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1 Beatriz Cavalcanti Regis Manual do Residente de Clínica Médica + aula Clesia DEFINIÇÃO • Anemia: situação clínica em que há redução da capacidade de oxigenação dos tecidos causada pela redução da massa de glóbulos vermelhos. • Pode ser identificada pela mensuração de 3 variáveis: Hb (em g/dL) – mais utilizada, Ht (em %) e número de glóbulos vermelhos (em quantidade/mm³). QUADRO CLÍNICO • Os sintomas estão relacionados à adaptação dos sistemas cardiovascular e respiratório à redução da oferta de oxigênio. • Anemias agudas: dispneia, palpitações, taquicardia, tontura e fadiga extrema. ✓ Quedas abruptas dos níveis de Hb e/ou do volume sanguíneo podem levar a angina e insuficiência cardíaca de alto débito (cor anêmico). • Anemias crônicas: mesmo com níveis mais baixos de Hb, os pacientes podem apresentar-se assintomáticos ou oligossintomáticos. • Palidez é um sinal clássico de sua ocorrência (mucosas da boca, conjuntiva, lábios e leito ungueal). • Anemias hemolíticas (icterícia e esplenomegalia): urina avermelhada/escura em casos de destruição intravascular de glóbulos vermelhos (hemoglobinúria). • Anemias hemolíticas genéticas: úlceras de MMII. • Anemias carenciais: glossite, despapilação da língua, queilite angular, unhas quebradiças, neuropatia periférica. CLASSIFICAÇÃO FISIOPATOLÓGICA • Baseia-se na contagem de reticulócitos, considerado um marcador da produção de eritrócitos. • Os reticulócitos são hemácias mais jovens que ainda possuem restos de RNA que são evidenciados por coloração supravital. • Essa contagem não é rotineiramente realizada junto com o hemograma, por isso deve ser solicitada especificamente. • A contagem de reticulócitos pode ser expressa como porcentagem ou como contagem absoluta (em mm³). ✓ Se em porcentagem, e na presença de anemia, deve ser corrigida pelo número total de eritrócitos presentes: • Baixa contagem de reticulócitos (reticulocitopenia, < 50.000/mm³ ou < 1%): falta de produção, que pode ser decorrente de acometimento medular (primário ou secundário), de ausência de fator estimulante (eritropoetina), de elementos essenciais para a eritropoese ou devido a doenças inflamatórias, infecciosas e neoplásicas. • Aumento da contagem de reticulócitos (reticulocitose, > 100.000/mm³ ou > 1,5%): excesso de destruição dos glóbulos vermelhos, com aumento compensatório da produção medular de reticulócitos → condição clássica das anemias hemolíticas e pode estar presente na perda aguda de sangue. ANEMIAS HIPOPROLIFERATIVAS (RETICULÓCITOS BAIXOS) • Anemia ferropriva. • Anemia de doença crônica. • Deficiência de vitamina B12. • Deficiência de folato. • Anemia da doença renal. • Efeito de drogas e toxinas. • Anemias diseritropoéticas congênitas. • Anemia sideroblástica. • Insuficiência medular (aplasia de medula, aplasia pura de série vermelha, síndromes mielodisplásicas, infiltração de medula óssea). ANEMIAS HIPERPROLIFERATIVAS (RETICULÓCITOS ALTOS) • Doença falciforme. • Talassemias. • Anemia hemolítica autoimune. • Defeitos da membrana eritrocitária. • Eritroenzimopatias. • Hemólise mecânica (microangiopática). • Hemólise por drogas/toxinas/infecções. • Hemoglobinúria paroxística noturna. MORFOLÓGICA • Baseia-se na avaliação dos índices hematimétricos fornecidos no hemograma: volume corpuscular médio 2 Beatriz Cavalcanti Regis Manual do Residente de Clínica Médica + aula Clesia (VCM), Hb corpuscular média (HCM), concentração de Hb corpuscular média (CHCM) e red cell distribution width (RDW) – que mede o grau de variação no tamanho dos eritrócitos. • De acordo com o VCM, as anemias pode ser classificadas em: 1. Anemia macrocítica: VCM > 100 fl → é dividida em 2 grandes grupos etiológicos: - Anemias megaloblásticas: deficiência de vitamina B12 e/ou ácido fólico. - Anemias não megaloblásticas, decorrentes de reticulocitose (reticulócitos têm tamanho maior que as hemácias maduras): anemias hemolíticas e doenças medulares primárias (síndrome mielodisplásicas, aplasia de medula óssea e aplasia pura de série vermelha). Obs.: Macrocitose isolada (sem anemia) pode preceder anemia perniciosa ou, ainda, ser secundária a alcoolismo, quimioterapia, hipotireoidismo e hepatopatias. 