de mimese, ou seja, a arte literária como imitação da realidade, com meios próprios 
(linguagem) e também como possibilidade, como imaginação daquilo que poderia 
acontecer. Nesse sentido, toda imitação é criação, não cópia. 
Outro ponto que você deve considerar em relação à constituição da literatura é 
seu caráter de fruição, ou seja, seu componente lúdico, sua capacidade de seduzir o 
leitor, de dar-lhe prazer, de fazê-lo experimentar outras situações, esquecendo-se, muitas 
vezes, da realidade. Isso não significa, de modo algum, que a literatura aliena. Pelo 
contrário, é também por meio da experiência de leitura que o homem descobre a si 
mesmo, o mundo e a sua relação com ele. Nesse processo, o texto literário assume uma 
função essencial, de redimensionamento da realidade, de valores, de organizações 
sociais, levando o leitor, inclusive, a posicionar-se criticamente. (Flach, 2018). 
 
3.1 Literariedade 
Para compreender o que é um texto literário, ou seja, o que o distingue dos demais 
tipos de linguagem, é interessante retomar o conceito de literariedade. Como você já viu, 
diante de um objeto de estudo tão amplo e diversos quanto a literatura, não se pode 
atribuir a um aspecto único (pontual e concretamente expresso) o ser literário. Trata-se, 
portanto, de um conjunto de características, expressas com mais ou menos evidência na 
constituição do texto literário. 
O termo literariedade é bastante amplo e parece dar conta da necessidade teórica 
de se estabelecer um objeto de estudo. Ele surgiu entre os formalistas russos, mais 
 
12 
 
especificamente referido por Roman Jakobson, em 1919. O termo surge pela 
necessidade de se analisar a literatura por meio da identificação de seus traços poéticos. 
Isso não significa que os traços definidores da literariedade sejam os mesmos para todos 
os textos, nem que não mudem ao longo do tempo. Pelo contrário, é justamente a ampla 
variabilidade inventiva e as várias formas de expressão que tornam possível pensar a 
literatura como um objeto de análise tão singular. Para compreender um pouco mais 
sobre os traços que podem constituir a literariedade e como a compreensãodesse 
conceito variou ao longo da história, considere os dois textos reproduzidos a seguir. 
 
Texto 1 
Com os descobrimentos, a Nação vai tornar-se consumidora de bens produzidos 
fora dela, ou da riqueza que através desses bens consegue. Isso explica que o início do 
período das grandes navegações coincida com o termo do período das guerras civis. A 
expansão passa a constituir desde então uma espécie de grande projeto nacional, ao 
qual todos aderem porque todos esperam vir a ganhar com ele. E explica também que a 
política de expansão ultramarina tenha repercutido tão profundamente sobre tantos 
aspectos da vida portuguesa (SARAIVA, 1979, p. 132-133). 
 
Texto 2 
MAR PORTUGUÊS Ó mar salgado, quanto do teu sal São lágrimas de Portugal! 
Por te cruzarmos, quantas mães choraram, quantos filhos em vão rezaram! Quantas 
noivas ficaram por casar para que fosses nosso, ó mar! Valeu a pena? Tudo vale a pena 
se a alma não é pequena. Quem quer passar além do Bojador Tem que passar além da 
dor. Deus ao mar o perigo e o abismo deram, Mas nele é que espelhou o céu (PESSOA, 
2008, p. 82). 
 
Em ambos os textos, você pode perceber aspectos comuns: o emprego da mesma 
língua (português) e a referência ao mesmo fato histórico (o impacto das expansões 
marítimas portuguesas na era dos descobrimentos). Como, então, distinguir os textos? É 
provável que você saiba quem é Fernando Pessoa, e isso já o leva a concluir que o que 
 
13 
 
é escrito por ele pertence ao campo da literatura. O título das obras das quais os textos 
foram retirados também já dá pistas de quais são seus enquadramentos. 
No entanto, do ponto de vista teórico, as distinções são mais complexas, 
envolvendo uma observação mais atenta. O Texto 1 possui uma linguagem referencial, 
ou seja, visa a apresentar um fato, descrever uma situação com a maior especificidade 
possível, sendo, portanto, um texto informativo, não ficcional. O Texto 2, busca 
representar as impressões e sensações decorrentes da percepção artística acerca do 
mesmo fato descrito pelo Texto 1. Pode-se afirmar que há, entre ambos, propósitos 
distintos e, portanto, ações diferentes entre seus autores. 
 No caso do texto de história, para que seja validado como tal, deve haver uma 
correspondência clara entre o que é dito e a realidade. Qualquer “invenção” ou “exagero”, 
nesse caso, tornaria autor e obra desacreditados, um grande problema para a história, o 
que não significa que um texto histórico não esteja sujeito a mais de uma interpretação 
ou a equívocos em relação a fatos e narrativas. O historiador, em seu compromisso com 
a verdade, busca evitar ao máximo esse tipo de ocorrência. 
Fernando Pessoa (2008), por sua vez, na condição de poeta, ao compor o verso 
“Por te cruzarmos, quantas mães choraram”, não precisa apresentar provas de que isso, 
de fato, aconteceu. No entanto, o leitor percebe a legitimidade disso, na medida em que 
aceita a ideia da separação como uma fonte de saudade. O mar, no poema, adquire 
múltiplas significações, sendo, ao mesmo tempo, motivo de dor (composto de lágrimas, 
abismo, perigo) e glória (“Mas nele é que espelhou o céu”). A partir da leitura, você pode 
notar certa contradição entre a grandeza do mar e do futuro de Portugal ao desbravá-lo, 
por um lado, e a dor da separação que essa audácia implica, por outro. 
Ou seja, o texto de Pessoa é um modo poético de expressar a ideia do historiador 
José Saraiva (1979) de que a conquista marítima “[...] tenha repercutido tão 
profundamente sobre tantos aspectos da vida portuguesa”. Sob outro enfoque, o Texto 1 
refere-se a uma realidade estanque, concreta, a um período específico da história. Já o 
Texto 2, justamente por sua literariedade, não se encerra em si mesmo, nem se fixa em 
um ponto específico. Para confirmar isso, basta você lembrar-se de quantas vezes leu 
ou ouviu a expressão “Tudo vale a pena se a alma não é pequena” aplicada a diversos 
contextos de comunicação. Inclusive, é possível ouvir esse trecho num contexto 
 
14 
 
qualquer, sem qualquer referência ao seu autor ou ao contexto português no qual o 
poema se insere. Isso explicita outros dois aspectos da linguagem literária: sua 
atemporalidade e sua universalidade. Ao contrário da linguagem cotidiana, de emprego 
puramente comunicativo (como no caso de um texto de história), a linguagem literária 
possui significação aberta, adapta-se, recebe novos sentidos, estimula reações e usos 
até mesmo nem pensados por seu criador. 
O poeta e crítico mexicano Octavio Paz (2012a, p. 46) afirma que “[...] a criação 
literária tem início como violência sobre a linguagem”, na medida em que há o “[...] 
desarraigamento das palavras”. Ou seja, a palavra literária, por ser empregada em 
sentidos e formas diferentes daqueles convencionais, provoca, causa estranheza, 
desperta admiração, choca. Daí que essa “violência” esteja associada à ideia de “desvio”, 
de quebra de expectativas. 
Quanto mais esses aspectos de ruptura chamam a atenção, mais perceptível é o 
trabalho de criação e o efeito estético da obra. Essa ideia inicia com os formalistas, para 
quem a literatura envolveria traços diferenciais entre um discurso e outro. Portanto, não 
seria uma característica perene ou inerente, como explica Terry Eagleton (2006). 
A intenção dos formalistas, por essa razão, não era definir “literatura”, mas 
“literaturidade” (ou “literariedade”), “os usos especiais da linguagem, que não apenas 
podiam ser encontrados em textos ‘literários’, mas também em muitas outras 
circunstâncias exteriores a ele” (EAGLETON, 2006, p. 20). O problema disso, para 
sustentar uma definição estável de literatura, é que essas características especiais (por 
exemplo, o uso de figuras de linguagem, como metáforas) também podem ser 
encontradas em outros textos não literários, como a fala cotidiana. 
 Mesmo assim, para os formalistas, a “essência” do literário era sua estranheza, 
ou seja, o impacto que causa no leitor. Mais uma vez, porém, outros tipos de escritas 
também poderiam ser considerados “estranhas”, e nem por isso seriam percebidas como 
literárias. Ainda assim, um dos elementos que permanece como característica do literário 
é o predomínio da linguagem conotativa em oposição à linguagem denotativa, que 
caracteriza a linguagem comunicativa. No caso desta última, há um vínculo maior entre 
o que está sendo dito/escrito e a realidade. 
 
