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@STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA II 1 O termo tranquilizantes, embora usado com restrições, refere-se a medicamentos que produzem a tranquilização do animal, isto é, acalmam a agitação e a hiperatividade. Sedativo, sedante, calmante são denominações também empregadas por alguns como sinônimo de tranquilizante. Essas denominações começaram a ser utilizadas quando foi introduzido um grupo de medicamentos que revolucionou o tratamento das doenças mentais. Esses medicamentos, em pacientes psicóticos, produziam certa sedação sem a sonolência. Mais tarde apareceu outro grupo de medicamentos usados para o tratamento de doenças mentais, as neuroses, consideradas menos graves que as psicoses. Tais medicamentos passaram a ser chamados de tranquilizantes menores, pois eram usados no tratamento de doenças menores ou menos graves, e os primeiros, chamados de tranquilizantes maiores, empregados para o tratamento das psicoses, doenças consideradas mais graves. Em Medicina Veterinária, tanto os tranquilizantes maiores como os menores são usados principalmente para a contenção química dos animais e na pré-anestesia, além de transtornos comportamentais. Tranquilizantes maiores Esses medicamentos são também denominados antipsicóticos, pois são empregados em seres humanos para tratar, entre outros transtornos mentais, as psicoses e a esquizofrenia. Como produzem também efeitos colaterais neurológicos, são também denominados neurolépticos. Essas substâncias bloqueiam receptores dopaminérgicos e produzem ataraxia (estado de relativa indiferença aos estímulos externos); portanto, podem ainda ser denominados de ataráxicos. CLASSIFICAÇÃO Os tranquilizantes maiores em uso atualmente são classificados em vários grupos, conforme sua estrutura química, sendo os mais tradicionais: Derivados fenotiazínicos (clorpromazina, levomepromazina, acepromazina) Derivados butirofenônicos (haloperidol, droperidol, azaperona) @STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA II 2 Derivados tioxantênicos (tiotixeno, clorprotixeno) Ortopramidas ou benzamidas substituídas (sulpirida, tiaprida). Os componentes desses grupos diferem quanto à capacidade de produzir sedação ou outros efeitos colaterais (hipotensão, efeitos hipercinéticos etc.) e, por isso, em Medicina Veterinária, são usados apenas os derivados fenotiazínicos e os butirofenônicos FARMACOCINÉTICA Tanto os derivados fenotiazínicos como os butirofenônicos são absorvidos pelo trato gastrintestinal e por via parenteral. Uma vez absorvidos, são amplamente distribuídos pelos tecidos (principalmente fígado, pulmões e encéfalo), sofrendo diferentes processos de biotransformação, sendo eliminados pela urina e também pelas fezes. EFEITOS TERAPÊUTICOS E COLATERAIS Os tranquilizantes maiores atuam seletivamente em algumas regiões do sistema nervoso central (SNC): núcleos talâmicos, hipotálamo, vias aferentes sensitivas, estruturas límbicas e sistema motor; também são capazes de atuar na periferia, afetando o sistema nervoso autônomo. Estes medicamentos induzem alterações no funcionamento da neurotransmissão dopaminérgica; o mecanismo se estabelece por bloqueio do receptor pós-sináptico, tornando o incapaz de responder ao neurotransmissor endógeno, a dopamina, presente, em particular, nos sistemas nigroestriatal, mesocortical e mesolímbico. Atuam também em receptores dopaminérgicos pré-sinápticos, os quais são responsáveis pela regulação da síntese e pela liberação do neurotransmissor. O bloqueio dos receptores dopaminérgicos promove aumento da produção e da liberação da dopamina, na tentativa de vencer o bloqueio. Este efeito faz com que haja um incremento na degradação enzimática da dopamina e, consequentemente, aumento na concentração dos metabólitos da dopamina cerebral, sem alterar os níveis de dopamina; ocorre, então, aumento na taxa de renovação (turnover) do neurotransmissor. O bloqueio dos receptores dopaminérgicos do sistema nigroestriatal é responsável pela catalepsia (i. e., perda da motilidade voluntária, com rigidez espástica dos músculos, permitindo que os membros permaneçam em qualquer posição em que sejam colocados, por tempo indeterminado), pela abolição de estereotipia (movimentos que se @STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA II 3 repetem