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PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO: COMPARTILHANDO SABERES EDITORA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ Reitor Prof. Dr. Décio Sperandio Vice-Reitor Prof. Dr. Mário Luiz Neves de Azevedo Diretor da Eduem Prof. Dr. Ivanor Nunes do Prado Editor-Chefe da Eduem Prof. Dr. Alessandro de Lucca e Braccini CONSELHO EDITORIAL Presidente Prof. Dr. Ivanor Nunes do Prado Editor Associado Prof. Dr. Ulysses Cecato Vice-Editor Associado Prof. Dr. Luiz Antonio de Souza Editores Científi cos Prof. Adson Cristiano Bozzi Ramatis Lima Profa. Dra. Analete Regina Schelbauer Prof. Dr. Antonio Ozai da Silva Prof. Dr. Clóves Cabreira Jobim Prof. Dr. Edson Carlos Romualdo Prof. Dr. Eliezer Rodrigues de Souto Prof. Dr. Evaristo Atêncio Paredes Prof. Dr. João Fábio Bertonha Profa. Dra. Maria Suely Pagliarini Prof. Dr. Oswaldo Curty da Motta Lima Prof. Dr. Reginaldo Benedito Dias Prof. Dr. Ronald José Barth Pinto Profa. Dra. Dorotéia Fátima Pelissari de Paula Soares Profa. Dra. Terezinha Oliveira Prof. Dr. Valdeni Soliani Franco Profa. Dra. Luzia Marta Bellini Profa. Dra. Valéria Soares de Assis EQUIPE TÉCNICA Projeto Gráfi co e Design Marcos Kazuyoshi Sassaka Fluxo Editorial Edneire Franciscon Jacob Mônica Tanamati Hundzinski Vania Cristina Scomparin Edilson Damasio Artes Gráfi cas Luciano Wilian da Silva Marcos Roberto Andreussi Marketing Marcos Cipriano da Silva Comercialização Norberto Pereira da Silva Paulo Bento da Silva Solange Marly Oshima Maringá 2009 FORMAÇÃO DE PROFESSORES - EAD Psicologia e educação: Compartilhando saberes Janira Siqueira Camargo Sheila Maria Rosin (ORGANIZADORAS) 11 2. ed. Coleção Formação de Professores - EAD Apoio técnico: Rosane Gomes Carpanese Normalização e catalogação: Ivani Baptista CRB - 9/331 Revisão Gramatical: Annie Rose dos Santos Edição e Produção Editorial: Carlos Alexandre Venancio Eliane Arruda Capa: Júnior Bianchi Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Copyright © 2009 para o autor Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo mecânico, eletrônico, reprográfi co etc., sem a autorização, por escrito, do autor. Todos os direitos reservados desta edição 2009 para Eduem. Psicologia e educação: compartilhando saberes / Janira Siqueira Camargo; Sheila Maria Rosin, organizadoras. 2. ed. Maringá: Eduem, 2009. 126p. 21cm. (Formação de professores – EAD; n. 11). ISBN 978-85-7628-202-0 1. Educação – Psicologia. 2. Psicologia da educação. 3. Psicologia educacional. I. Camargo, Janira Siqueira, org. II. Rosin, Sheila Maria, org. CDD 21. ed. 370.15 P974 Endereço para correspondência: Eduem - Editora da Universidade Estadual de Maringá Av. Colombo, 5790 - Bloco 40 - Campus Universitário 87020-900 - Maringá - Paraná Fone: (0xx44) 3261-4103 / Fax: (0xx44) 3261-1392 http://www.eduem.uem.br / eduem@uem.br 3 Sobre os autores Apresentação da coleção Apresentação do livro CAPÍTULO 1 A psicologia e a educação: repensando a “natureza humana” Leonor Dias Paini / Sheila Maria Rosin CAPÍTULO 2 Contribuições da neuropsicologia para a compreensão do processo de aprendizagem Djalma Ferreira Paes CAPÍTULO 3 O desenvolvimento psicomotor Carlos Roberto de Arruda CAPÍTULO 4 O desenvolvimento afetivo-emocional Janira Siqueira Camargo / Raymundo de Lima > 5 > 7 > 9 > 11 > 27 > 41 > 55 umárioS PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO: COMPARTILHANDO SABERES 4 CAPÍTULO 5 O desenvolvimento cognitivo Elaine Regina Rufato Delgado CAPÍTULO 6 Os incríveis anos da adolescência Sheila Maria Rosin CAPÍTULO 7 O papel do desenho no desenvolvimento infantil Janira Siqueira Camargo > 77 > 91 > 111 5 CARLOS ROBERTO DE ARRUDA Professor do Colégio Estadual Pedro II (Umuarama). Graduado em Educação Física (Fafi cla). Especialista em Treinamento Desportivo (UEM). DJALMA FERREIRA PAES Biomédico (UFPE). Mestre em Fisiologia Humana (UFPE). ELAINE REGINARUFATO DELGADO Professora da Faculdade Global (Umuarama). Graduada em Ciências e Matemática (Unipar). JANIRA SIQUEIRA CAMARGO Professora da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Graduada em Psicologia (UEM). Mestre em Psicologia da Educação (PUC-SP). LEONOR DIAS PAINI Professora da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Graduada em Pedagogia (UEM). Mestre em Educação/Psicologia Educacional (PUC/SP). Doutora em Psicologia Escolar e Desenvolvimento Humano (USP). RAYMUNDO DE LIMA Professor da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Graduado em Psicologia (UGF). Mestre em Psicologia Escolar (UGF). Doutor em Educação (USP). SHEILA MARIA ROSIN Professora da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Graduada em Pedagogia (UEM). Mestre em Fundamentos da Educação (UEM). Doutora em Psicologia da Educação (PUC-SP). obre os autoresS 7 A coleção Formação de Professores - EAD teve sua primeira edição publicada em 2005, com 33 títulos fi nanciados pela Secretaria de Educação a Distância (SEED) do Ministério da Educação (MEC) para que os livros pudessem ser utilizados como material didático nos cursos de licenciatura ofertados no âmbito do Programa de Formação de Professores (Pró-Licenciatura 1). A tiragem da primeira edição foi de 2500 exemplares. A partir de 2008, demos início ao processo de organização e publicação da segunda edição da coleção, com o acréscimo de 12 novos títulos. A conclusão dos trabalhos deverá