15 
 
Já na linguagem conotativa predomina a representação da realidade, implícita, 
figurativa, interferindo, de certa forma, no sentido denotativo. Como exemplo, considere 
a palavra “mar”. No poema de Fernando Pessoa indicado previamente, a palavra faz 
referência a um significado conhecido por todos (sentido denotativo): uma extensão de 
águas salgadas. No entanto, vai além dele. O “mar” de Pessoa é “humanizado”, o eu 
lírico dialoga com ele, faz perguntas, o que coloca essa palavra em um plano de 
significação para além do seu sentido geográfico. Assim, o mar passa a envolver o 
mistério, a grandiosidade, o abismo. O sentido conotativo do texto requer que o leitor 
recorra a conhecimentos que estão além do domínio da estrutura da língua. 
Envolve questões culturais, míticas, filosóficas, entre outras. Assim, o texto literário 
torna-se atemporal na medida em que é sempre ressignificado no tempo (um mesmo 
leitor pode ler um texto em momentos diferentes de sua vida e construir sentidos diversos, 
assim como leitores diferentes em momentos diferentes). O texto literário também visa 
ao universal, já que os temas e a linguagem são comuns a várias culturas. Pense em 
como os temas amor, viagem e guerra são tratados na literatura mundial desde os tempos 
mais remotos. 
São assuntos prontamente reconhecíveis, que impactam diretamente o leitor, em 
qualquer lugar ou época, ainda que constantemente recriados pela linguagem. Daí aquilo 
que Ezra Pound (2006, p. 33) infere: “Literatura é novidade que permanecenovidade”. 
Você deve, ainda, considerar a ficcionalidade e a verossimilhança. Na medida em que a 
literatura é representação, figuração, é produto de uma imaginação (ficção). Por mais que 
um romance, por exemplo, seja histórico, não se pode exigir dele “verdade”, fidelidade 
aos fatos, e sim uma equivalência da verdade, a verossimilhança. Por verossimilhança 
entende-se a impressão que o texto passa de poder ser verdade, pode acontecer, mesmo 
que a história seja fantástica ou sobrenatural. 
O texto literário requer uma coerência interna. Ou seja, a pertinência e a 
consistência do texto seguem a lógica da imaginação proposta pelo autor. Assim é que, 
como leitor, você aceita que um homem seja transformado em inseto, como Gregor 
Samsa, em A metamorfose, de Kafka. Afinal, pela lógica interna do texto, você entende 
como isso se dá. Sobre essas questões, no entanto, também há questionamentos. 
Mesmo os textos históricos partem também de pontos de vista, ainda que possam ser a 
 
16 
 
reunião de muitos pontos de vista convergentes, e sua “verdade” pode ser contestada. 
(Flach, 2018). 
Além disso, há textos que não necessariamente nasceram como literatura, mas 
foram assim considerados posteriormente (como é o caso de “Os sertões”, de Euclides 
da Cunha, identificado também como jornalismo literário). Na literatura, de qualquer 
modo, exaltam-se a liberdade de expressão e a criatividade do autor em ressignificar e 
reestruturar a linguagem referencial, dando forma à linguagem literária. Por conta dessa 
liberdade e dessa criatividade, há certa dificuldade para se descrever o texto literário ou 
para se prescrever como fazê-lo, já que os limites de criação inexistem. Logo, as 
expressões literárias são incontáveis. 
O poeta pode ou não se valer das convenções e buscar ressignificá-las, reordená-
las. Na tentativa de classificar ou descrever esses muitos modos de literatura, pense em 
quantos estilos literários há, agrupados conforme o tema ou o público leitor (literatura 
infantil, gótica, de aventura), ou conforme a época (medieval, barroca, romântica). Mesmo 
se você considerar apenas uma dessas subcategorias, há diferentes usos da linguagem. 
Considerando todas as características apontadas acima, é possível perceber que 
nem sempre todas estão presentes em todas as obras literárias. Há obras que nascem 
como literatura, e outras que apenas se tornam literatura depois de um tempo. Há obras 
que visam o belo e outras que são consideradas “marginais”. Há um uso especial da 
linguagem literária, mas outras linguagens podem por vezes utilizar os mesmos recursos. 
Assim, a identificação de um texto como literatura depende também do modo como 
alguém o lê, e do valor que lhe é dado. Podemos concluir disto que a literariedade como 
conceito passou por transformações ao longo da história. Para Antônio Candido, por 
exemplo, na Formação da literatura brasileira, a literatura é um sistema, ou seja, a 
literariedade também não dependerá de fatores imanentes à obra, mas sim de sua 
relação com a sociedade, partindo de uma tradição e gerando um público leitor. 
Nesse sentido, o sistema literário seria constituído por autor, obra e público. 
Qualquer desses aspectos que faltasse não geraria um sistema, mas sim apenas uma 
manifestação literária. Houve respostas a essa teoria, como a de Haroldo de Campos, 
em O sequestro do Barroco na formação da literatura brasileira, em que o autor 
argumenta contra a noção de história defendida por Candido e discute a importância do 
 
17 
 
Barroco para a literatura brasileira, que teria sido excluído do cânone nacional a partir da 
teorização de Candido. 
Recentemente, estudiosos como Terry Eagleton (2006) chamam atenção para o 
fato de que, na seleção de um conjunto de obras consideradas literárias, entra em jogo 
também juízos de valor e ideologias. Antoine Compagnon, em Literatura para quê? Por 
exemplo, assim define o conceito de literariedade: “qualidade da forma que estabelece a 
literatura como literatura mais que a função cognitiva, ética, pública da literatura” (2009, 
p. 24). Assim, reafirma que a forma é fundamental na composição do literário, mas 
também aponta que essa arte está além de outras funções, como a cognitiva ou a ética, 
talvez justamente por ser poética. 
Ela não se limita, portanto, a uma só função ou definição, mas é uma combinação 
de fatores e escolhas. Tudo o que você viu até aqui converge para a conclusão de que a 
literatura reúne elementos diversos e não um grupo homogêneo de características 
definitivas. Porém, apesar desses traços serem variáveis, é importante descrevê-los e, 
mais ainda, discuti-los e questiona-los. A seguir, você vai ver que há diferenças em 
relação ao modo como os textos são organizados e aos seus efeitos. Em especial, notam-
se caminhos específicos para a poesia e para a prosa. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Fonte: www.youtube.com.br 
 
18 
 
3.2 Linguagem literária — poesia e prosa 
 
Você viu previamente que a linguagem literária se diferencia da linguagem 
convencional (mera comunicação) por conta dos sentidos e efeitos da palavra, que é 
empregada em sentido conotativo e envolve criação e imaginação. No âmbito da 
literatura, de forma mais específica, há ainda um grande número de recursos linguísticos 
e estruturais capazes de definir e organizar os textos. Isso leva a uma variedade bem 
significativa. Nesta seção, você vai estudar a linguagem literária por meio da análise de 
textos escritos em verso e em prosa. (Flach, 2018). 
As características da linguagem literária já apontadas estão presentes em todas 
as obras literárias. Porém, há especificidades da linguagem perceptíveis na poesia que 
estão menos evidentes nos textos em prosa, e vice-versa. O principal diferenciador é a 
presença do verso na poesia e a ausência deste na prosa. Cada vez mais, no entanto, 
na literatura moderna e contemporânea, os limites entre uma e outra têm se diluído, com 
a supressão de rimas e paralelismos e a substituição pelo verso livre na poesia e com o 
maior uso de imagens e ritmo na prosa. Isso não impede, no entanto, que possa haver 
uma sistematização quanto a aspectos próprios a cada forma. 
 