compulsivamente no tempo, sem variação e aparentemente sem objetivo) provocada por agonistas dopaminérgicos ou por agentes liberadores de dopamina. O bloqueio dos receptores do sistema mesocortical ou mesolímbico é responsável pela atividade antipsicótica e pelo antagonismo da toxicidade provocada pela anfetamina. O bloqueio dos receptores dopaminérgicos do sistema tuberoinfundibular explica a hipersecreção de prolactina e algumas alterações endócrinas, como a diminuição da secreção dos neuro- hormônios hipotalâmicos e, ainda, hipotermia. O centro emético, localizado na formação reticular lateral do bulbo, comunica-se por meio de fibras nervosas com a zona deflagradora dos quimiorreceptores que apresenta receptores dopaminérgicos; estes podem ser bloqueados pelos neurolépticos, o que explica seu efeito antiemético. Os neurolépticos produzem também um estado de indiferença aos estímulos do meio ambiente, sem efeito hipnótico e sem perda da consciência. O neuroléptico não interfere na resposta motora do animal, alterando apenas a resposta condicionada. Outros efeitos deste grupo de agentes são: diminuição da agressividade dos animais; inibição das reações vegetativas emocionais; potencialização dos efeitos dos hipnóticos, dos anestésicos gerais, dos opiáceos e dos analgésicos anti- inflamatórios; e diminuição do limiar convulsivo (favorecem o aparecimento das convulsões). Este último efeito é consequência da inibição do espraiamento da convulsão, causada pelo bloqueio de receptores catecolaminérgicos, favorecendo o aparecimento de convulsões. Os tranquilizantes maiores deprimem os centros bulbares cardiovascular e respiratório. Poucos efeitos, porém, são observados sobre a respiração, enquanto os reflexos vasomotores mediados pelo hipotálamo ou tronco cerebral são deprimidos, resultando em queda da pressão arterial mediada centralmente. Além de atuarem em receptores dopaminérgicos no SNC, os tranquilizantes maiores podem também bloquear não só receptores noradrenérgicos e serotoninérgicos centrais, bem como perifericamente exercem efeitos α-adrenolítico, anti- histaminérgico H1, antisserotoninérgico e anticolinérgico. No sistema cardiovascular, seus efeitos são complexos: agem diretamente sobre o coração e os vasos sanguíneos e também têm @STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA II 4 efeitos indiretos por meio de ações específicas no SNC e reflexos autonômicos. Assim, causam hipotensão principalmente por bloqueio alfa- adrenérgico periférico e parte por ação central, levando a taquicardia reflexa. Promovem queda da temperatura corpórea; em parte devido a vasodilatação cutânea e em parte por ação nos mecanismos termorreguladores do hipotálamo. Apresentam efeito antiarrítmico semelhante ao dos anestésicos locais por serem estabilizadores de membrana. EFEITOS TÓXICOS Os tranquilizantes maiores apresentam alto índice terapêutico, sendo, portanto, medicamentos bastante seguros. Os efeitos colaterais são fundamentalmente extensões das várias ações farmacológicas. Os mais importantes são os efeitos sobre o SNC, o sistema cardiovascular e o sistema nervoso autônomo. Sobre o SNC podem produzir: sonolência,apatia, excitação paradoxal em animais predispostos, diminuição do limiar convulsivo e hipotermia com participação periférica; sobre o sistema nervoso autônomo promovem hipotensão com taquicardia reflexa. Em equinos, descreveu-se a ocorrência ocasional de priapismo ou prolapso do pênis após o uso dos derivados fenotiazínicos, em particular da acepromazina. A duração e extensão do prolapso peniano estão relacionadas com a dose. Em parte, este efeito pode dever-se ao relaxamento dos músculos retratores do pênis, que são inervados por fibras nervosas adrenérgicas, as quais são bloqueadas pela acepromazina. CONTRAINDICAÇÕES A administração de epinefrina é contraindicada quando se faz uso dos derivados fenotiazínicos, uma vez que os receptores alfa-adrenérgicos estão bloqueados. Quando se empregam anestésicos epidurais, também são contraindicados, pois potencializam a atividade hipotensora dos anestésicos locais. Os tranquilizantes maiores, por diminuírem o limiar convulsivo, não devem ser usados para o controle de convulsões e nem em animais epilépticos. @STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA II 5 USOS, POSOLOGIA E ESPECIALIDADES FARMACÊUTICAS