ocorrer somente no ano de 2012, tendo em vista que o fi nanciamento para esta edição será liberado gradativamente, de acordo com o cronograma estabelecido pela Diretoria de Educação a Distância (DED) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (CAPES), que é responsável pelo programa denominado Universidade Aberta do Brasil (UAB). A princípio, serão impressos 695 exemplares de cada título, uma vez que os livros da nova coleção serão utilizados como material didático para os alunos matriculados no Curso de Pedagogia, Modalidade de Educação a Distância, ofertado pela Universi- dade Estadual de Maringá, no âmbito do Sistema UAB. Cada livro da coleção traz, em seu bojo, um objeto de refl exão que foi pensado para uma disciplina específi ca do curso, mas em nenhum deles seus organizadores e autores tiveram a pretensão de dar conta da totalidade das discussões teóricas e práticas construídas historicamente no que se referem aos conteúdos apresentados. O que buscamos, com cada um dos livros publicados, é abrir a possibilidade da leitura, da refl exão e do aprofundamento das questões pensadas como fundamentais para a formação do Pedagogo na atualidade. Por isso mesmo, esta coleção somente poderia ser construída a partir do esforço coletivo de professores das mais diversas áreas e departamentos da Universidade Esta- dual de Maringá (UEM) e das instituições que têm se colocado como parceiras nesse processo. Neste sentido, agradecemos sinceramente aos colegas da UEM e das demais insti- tuições que organizaram livros e ou escreveram capítulos para os diversos livros desta coleção. Agradecemos, ainda, à administração central da UEM, que por meio da atuação direta da Reitoria e de diversas Pró-Reitorias não mediu esforços para que os traba- lhos pudessem ser desenvolvidos da melhor maneira possível. De modo bastante presentação da ColeçãoA PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO: COMPARTILHANDO SABERES 8 específi co, destacamos o esforço da Reitoria para que os recursos para o fi nanciamento desta coleção pudessem ser liberados em conformidade com os trâmites burocráticos e com os prazos exíguos estabelecidos pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Internamente enfatizamos, ainda, o envolvimento direto dos professores do De- partamento de Fundamentos da Educação (DFE), vinculado ao Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCH), que no decorrer dos últimos anos empreenderam esforços para que o curso de Pedagogia, na modalidade de educação a distância, pu- desse ser criadoofi cialmente, o que exigiu um repensar do trabalho acadêmico e uma modifi cação signifi cativa da sistemática das atividades docentes. No tocante ao Ministério da Educação, ressaltamos o esforço empreendido pela Diretoria da Educação a Distância (DED) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (CAPES) e pela Secretaria de Educação de Educação a Distância (SEED/MEC), que em parceria com as Instituições de Ensino Superior (IES) conseguiram romper barreiras temporais e espaciais para que os convênios para a li- beração dos recursos fossem assinados e encaminhados aos órgãos competentes para aprovação, tendo em vista a ação direta e efi ciente de um número muito pequeno de pessoas que integram a Coordenação Geral de Supervisão e Fomento e a Coordenação Geral de Articulação. Esperamos que a segunda edição da Coleção Formação de Professores - EAD possa contribuir para a formação dos alunos matriculados no curso de Pedagogia, bem como de outros cursos superiores a distância de todas as instituições públicas de ensino superior que integram e ou possam integrar em um futuro próximo o Sistema UAB. Maria Luisa Furlan Costa Organizadora da Coleção 9 Todos nós já ouvimos o seguinte provérbio popular: “de médico e de louco todo mundo tem um pouco”. Poderíamos acrescentar a esse ditado que de médico, de louco e de psicólogo todos temos um pouco, uma vez que sempre estamos observando e ana- lisando os comportamentos, as atitudes e os valores das pessoas procurando descobrir o que elas pensam. No entanto, assim como alertamos para os perigos da automedicação, também devemos estar atentos para o uso indevido de conceitos que não se confi guram como conhecimentos provenientes das ciências psicológicas, mas estão muito mais para uma psicologia barata, de senso comum, como existem em muitas revistas por aí. Essa busca pela compreensão da psique humana, contudo, pode signifi car que o homem está sempre procurando entender a si mesmo e aos outros, nem sempre na tentativa de crescimento, mas, com certeza, vislumbrando dominar os mistérios que envolvem a complexidade do universo psíquico. A Psicologia, como ciência da área de humanas, precisa ser estudada para que o domínio de seus conceitos possa ser aplicado nos diversos campos do conhecimento, dentre eles a Educação. Desta maneira, o espaço da Educação é prodigioso de oportunidades que exigem conhecimento do profi ssional que se dedica a ele. Por isso, o objetivo deste livro é propiciar àqueles que pretendem exercer ou que já exercem a docência conhecimentos sobre o processo de desenvolvimento humano em suas dimensões neurológica, psico- motora, cognitiva e afetiva, entendendo-as a partir de seus condicionantes sociais, bem como suas implicações para a Educação. É importante ressaltarmos que o uso inadequado e superfi cial das teorias