2. Anemia microcítica: VCM < 80 fl → secundária a um defeito de síntese de Hb; a deficiência de ferro é a causa mais comum de anemia microcítica e hipocrômica; diagnóstico diferencial com talassemias e doenças genéticas em que há diminuição de síntese de uma das cadeias globulínicas da Hb; pode ocorrer também na anemia de doença crônica e anemia sideroblástica. 3. Anemia normocítica: VCM dentro dos limites da normalidade (80-100 fl); pode ocorrer na anemia de doença crônica, hipotireoidismo, insuficiência renal e hepatopatias; avaliação de medula óssea pode ser necessária (mielograma) se essa avaliação inicial não definir a causa da anemia. DIAGNÓSTICO • Anamnese + exame físico. • Avaliação laboratorial: hemograma completo (Hb e índices hematimétricos), contagem de reticulócitos e avaliação da lâmina de sangue periférico (morfologia das células). • Anemia + anormalidades nas outras séries (leucócitos e plaquetas): avaliação de medula óssea mais precoce (mielograma e/ou biópsia de medula óssea) → maior probabilidade se tratar de doença primária de medula. • Suspeita de hemólise: avaliar DHL, bilirrubina indireta e haptoglobina. • Suspeita de ferropenia: avaliar níveis séricos de ferro, ferritina, transferrina e saturação de transferrina, capacidade total de ligação ao ferro. Obs.: Mielograma com coloração pelo azul da Prússia (coloração de Perls) → padrão-ouro para avaliação de ferropenia. ANEMIAS CARENCIAIS ANEMIA FERROPRIVA • Anemia ferropriva ou ferropenia, é a deficiência nutricional mais comum do planeta. • Mais comum em mulheres → sangram mensalmente, engravidam, amamentam, etc. ✓ Ocorre principalmente na 3ª e na 4ª décadas de vida. • Criança também tem uma tendência maior devido ao processo de crescimento e desenvolvimento, nem sempre aceitando bem a dieta oferecida, sendo esta mais láctea. ✓ É preconizado que de 6 meses a 2 anos faça a profilaxia com ferro. • Glóbulos vermelhos, hemácias ou eritrócitos: células responsáveis pelo transporte de O2 (porção heme da Hb) do organismo. • Principal componente da hemácia é a hemoglobina e esta é uma proteína que necessita de ferro para ser formada. • Deficiência de ferro ocorrerá quando a exigência metabólica não é suprida pela absorção. • A deficiência de ferro pode ser decorrente: ✓ Do aumento das necessidades de ferro: gestação, lactação e hemorragia (TGI, TGU e sistema respiratório). ✓ De um suprimento inadequado de ferro: déficit de dieta (ex.: vegetarianos e veganos), alterações de absorção, má absorção intestinal, gastrectomia, gastrite atrófica, by pass gástrico, distúrbios do transporte de ferro e doença celíaca. ✓ Outros: - Perda crônica de sangue: hemodiálise, doação de sangue, parasitoses intestinais. - Perda aguda de sangue: trauma, hematêmese, melena, hemoptise, menorragia. - Hemólise intravascular (hemoglobinúria). 3 Beatriz Cavalcanti Regis Manual do Residente de Clínica Médica + aula Clesia Metabolismo do Ferro: • Ferro: elemento essencial para o funcionamento de todas as células do organismo. • Única fonte de ferro: dieta alimentar. • Absorção: jejuno → acidez estomacal é essencial. • Ferro circula ligado a transferrina (proteína carreadora de ferro – produzida no fígado). • Ferro livre no plasma é altamente tóxico. Pode se depositar no fígado, baço, medula óssea, cérebro, coração, pâncreas, etc. • O ferro que não é utilizado no interior das células para produção do heme da Hb, será armazenado sob a forma de ferritinae hemossiderina. • Ferritina também é uma proteína de fase aguda. Logo, está presente na vigência de algum quadro inflamatório ou infeccioso. • Investigação da anemia → não pode estar na vigência de algum quadro inflamatório ou infeccioso, menstruação ou sangramentos. • Eritropoetina (EPO): hormônio produzido no rim em resposta à pressão de O2 no sangue; regula a produção dos eritrócitos. ✓ Alteração na