Os tranquilizantes maiores em Medicina Veterinária são usados principalmente como medicação pré- anestésica, como potencializadores da analgesia (neuroleptoanalgesia) e como antieméticos. Quanto à utilização dos antipsicóticos em transtornos comportamentais, estes são pouco empregados, uma vez que com sua administração visando à diminuição, por exemplo, do comportamento agressivo, observa-se a ocorrência de catalepsia (imobilidade com aumento do tônus muscular e postura anormal), enquanto os reflexos são mantidos, inclusive aquele relacionado à mordida. Outro motivo que inviabiliza o uso dos antipsicóticos para o controle de agressividade é o fato de que estes medicamentos, além de não causarem a supressão de respostas instintivas, promovem a diminuição de resposta aos comportamentos aprendidos; portanto, o animal sob o efeito destes medicamentos mais rapidamente responde agressivamente ao estímulo ou à situação aversiva. Antipsicóticos propiciam o aparecimento de sinais extrapiramidais devido ao bloqueio de receptores dopaminérgicos, sendo comumente observados, nestes animais, tremores, rigidez muscular e alteração da locomoção. @STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA II 6 Verifica-se, ainda, que alguns antipsicóticos, particularmente a acepromazina, podem induzir ao aparecimento de crises convulsivas em animal suscetíveis, como, por exemplo, naqueles que apresentam epilepsia. Tranquilizantes menores CLASSIFICAÇÃO Os ansiolíticos em uso atualmente podem ser agrupados, conforme sua estrutura química, em: Benzodiazepínicos (diazepam, clordiazepóxido etc.) Buspirona Bloqueadores beta-adrenérgicos (propranolol, oxprenolol) Propanodiólicos (meprobamato, carisoprodol, clormezazona). Destes, em Medicina Veterinária, são usados principalmente os benzodiazepínicos e, mais recentemente, a buspirona e os betabloqueadores adrenérgicos. BENZODIAZEPÍNICOS Os benzodiazepínicos possuem efeitos ansiolítico-tranquilizante, hipnótico-sedativo, anticonvulsivante, miorrelaxante, e induzem amnésia e alterações psicomotoras. Todos os benzodiazepínicos induzem esses efeitos em maior ou menor grau, sendo a indicação clínica baseada na relação entre as intensidades relativas desses vários efeitos. Assim, por exemplo, alguns são mais empregados visando ao efeito ansiolítico tranquilizante e outros como hipnóticos na pré-anestesia. Os benzodiazepínicos apresentam diferenças no início, na intensidade e na duração dos seus efeitos, as quais são atribuídas, na maioria das vezes, às suas propriedades farmacocinéticas. Todos têm alta lipossolubilidade e são rapidamente absorvidos pelas diferentes vias de administração. O diazepam e o clorazepato são rapidamente absorvidos pelo trato gastrintestinal, com rápido início de ação, enquanto o lorazepam e o clordiazepóxido têm absorção e início de ação intermediário. Pela via intramuscular, a velocidade de absorção é influenciada por outros fatores; por exemplo, o diazepam e o clordiazepóxido apresentam absorção lenta e errática, com picos de concentração plasmática inferiores aos obtidos após administração oral, possivelmente devido à formação de precipitados no local da injeção. Já a absorção do lorazepam por via intramuscular é mais rápida e completa; o midazolam, por ser hidrossolúvel, é rapidamente absorvido e bem tolerado, não causando irritação no local da injeção. @STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA II 7 Os benzodiazepínicos mais apropriados para o uso como ansiolíticos e anticonvulsivantes são aqueles que atingem o pico plasmático mais lentamente, com declínio gradual da concentração, enquanto os mais indicados como indutores do sono são os lipossolúveis, devido a seu rápido início de ação. A distribuição dos benzodiazepínicos é ampla por todo o organismo; eles atravessam a barreira hematencefálica e alcançam concentrações fetais semelhantes às maternas, bem como são eliminados pelo leite materno. Ligam-se intensamente às proteínas plasmáticas. Existem diferenças importantes entre os diferentes benzodiazepínicos devido ao aparecimento de metabólitos ativos comuns a vários deles, que prolongam a duração dos efeitos. A eliminação faz-se fundamentalmente pela urina em forma de metabólitos conjugados com o ácido glicurônico, portanto inativos. No SNC, os benzodiazepínicos agem fundamentalmente sobre o