psicoló- gicas no campo educacional aponta para uma banalização da Psicologia, dando origem a afi rmações precipitadas que geram preconceitos, segregações, discriminações, enfi m, uma série de atitudes que em nada contribuem para a efetivação da aprendizagem. Nes- te sentido, os conteúdos dos diversos capítulos deste livro objetivam auxiliar os educa- dores a melhor compreender os processos que ocorrem na aquisição do conhecimento, e não a torná-los “psicoterapeutas”. Os textos aqui apresentados são escritos sob viés de diferentes perspectivas teóricas, mas possuem uma unidade à medida que trazem como fi o condutor questões de estudo presentação do livroA PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO: COMPARTILHANDO SABERES 10 da Psicologia da Educação e que corroboram para a formação do educador. Assim, o primeiro capítulo, de Leonor Dias Paini e Sheila Maria Rosin, intitulado “A Psicologia e a Educação: repensando a ‘natureza humana’”, foi escrito com a fi nalidade de apresentar parte da história da Psicologia em seu processo de constituição enquanto ciência e seu imbricamento com a Educação. No segundo capítulo, “Contribuições da Neuropsicologia para a Compreensão do Processo de Aprendizagem”, Djalma Ferreira Paes apresenta uma discussão relativa às formas pelas quais o corpo humano recebe as informações do meio e as transforma no cérebro, gerando processos subjetivos (pensamentos, por exemplo) e objetivos (ações) que levam ao desenvolvimento da aprendizagem. Carlos Roberto Arruda, no terceiro capítulo intitulado “O desenvolvimento psicomo- tor”, discute a educação do corpo como instrumento e como fator de equilíbrio geral do organismo, dado que o exercício das atividades motoras, além de exercer papel prepon- derante no desenvolvimento somático e funcional do ser humano, estimula a formação das funções biopsicossociais. A respeito do desenvolvimento emocional, Janira Siqueira Camargo e Raymundo de Lima redigem o capítulo quarto, com o título “O desenvolvimento afetivo-emocional”, tomando o referencial teórico da psicanálise freudiana visando a instrumentalizar o pro- fessor acerca dos conhecimentos referentes à formação da personalidade dos indivíduos para que possam melhor compreender o comportamento de seus alunos em sala de aula, buscando procedimentos e estratégias que se ajustem às diferenças individuais. No capítulo quinto, denominado “O desenvolvimento cognitivo”, Elaine Regina Rufa- to Delgado apresenta a Epistemologia Genética de Jean Piaget, destacando a importância das situações desequilibradoras, oriundas do meio físico e social, para a construção de conhecimentos por parte do sujeito, favorecendo o seu processo de desenvolvimento. A adolescência, tema do sexto capítulo “Os incríveis anos da adolescência”, é abor- dada por Sheila Maria Rosin com o intuito de refl etir sobre a adolescência como um período da vida com peculiaridades próprias, mas, fundamentalmente, como historica- mente determinada. Janira Siqueira Camargo, no sétimo capítulo, “O papel do desenho no desenvolvi- mento infantil”, discute o desenho como instrumento de auto-expressão que favorece a compreensão do desenvolvimento da criança e a importância do professor utilizá-lo como recurso pedagógico em sala de aula. Desta forma, o professor poderá encontrar nas teorias da Psicologia da Educação uma importante ferramenta para direcionar sua ação pedagógica, reciclando e redimen- sionando práticas, conceitos e sentimentos envolvidos nos processos educativos. Janira Siqueira Camargo Sheila Maria Rosin Organizadoras 11 Leonor Dias Paini / Sheila Maria Rosin INTRODUÇÃO Estar no mundo sem fazer história, sem por ela ser feito, sem fazer cultura, sem “tratar” sua própria presença no mundo, sem sonhar, sem cantar, sem musicar, sem pintar, sem cuidar da terra, das águas, sem usar as mãos, sem esculpir, sem fi losofar, sem pontos de vista sobre o mundo, sem fazer ciência, ou teologia, sem assombro em face do mistério, sem aprender, sem ensinar, sem idéias de formação, sem politizar não é possível [...] Paulo Freire O terceiro milênio caracteriza-se por avanços tecnológico e científi co espetacula- res. No percurso da civilização, o homem conquistou, dominou e transformou a natu- reza. Muitas coisas descobertas e inventadas ao longo dos séculos foram melhoradas e popularizadas, a exemplo do rádio, do telefone, do computador, do avião, da tele- visão, do automóvel, dos eletroeletrônicos e dos exames clínicos de última geração, tudo arquitetado e executado visando ao bem estar do próprio homem. Mas se por um lado esse desenvolvimento trouxe muitos benefícios para a humanidade, por outro, ainda não atendeu às milenares indagações do homem acerca de suas diversas formas de existência: espiritual, afetiva, física e cognitiva. Se desde a mais remota antiguidade a Psicologia, submetida à Filosofi a, procurava explicar o homem em suas diferentes dimensões, ainda hoje as ciências psicológicas A psicologia e a educação: repensando a “natureza humana” 1 PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO: COMPARTILHANDO SABERES12 enfrentam essa difícil tarefa, mas agora em contextos cada vez mais complexos, nos quais se aliam aos avanços tecnológicos e científi cos as mais variadas formas de exclusão. No Brasil, essa exclusão se manifesta de diversas maneiras, dentre elas, no grande número de pessoas que não tem acesso à tecnologia; no de pessoas que vivem com menos de um salário mínimo ou no alto índice de pessoas analfabetas, ainda que fun- cionais. As inúmeras facetas assumidas pela exclusão descortinam um grave quadro de contradição social: de um lado, as benesses do desenvolvimento tecnológico e cien- tífi co e, de outro, os marginalizados e excluídos socialmente, sem acesso a condições mínimas de sobrevivência. Nesse momento, inclusive, torna-se importante parafrasear o educador Paulo Frei- re em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, semanas antes de sua morte: Não é possível refazer este país, democratizá-lo, humanizá-lo [...] desrespeitan- do os fracos e enganando os incautos, ofendendo a vida, explorando os outros. [....] Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda (FREIRE, 1997, p. 3). Instigados por tal posicionamento, perplexos com a situação das condições huma- na e acreditando no papel da educação, nos propomos a escrever sobre o desenvolvi- mento histórico da Psicologia e, mais especifi camente, da Psicologia da Educação, re- fl etindo sobre os desafi os dessa área quanto à adequação de seus paradigmas teóricos, fi losófi cos e práticos às necessidades atuais. REPENSANDO A NATUREZA HUMANA Ao indagarmos o professor, de qualquer nível de ensino, sobre qual a possível causa para o não-aprendizado de seus alunos é muito provável ouvi-lo responder que a causa está na incapacidade do aluno em aprender. Respostas assim revelam uma tendência muito forte presente entre os professores em considerar fatores biológicos, genéticos e/ou hereditários como responsáveis pelo não-aprendizado, ou seja, uma tendência em acreditar que: “pau que nasce torto, morre torto”, ou ainda: “fi lho de peixe, peixinho é”. Outro grupo de professores poderia responder à mesma questão afi rmando que é o meio no qual o aluno vive, condicionado a fatores econômicos, morais e culturais, que não permite que o aprendizado se efetive. Há ainda aqueles que somam os aspec- tos biológicos e ambientais, resultando em uma miscelânea de fatores para justifi ca- rem o não-aprendizado do aluno. Deste modo, por meio de suas respostas, os professores demonstram concepções 13 que fundamentam sua prática pedagógica, mesmo que muitas vezes nem eles tenham plena consciência disso. Essas concepções podem ser assim sistematizadas: de um lado, uma concepção inatista-maturacionista, na qual a capacidade de aprender é com- preendida como algo inato, que já nasce com a pessoa, e de outro, a compreensão de que a aprendizagem pode se realizar ou não, dependendo da infl uência do meio em que a pessoa vive. É interessante observarmos que ambas as posições, aparentemente tão diversas, possuem como ponto de confl uência depositar no aluno a responsabilidade pela sua aprendizagem. Um olhar mais perscrutador para esse comportamento revela que ele foi e ainda é subsidiado por algumas áreas de conhecimento, entre elas a Educação e a Psicologia. Tivemos, na Psicologia, uma busca por estudar com precisão os processos psicoló- gicos elementares (sensação, percepção, hábito, refl exo), instituindo-lhes leis objetivas e descartando como objeto de estudo tudo o que não pudesse ser medido e quan- tifi cado. Houve também a Psicologia descritiva ou subjetiva, que estudou as formas superiores do campo consciente do homem, enfocando-as como manifestação dos sentidos. A existência dessas duas posturas na Psicologia gerou uma dicotomização da natureza humana. Essa dicotomização ocorreu nos primórdios da história da ciência psicológica, quando esta ainda fazia parte da Filosofi a. Apresentamos, na sequência, parte da história da Psicologia em seu processo de constituição enquanto ciência com o intuito de mostrar como o dualismo entre as concepções objetivista e subjetivista foi se construindo e quais foram as tentativas para a sua superação. Pretendemos também demonstrar que a incorporação desses postu- lados pela Educação gera afi rmações precipitadas e superfi ciais relativas ao processo de aprendizagem do aluno. UM POUCO DE HISTÓRIA... Ao resgatarmos parte da história do processo de constituição da Psicologia em ci- ência, percebemos que as primeiras conjeturas sobre o psiquismo humano surgiram na Antiguidade grega, período em que a esse respeito conviveram duas posturas: as especulações metafísicas e as especulações materialistas. A primeira tinha por base as ideias religiosas e místicas, e a segunda, as ideias dos fi lósofos gregos naturalistas, os quais percebiam que no mundo existe uma racionalidade e que era preciso encon- trá-la. Iniciou-se, assim, a luta dos fi lósofos que buscaram justifi car racionalmente as explicações míticas dadas aos fenômenos físicos e sociais pelas primeiras sociedades humanas. Segundo Rubinstein (1972), antes da Era Cristã (aproximadamente no século VI Os processos de aprendizagem e desenvolvimento: abordagem histórico- cultural PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO: COMPARTILHANDO SABERES 14 a.C.) os fi lósofos gregos já procuravam dar uma unidade ao mundo, explicando-o de forma natural, espontânea e materialista. Divididos entre ar, água, terra, fogo e átomos, ou somando esses elementos, os fi lósofos gregos integraram um período denominado Cosmológico ou Naturalista. O período que se segue a este é chamado de Antropológico ou Sistemático, no qual ocor- re um contraponto com