Poesia 
 
Ainda que não seja regra, na poesia, tem-se uma linguagem mais “aberta”, ou seja, 
mais sugestiva. A própria organização em versos leva a isso. Na prosa, por outro lado, 
inclusive pela extensão do texto, as ideias são construídas de modo mais detalhado. Na 
poesia, de modo geral, o aspecto estético e visual, o ritmo e os recursos sonoros são 
mais evidentes. 
Já na prosa essa disposição das palavras e dos sons para fins de apreciação por 
si só pode ser secundária ou até dispensável, conforme o estilo. Como você já viu, em 
textos mais modernos, essas características específicas tendem a se mesclar. Em textos 
mais clássicos, as distinções entre prosa e poesia são mais evidentes. Nota-se, por 
exemplo, a organização do texto poético em estrofes, a preocupação intensa com o ritmo, 
 
19 
 
com o tamanho do verso, com a rigidez formal. No poema a seguir, de Alberto de Oliveira, 
é clara a preocupação do poeta com a métrica, a rima e o emprego do soneto: forma 
clássica de composição poética. 
 
 
Horas mortas 
Breve momento após comprido dia 
De incômodos, de penas, de cansaço 
Inda o corpo a sentir quebrado e lasso 
Posso a ti me entregar, doce Poesia. 
 
Desta janela aberta, à luz tardia 
Do luar em cheio a clarear no espaço, 
Vejo-te vir, ouço-te o leve passo 
 Na transparência azul da noite fria. 
 
Chegas. O ósculo teu me vivifica 
Mas é tão tarde! Rápido flutuas tornando 
Logo à etérea imensidade; 
 
E na mesa em que escrevo apenas fica 
Sobre o papel — rastro das asas tuas, 
Um verso, um pensamento, uma saudade (OLIVEIRA, 1967). 
 
 
Além de ser possível, pela leitura, imaginar o espaço, a casa, percebe-se, ainda, 
o cansaço do eu lírico, a expectativa do repousoe da escrita. A Poesia (personificada, 
escrita em letra maiúscula) remete a uma ausência, a uma saudade, a alguém que o eu 
lírico não esquece. O próprio título apresenta uma simbologia interessante, tanto se 
referindo à noite (horas mortas), ao final do dia, quanto a um estado de espírito de 
desistência, de inutilidade, de desperdício. O poema constrói-se, então, a partir de vários 
 
20 
 
sentidos. Retomando a ideia da circularidade, proposta por Octavio Paz, você pode 
perceber que o poema se volta para si mesmo, ou seja, centra-se na figura do “eu” e em 
sua percepção sobre a vida, no seu modo particular de sentir e representar. 
O poema parte de uma descrição mais concreta (fim do dia, descanso, casa) e 
avança até um sentido mais aberto, remetendo a uma grande possibilidade de 
interpretações (“Um verso, um pensamento, uma saudade”). (OLIVEIRA, 1967). 
3.3 Prosa de ficção 
No caso da prosa, com seu caráter progressivo, que avança, como afirma Octavio 
Paz, outros aspectos são mobilizados. A prosa de ficção está relacionada à narrativa. 
Romance, conto e novela são alguns exemplos da ficção em prosa, distintos entre si 
conforme a extensão e a ênfase dada a um ou mais episódios narrativos. Em comum, há 
o fato de que, diferentemente do que ocorre na poesia, focada nas percepções do eu 
lírico, tem-se, na prosa, a presença de um narrador. Esta é uma instância que organiza 
o discurso literário a partir de um ponto de vista, que pode ser mais ou menos pessoal, 
conforme o tipo de narrador (primeira pessoa, terceira pessoa). O texto narrativo parte 
de uma situação-problema. 
Em torno dela se desenvolve a história, pela ação de personagens e pela 
progressão no tempo e no espaço. A ênfase do texto em prosa não é na sonoridade das 
frases ou mesmo na sugestão de ideias: é na apresentação de um caso por meio de 
narrativa e descrição. Nesse sentido, a verossimilhança adquire importância maior do 
que na poesia. É necessário ter maior atenção à coerência interna do texto. O conto a 
seguir, de Moacyr Scliar, exemplifica bem a linguagem do texto em prosa. 
 
Mílton e o concorrente 
Mílton ainda não abriu a sua loja, mas o concorrente já abriu a dele; e já está 
anunciando, já está vendendo, já está liquidando a preços abaixo do custo. Mílton ainda 
está na cama, ao lado da amante, desta mulher ilegítima, que nem bonita é, nem 
simpática; o concorrente já está de pé, alerta, atrás do balcão. A esposa fiel companheira 
de tantos anos está a seu lado, alerta também. Mílton ainda não fez o desjejum 
 
21 
 
(desjejum? Um cigarro, um copo de vinho, isto é desjejum?) O concorrente já tomou suco 
de laranja, já comeu ovo, torrada, queijo, já sorveu uma grande xícara de café com leite. 
Já está nutrido. Mílton ainda está nu, o concorrente já se apresenta elegantemente 
vestido. Mílton mal abriu os olhos, o concorrente já leu os jornais da manhã, já está a par 
das cotações da bolsa e das tendências do mercado. Mílton ainda não disse uma palavra, 
o concorrente já falou com clientes, com figurões da política, com o fiscal amigo, com os 
fornecedores. 
Mílton ainda está no subúrbio; o concorrente, vencendo todos os problemas de 
trânsito, já chegou ao centro da cidade, já estar solidamente instalado no seu prédio 
próprio. Mílton ainda não sabe se o dia é chuvoso, ou de sol, o concorrente já está 
seguramente informado de que vão subir os preços dos artigos de couro. Mílton ainda 
não viu os filhos (sem falar da esposa, de quem está separado); o concorrente já criou 
as filhas, já as formou em Direito e Química, já as casou, já tem netos. Milton ainda não 
começou a viver. O concorrente já está sentindo uma dor no peito, já está caindo sobre 
o balcão, já está estertorando, os olhos arregalados, já está morrendo, enfim (SCLIAR, 
1979, p. 44-45). 
O aspecto que mais se destaca nesse conto é o ritmo. Ao contrário da poesia mais 
tradicional (verso, rima, sonoridade), aqui o ritmo (rápido) se dá pelo encadeamento das 
ações, pelas frases curtas, pela síntese narrativa e pelo grande número de ações 
expresso em um curto espaço de tempo. 
A comparação entre as ações de Mílton e do concorrente e a rapidez da narrativa 
(ritmo) estão a serviço do sentido do texto: levar a uma reflexão sobre modos de vida e 
escolhas, sobre a efemeridade do tempo. Observe a extensão dos dois primeiros 
parágrafos (ritmo acelerado) e a extensão dos dois últimos (desaceleração). Ainda que 
seja improvável, no mundo real, que alguém (como o narrador) possa saber exatamente 
o que duas pessoas fazem no mesmo momento (note a sincronia entre suas ações), no 
plano literário isso é verossímil. Ou seja, há uma coerência interna ao texto que possibilita 
aceitar o domínio que o narrador tem sobre as personagens. Além disso, o leitor aceita 
que aquilo que acontece a uma e outra personagem é crível, poderia acontecer no mundo 
real. 
 
22 
 
3.4 Ficção e discurso 
Um elemento que você ainda deve considerar acerca da linguagem literária é a 
constituição do discurso no texto ficcional. Como você já viu, a ficção é uma 
representação da realidade. Ela atua sobre os sentidos do real, mas não nega a 
realidade. Isso significa que o texto literário traz marcas de várias interações sociais pela 
linguagem. Na medida em que um autor organiza o texto literário, leva em consideração 
alguém a quem se dirige (destinatário, leitor), fazendo uma seleção de formas da língua. 
Esse conjunto individual de escolhas e organizações textuais ditas ou escritas 
por um sujeito compõe um discurso. No texto literário, muitas vezes se percebe a 
confluência de vários discursos (de um ou mais narradores): das várias personagens, do 
próprio autor. Ou seja, o discurso implica uma dimensão social da língua, seus falantes, 
sua ideologia. Há, portanto, uma relação dialógica: entre um eu que fala e organiza o 
discurso (ou até mais de um, no caso da polifonia) e um tu a quem ele se dirige e que 
também é levado em consideração na composição discursiva. (OLIVEIRA, 1967). 
O texto literário, em especial em prosa (por conter narrador e personagens), é 
capaz de reunir essas várias vozes. Os conceitos de dialogismo e polifonia têm sido muito 
importantes para a teoria literária. Eles são uma contribuição do estudioso russo Mikhail 
Bakhtin (1895–1975), que chamou a atenção para os vários discursos presentes em um 
mesmo texto. Duas de suas obras são fundamentais para você aprofundar o seu 
conhecimento nessa área: Marxismo e filosofia da linguagem (para entender melhor o 
conceito de dialogismo) e Problemas da poética de Dostoievski (que teoriza a polifonia). 
Nessas obras, nota-se o quanto a composição de um texto literário é complexa e como a 
linguagem envolve camadas de sentido e vieses de interpretação. Para compreender 
melhor os conceitos de discurso, dialogismo e polifonia, leia o seguinte trecho do conto 
Chapeuzinho Vermelho, de Millôr Fernandes: 
Era uma vez (admitindo-se aqui o tempo como uma realidade palpável, estranho, 
portanto, à fantasia da história) uma menina, linda e um pouco tola, que se chamava 
Chapeuzinho Vermelho. (Esses nomes que se usam em substituição do nome próprio 
chamam-se alcunha ou vulgo.) Chapeuzinho Vermelho costumava passear no bosque, 
colhendo Sinantias, monstruosidade botânica que consiste na soldadura anômala de 
 