sistema límbico (septo, hipocampo, amígdala, formação reticular) e também reduzem a atividade funcional do hipotálamo e córtex. Os benzodiazepínicos atuam em receptores do ácido -aminobutírico (GABA) no cérebro. @STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA II 8 O GABA é o principal transmissor inibitório do SNC, existindo em quase todas as regiões do encéfalo, embora em concentrações variáveis. Há três tipos de receptores GABAérgicos: GABAA, GABAB e GABAC. Os receptores GABAA e GABAC são receptores ionotrópicos, e o receptor GABAB é metabotrópico, isto é, é um receptor ligado a uma proteína G, o qual abre canais iônicos através de segundos mensageiros. Os receptores GABAA e GABAC estão acoplados aos canais de cloro, cuja abertura reduz a excitabilidade da membrana neuronal. Os receptores GABAC têm distribuição mais localizada, estando mais concentrados na retina. Os benzodiazepínicos são considerados agonistas dos receptores GABAA. Ao se ligarem ao receptor do GABAA, abrem o canal de cloreto. A entrada do íon para dentro do neurônio promove a hiperpolarização da membrana pós-sináptica, impedindo a passagem do estímulo nervoso. Foram demonstrados quatro efeitos principais dos benzodiazepínicos, podendo haver predominância de um ou mais deles: Efeito miorrelaxante Ocorre sobre a musculatura esquelética e é consequência da atuação depressora sobre os reflexos supraespinais, responsáveis pelo tônus muscular e por bloqueio da transmissão no nível de neurônios intercalares. Efeito ansiolítico Ocorre em consequência da atuação no sistema reticular ativador que mantém o estado de alerta, no sistema límbico responsável pelo conteúdo evocador de ansiedade e no hipotálamo que organiza as respostas fisiológicas (manifestações vegetativas) à ansiedade. @STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA II 9 Há redução do comportamento agressivo, quer aqueleespontâneo, quer induzido. Efeito sedativo/hipnótico Alguns benzodiazepínicos produzem hipnose importante devido à sua atuação na formação reticular e no sistema límbico, diretamente relacionado com o ciclo vigília-sono. Efeito anticonvulsivante Evitam as convulsões induzidas quimicamente (por estricnina, pentilenotetrazol etc.) ou por lesões corticais. Os benzodiazepínicos apresentam escassa incidência de efeitos colaterais. Os efeitos indesejáveis mais comuns são as ataxias e em alguns casos descreveu-se o aparecimento de excitação paradoxal. Em especial, o diazepam afeta severamente a percepção, podendo propiciar, por exemplo, quedas em gatos. Ainda, nesta espécie é relatada hiperatividade paradoxal em algumas raças, aumento de vocalização e aumento de comportamento predatório. O aparecimento da amnésia foi constatado com o uso de alguns destes medicamentos, sendo este efeito benéfico quando se considera seu uso como medicação pré- anestésica. Por outro lado, este efeito pode mascarar certos comportamentos aprendidos. O médico veterinário deve lembrar-se de que, embora os benzodiazepínicos promovam relaxamento muscular, os animais são ainda capazes de responder de maneira agressiva, por exemplo, mordendo, quando se sentirem ameaçados. O diazepam, em particular, produz em felinos um quadro de necrose hepática idiopática. Esta alteração é observada em gatos que recebem prolongadamente baixas doses do benzodiazepínico (administração por 7 dias ou mais) e, embora não tenha alta incidência, geralmente todos os animais acometidos vêm a óbito. Ainda, deve ser destacado que os benzodiazepínicos causam aumento do apetite e, dependendo da situação, esse efeito pode ser considerado indesejável. Embora os benzodiazepínicos tenham alta margem de segurança, em algumas situações os animais podem ficar expostos a doses elevadas; nestes casos, recomenda-se a utilização de flumazenil, um antagonista de receptores dos benzodiazepínicos. @STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA II 10 Recomenda-se, em cães e gatos, flumazenil na dose de 0,1 mg/kg por via intravenosa. , Os benzodiazepínicos em Medicina Veterinária são usados, tanto em cães como em gatos, para reduzir a ansiedade geral, bem como medos e fobias, sem que haja alteração de outros comportamentos. Estes medicamentos, no entanto, não são aqueles de escolha para reduzir a agressividade. Os benzodiazepínicos, particularmente o diazepam, são a primeira