os pensadores naturalistas, uma vez que para os fi lósofos do período Antropológico o homem torna-se o centro das preocupações em lugar da na- tureza física, passando então a ser visto como um ser capaz de produzir conhecimento. É nesse período que ocorre a sistematização do pensamento grego, principalmente por meio de pensadores como Platão e Aristóteles. Platão (427-347 a.C.), fi lósofo que desenvolveu a tese idealista da alma, ao distinguir a alma do corpo leva à completa separação entre eles (RUBINSTEIN, 1972). O fi lósofo defendia a existência do mundo das ideias, que eram invisíveis, eternas, incorpóreas, porém reais, e compreendia a existência do mundo terreno, das coisas sensíveis, dos objetos e dos corpos. A alma, na concepção platônica, era a sede de todos os conhe- cimentos. Platão inaugura o conceito de Reminiscência, ou seja, as ideias já estão na alma, basta delas se recordar para encontrar o caminho do verdadeiro conhecimento. Esse dualismo de Platão encontrou em Aristóteles (383-322 a.C.) seu principal opo- sitor. De acordo com Rubinstein (1972), Aristóteles foi quem sistematizou todas as descobertas dos fi lósofos materialistas e médicos do período. Para Aristóteles, corpo e alma são indivisíveis, como a forma e a matéria; a alma não pode separar-se da vida orgânica, pois é o seu princípio organizador. Sendo a alma a essência do corpo, a te- oria da alma, para Aristóteles, confi gura-se como a teoria da vida e de suas funções, o que engloba tanto as funções orgânicas quanto a vida consciente (RUBINSTEIN, 1972). Neste sentido, entre os fi lósofos gregos estariam postas as especulações que mar- cariam o nascimento das primeiras ideias psicológicas que exerceriam infl uência sobre a história dessa ciência. Na continuidade da história da humanidade, tem início o nascimento do cristianis- mo, no qual observamos, por parte da sociedade ocidental, uma sede de purifi cação, de redenção, de salvação da alma. Espera-se a boa nova, isto é, o anúncio dos fi ns dos tempos e a chegada do Reino de Deus. Apela-se para a conversão e pleiteia-se o amor para com o Criador. Com o pensamento cristão, diferentemente do grego, surge a ideia de criação do mundo segundo a qual o universoé subordinado ao homem e, por fi m, a de que o amor e a obediência e não a inteligência ou a ciência (como nos gregos) é que levariam o homem a Deus. Os conhecimentos produzidos pelos antigos fi lósofos gregos só foram aproveitados à medida que puderam ser adaptados aos conceitos da teologia cristã. 15 A luta entre as concepções materialista e idealista acerca do psiquismo humano continuou personalizada em duas fi guras expoentes do catolicismo: Santo Agostinho (354 -430 d.C.) e São Tomás de Aquino (1225-1274). Santo Agostinho, representante do período patrístico, que expressa o pensamento dos padres da Igreja, inspirou-se nas ideias de Platão e as adaptou aos dogmas da fé. Nessa concepção, Deus daria ao homem a possibilidade do conhecimento, pois o ver- dadeiro conhecimento seria revelado por uma luz interior proveniente da fonte divina, eterna, imutável e não-humana. O conhecimento sobre o qual trata Agostinho pode ser o das coisas sensíveis (pro- veniente dos sentidos) e o das coisas inteligíveis (proveniente da razão). A respeito deste último, Agostinho recupera o conceito platônico de reminiscência, devidamente adaptado aos dogmas cristãos, pois nesse conceito platônico emergem noções já exis- tentes na memória que não foram colocadas pelos sentidos. Outro grande representante do cristianismo, cujas ideias também infl uenciaram na elaboração de uma concepção dualista de homem, foi São Tomás de Aquino. Aquino viveu em um momento em que as relações feudais já estavam consolidadas, inclusive com grande intensifi cação do comércio, o que favoreceu o acesso às obras até então desconhecidas, principalmente via traduções árabes. Representante do período escolástico, Aquino baseou suas produções nas ideias de Aristóteles. Preocupado com a relação entre razão e fé, São Tomás de Aquino acreditava ser possível chegar ao conhecimento por essas duas vias. Desta forma, além dos conheci- mentos revelados, Aquino admitia a possibilidade de adquiri-los por meio dos sentidos. Na Idade Média, conforme assevera Rubinstein (1972, p. 97), as tendências mate- rialistas se desenvolvem entre os sábios árabes, que “elaboram uma Psicologia dos sen- tidos e umas leis empíricas do curso ou desenvolvimento imaginativo”. Assim, nesse período, a luta entre o materialismo e o idealismo, iniciada com os fi lósofos gregos, continua. A transição do modo de produção feudal para o capitalista se deu de forma lenta e gradual. À medida que se desenvolve o artesanato e o comércio, à proporção que fl orescem as cidades mediterrâneas, como consequência dessa mudança na maneira de produzir a vida, ocorre também um súbito renascer das artes e das ciências. Nesse processo, a sociedade liberta-se do ascetismo e da contemplação religiosa e valoriza o homem como um ser produtivo. Tal valorização do homem provoca o interesse por uma Psicologia concreta, e no século XVI usa-se pela primeira vez “a expressão ‘psicologia’ como distintiva da nossa ciência: em 1590 publica Coclenio o primeiro trabalho com este título” (RUBINSTEIN, 1972, p. 98). O século XVII é marcado pelo despontar das ciências naturais: Biologia, Química Os processos de aprendizagem e