eritropoetina → anemia de doença crônica (normocíticas e normocrômicas): insuficiência renal, tireoidopatias, etc. • Reticulócitos: hemácias jovens que contêm RNA e que são lançadas na circulação a partir do estímulo; após 1 dia perdem o RNA e tornam-se hemácias. • Meia-vida média das hemácias = 120 dias. • Células senis passam pelas células do reticuloendotelial do baço → retiram-nas da circulação e o ferro é reciclado, voltando a circular ligado a transferrina no plasma, até ser novamente utilizado pelas células eritróides da medula óssea. • Não há via excretora de ferro! • Formas de perder ferro: sangramentos e perda das células epiteliais da pele e do intestino. • Sintomatologia insidiosa → grande tolerância do indivíduo à anemia. ✓ Fadiga, irritabilidade, palpitações/taquicardia, cefaleia, dispneia, tontura, astenia, palidez, zumbidos, dificuldade de concentração, inapetência, síndrome da perna inquieta, esplenomegalia leve, perversão do apetite (pica – vontade de mastigar gelo, arroz/macarrão crus, farinhas/terra), papilas filiformes (atrofia), queilite angular (corte na comissura labial), glossite, alterações ungueais com estrias longitudinais e unha em colher). • Diagnóstico: anamnese + exame físico + avaliação laboratorial. ✓ Hemograma completo – Hb baixa, Ht baixo, microcitose, hipocromia e RDW aumentado. ✓ Contagem de reticulócitos – baixa (não tem substrato). ✓ Ferritina sérica (a primeira que diminui e a última que recupera) – baixa. ✓ Ferro sérico – baixo. ✓ Capacidade total de ligação do ferro – aumentada (pois não há ferro para preencher o espaço). ✓ Saturação da transferrina – baixa. Identificação de anemia microcítica e hipocrômica + reticulócitos baixos deve iniciar o diagnóstico. Após o diagnóstico, investigar a causa das perdas de sangue ou de diminuição de suprimento de ferro. • Diagnóstico diferencial → anemias microcíticas (VCM < 80 fl): talassemias, anemia sideroblástica, hemoglobinobatias e toxicidade pelo alumínio. • Tratamento: reposição de ferro e reversão da causa de base. ✓ Profilaxia nas crianças com história de alimentação inadequada e mulheres multíparas ou com hipermenorreia, com baixo risco para doenças graves. ✓ Ferro elementar: 150-200mg/dia (300mg de sulfato ferroso contém 60mg de ferro elementar). - Crianças: 1,5 a 2mg de ferro elementar/kg/dia. ✓ Administração longe das refeições (1h antes ou após) e associado a vitamina C (a própria vitamina C/ácido ascórbico – 500mg/dia ou suco de frutas cítricas). - Não tomar com nada que tenha leite. ✓ 90 dias de tratamento → após isso, solicita os exames → hemograma ok, mas ferritina não está normal → + 90 dias de tratamento. ✓ Eliminar a causa base através de esquema de tratamento → se persistir → encaminhar para o hematologista. ✓ Reposição de ferro VO é a forma preferível (menor custo e menor risco de efeitos adversos graves). ✓ Principais efeitos colaterais ocorrem no TGI: constipação, fezes escurecidas, náusea, diarreia, pirose e dor epigástrica. ✓ Utilização de outras vias de administração (EV e IM) deve ser considerada em situações específicas: intolerância à medicação oral (constipação, epigastralgia), necessidade de reposição rápida por perda intensa, doenças do TGI cujos sintomas podem ser agravados pela administração VO, problemas disabsortivos (gastroplastia) e DRC dialítica. Dose parenteral: 4 Beatriz Cavalcanti Regis Manual do Residente de Clínica Médica + aula Clesia ✓ Parâmetro para transfundir: paciente hemodinamicamente descompensado. ANEMIAS MEGALOBLÁSTICAS • Caracterizadas por alterações morfológicas peculiares na medula óssea decorrentes de retardo na síntese de DNA, como células de grande tamanho e com cromatina fragmentada. • Principais causas: deficiências de vitamina B12 (cobalamina) e de ácido fólico – ambos participam em vias metabólicas de síntese de nucleotídeos e de metilação do DNA. • Vitamina B12: alimentos de origem animal (carne, frango, peixe, leite e derivados); precisa do fator intrínseco para que seja absorvida pelo íleo terminal e seu armazenamento é