23 
 
duas flores vizinhas pelos invólucros ou pelos pecíolos, Mucambés ou Muçambas, planta 
medicinal da família das Caparidáceas, e brincando aqui e ali com uma Jurueba, da 
família dos Psitacídeos, que vivem em regiões justafluviais, ou seja, à margem dos rios. 
Chapeuzinho Vermelho andava, pois, na Floresta, quando lhe aparece um lobo, animal 
selvagem carnívoro do gênero cão e... (Um parêntese para os nossos pequenos leitores: 
o lobo era, presumivelmente, uma figura inexistente criada pelo cérebro superexcitado 
de Chapeuzinho Vermelho. Tendo que andar na floresta sozinha, natural seria que,volta 
e meia, sentindo-se indefesa, tivesse alucinações semelhantes.). 
Chapeuzinho Vermelho foi detida pelo lobo, que lhe disse: (Outro parêntese; os 
animais jamais falaram. Fica explicado aqui que isso é um recurso de fantasia do autor e 
que o Lobo encarna os sentimentos cruéis do Homem. Esse princípio animista é 
ascentralíssimo e está em todo o folclore universal.) Disse o Lobo: "Onde vais, linda 
menina?" Respondeu Chapeuzinho Vermelho: "Vou levar estes doces à minha avozinha 
que está doente. Atravessarei dunas, montes, cabos, istmos e outros acidentes 
geográficos e deverei chegar lá às treze e trinta e cinco, ou seja, a uma hora e trinta e 
cinco minutos da tarde". Ouvindo isso o Lobo saiu correndo, estimulado por desejos 
reprimidos (Freud: "Psychopathology Of Everyday Life", The Modern Library Inc. N.Y.). 
Chegando na casa da avozinha ele engoliu-a de uma vez o que, segundo o conceito 
materialista de Marx indica uma intenção crítica do autor, estando oculta aí a ideia do 
capitalismo devorando o proletariado e ficou esperando, deitado na cama, fantasiado com 
a roupa da avó (FERNANDES, 1967, p. 31). 
Para a compreensão do texto, o leitor recorre ao conhecimento prévio da história 
de Chapeuzinho Vermelho. O autor, por sua vez, reforça a trama conhecida a menina na 
floresta, a visita à avó, o encontro com o lobo. Porém, no caso da obra de Millôr, tem-se 
um desvio desses sentidos morais da fábula conhecida. 
 E o desvio se dá justamente pela presença de várias vozes além do discurso do 
narrador. Aliás, o próprio narrador reproduz a voz “tradicional” do narrador da fábula (“Era 
uma vez...”) em associação com um narrador intruso, que comenta o próprio processo 
de composição do texto, o que é perceptível por meio do discurso entre parênteses 
(“admitindo-se aqui o tempo como uma realidade palpável, estranho, portanto, à fantasia 
 
24 
 
da história”). Além disso, o narrador intruso projeta outros sentidos não diretamente 
inferidos (discurso científico, marxismo, teorias freudianas). 
Você pode notar também a intertextualidade, aspecto que contribui para a 
expressão de múltiplas vozes do texto: fábula de Perrault sobre Chapeuzinho Vermelho, 
Freud, Marx. Essas múltiplas vozes também se expressam na percepção de leitores 
diferentes (criança, adulto, interessados na fábula, interessados na desconstrução do 
discurso fabular): Um parêntese para os nossos pequenos leitores”; “monstruosidade 
botânica que consiste na soldadura anômala de duas flores vizinhas pelos invólucros ou 
pelos pecíolos”. 
A referência ao discurso do provável autor (“indica uma intenção crítica do autor, 
estando oculta aí a ideia do capitalismo devorando o proletariado”) também cria a 
percepção do outro (autor referencial, nesse caso, já que é o próprio criador). A descrição 
das personagens, a interação de Chapeuzinho com o lobo, o modo como as ações são 
interpretadas também contrastam com as falas do narrador. As interações entre as 
personagens ora se dão em discurso direto (uso do travessão), ora indireto, o que 
destaca o caráter “híbrido” do texto. O texto, assim, é formado por várias vozes. Note a 
constante referência ao outro (dialogismo), a presentificação do discurso do outro 
(intertextualidade, falas das personagens, manifestações do narrador), bem como a 
coexistência, sem sobreposição, desses vários discursos (polifonia). O trabalho do leitor 
é identificar essas camadas, perceber os desvios que essa construção propõe e apreciar 
a novidade dessa criação única. (Flach, 2018). 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Fonte: www.enem.com.br 
 
25 
 
4 NATUREZA E FUNÇÕES DA LITERATURA 
4.1 Arte e literatura 
Partindo da premissa de que a arte é uma linguagem, devemos observar os 
elementos que a constituem desde sua concepção geral até as mais particulares. Nesse 
sentido, precisamos ter como noção a importância da arte como reflexão e como 
expressão. Assim, enquanto a reflexão é tudo aquilo que podemos relacionar com sua 
produção, desde o momento de sua concepção/elaboração até a nossa leitura, a 
expressão é a tentativa sempre incompleta e inconclusa de dizer algo sobre o mundo e 
nós mesmos. (Flach, 2018). 
A arte que se realiza como “obra-prima”: sim, porque podemos até mensurar a arte 
por meio de uma visão mais condescendente àquilo que julgamos bem elaborado e belo. 
Segundo Robert Cumming, é caracterizada da seguinte forma: 
 
A função e o objetivo de uma grande obra de arte, as expectativas nela 
depositadas e o papel do artista não são constantes, variam conforme a época e 
a sociedade. Contudo, algumas obras se destacam por terem a necessidade de 
falar de algo além de sua própria época e oferecerem uma inspiração e um 
significado que atravessam os tempos (1996, p. 08). 
 
Hannah Arendt comenta que o interesse que é dado ao artista não se limita ao seu 
individualismo subjetivo, mas principalmente ao fato de ser ele, afinal, “o autêntico 
produtor daqueles objetos que toda a civilização deixa atrás de si como a quintessência 
e o testemunho duradouro do espírito que a animou” (1988, p. 252). A relação entre arte 
e literatura passa pela leitura das diversas “imagens” que as compõem. 
Segundo Octavio Paz, “La imagen es cifra de La condición humana” (1970, p. 98). 
Essa noção apresentada por Octavio Paz nos deixa mais atentos para o que é, o que não 
é e o que deveria ser... A arte e a literatura entendida como tal têm esse papel: de 
desencontrar o homem para reencontrá-lo consigo mesmo. Imaginemos, com Octavio 
Paz, a seguinte frase: “Piedras son plumas” e embarquemos em uma leitura que poderá 
fazer com que pensemos de forma diferente sobre as definições que nos cercam. 
 