desenvolvimento: abordagem histórico- cultural PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO: COMPARTILHANDO SABERES 16 e Física. Descobre- se o caminho para o conhecimento científi co da natureza e desen- volvem-se novos métodos e princípios para o pensar científi co (RUBINSTEIN, 1972). A partir desse século, observam-se novas modifi cações no mundo ocidental, tanto na forma de organização do trabalho (instala-se defi nitivamente o capitalismo) quanto na forma de se produzirem conhecimentos. O ser humano deixa de apenas explicar ou questionar racionalmente a natureza para se preocupar com a questão de como utilizá-la melhor (ou seja, como dominá-la). Nasce, assim, a ciência, um modo de interpretar o mundo com fi ns técnicos, de for- necer maior conforto e progresso ao homem. Novos inventos dão grande impulso ao progresso: telescópio, bússola, microscópio, balança de precisão, embarcações a leme, imprensa. As mudanças não se restringem à ordem científi ca, mas estão diretamente liga- das ao social, já que a classe nascente necessita de uma ciência não somente contempla- tiva, mas que domine a natureza com o fi m de melhor utilizá-la para o próprio proveito. Nos séculos XVII e XVIII, o pensamento psicológico continua cindido. Essa cisão se expressa nos movimentos Racionalista e Empirista, nos quais o homem não conhece mais as coisas, porém o conhecimento das coisas, ou seja, as impressões subjetivas que as coisas exercem sobre ele, sobre seu intelecto (racionalismo) e sobre seus sentidos (empirismo). No século XIX, a Psicologia adquire status de ciência. Muitos historiadores atribuem como marco para tal fato a criação, em Leipzig, Alemanha, do laboratório de pesquisas psicológicas, o Psychologische Institut, por Wilhelm Wundt (WERTHEIMER, 1970). A dicotomia presente nas formas de entendimento do homem e na compreensão de como este adquire os conhecimentos verifi cados nos séculos anteriores se expres- sa também nos estudos da Psicologia. Segundo Luria (1991), no fi nal do século XIX pode-se observar a divisão real da Psicologia em dois campos: a Psicologia naturalista científi ca ou Psicologia fi siologista, e a Psicologia descritiva ou subjetiva. A primeira procura estudar com precisão e explicar pela causalidade os processos psicológicos elementares, defi nindo-lhes leis objetivas; a segunda dedica-se a estudar formas supe- riores do campo consciente do homem, enfocando-as como manifestações do espírito. Para Luria, a tentativa de vencer a estagnação surgida na ciência psicológica causada pela infl uência desse enfoque dualista se deu com a aplicação de métodos das ciências naturais ao estudo dos processos psicológicos, analisando-os da mesma forma como se analisavam os demais fenômenos da natureza. A tentativa de superação desse impasse surge com as propostas dos democratas revolucionários russos. No entanto, foi o psicólogo soviético Vygotsky, com seus colaboradores, que pro- pôs a elaboração de bases efetivas para superar o estado de crise da Psicologia, as quais abordavam, com métodos científi cos e objetivos, as formas mais complexas da vida 17 psíquica do homem. Vygotsky e colaboradores sistematizaram as primeiras teorias da abordagem histórico cultural com base no método dialético-materialista. Ainda para Luria (1988), Vygotsky concluiu que a situação da ciência psicológica no início do século XX era extremamente paradoxal, em virtude de os pesquisadores de meados do século XIX terem transformado a Psicologia em uma ciência natural, cujos estudos consistiam “em reduzir os complexos acontecimentos psicológicos em meca- nismos elementares que pudessem ser estudados em laboratório por meio de técnicas exatas, experimentais” (LURIA, 1988, p. 23). Deste modo, continua o autor, eram ex- cluídos da pesquisa todos os processos lógicos superiores e as ações conscientemente controladas, como atenção voluntária, memorização ativa e pensamento abstrato. Em ambas as linhas (naturalista e descritiva), as funções psicológicas complexas não poderiam ser cientifi camente estudadas. Desta forma, o grupo liderado por Vygotsky se propunha a “criar um novo sistema que sintetizasse estas maneiras confl itantes de estudo” (LURIA, 1988, p. 24). Assim, sob a infl uência da teoria marxista, Vygotsky postulou que as origens das formas superiores de comportamento consciente deveriam ser encontradas nas rela- ções sociais que o indivíduo mantém com o mundo exterior, pois nessas relações o homem produz a própria consciência, a qual não surge no interior da célula viva, mas nas relações desse homem com o mundo circundante (LURIA, 1988). AS RELAÇÕES ENTRE PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO Dado que a história da Psicologia tem uma estreita relação com a Educação, preten- demos mostrarque na literatura vigente a educação foi, no Brasil, um dos primeiros campos de aplicação da Psicologia. As primeiras décadas do século XX foram caracterizadas por contradições, confl itos e tensões provenientes da transição de uma sociedade agrária para uma civilização urbano-industrial (RIBEIRO, 1991). Nesse contexto, cada vez mais se aguçavam as ten- sões sociais e a descrença do povo brasileiro nos atos políticos; o governo, por sua vez, estava comprometido com a aristocracia rural, ignorando as necessidades da maioria da sociedade. Além disso, Ribeiro (1991) assinala que a dívida governamental