no fígado. • Ácido fólico: frutas cítricas + vegetais folhosos verdes. ✓ Mais fácil ter deficiência deste, pois praticamente não há estoque. ✓ Anemia hemolítica hereditária: reposição diária de ácido fólico. • Eritropoese inefizaz → hemólise intramedular. • A deficiência de vitamina B12 pode ser secundária a: ✓ Deficiência nutricional: causa mais rara, ocorre principalmente em vegetarianos estritos e em casos de extrema pobreza. ✓ Diminuição de secreção ácida gástrica: nos casos de cirurgia gástrica prévia e gastrite atrófica, há menor liberação de cobalamina dos alimentos. ✓ Deficiência de fator intrínseco: pode ocorrer por gastrectomia prévia, gastrite crônica imune (anemia perniciosa) ou pela ingestão de substâncias cáusticas. ✓ Insuficiência pancreática: enzimas pancreáticas e pH alcalino são responsáveis pela dissociação da cobalamina da haptocorrina (proteína R) no duodeno, para posterior ligação com o fator intrínseco. ✓ Síndrome de Zollinger-Ellison: o pH mais ácido leva à inibição da protease pancreática e disfunção na formação do complexo cobalamina-fator intrínseco. ✓ Disfunções/ressecções do íleo distal, onde ocorre absorção do complexo cobalamina-fator intrínseco. ✓ Medicações como metformina, cloreto de potássio de liberação lenta, colestiramina, colchicina e neomicina podem alterar o transporte de cobalamina. ✓ Supercrescimento bacteriano no intestino delgado: diverticulose, anastomoses, fístulas, alça cega e acloridia. • A deficiência de ácido fólico pode ser secundária a: ✓ Deficiência nutricional: quantidades insuficientes de fontes de ácido fólico; anorexia. ✓ Aumento da demanda fisiológica: gestação e lactação, anemias hemolíticas crônicas, infância e adolescência. ✓ Aumento das perdas: doenças esfoliativas de pele e diálise crônica. ✓ Doenças do intestino delgado e menor absorção: doença celíaca e espru tropical. ✓ Abuso de álcool. ✓ Medicamentos: trimetoprima, pirimetamina, metotrexato, contraceptivos orais, anticonvulsivantes, sulfassalazina, mercaptopurina, zidovudina e ciclofosfamida. • Quadro clínico: sintomas de anemia crônica. ✓ Mesmo quadro das anemias carenciais + sintomas neurológicos (podem ser irreversíveis quando instalados). ✓ A presença de distúrbios imunes (p. ex., vitiligo, hipotireoidismo) pode estar associada aos quadros de anemia perniciosa. A suspeita diagnóstica inicia-se com a presença de anemia macrocítica com reticulócitos baixos, acompanhada ou não de alterações nas outras séries do hemograma, como leucopenia e plaquetopenia, porque o defeito de síntese de DNA não se restringe à série vermelha. • Diagnóstico: ✓ Hemograma completo – Hb baixo, anemia macrocítica e hipocrômica, neutrófilos multisegmentados (formas bizarras) e macroplaquetas. - Pancitopenia (as 3 séries alteradas). ✓ Contagem de reticulócitos. ✓ Bilirrubinas – indireta alta (pela hemólise). ✓ DHL (marcador de destruição celular) – alta. ✓ Vitamina B12 e ácido fólico. • Diagnóstico diferencial → anemias macrocíticas (VCM > 100 fl): doença hepática, alcoolismo, síndrome mielodisplásica e drogas. • Avaliação do sangue periférico permite identificar alterações morfológicas características como a hipersegmentação de neutrófilos e macro-ovalócitos(hemácias de grande tamanho). • Defeito de síntese de DNA e morte precoce dos precursores vermelhos ainda na medula óssea → 5 Beatriz Cavalcanti Regis Manual do Residente de Clínica Médica + aula Clesia eritropoese ineficaz → aumento dos níveis de bilirrubina indireta e DHL. • Condições que interferem na mensuração de vitamina B12: ✓ Situações que cursam com níveis falsamente diminuídos: deficiência de folato, mieloma múltiplo, esclerose múltipla, HIV, gestação, uso de anticoncepcional oral e medicações com ação antifolato. ✓ Situações que cursam com níveis falsamente elevados: insuficiência renal, leucemia mieloide crônica, leucemia promielocítica aguda, reação leucemoide e câncer metastático. • As altas dosagens dos metabólitos homocisteína e ácido metilmalônico (MMA) – específico para a deficiência de vitamina B12, são