26 
 
Quem não conhece aquela pergunta capciosa: “O que pesa mais: um quilo de 
pedra ou um quilo de penas? ”. A redução ao aspecto científico (quilo) que reduz duas 
coisas diferentes a uma mesma instância é algo difícil quando tentamos ver cada coisa 
com sua própria característica. Ao dizer que pedras são plumas de maneira mais direta, 
sem o atenuante científico, caminhamos na direção de entendermos a realidade de outra 
forma. Aqui reside não a utilidade de uma obra de arte, mas o seu valor. (OLIVEIRA, 
1967). 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Fonte: www.futuroeventos.com.br 
 
27 
 
4.2 Prazer e utilidade 
Como vimos anteriormente, a literatura não tem a ver com o prazer por si só nem 
com o viés utilitário, mas sim com o valor propiciado a partir de cada experiência reflexiva. 
Ficamos muito atrelados ao condicionante imposto socialmente, ou melhor, definido por 
leituras que nos antecederam e que comprometem, não raras vezes, nossa própria 
possibilidade de ler de outra forma. O termo prazer deve ser lido com cuidado e atenção. 
Todas as palavras possuem significados diversos e possibilidades igualmente 
diversas. Vamos refletir sobre o seguinte pensamento: “Muitas vezes procurei prazer na 
leitura, poucas vezes o encontrei”. Se nós entendermos que o prazer é sempre algo bom, 
podemos ser induzidos a pensar que existe alguma coisa errada com a leitura ou com o 
leitor. Que algo está errado com o texto ou até mesmo com o contexto. No entanto, se 
pensarmos que toda a palavra possui aspectos positivos e negativos e que, se 
encararmos o prazer como algo negativo, poderemos ter uma nova possibilidade de 
leitura. Assim, não há nada de errado com a leitura ou com o leitor ou com o texto... a 
leitura realizada não provocou o prazer como sinônimo de estagnação e limitação tal 
como os efeitos entorpecentes de uma droga, mas sim exerceu seu papel mais 
importante: ao contrário de estagnação, deu indignação, revolta, angústia, medo, 
motivação, não conformismo com aquilo que nos cerca. “Poucas vezes encontrei na 
leitura o conformismo e a estagnação que muitos procuram” talvez seja a resposta. 
Muitos procuram o prazer pelo prazer, sem se aterem ao fato de que este pode ser oproblema. 
Antes de avançarmos, é importante apresentarmos algumas perspectivas 
advindas da psicanálise evidenciando sua relação com a arte ou, no mínimo, com as 
possibilidades interpretativas que se abrem aos nossos olhos. Na virada do século XX, a 
arte rompe, através da pintura, com a organização espacial tradicional, vigente desde o 
Renascimento. Com Freud, é o sujeito representado por este olho que perde sua 
estabilidade, sua posição central. Pois, após o conceito freudiano de inconsciente, o eu 
deixo de ser o senhor de sua própria casa e passa a estar irremediavelmente dividido. 
O espelho quebrado, oferecido pela arte e pela psicanálise, reflete apenas um eu 
fragmentado (RIVERA, 2005). Essa fragmentação tem a ver com a noção de prazer, não 
 
28 
 
aquele prazer limitador, mas a compreensão deste como elemento impulsionador que 
influencia e direciona o indivíduo. O prazer é a realização do desejo. E o desejo, segundo 
Freud, é a instância na qual todas as tensões se exprimem. Pelo próprio fato de ficar 
inconsciente e, portanto, mais ou menos recalcado, o desejo que não se pode satisfazer 
ao nível do real transforma-se em permanente. 
Permanece eternamente insatisfeito e exigente como se fosse intemporal. 
Continuará indefinidamente a manifestar-se simbolicamente através de um disfarce. O 
disfarce protege geralmente o indivíduo contra o perigo da angústia que se 
desencadearia se o desejo se manifestasse abertamente. O recalcamento (repressão), 
ou mesmo a repulsa, supõe que o desejo é condenado por uma parte do indivíduo e não 
pode exprimir-se livremente. O desejo não pode ser verbalizado no diálogo com o outro. 
O que interessa mais decisivamente à literatura é a originalidade do desejo humano, dos 
interesses culturais que dele advêm e das consequências que podem produzir; o que a 
sensibilidade humana pede não é efetivamente a satisfação de uma necessidade, é uma 
relação com o outro: um diálogo e um intercâmbio. É a busca do desejo do companheiro 
que responda ao desejo do sujeito. A fome, que é uma necessidade, tem como objeto 
uma coisa, ao passo que o amor, que é um desejo, tem como objeto o desejo de um 
outro. 
O amor pede um outro desejo que corresponda ao seu. A diferença entre o desejo 
e a necessidade é a tendência e a capacidade do desejo de ser dito a um outro, de ser 
recebido por outro, de se exprimir e de se verbalizar. É pelo desejo que o homem acede 
à palavra. (Flach, 2018). 
 
4.3 Literatura e escrita 
Vamos começar pensando sobre os efeitos que podemos exercer sobre os demais 
seres e dos efeitos de sentido que podemos lançar mão para dizermos o que ainda é 
silêncio. Na originalidade do desejo humano somos capazes de pensar que a literatura é 
o silêncio pleno de palavras. O homem se distingue do animal graças à capacidade de 
“pensar que está pensando”. Isso o faz um ser sensível. A dor que ele sente é forte não 
 
29 
 
porque sente dor, mas porque sabe que está sentindo dor. O prazer que ele sente é 
intenso não porque sente prazer, mas porque sabe que está tendo prazer. 
O homem é, portanto, um ser inteligente, criativo e sensível graças à capacidade 
de “pensar que está pensando”. E o instrumental que lhe permite isso é a linguagem. 
Uma das manifestações da linguagem é a língua escrita. Ao escrever, o ser humano se 
insere na matéria, imortalizando o seu pensar e o seu sentir. Escrever é, nesse sentido, 
um ato de imortalidade, dado que o indivíduo é hoje o que foi ontem, e será amanhã o 
que é hoje. Ao escrever o seu hoje, que amanhã será passado, ele continuará presente. 
No entanto, a literatura, por mais difícil que seja aceitar, não se limita à escrita. As 
manifestações orais advindas da tradição também fazem parte desse “processo cultural”, 
dessa organicidade da qual a literatura é parte. 
Mesmo assim, o privilégio da escrita da literatura entendida como essa 
manifestação da linguagem por meio do código escrito faz parte do conjunto de valores 
ideológicos que perpassam e integram nossa formação individual e coletiva. Nessa 
perspectiva, talvez o elemento mais comumente aplicado para se entender o conceito de 
literatura esteja calcado na noção de “literariedade”, ou seja, a literatura, segundo Terry 
Eagleton, não é a escrita “imaginativa” nem tampouco se limita à distinção entre “fato” e 
“ficção”, mas talvez seja “porque emprega a linguagem de forma peculiar” (2006, p. 03). 
Essa definição de literário foi apresentada pelos formalistas russos, conforme esclarece 
Eagleton: 
 
Os formalistas surgiram na Rússia antes da revolução bolchevista de 1917; suas 
ideias floresceram durante a década de 1920, até serem eficientemente 
silenciadas pelo stalinismo. Sendo um grupo de críticos militantes, polêmicos, 
eles rejeitaram as doutrinas simbolistas quase místicas que haviam influenciado 
a crítica literária até então e, imbuídos de um espírito prático e científico, 
transferiram a atenção para a realidade material do texto literário em si. (...) Em 
sua essência, o formalismo foi a aplicação da linguística ao estudo da literatura; 
e como a linguística em questão era do tipo formal, preocupada com as estruturas 
da linguagem e não com o que ela de fato poderia dizer, os formalistas passaram 
ao largo da análise do “conteúdo” literário e dedicaram-se ao estudo da forma 
literária (2006, p. 03-04). 
 
 
30 
 
É dessa noção que tiramos a maior parte do nosso referencial de “entrada” no 
texto literário. Personagem, narrador, espaço, tempo, temática são alguns dos conceitos 
científicos empregados até hoje. No entanto, essa se traduz como uma posição limitada 
ao campo da análise da materialidade linguística presente no texto. Há várias outras 
possibilidades sempre complementares e a partir dessa materialidade linguística que 
colaboram tanto com o entendimento acerca do emprego de determinada forma de 
escrita quanto com a compreensão do conteúdo presente nessa obra. Contextos 
históricos de produção e de recepção necessitam ser percebidos como continuidade 
dessa análise, fundindo-se a ela em uma busca interpretativa. Eagleton encerra a sua 
introdução com a seguinte reflexão: 
 
Se não é possível ver a literatura como uma categoria “objetiva”, descritiva, 
também não é possível dizer que a literatura é apenas aquilo que, 
caprichosamente, queremos chamar de literatura. Isso porque não há nada de 
caprichoso nesses tipos de juízos de valor: eles têm suas raízes em estruturas 
mais profundas de crenças, tão evidentes e inabaláveis quanto o edifício do 
Empire State. Portanto, o que descobrimos até agora não é apenas que a 
literatura não existe da mesma maneira que os insetos, e que os juízos de valor 
que a constituem são historicamente variáveis, mas que esses juízos têm, eles 
próprios, uma estreita relação com as ideologias sociais. Eles se referem, em 
última análise, não apenas ao gosto particular, mas aos pressupostos pelos quais 
certos grupos sociais exercem e mantêm o poder sobre outros (2006, p. 24). 
 