crescia, tendo como consequência o aparecimento de sérios confl itos sociais. O discurso ofi cial governamental nesse período caracterizou-se pela incorporação de teses consideradas progressistas, dentre elas a da Escola Nova. O meio intelectual brasileiro debatia as condições de vida, saúde, higiene e instrução pública. Neste sen- tido, houve uma intensa pressão social para a superação do analfabetismo e um novo direcionamento marca essa época; começou-se a pensar em reformas sociais por meio das reformas educacionais. Os processos de aprendizagem e desenvolvimento: abordagem histórico- cultural PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO: COMPARTILHANDO SABERES 18 As décadas de 1920 e 1930 representaram um momento de efervescência educacio- nal. Realizaram-se reformas nos Estados, sob a coordenação de educadores embasados nos ideários dos democráticos e republicanos e no ideário da Escola Nova de John Dewey, expoente máximo do escolanovismo nos Estados Unidos. Brzezinski (1996, p. 26) propala que “Por ser um país periférico, transplantou-se para o Brasil, o modelo educacional de uma sociedade hegemônica” As reformas educacionais propostas por muitos dos intelectuais eram condizentes com os princípios da Escola Nova. O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova visava “à reconstrução educacional [...] a partir da formação de uma sociedade mais justa e que tinha por objetivo a orga- nização da escola unifi cada, desde o jardim de infância à universidade” (LEMME, 1984, p. 90). Esse documento procurava, em linhas gerais, implementar um projeto de recons- trução educacional no país, tendo como princípios norteadores, entre outros, o direi- to de todos à educação; a descentralização do sistema escolar; o ensino ativo; papel do Estado na educação; a renovação metodológica e a utilização dos conhecimentos da Psicologia na Educação. Na defi nição desses princípios, vale ressaltar o papel atribuído à Psicologia da Edu- cação, que se manifesta também por meio das várias reformas educacionais que ocor- reram nesse período, especialmente nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Ceará, Pernambuco e Distrito Federal. Todavia, faremos um destaque, neste capítulo, apenas para as reformas cearense e mineira. A reforma cearense foi considerada pioneira na difusão do ideário da Escola Nova em um sistema estadual de ensino. Conforme Antunes (1998a), essa reforma sobres- saiu-se por apresentar, pela primeira vez, uma proposta educativa articulada com a Psicologia, tendo como marco a criação do Laboratório de Psicologia. A reforma mineira, ocorrida no governo de Francisco Campos, em 1928, destacou- se pela presença sistemática do ideário escolanovista em seus documentos. Segundo os termos da reforma, a escola mineira seria planejada para atender ao seu objetivo central: a criança. Dever-se-ia, assim, repensar a educação e a se preocupar mais com a qualidade de ensino do que com a expansão das unidades escolares. Para isso, foram criados cursos de aperfeiçoamento para treinar uma equipe de professores e de assis- tentes pedagógicos nos recentes métodos de ensino e em técnicas pedagógicas. Desta forma, a Psicologia da Educação ocupava um lugar relevante no currículo desses cursos. Em resumo, na década de 1920, os esforços educacionais, que movimentaram as reformas estaduais, direcionavam suas atenções para estruturar a rede de ensino pri- mário, que não existia. Foi estabelecida uma legislação burocrático-administrativa ca- paz de sustentar um novo funcionamento pedagógico e que, posteriormente, resultou 19 nas Secretarias de Educação, criadas a partir de 1930, com a instalação do Ministério de Educação e Saúde Pública no governo Vargas. Nessa perspectiva, havia o interesse para a investigação do quadro educacional do país e foi criado um órgão que desempenharia especialmente esse papel: o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (Inep). De acordo com Gebrim (2002), além da investigação sobre a problemática educa- cional, coube ao instituto a tarefa de ser a instância formadora da consciência educa- cional. O Inep foi fundado em plena vigência do Estado Novo, em 1938, com o propó- sito de atuar em dois sentidos: o qualitativo, formando e aperfeiçoando os professores, e o quantitativo, coletando e organizando dados e estatísticas a respeito da realidade educacional brasileira. A partir de então, o Inep passou a se responsabilizar pela promoção de cursos de especialização de professores, inspetores, administradores e orientadores que resi- diam em outros estados, fora do Distrito Federal. Além disso, incorporando pesquisa- dores de outras áreas, promoveu pesquisas voltadas para o estabelecimento das bases de ação sobre a realidade educacional brasileira. Na tentativa de responder aos problemas do desenvolvimento econômico do país, ou seja, a elevação do nível de vida da população brasileira, a administração do go- verno Juscelino Kubitschek ( JK) priorizou o Programa de Metas. Para ele, isso seria possível por meio do aumento de empregos gerados pela indústria, o qual, por sua vez, dependeria de investimentos em educação. Nesse projeto, a educação aparecia como um instrumento que favoreceria o de- senvolvimento, pois poderia dar respostas às necessidades criadas pela transformação industrial. Há indícios de que a relação entre Psicologia e Educação no