opção para tratamento de emergência nas diferentes espécies animais em status epilepticus mesmo em cães, nos quais este benzodiazepínico apresenta meia-vida muito curta. Os benzodiazepínicos são também empregados para promover miorrelaxamento de ação central, e, associados ou não, aos tranquilizantes maiores, são usados na pré-anestesia. Encontra-se, ainda, disponível no mercado nacional para uso em @STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA II 11 Medicina Veterinária, o zolazepam associado ao anestésico dissociativo tiletamina. Quando o emprego do benzodiazepínico é prolongado e a terapia com estes medicamentos não é mais requerida, recomenda-se a retirada gradual, reduzindo-se a dose diariamente, em um total de 10 a 25% por semana. BUSPIRONA A buspirona é uma azapirona sendo a única representante desse grupo comercializada no Brasil. Em seres humanos, a buspirona é empregada no tratamento da ansiedade. A vantagem da buspirona em relação aos benzodiazepínicos inclui a ausência de efeito sedativo e a sua grande margem de segurança. Por outro lado, a buspirona deve ser administrada por no mínimo 1 a 2 semanas para se verificarem os efeitos benéficos. A buspirona é rapidamente absorvida por via oral, mas sofre extensa biotransformação devido ao efeito de primeira passagem formando, assim, diversos metabólitos ativos. O exato mecanismo de ação da buspirona ainda não é totalmente conhecido, no entanto, acredita-se que seu efeito ansiolítico seja devido a sua atuação como agonista parcial em receptores serotoninérgicos nos receptores pré-sinápticos somatodendríticos (autorreceptores) diminui a frequência de disparos do neurônio serotoninérgico pré-sináptico e nos receptores pós-sinápticos compete com a serotonina por esses receptores e, consequentemente, reduz sua ação. A buspirona não atua diretamente em receptores GABAérgicos, no entanto, potencializa a ligação de benzodiazepínicos no seu receptor. Em Medicina Veterinária, a buspirona vem sendo empregada principalmente em felinos, em quadros de ansiedade, como no tratamento do comportamento de urinar inapropriado (aspersão de urina e marcação de território) e também em quadros de agressividade entre felinos. Em cães, pode ser utilizado para o controle de agressividade e da ansiedade. A dose de buspirona indicada para cães é de 1 a 2 mg/kg, VO, a cada 8 a 12 h; para felinos, recomenda-se administrar 0,5 a 1 mg/kg, VO, a cada 8 a 24 h. BLOQUEADORES BETA-ADRENÉRGICOS A utilização destes medicamentos, particularmente o propranolol e o pindolol se refere ao bloqueio de alguns efeitos produzidos pela norepinefrina, neurotransmissor que é @STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA II 12 liberado em situações de medo ou de ansiedade Em animais, estes medicamentos vêm sendo empregados em situações de fobia ao barulho. Além deste efeito, os bloqueadores beta-adrenérgicos, principalmente o pindolol, são utilizados em cães que apresentam comportamento agressivo, uma vez que esta substância bloqueia receptores serotoninérgicos. A dose recomendada de propranolol para cães é de 5 a 40 mg/kg, por via oral, a cada 8 h; para felinos a dose é de 0,2 a 1 mg/kg, também por via oral, a cada 8 h. Em relação ao pindolol, indica-se a dose de 0,125 a 0,25 mg/kg, por via oral, a cada 12 h; não havendo dose deste betabloqueador indicada para gatos. α Os agonistas de receptores α2- adrenérgicos são: xilazina, detomidina, medetomidina, dexmedetomidina e romifidina; são mais comumente empregados nas espécies canina, felina e equina. A xilazina, um medicamento com propriedades tranquilizante, relaxante muscular de ação central e analgésica É o membro mais antigo desta classe de medicamentos usados em Medicina Veterinária. Os efeitos destes medicamentos são consequência de sua atuação como agonistas em α2-adrenorreceptores tanto centrais como periféricos e, portanto, apresentam efeitos farmacológicos qualitativamente similares. Os α2-agonistas podem ser classificados como sedativos hipnóticos, possuindo adicionalmente propriedades analgésicas e relaxantes musculares. FARMACOCINÉTICA Dentre os componentes desta classe de medicamento, têm sido mais amplamente estudadas as características farmacocinéticas da xilazina. Após a administração pelas vias parenterais, a xilazina é rapidamente distribuída pelos vários