consideradas padrão de referência, mas pelo alto custo não são muito utilizadas na prática clínica. • Tratamento: correção da deficiência e, quando possível, tratar o distúrbio de base. ✓ Reposição de vitamina B12 por via parenteral (IM): - 1.000UI/dia, na 1ª semana. - 1.000UI/semana, no 1º mês. - 1.000UI/mês, como manutenção e tratamento. - Reposição VO é utilizada nos casos de alterações da hemostasia que contraindiquem o seu uso IM e a dose recomendada varia de 1.000-2.000UI/dia. ✓ Reposição de ácido fólico é realizada VO na dose de 1 a 5mg/dia, com duração a depender da doença de base. • Geralmente a anemia é corrigida em 2 meses. • Quadro neurológico regride parcial ou total em 6 meses. • Tratamento mantido por longos períodos ou por toda a vida. ANEMIAS HEMOLÍTICAS • Caracterizam-se por situações de destruição periférica de eritrócitos acompanhadas de compensação medular (aumento de reticulócitos). • A destruição dos eritrócitos é observada pelo aumento dos níveis de bilirrubina indireta, pela elevação da DHL (enzima liberada pelo eritrócito) e pela redução da haptoglobina (proteína que se liga à Hb livre no plasma). CLASSIFICAÇÃO • Defeitos intrínsecos dos eritrócitos: hereditários. • Defeitos extrínsecos dos eritrócitos: adquiridos. • Exceção: hemoglobinúria paroxística noturna é um defeito intrínseco adquirido do eritrócito. CAUSAS ANEMIAS HEMOLÍTICAS HEREDITÁRIAS • Podem ser: ✓ Defeitos da membrana eritrocitária: esferocitose hereditária, eliptocitose hereditária e estomatocitose hereditária. ✓ Eritroenzimopatias: deficiência de glicose-6- fosfato-desidrogenase (G6PD), deficiência de piruvatoquinase (PK). ✓ Defeitos da Hb: doenças falciformes e síndromes talassêmicas. • Quadro clínico com grau variável de anemia, a depender da doença de base. ✓ Icterícia pode ser crônica ou agudizada nas crises de hemólise. ✓ Esplenomeglia (à exceção da anemia falciforme, que cursa com autoesplenectomia por infartos esplênicos), colelitíase e complicações associadas, como úlceras de MMII e anormalidades esqueléticas. DEFEITOS DA MEMBRANA ERITROCITÁRIA • Decorrentes de anormalidades nas interações entre as proteínas de citoesqueleto (esferocitose e eliptocitose) e de anormalidades nos mecanismos de regulação de volume celular (estomatocitose). Esferocitose hereditária: • Anormalidade encontrada nas interações verticais da membrana eritrocitária. • A instabilidade arquitetural leva à perda de porções da membrana, o que ocorre principalmente no baço, levando à formação dos esferócitos (hemácias que perdem o formato discoide e adquirem formato esférico). • Avaliação laboratorial: graus variáveis de anemia com aumento da concentração de Hb corpuscular média, reticulocitose, hiperbilirrubinemia e aumento de DHL. • A suplementação de folato está indicada em todos os casos e a esplenectomia está indicada nos casos de 6 Beatriz Cavalcanti Regis Manual do Residente de Clínica Médica + aula Clesia anemia significativa, assim como na presença de litíase biliar, que denota componente hemolítico marcante. • Diagnóstico diferencial mais importante: anemia hemolítica autoimune (pode apresentar esferócitos); no caso da esferocitose hereditária, o teste de Coombs direto será negativo. Eliptocitose hereditária: • Anormalidades nas interações horizontais da membrana eritrocitária. • Presença de eliptócitos no sangue periférico. • A avaliação do esfregaço de sangue periférico é essencial. • O tratamento não é necessário na maioria dos casos, sendo indicada a suplementação de ácido fólico e a esplenectomia, que deve ser realizada nos casos de anemia com hemólise crônica. Estomatocitose hereditária: • Grupo de doenças raras com alterações nos mecanismos de regulação do volume celular. • Avaliação laboratorial: anemia leve, macrocitose, reticulocitose e sobrecarga de ferro. • A anemia, muitas vezes, não precisa de tratamento específico, sendo necessário, em alguns casos, tratar somente a sobrecarga de ferro com quelantes. ERITROENZIMOPATIAS • Os eritrócitos são células anucleadas que possuem