 
Mikhail Bakhtin (1993) se preocupou com essa indissociabilidade entre forma e 
conteúdo, entre a materialidade linguística e o conteúdo, entre a forma realizada e o 
processo de criação, de seus constituintes históricos, enfatizando que essa não é uma 
tarefa meramente “instintiva”, ou seja, não é um espaço para a mera intuição. 
Essa sistematização visa compreender significativamente a singularidade da 
estética, sua relação com os campos da ética e da cognição, seu espaço na cultura 
humana e os seus limites enquanto objeto de análise. Isso leva em consideração que 
nenhum “valor cultural, nenhum ponto de vista criador pode e deve permanecer ao nível 
da simples manifestação, do fato puro de ordem psicológica e histórica; somente uma 
definição sistemática na unidade da cultura superará o caráter fatual do valor cultural. ” 
(1993, p. 16). 
 
31 
 
A crítica, todavia, na busca por elaborar um juízo científico sobre a arte,aproxima-
se da orientação positivista, caracterizada como uma “base mais estável para a discussão 
científica” (1993, p. 17) o que pode levar para a compreensão de que a forma artística se 
configura como um dado material demonstrável em alguns casos pela matemática, 
criando uma “premissa de caráter estético geral” (1993, p. 18). A presença implícita e 
explícita desse pressuposto de caráter estético-geral serve de embasamento a trabalhos 
e escolas na afirmação de uma concepção particular da estética geral sem nenhum senso 
crítico, chamada por ele de estética material. 
 
Pode-se dizer que a estética material, como hipótese de trabalho, é inócua e, 
numa conscientização clara e metódica dos limites do seu emprego, pode até 
tornar-se fecunda, se for estudada apenas a técnica da obra de arte, mas tornar-
se-á evidentemente prejudicial e inaceitável quando, baseado nela, se tentar 
compreender e estudar a obra de arte como um todo, na sua singularidade e 
significação estéticas. (1993, p.19) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Fonte: www.oficiodescribir.com.br 
 
32 
 
5 LEITURA E LITERATURA 
5.1 A importância das diferentes formas de leitura no cotidiano escolar 
 
Saber ler e produzir textos de diferentes formatos, com diferentes objetivos e 
registros da língua é um ato de cidadania. Saber transitar entre as variações linguísticas 
é um dos passos necessários para viver em sociedade: se você precisa encaminhar um 
e-mail para seu chefe, mandar um recado de condolências, conversar com um amigo em 
um ambiente descontraído ou analisar um edital de um concurso, todas essas diferentes 
modalidades exigem uma adaptação do discurso. Às vezes, é requerido que utilizemos 
uma variante mais formal da língua; às vezes, uma mais informal. (Flach, 2018). 
 Portanto, ensinar aos nossos alunos os diferentes registros de uma mesma língua 
e como ou quando utilizá-los faz parte de um trabalho maior de formação de um cidadão 
consciente e capaz de atuar com propriedade em sociedade. Esse trabalho inclui 
proporcionar aos estudantes a possibilidade de tomar contato e de ler diferentes textos 
em sala de aula. Depois de ler e de estudar o gênero, os estudantes podem ser 
convidados a produzir os seus próprios textos. Se esse trabalho puder ser construído da 
forma mais significativa possível, melhor ainda. Por exemplo, quando os alunos estiverem 
aprendendo como se escreve cartas ou e-mails, por que não os enviar, de fato? Ou, se 
o gênero for notícia de jornal, por que não construir um jornal da turma com as 
informações sobre o cotidiano deles e sobre a escola? Tudo para que os estudantes 
consigam enxergar como esses diferentes gêneros funcionam na prática. Sobre a 
importância da leitura em sala de aula, encontramos a seguinte informação nos 
Parâmetros Curriculares Nacionais: 
 
 
 
 
 
 
33 
 
A leitura é um processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de 
compreensão e interpretação do texto, a partir de seus objetivos, de seu 
conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre a 
linguagem, etc. Não se trata de extrair informação, decodificando letra por letra, 
palavra por palavra. Trata-se de uma atividade que implica estratégias de 
seleção, antecipação, inferência e verificação, sem as quais não é possível 
proficiência. É o uso desses procedimentos que possibilita controlar o que vai 
sendo lido, permitindo tomar decisões diante de dificuldades de compreensão, 
avançar na busca de esclarecimentos, validar no texto suposições feitas 
(BRASIL, 1988, p. 69–70). 
 
 
Você pode perceber, portanto, a riqueza que é o trabalho com a leitura, que 
mobiliza muito mais competências e conhecimentos do que simplesmente os de 
decodificar letras, formando palavras. Fica evidente, dessa forma, a importância de se 
trabalhar rotineiramente com a leitura em sala de aula. 
A leitura pode ocorrer de diferentes formas e modalidades: a leitura realizada pelo 
professor para os alunos; a leitura realizada pelos alunos de forma silenciosa ou em voz 
alta; a leitura compartilhada; a leitura realizada para apresentar para os colegas. Cada 
vez mais, a leitura tem ocupado um local privilegiado nos planejamentos dos professores 
e nas aulas, servindo como base para inúmeros tipos de atividades. 
 Isso porque a leitura pode oferecer inúmeras possibilidades: a leitura para que o 
próprio aluno reflita e critique, atribuindo um sentido a ela; para que debata um assunto 
junto com os colegas e com o professor; para que releia e compare as conclusões da 
primeira leitura com a segunda leitura; ler para ouvir o que os outros têm a dizer sobre o 
texto; ler para comparar essa leitura com a leitura de outros textos; ler para apreciar. 
(Flach, 2018). 
Nesse sentido, é importante que o conceito de fluência leitora esteja claro, visto 
que essa é uma das grandes reclamações dos professores: os alunos não leem ou 
raramente leem; os alunos não leem com atenção; os alunos não compreendem o que 
leem. Para definirmos a fluência leitora, devemos, ainda, discutir a questão do letramento. 
Letramento, ao contrário da alfabetização, não pressupõe apenas um sujeito capaz de 
decodificar letras e de, consequentemente, desvendar as palavras que formam um texto; 
pressupõe um sujeito capaz de decodificar um texto, mas também de interpretá-lo, de 
fazer inferências a partir dele e de perceber esse texto dentro do seu contexto. 
 
34 
 
Todo texto é produzido por um autor em uma determinada circunstância, e 
entender e perceber como essas informações se relacionam com o conteúdo do texto é 
tarefa de um leitor competente. Além disso, o leitor deve ser capaz de saber quando 
utilizar determinados tipos ou gêneros de texto de acordo com as diferentes situações e 
modalidades da língua e deve saber quais são as suas funções. Um leitor fluente deve 
conseguir realizar todas essas etapas de leitura. 
Agora, é importante que você perceba quais são os fatores que determinam a 
compreensão da leitura de um texto. Koch e Elias (2006) apontam dois elementos 
fundamentais para refletirmos sobre o sucesso ou não de uma leitura: o autor/leitor e o 
próprio texto. Primeiramente, o aspecto leitor/autor está relacionado ao “[...] 
conhecimento dos elementos linguísticos (uso de determinadas expressões, léxico antigo 
etc.), esquemas cognitivos, bagagem cultural, circunstâncias em que o texto foi produzido 
[...]” (KOCH; ELIAS, 2006, p. 24). Leia o texto a seguir para perceber como isso funciona 
na prática: 
 
VIDE BULA 
[...]. Muito se tem tentado com drogas tradicionais, ou novidades, porém até agora 
nenhum teve o tão almejado efeito de curar este pobre enfermo. Há bem pouco tempo 
foi tentada uma droga novíssima, quase não testada, mas que prometia sucesso total, a 
“Collorcaína”, que, infelizmente, na prática de nada serviu, seus efeitos colaterais 
extremamente deletérios (como a liberação da “Pecelidona”) quase acaba com o doente. 
Porém, para o ano que vem, novos medicamentos poderão ser usados. Enquanto isso 
não acontece, o doente consegue se manter com doses de “Itamarina” que é uma espécie 
de emplastro que, se não cura, também não mata [...] (KOCH; ELIAS, 2006, p. 25). 
 