tecidos, em particular o SNC, e biotransformada. Os ruminantes são mais sensíveis aos efeitos da xilazina e especula-se que isto seja consequência da atividade de um ou mais metabólitos ativos formados por estas espécies animais. A principal via de eliminação é a renal. EFEITOS TERAPÊUTICOS E COLATERAIS Xilazina, detomidina, medetomidina, dexmedetomidina e romifidina são agonistas de receptores α2- @STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA II 13 adrenérgicos localizados pré- sinapticamente, os quais, quando estimulados, impedem a liberação de norepinefrina através da inibição do influxo de íons Ca++ na membrana neuronal. A estimulação destes receptoresno SNC promove efeito hipotensor e tranquilizante; este último é resultado da diminuição da atividade da projeção noradrenérgica ascendente da formação reticular. Os α2-adrenorreceptores centrais são similares aos periféricos, porém na musculatura lisa vascular estes receptores têm localização pós- sináptica e, quando estimulados, promovem vasoconstrição. Os efeitos sobre o SNC observados quando da administração dos agonistas de α2-adrenorreceptores são: sedação, hipnose, relaxamento muscular, ataxia, analgesia, depressão do centro vasomotor e aumento tanto do tônus vagal como da atividade dos barorreceptores. Os efeitos periféricos são caracterizados por: bradicardia; bloqueio cardíaco de segundo grau; inicialmente aumento transitório da pressão arterial, seguido de queda moderada; aumento da pressão venosa central; redução da frequência respiratória e do volume corrente; relaxamento da musculatura do trato respiratório superior. Outros efeitos dos agonistas de adrenorreceptores incluem: diminuição da secreção de hormônio antidiurético e consequente diurese aumentada; hiperglicemia; hipoinsulinemia; tanto aumento como diminuição da motilidade gastrintestinal; aumento da resistência vascular e do consumo de oxigênio do trato gastrintestinal; efeito ocitócico em bovinos, porém não em éguas prenhes; salivação; piloereção, transpiração, prolapso peniano, tremor muscular leve e abaixamento da cabeça em equinos. A xilazina exerce excelente efeito analgésico visceral, no entanto, deve- se considerar que o efeito analgésico tem duração de até 20 min após a administração de xilazina ou detomidina, enquanto o efeito sedativo é observado por maior período de tempo. Este fato tem relevância, pois ao se administrarem estes medicamentos, após um determinado período de tempo, o animal pode sentir dor, porém, devido aos efeitos sedativos e hipnóticos, este não consegue responder ao estímulo doloroso. ANTAGONISTAS Loimbina, tolazolina, atipamezol e piperoxam são antagonistas de α2- adrenorreceptores que podem ser empregados em situações nas quais usou-se dose excessiva ou quando da ocorrência de complicações após a @STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA II 14 administração de doses adequadas dos agonistas de α2- adrenorreceptores. Alguns clínicos utilizam esses antagonistas até mesmo para obter uma recuperação mais rápida do animal. USOS, POSOLOGIA E ESPECIALIDADES FARMACÊUTICAS Os agonistas de α2-adrenorreceptores são usados para a contenção de animais, promoção de analgesia e de miorrelaxamento de ação central e como agente pré-anestésico. Estes medicamentos potencializam os efeitos dos anestésicos de maneira mais eficiente que os tranquilizantes maiores (neurolépticos); podem ser usados isoladamente ou associados a outros medicamentos pré-anestésicos, a fim de reduzir seus efeitos colaterais, como, por exemplo, com os tranquilizantes maiores (acepromazina) e, ainda, na neuroleptoanalgesia. Os agonistas de α2-adrenorreceptores diferem entre si na potência e duração dos efeitos. O início dos efeitos após a administração por via intravenosa é quase imediato (1 a 3 min), enquanto o início é de 3 a 5 min após a administração por via intramuscular. O pico do efeito sedativo ocorre aproximadamente 15 min após a administração. A intensidade e a duração dos efeitos são dose-dependentes; de modo geral, a duração dos efeitos da xilazina varia de 30 a 60 min e da detomidina de 60 a 150 min. @STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA II 15 A medetomidina e a dexmedetomidina tem sido indicada para cães e gatos, sendo a primeira cerca de 20 vezes mais potente que a xilazina. A romifidina é indicada