diversas enzimas para produção de energia e proteção contra danos oxidativos. • Os defeitos enzimáticos de relevância clínica mais importantes são: ✓ Deficiência de G6PD (mais comum). - Causa perda dos mecanismos de proteção aos danos oxidativos. - O quadro clínico é uma anemia hemolítica ocasional, aguda, precipitada por infecções ou drogas (sulfas, antibióticos, antimaláricos e analgésicos). - Curso autolimitado, devendo-se tratar os quadros infecciosos e suspender as drogas desencadeantes. ✓ Deficiência de PK: - Causa menor produção de energia pela célula, levando ao encurtamento da vida média dos eritrócitos. - O quadro clínico varia de hemólise neonatal grave a quadro de hemólise compensada. - O tratamento é baseado em suporte transfusional na infância com posterior quelação de ferro, esplenectomia e suplementação com ácido fólico. HEMOGLOBINOPATIAS • Podem ser decorrentes de alterações estruturais na molécula da Hb: Doença falciforme: • Grupo de doenças caracterizadas clinicamente por anemia hemolítica crônica com fenômenos vaso- oclusivos, vasculopatia e lesão orgânica. • É uma das doenças genéticas graves mais comuns e deve-se à presença da Hb S em homozigose ou dupla heterozigose. ✓ A Hb S é formada a partir de uma mutação que leva à troca do 6° aminoácido da cadeia de globina beta de ácido glutâmico por valina. ✓ A Hb S tem solubilidade diminuída nos estados desoxigenados, o que leva à sua polimerização. - A polimerização altera profundamente as propriedades da membrana das hemácias, levando aos fenômenos de obstrução microvascular (vaso- oclusivos), assim como a sua destruição precoce (hemólise). - Vaso-oclusão → infartos no baço precocemente, sendo que a grande maioria dos pacientes se torna autoesplenectomizada (asplênica) na 1ª década de vida → suscetíveis às infecções por bactérias encapsuladas. ✓ A anemia falciforme é a presença da Hb S em homozigose. ✓ Manifestações clínicas: graus variáveis de anemia hemolítica e fenômenos vaso-oclusivos → complicações agudas e crônicas: - Agudas: crises dolorosas, síndrome torácica aguda, sequestro esplênico, AVC, crise aplástica e priapismo. - Crônicas: úlceras de perna, colecistopatia crônica calculosa, doença renal crônica, hipertensão pulmonar, retinopatia proliferativa, insuficiência cardíaca congestiva, necrose isquêmica da cabeça do fêmur, sobrecarga de ferro e osteomielite. ✓ Avaliação laboratorial: anemia moderada, que pode ser normocítica ou microcítica (a depender do subtipo), associada a reticulocitose. - Pode haver leucocitose e plaquetose. - Sinais de hemólise: aumento de DHL, bilirrubina indireta e redução de haptoglobina. ✓ Esfregaço de sangue periférico: pode identificar os seus subtipos pelas alterações morfológicas → hemácias falcizadas, hemácias em alvo(hemoglobinopatia SC) e hemácias microcíticas (S- betatalassemia). ✓ Diagnóstico confirmado com a eletroforese de Hb. ✓ Além do tratamento com analgésicos, inclusive opioides, a depender da intensidade da dor, a abordagem envolve: - Identificação e tratamento precoces de possíveis deflagradores (p. ex., infecções). 7 Beatriz Cavalcanti Regis Manual do Residente de Clínica Médica + aula Clesia - Hidratação parenteral cuidadosa → evitar sobrecarga volêmica. - Fisioterapia respiratória e monitorização rigorosa → evitar sedação excessiva com a medicação opioide e consequente hipóxia. ✓ Profilaxia antitrombótica farmacológica é indicada nos pacientes internados. ✓ Crises associadas à piora da anemia com sintomas e profilaxia de complicações em situações como AVC e síndrome torácica aguda: suporte transfusional. - Deve-se evitar atingir níveis > 10-11 g/dL por causa da hiperviscosidade sanguínea desses pacientes. ✓ Tratamento: suporte clínico e específico para as complicações agudas e crônicas. - Único tratamento curativo: transplante de medula óssea (associado a alta morbimortalidade). - Na infância, preconiza-se a vacinação contra pneumococo, Haemophilus e influenza, além da profilaxia com penicilina. Talassemias: • Doenças caracterizadas pela diminuição ou pela ausência da síntese de ≥ 1 cadeias globínicas da Hb. • Classificação: 1. Clínica: de acordo com a gravidade das manifestações → major, intermédia, minor e portador assintomático. 