Para que o leitor compreenda o texto, ele precisa lançar mão de conhecimentos 
de mundo específicos, precisa conhecer a história recente do Brasil, principalmente no 
que diz respeito à política e às eleições presidenciais. O autor inventou palavras, como 
“Collocaína” e “Itamarina”, a partir de nomes de presidentes ao brincar com outro gênero 
textual: a bula de remédio. O doente, no caso, é o Brasil, e os políticos são possíveis 
remédios receitados para a cura do paciente. Dessa forma, o leitor deve levar em 
 
35 
 
consideração esses conhecimentos (sobre história e política no Brasil do século XX e 
sobre o gênero textual bula) para compreender, de fato, o texto. Assim, as autoras 
concluem: 
 
[...] podemos dizer que os conhecimentosselecionados pelo autor na e 
para a constituição do texto ‘criam’ um leitor-modelo. Desse modo, o texto, pela 
forma como é produzido, pode exigir mais ou exigir menos conhecimento prévio 
de seus leitores [...] (KOCH; ELIAS, 2006, p. 28–29). 
 
O segundo elemento que determina a leitura é o próprio texto e a sua legibilidade. 
Podemos pensar em aspectos materiais, linguísticos e de conteúdo. Dentre os materiais, 
podemos citar: tamanho, fonte e clareza das letras, cor e textura do papel, comprimento 
das linhas, tamanho das frases e dos parágrafos, qualidade da tela, etc. Já os linguísticos 
abrangem um número extenso de aspectos, como o léxico, o excesso de orações 
subordinadas, ausência de nexos para marcar a relação entre orações e frases, ausência 
ou inadequação do uso de pontuação, etc. Por último, a questão do conteúdo, que pode 
ser mais técnico ou não, mais complexo ou mais simples. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Pensando em todas essas características do texto e da leitura de texto, o professor 
deve estar sempre atento para realizar um trabalho diversificado: trabalhar não apenas 
com diferentes tipos e gêneros textuais, mas também com atividades que privilegiem 
vários aspectos, capacidades, conhecimentos e habilidades que devem ser levados em 
 
36 
 
consideração e mobilizados durante a leitura de um texto. Dessa forma, o aluno começará 
a realizar leituras cada vez mais conscientes e efetivas. 
5.2 O que diferencia a leitura da literatura da leitura de outros tipos de texto? 
Depois de estabelecermos a importância da leitura de variados tipos e gêneros 
textuais, é importante que deixemos claro quais são as diferenças entre um texto literário 
e um texto não literário, visto que, dentro da leitura de textos, a leitura de textos literários 
ocupa um espaço muito importante e que deve ser cada vez mais privilegiado e 
destacado. Em primeiro lugar, devemos apontar que, enquanto a conotação é 
característica do texto literário, a denotação é característica do texto não literário. 
Conotação é a linguagem utilizada em seu sentido metafórico, ao passo que a denotação, 
em seu sentido literal. 
Claro que, quando falamos dessas características, não queremos dizer que nunca 
aparecerá uma metáfora, por exemplo, e uma linguagem mais conotativa em um texto 
não literário. O mesmo ocorre com o texto literário e com a denotação: com certeza, em 
vários momentos, a linguagem utilizada em seu sentido objetivo, ou dicionarizado, 
aparecerá em um texto literário. Estamos tratando aqui de predominâncias, e não de 
exclusividades de características que são mais fortes ou marcantes em cada um dos tipos 
de texto. O Quadro 1, a seguir, apresenta uma relação entre texto literário e texto não 
literário. (Flach, 2018). 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
37 
 
Em seguida, é fundamental abordarmos a questão da subjetividade, uma das 
principais marcas da literatura. A subjetividade pode se referir a, pelo menos, dois 
fenômenos relacionados ao texto literário. O primeiro se refere ao fato de que, no texto 
literário, nós podemos aprender muito sobre o seu autor. Mesmo que ele não escreva 
sobre ele mesmo, mas sobre personagens fictícios, suas crenças e sua visão de mundo 
acabarão aparecendo, nem que seja um pouquinho, em seu texto. Isso tem relação com 
o fato de o texto literário ser um texto pessoal e não ter preocupação em ser isento, em 
apresentar as informações de forma mais objetiva possível. (Flach, 2018). 
Além desse primeiro aspecto da subjetividade de um texto literário, há outro ainda: 
é possível afirmar que o sentido do texto literário nunca está dado, nunca está pronto. É 
sempre o leitor quem definirá o que cada texto literário significará para si, o que tem como 
consequência o fato de leitores diferentes, em diferentes tempos e em diferentes lugares, 
lerem um mesmo texto de formas diferentes. Mais do que isso, um mesmo leitor, em 
momentos distintos de sua vida, pode ler um mesmo texto de modos distintos. 
 Entretanto, isso não significa que possamos interpretar qualquer coisa a partir de 
um texto. Apesar disso, as possibilidades de interpretação são várias. Uma outra marca 
que diferencia os textos literários dos textos não literários é a preocupação com a forma. 
Se o texto não literário se preocupa em passar uma informação, o texto literário está 
muito mais preocupado com a forma como passará essas informações. 
Podemos perceber isso a partir da leitura do trecho a seguir, fragmento do livro 
Iracema, de José de Alencar. 
Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema. 
Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da 
graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira. O favo da jati não era doce como seu 
sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado. Mais rápida que 
a corça selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava 
sua guerreira tribo, da grande nação tabajara. O pé grácil e nu, mal roçando, alisava 
apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas (ALENCAR, 1865, 
documento on-line). 
José de Alencar poderia ter afirmado, de uma forma muito mais simples e direta, 
que Iracema era uma moça alta e esguia, com os cabelos negros, com um sorriso bonito 
 
38 
 
e belos lábios, que é bastante rápida na corrida. Se o desejo do escritor fosse o de passar 
essas informações ao leitor, ele, com certeza, não teria escolhido a maneira correta de 
fazer isso, em vez de um vocabulário mais simples, ele optou por outro, muito mais 
rebuscado e cheio de metáfora (i.e., uma figura de linguagem em que se utiliza uma 
palavra ou expressão com um significado pouco usual para estabelecer uma 
comparação). 
No fragmento, por exemplo, o narrador afirma que o talhe de Iracema era parecido 
com o de uma palmeira. O que isso quer dizer? Pense na imagem de uma palmeira: elas 
costumam ser árvores bastante altas, com um tronco mais fino. Portanto, Iracema 
provavelmente é alta e magra. O desejo do escritor não é o de passar informações 
diretamente, mas o de, justamente, causar sentimentos, emoções e possibilitar que o 
leitor crie uma imagem mental do que está sendo descrito. Apesar de não ser fácil, atente 
para a poeticidade do trecho de Iracema, aliás, Alencar começou escrevendo um poema 
sobre essa índia virgem dos lábios de mel e depois acabou transformando-o em prosa. 
Observe outros dois textos para ver, na prática, como textos literários se diferenciam de 
textos não literários. O primeiro é a definição de literatura retirada de um dicionário: 
 
Li·te·ra·tu·ra 
(Latim litteratura, -ae) 
Substantivo feminino 
1. Forma de expressão escrita que se considera ter mérito estético ou 
estilístico; arte literária. 
2. Conjunto das obras literárias de um país, de uma região ou de determinada 
época. 
3. Disciplina que estuda obras, temas e autores literários. 
4. Conjunto de escritores e poetas de uma determinada sociedade 
(LITERATURA, 2019, documento on-line). 
 