para equinos; nesta espécie animal produz menos ataxia que os demais agonistas de a2 adrenorreceptores e a duração dos efeitos é maior (de 40 a 80 min). Os relaxantes musculares podem ser de ação periférica ou de ação central. Este último grupo determina relaxamento muscular transitório e reversível, sem deprimir a condução nervosa em nível periférico, a transmissão neuromuscular, a excitabilidade ou a contratilidade muscular. São utilizados no tratamento do espasmo da musculatura, que se caracteriza por aumento nos reflexos de extensão e dolorosos espasmos de músculos flexores. São várias as condições clínicas nas quais se verifica este quadro, tais como no tétano, na intoxicação por estricnina, nas miosites, em entorse ou estiramento de ligamentos e, até mesmo, na ansiedade. Esse grupo de medicamentos também pode ser usado como medicação pré-anestésica, particularmente a guaifenesina. Bases anatomofisiológicas do arco reflexo O fuso muscular é uma estrutura fusiforme sensorial complexa dentro do músculo que serve para sinalizar alterações de extensão muscular. Sua terminação sensorial primária (terminação distal de fibras nervosas aferentes mielinizadas) está envolta por fibras musculares muito pequenas. @STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA II 16 Estas fibras musculares são denominadas fibras musculares intrafusais, para diferenciá-las das fibras extrafusais, que estão fora do fuso e cuja estimulação produz a contração da musculatura. Como o fuso muscular encontra-se em paralelo com as fibras extrafusais, o alongamento da massa muscular, como um todo, é acompanhado por um estiramento do fuso muscular, produzindo impulsos nervosos, os quais são conduzidos por neurônios aferentes (Ia) até a medula espinal. O Ia, no nível da medula, faz sinapses com motoneurônios α e , os quais, por sua vez, fazem sinapse com as células de Renshaw e com as células internunciais. As fibras eferentes motoras liberam acetilcolina (ACh) em suas junções neuromusculares, nas fibras intrafusais, exatamente como as fibras dos motoneurônios a fazem nas fibras extrafusais. Toda vez que ocorrer relaxamento de fibras musculares intrafusais, isto acarretará a geração de um potencial de ação, fazendo com que os motoneurônios α e contraiam as fibras musculares. O tônus muscular é a consequência da descarga sucessiva e reiterada dos motoneurônios α, sendo o funcionamento destes regulado pela atividade do sistema de motoneurônios do tipo , os quais regulam e sensibilizam a resposta do reflexo miotático. Os motoneurônios α fazem ainda sinapse, no nível da medula, com fibras descendentes, colinérgicas e dopaminérgicas, e esses dois sistemas @STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA II 17 promovem efeitos contrários e equilíbrio de efeitos em estado normal. Assim, o predomínio de transmissão colinérgica produz hipertonia e rigidez muscular, ao passo que a dopamina desempenha papel inibidor dos motoneurônios α, levando, consequentemente, ao relaxamento da musculatura. Miorrelaxantes de ação central GUAIFENESINA A guaifenesina é um eficaz relaxante muscular, comumente utilizado com esta finalidade em equinos e, com menos frequência, em cães, bovinos e suínos. Seu mecanismo de ação não está completamente elucidado; acredita-se que a guaifenesina atue como agonista glicinérgico. Este neurotransmissor é encontrado no tronco cerebral e na medula espinal (células de Renshaw), promovendo hiperpolarização pós- sináptica nos motoneurônios. Os primeiros músculos nos quais se observa o relaxamento são aqueles dos membros, ao contrário dos respiratórios, que, em geral, não são afetados. Assim, opostamente aos bloqueadores musculares periféricos, a guaifenesina não causa relaxamento do diafragma, podendo, por isso, ser utilizada sem anecessidade de respiração artificial. Este relaxante muscular possui também, como vantagem, leve efeito analgésico e sedativo; assim, a guaifenesina potencializa o efeito de medicação pré-anestesia ou anestésica A guaifenesina é administrada preferencialmente por via intravenosa, podendo também ser administrada por via oral. Normalmente este medicamento é associado, em concentração a 5%, à solução estéril de dextrose a 5% e administrado através de um cateter de grosso calibre (12 a 14 G). A solução de guaifenesina é estável; entretanto, pode ocorrer