2. Genética: de acordo com os genes alterados e o grau de produção da cadeia globínica. 3. Molecular: de acordo com o tipo de defeito (p. ex., mutação ou deleção). • Desequilíbrio da produção das cadeias globínicas (a cadeia excedente acumula-se e lesa a membrana celular) e a síntese diminuída de Hb → anemia microcítica e hipocrômica, reticulocitose, sinais de hemólise e eritropoese ineficaz, expansão medular com hematopoese extramedular (massas constituídas de medula óssea habitualmente em localização paravertebral) e sobrecarga de ferro nos casos mais graves. • Alfatalassemias: a maioria dos indivíduos é portadora das formas mais brandas da doença. ✓ Hidropsia fetal por Hb Bart’s: ausência de produção de cadeias alfa → formação do tetrâmero de globina gama (Hb Bart’s) → quadro de hidropsia fetal com óbito logo após o nascimento. ✓ Doença da Hb H: anemia e esplenomegalia; diagnóstico feito por análise de sangue periférico (identificação da Hb H – tetrâmero de cadeia beta); tratamento com suplementação de ácido fólico, evitar drogas oxidantes que agravem a hemólise e, mais raramente, esplenectomia (casos de hiperesplenismo). ✓ Traço alfatalassêmico: redução da síntese de cadeias alfa → anemia leve ou ausente, marcada por microcitose; diagnóstico confirmado por biologia molecular. ✓ Portador silencioso: a deleção de um único gene alfa não gera alterações clínicas e hematológicas. • Betatalassemias: ✓ Major: forma mais grave que se manifesta desde o nascimento com anemia microcítica e hipocrômica com eritroblastos circulantes; tratamento com terapia transfusional e quelação de ferro agressiva; transplante de medula óssea é o único tratamento curativo; na ausência de tratamento → anemia, esplenomegalia, alterações esqueléticas relacionadas à expansão medular e sobrecarga de ferro. ✓ Intermédia: amplo espectro de manifestações clínicas, que variam de quadros semelhantes à betatalassemia major a achados estritamente laboratoriais; não há necessidade de terapia transfusional contínua, podendo ser necessária em algumas situações; terapêutica com hidroxiureia tem beneficiado alguns pacientes. ✓ Minor: condição assintomática da doença, apresenta níveis leves de anemia (Hb > 10 g/dL); alterações morfológicas no esfregaço de sangue periférico (anisocitose, hipocromia, microcitose, poiquilocitose e hemácias em alvo); diagnóstico com aumento de HbA2 na eletroforese de Hb; não necessita de tratamento. ANEMIAS HEMOLÍTICAS ADQUIRIDAS ANEMIAS HEMOLÍTICAS AUTOIMUNES (AHAI) • Doenças incomuns, caracterizadas pela presença de sinais de destruição de eritrócitos causada por autoanticorpos dirigidos aos antígenos eritrocitários. • Os anticorpos podem ser das classes IgG, IgM e IgA (mais raramente). • Classificadas de acordo com a sensibilidade térmica do anticorpo: ✓ Anemias hemolíticas a quente: - Reagem mais fortemente a 37°C. - 70% dos casos, sendo a presença de causas secundárias observada em 55% dos casos (doenças autoimunes, doenças linfoproliferativas, imunodeficiências, hepatite C e neoplasias). - Apresentação clínica súbita ou insidiosa, com sintomas de anemia e, por vezes, também da causa de base; hepatoesplenomegalia em 30-50% dos casos; plaquetopenia imune pode ocorrer antes, durante ou após o quadro hemolítico (síndrome de Evans). 