Aqui, fica claro o desejo de passar informações precisas, diretas e objetivas. Não 
era a intenção de quem escreveu o verbete a de que cada leitor pudesse interpretá-lo de 
 
39 
 
uma maneira diferente, por isso a linguagem é direta e não aparece o uso de figuras de 
linguagem. 
Apresentam-se, dessa forma, quatro definições claras do que podemos considerar 
como literatura. A partir de, por exemplo, “conjunto de escritores e poetas de uma 
determinada época”, não é possível compreender de outra forma que não a de um grupo 
de escritores produzindo em um mesmo tempo. Agora, observe um texto que também 
define literatura, mas de uma forma completamente diferente da do verbete de dicionário 
acima: 
 
A vaca e o hambúrguer 
Parece-me, às vezes, que a literatura funciona como as máquinas de picar carne. 
No início está sempre uma vaca concreta e real. Depois mata-se a vaca, corta-sea vaca 
e atiram-se os bocados para dentro da máquina trituradora. Do outro lado do aparelho 
aparecem, ao fim de um bocado, hambúrgueres, almôndegas e carne picada. Mas não 
tenho a certeza de que a vaca ainda seja capaz de se reconhecer se lhe for permitido 
contemplar-se, já embalada, nas prateleiras do supermercado (TAVARES; MARMELO; 
ASSUNÇÃO, 2016, p. 132). 
 
Logo percebemos a diferença, pois ela fica evidente desde o título do livro: 
“Verbetes para um dicionário afetivo”. Qual seria a diferença de um dicionário para um 
dicionário afetivo? Essa condição do dicionário não foi evidenciada à toa. Precisamos 
nos atentar para o título desse conceito em específico do dicionário: “A vaca e o 
hambúrguer”. O que isso significa? Será que o autor se refere a vacas e a hambúrgueres 
de verdade? Concretos? Percebemos que não quando ele abre o seu texto falando a 
forma como, para ele, a literatura parece funcionar. Mas qual a relação entre vacas, 
hambúrgueres e literatura? Aqui, é necessário um esforço extra do leitor para 
compreender o texto, pois o sentido não é direto, como no anterior. 
 Podemos pensar que a vaca real e concreta é a realidade, e o hambúrguer e a 
carne picada, a literatura. Isso porque a literatura pode se inspirar no real, mas não é 
simplesmente a cópia deste. Há um trabalho do escritor em cima dos dados do mundo 
concreto para transformá-los em texto literário. Outra possibilidade de leitura é a seguinte: 
 
40 
 
a vaca real é o texto literário, e o hambúrguer, a interpretação de cada um dos leitores, 
que devem trabalhar e construir os sentidos do texto. Perceba, portanto, que o texto 
metaforiza, a partir dos elementos vaca e hambúrguer, justamente o que é literatura. 
Ele não apenas conceitua literatura, como igualmente é literatura, e a literatura 
carrega elementos relacionados aos sentimentos, às emoções, aos sonhos, aos 
devaneios e também como aponta o título da obra ao afeto é importante, dessa forma, 
que o professor fique atento a essas marcas e características quando for trabalhar com 
textos literários em sala de aula. Por essa natureza distinta, as atividades com o texto 
literário também devem ser distintas. Deve-se colocar em destaque não só o conteúdo 
dos textos (a história, a narrativa, as ações da história), mas também os recursos 
linguísticos e estilísticos de que o autor lançou mão para escrever tais textos, visto que, 
em um texto literário, como se conta uma história é tão ou mais importante do que a 
história em si. É claro que um trabalho mais estruturado deve ser realizado com a 
literatura, porém sem nunca perder de vista o caráter lúdico e prazeroso que a leitura 
literária deve ter. Os alunos devem sempre estar cientes dessas diferenças, e um dos 
papéis do professor é justamente o de salientá-las em sala de aula. (TAVARES; 
MARMELO; ASSUNÇÃO, 2016, p. 132). 
5.3 Métodos de leitura: diferentes possibilidades para serem aplicadas em sala de 
aula 
Depois de discutirmos teoricamente sobre a leitura em sala de aula e sobre as 
diferenças entre a leitura de textos literários e de textos não literários, chegou o momento 
de analisarmos diferentes possibilidades de aplicação de métodos de leitura em sala de 
aula. Diferentes tipos e gêneros textuais pedirão diferentes tipos de atividades. 
Começaremos com um trabalho a partir de um texto literário. Nesta aula, o 
professor introduzirá um gênero literário narrativo a partir da leitura de um conto, para 
que os alunos sejam convidados a inferir as características do gênero após a análise do 
texto. Assim, os estudantes passarão do concreto (texto literário) para o abstrato 
(características do gênero narrativo), e serão os responsáveis por construir esses 
conhecimentos, o que será muito mais significativo do que o professor simplesmente 
 
41 
 
escrever no quadro a lista para os alunos copiarem. O texto escolhido pode ser o 
seguinte: 
 
Grêmio 
Quando minha mãe morreu, eu acordava em Florianópolis. Na rodoviária de Porto 
Alegre pedi ao taxista que me levasse depressa. A viagem atrasara. Ele disse que, como 
o cemitério ficava perto do campo do Grêmio e tinha jogo naquela noite, o trânsito não 
estaria fácil. Passamos pelo clarão do estádio. O motorista ostentava quase um 
desconsolo, embora eu não tivesse confessado a qualidade íntima do velório. O padre 
soube observar meu suor. Horas depois forcei a chave para entrar no apartamento dela. 
Por que não tentar desde logo o que eu não ousara formular até ali? Virei-me. O cão 
rosnava. Preparava sua fúria para me atacar (NOLL, 1999, documento on-line). 
 
O conto, apesar de curto, guarda inúmeros sentidos e é bastante rico: o professor 
pode trabalhar as elipses temporais da narrativa; os significados de expressões, como 
“quase um desconsolo”, “qualidade íntima do velório”; o motivo de a frase “o padre soube 
observar o meu suor” ser importante na narrativa; o sentido do cão furioso no 
apartamento da mãe falecida; a relação entre o (a) narrador (a) e a mãe. Depois desse 
trabalho imprescindível com os sentidos do texto, o professor deve questionar os alunos 
sobre quais elementos eles encontram nesse texto. 
 Caso a turma sinta dificuldades, deve ajudar com perguntas, como “quem está 
contando a história? ” Ou “essa história se passa em algum lugar? ”. Ao final, os alunos 
devem listar os elementos essenciais das narrativas: narrador, personagem, enredo, 
tempo e espaço. Outras narrativas podem ser lidas e interpretadas, e esses mesmos 
elementos podem ser analisados dentro delas. Outra atividade para colocar em prática 
esses conhecimentos é uma produção textual literária: o professor deverá recortar 
imagens representando lugares, tempos e personagens. 
Deve colocá-los em três sacos distintos, destinados a cada um desses elementos, 
e sortear para cada um dos alunos um elemento. Assim, os alunos precisarão construir 
uma narrativa com os elementos sorteados. O professor poderá brincar com esses 
elementos para que essa seja uma atividade divertida. Por exemplo, como um aluno 
 
42 
 
construirá uma narrativa dando conta de juntar, de forma coerente, o personagem Harry 
Potter no Japão em pleno século XIX? Além de trabalhar com os elementos da narrativa, 
os alunos ainda deverão utilizar muito da criatividade. Aqui, portanto, o aspecto lúdico da 
literatura será igualmente desenvolvido. Para finalizar, o professor poderá propor que 
aqueles alunos que se sentirem confortáveis leiam seus textos para os colegas. Esse 
pode ser um momento interessante de debates e de trocas ricas. A Figura 1 apresenta 
exemplos de elementos que podem ser sorteados entre os alunos para se construir uma 
narrativa. (NOLL, 1999, documento on-line). 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Outra sugestão de trabalho é com o gênero textual resenha. Depois de o professor 
já ter trabalhado com o gênero textual resumo, ele introduzirá o gênero resenha. É 
fundamental que os alunos já estejam familiarizados com o resumo, visto que uma das 
 
43 
 
etapas da resenha é justamente o de resumir o objeto resenhado. Primeiramente, os 
alunos devem assistir a um filme ou a um documentário, ler um livro ou ir a um museu, 
qualquer atividade envolvendo arte, para que, depois, eles possam resenhar. Uma 
sugestão é o documentário “Absorvendo o tabu”. Para alunos com 14 anos ou mais, essa 
é uma interessante produção; Vencedora do Oscar de Melhor Documentário de Curta-
Metragem em 2019, a obra aborda o tabu criado em torno da menstruação na Índia. Essa 
atividade pode, inclusive, fazer parte de um projeto transdisciplinar sobre a saúde do 
adolescente. 
Um debate deve ser realizado com os estudantes: por que e como uma condição 
biológica pode ser considerada como um tabu tão grande? Em que medida a realidade 
brasileira se aproxima ou se afasta da realidade indiana? Depois do debate, o professor 
deve selecionar algumas resenhas sobre o filme

Outros materiais

Outros materiais