precipitação, recomendando-se, assim, que a solução seja preparada em dextrose aquecida, imediatamente antes do uso. O fígado é o principal sítio de biotransformação da guaifenesina. Diferentemente do que ocorre com os bloqueadores neuromusculares, a guaifenesina atravessa a barreira placentária, podendo promover depressão de movimentos fetais. Portanto, embora possa ser empregada em gestantes, deve-se ter cuidado ao se administrar este medicamento em animais prenhes. As principais indicações para o uso da guaifenesina, em equinos, são na pré- medicação anestésica, no tratamento de tétano, na intoxicação por @STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA II 18 estricnina, na contenção química e ainda em manobras obstétricas. A guaifenesina apresenta ampla margem de segurança, ocasionando mínima depressão respiratória com as doses preconizadas. O uso de soluções concentradas de guaifenesina pode causar hemólise intravascular, sendo a extensão da hemólise proporcional à concentração do medicamento usado e não propriamente à dose total empregada. Desta maneira, o fator limitante para o uso de guaifenesina, em animais de pequeno porte, é o grande volume de solução que deverá ser infundido. O principal efeito tóxico da administração de doses elevadas de guaifenesina é o aparecimento de violentos espasmos de músculos extensores, seguindo-se um estágio semelhante à anestesia. A morte ocorre por parada cardíaca, precedida ou não por parada respiratória. METOCARBAMOL O metocarbamol é um eficiente relaxante muscular usado em equinos, cães e gatos, tendo como principal indicação a terapia da dor de origem muscular esquelética, como na miopatia de esforço, espasmo da musculatura, trauma da medula espinal, inflamação em articulações, nas intoxicações por estricnina e por piretroides e no tétano. O mecanismo de ação deste medicamento não está perfeitamente elucidado. A dose e a frequência de administração do metocarbamol dependem da gravidade do processo e da resposta do paciente. Para cães e gatos, em condições moderadas, recomenda-se a administração oral de 44 mg/kg, 3 vezes/dia. Em condições graves, recomenda-se a administração intravenosa do @STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA II 19 relaxante muscular, na dose de 55 a 220 mg/kg. Em equinos, somente a IV é utilizada, recomendando-se, para condições moderadas, a dose de 4,4 a 22 mg/kg e, em condições graves, como no tétano, a administração de 22 a 55 mg/kg. Os principais efeitos colaterais relacionados com as doses elevadas de metocarbamol são salivação excessiva, vômitos, fraqueza muscular e incoordenação motora. Não se recomenda o uso deste medicamento na gestação; também não se indica o uso de metocarbamol injetável em animais com comprometimento renal, pois o produto nesta apresentação contém polietilenoglicol 300, que, em humanos com doença renal prévia, induz ao aumento de acidose e retenção de ureia. A injeção perivascular do metocarbamol pode promover inflamação aguda e necrose. BACLOFENO O baclofeno é um derivado sintético do GABA, atuando como agonista de receptores GABAB. Propõe-se que seu efeito relaxante muscular se faça em nível medular, atuando nos receptores GABAB, os quais desempenhariam função inibitória pré-sináptica, reduzindo a liberação de neurotransmissores excitatórios de neurônios aferentes da medula espinal. O baclofeno é tão eficiente quanto o diazepam na produção de miorrelaxamento, entretanto produz menos sedação, sendo este fator limitante para seu uso na pré- anestesia; por isto, em Medicina Veterinária, vem sendo usado, basicamente, no tratamento de retenção urinária em cães. Outro inconveniente, quando da utilização do baclofeno na clínica veterinária, é o fato de estar disponível somente por via oral. Recomenda-se que, quando houver a descontinuidade de uso do medicamento, deve-se fazê-lo de maneira gradativa, pois alucinações e convulsões foram descritas em humanos após parada abrupta do uso deste relaxante muscular. @STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA II 20 SPINOSA, H. S., et al. (2017). Farmacologia aplicada à Medicina Veterinária. 6ª edição. Rio de Janeiro: Guanabara. Koogan Capítulo 14 – Tranquilizantes, Agonistas de α2- adrenorreceptores e Relaxantes Musculares de Ação Central.
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