8 Beatriz Cavalcanti Regis Manual do Residente de Clínica Médica + aula Clesia - Diagnóstico: evidência de anemia normo ou macrocítica, com reticulocitose, elevação de bilirrubina indireta e DHL, redução de haptoglobina e teste de antiglobulina direta que identifica IgG; esfregaço de sangue periférico mostra macrocitose, esferócitos e policromasia. - Tratamento: 1ª escolha → corticoesteroides VO (prednisona, 40 mg/m2 ) ou EV (em pulso de 3 dias) seguida de dose VO; 2ª escolha → esplenectomia ou outros agentes imunossupressores como azatioprina e ciclofosfamida; casos refratários → imunoglobulina em altas doses, ciclofosfamida EV, micofenolato de mofetila e rituximabe. - Deve-se evitar a transfusão sanguínea! ✓ Anemias hemolíticas a frio ou doença das crioaglutininas: - Reagem mais fortemente a 4°C. - Doença primária das crioaglutininas: presença de anticorpo IgM com especificidade para antígenos de alta frequência; casos agudos associados à infecção por Mycoplasma pneumoniae; causas secundárias (macroglobulinemia de Waldenström, leucemia linfoide crônica, mieloma múltiplo, HIV, endocardite e doenças autoimunes); tratamento tem por base evitar exposição ao frio; drogas como clorambucil, ciclofosfamida e rituximabe podem ser utilizadas. - Hemoglobinúria paroxística ao frio: hemólise aguda após exposição ao frio com hemoglobinúria; causada por anticorpo IgG que se liga ao eritrócito a 4°C e o lisa por ativação do complemento a 37°C (anticorpo Donath-Landsteiner); o quadro é classicamente associado à sífilis e às infecções virais da infância; o tratamento tem por base evitar exposição ao frio nos casos de infecções virais e tratar a sífilis. ✓ Anemias hemolíticas do tipo misto: apresentam os 2 tipos de anticorpos. ✓ Anemias hemolíticas autoimunes por drogas: 3 mecanismos: - Adsorção: anticorpos contra o medicamento quando este está ligado ao eritrócito (penicilina, cefalotina e cefotaxima). - Neoantígenos: formação de neoantígenos pela ação do fármaco nos componentes da membrana eritrocitária. - Modificação fármaco-induzida (alfametildopa, diclofenaco, ibuprofeno e procainamida): modificação da membrana dos eritrócitos → formação de autoanticorpos → quadro indistinguível de anemia hemolítica autoimune por anticorpos quentes. - O tratamento inicial é a suspensão da droga. Por vezes, imunossupressores são necessários. • Diagnóstico: evidência laboratorial de anemia com sinais de hemólise e pelo teste de antiglobulina humana direto positivo (Coombs direto) – identifica a existência de anticorpos ligados à membrana do eritrócito; 2ª etapa do exame, a eluição, identifica os anticorpos ao expô-los a um painel de hemácias conhecidas. • São subclassificadas em primária ou secundária. ANEMIAS HEMOLÍTICAS NÃO IMUNES • Podem ocorrer por dano ao eritrócito causado por agentes infecciosos, substâncias químicas, estresse mecânico e alterações metabólicas. ✓ Doenças infecciosas: malária, babesiose,leishmaniose visceral, tripanossomíase, bartonelose, sepse por Clostridium perfringens e outras infecções bacterianas. ✓ Substâncias químicas: drogas oxidativas (sulfonamidas, sulfonas, nitrofurantoína, fenazopiridina, cisplatina, fenol, cresol, nitratos e cloratos) ou não oxidativas (cobre e arsina). ✓ Venenos de aranhas e cobras; picadas de algumas espécies de abelhas; queimaduras extensas; traumas sofridos pelos eritrócitos na circulação; anormalidades cardíacas e de grandes vasos (doenças da valva aórtica, válvulas sintéticas, reparos intracardíacos e coarctação de aorta); doença de pequenos vasos (anemia hemolítica microangiopática). HEMOGLOBINÚRIA PAROXÍSTICA NOTURNA • Doença rara causada por alteração clonal adquirida da célula precursora hematopoética que cursa com graus variáveis de hemólise intravascular, fenômenos trombóticos e graus variáveis de falência medular. • Mutação do gene PIG-A → ausência da proteína glicosilfosfatidilglicana (GPI) que liga diversas moléculas à membrana celular (inibidores de lise pelo complemento, CD55 e CD59). • Diagnóstico suspeitado diante de anemias hemolíticas com sinais de hemólise intravascular (DHL muito elevado, hemoglobinúria), de tromboses venosas atípicas (principalmente abdominais) e de insuficiência medular. • Confirmação diagnóstica: citometria de fluxo → avalia a ausência da expressão das moléculas CD55 e CD59 na membrana de eritrócitos, granulócitos e monócitos. • Tratamento inicial é sintomático com terapia transfusional nos casos de hemólise, anticoagulação nos casos de trombose, e reposição de ferro e folato quando necessário.
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