Brasil foi cons- truída de forma hegemônica, pautada em uma “fi losofi a educacional identifi cada com o espírito liberal, pretensamente científi ca, isenta de qualquer aspecto valorativo, que privilegiava os instrumentos de mensuração e quantifi cação, como as Provas de nível mental” (GEBRIM, 2002, p. 97). Esta autora considera que os testes utilizados na Psico- logia Experimental legitimariam a neutralidade na escola e na organização do trabalho. Nesse contexto, a Psicologia ganhou uma importância cada vez maior, pois era ela quem dava garantia de que os meios utilizados para as transformações esperadas eram adequados, através da medição e da quantifi cação dos processos psicopedagógicos. Uma de suas maiores infl uências na educação veio do estudo das diferenças individu- ais, um conhecimento imprescindível para que o ato educativo fosse efi caz. Juntamen- te com a Psicologia, a Biologia tinha a função de explicar as necessidades da criança e as fases do desenvolvimento infantil, e a Sociologia, a de estabelecer as fi nalidades da educação. Os processos de aprendizagem e desenvolvimento: abordagem histórico- cultural PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO: COMPARTILHANDO SABERES 20 A Psicologia, como uma forma de conhecimento dos processos individuais, teve importância fundamental na elaboração dos pressupostos da Escola Nova, uma vez que concebia a aprendizagem como um processo de aquisição individual, pautado nas características pessoais do sujeito. Convém salientar que, por trás desse projeto educacional, o governo pretendia promover a adaptação do indivíduo à sociedade capitalista. Bock (2003) analisa esse mesmo período histórico e também concorda com essa opinião, acrescentando que houve uma “cumplicidade ideológica” entre os movimentos educacionais e o capitalis- mo. Inferimos, nesse caso, que as áreas de conhecimento, particularmente a Psicologia e a Pedagogia, vislumbravam a educação como um processo natural de desenvolvimen-to das potencialidades existentes nos sujeitos. “E, quando alguém (resistia) em apre- sentar estas características, lá (estavam) estes saberes com suas leituras patologizantes para atribuir responsabilidade exclusiva ao educando e sua família” (BOCK, 2003, p. 85). Nesse momento, o indivíduo era considerado responsável por seu sucesso ou fracasso no âmbito educacional. Dessa forma de conceber o indivíduo decorre a psi- cologização da educação: “o privilegiamento dos processos internos ao aluno e dos aspectos psicopedagógicos na escola tem impedido uma compreensão mais ampla do processo educacional em suas inevitáveis articulações com a dinâmica da sociedade” (FERREIRA, 1986, p. 8). Percebemos, nesse momento, que houve uma valorização exagerada dos funda- mentos psicológicos como essenciais para explicar e solucionar os problemas edu- cacionais, apesar de nem sempre serem bem-sucedidas as tentativas de restringir as questões educacionais somente à Psicologia. Entretanto, Luna (1999) considera que, exatamente por supervalorizar a psicologia, essas propostas educacionais contribuí- ram para o avanço da psicologia como ciência. Em resumo, até praticamente a década de 1950, a Psicologia da Educação no Bra- sil assumiu um caráter psicométrico, experimental e tecnicista, porque a perspectiva daquele momento era a homogeneização do processo educacional. Assim, a avaliação do desenvolvimento psicológico das crianças era uma forma de oferecer respostas aos problemas pedagógicos. Já os anos de 1960 a 1980, em consonância com Gatti (1997; 1999), Bock (1999; 2003) e Meira (2003), demarcam um período de crítica aos resultados fragmentados obtidos em Psicologia da Educação e às difi culdades de aplicá-los em situações reais de sala de aula. Na década de 1970, no Brasil, o estado era comandado por uma tecnoburocra- cia militar e civil, aliada ao capital internacional. “Visando à preservação dos interes- ses do capital internacional, assistiu-se à internacionalização da economia brasileira” 21 (FREITAS, 1994, p. 32). Para modernizar o sistema escolar, foram aprovados os acordos MEC-Usaid. O modelo ofi cial de educação – o tecnicista – baseava-se em uma visão empresarial-tecnocrática. A partir de 1975, porém, essa visão tecnicista começou a ser questionada. Combatendo-se a seletividade do ensino, as desigualdades no desempe- nho escolar passaram a ser explicadas não a partir da ideologia dos dons pessoais, mas sim pelo foco das desigualdades sociais. O descompasso nas relações entre a Psicologia e a Educação tornou-se visível no fi nal da década de 1970, quando se observa o uso extremado de técnicas e testes psi- cológicos. Isso contribuiu para descaracterizar a educação enquanto processo social. Embora houvesse “questionamentos, as possibilidades de mudança na prática eram muito limitadas, pois esses foram anos de ditadura e silêncio nos movimentos sociais” (BOCK, 1999, p. 77). Não obstante, a partir da década de 1980 o Estado já não era mais visto como o único detentor de força e autoridade. Os psicólogos e outros profi ssionais começaram a promover movimentos críticos que questionavam sua real contribuição para os enca- minhamentos da sociedade como um todo e, ao mesmo tempo, buscavam conhecer as reais necessidades da população brasileira. Nesse momento de crítica, autores como Patto (1984) e Saviani (1980) exerceram grande infl uência, porque contrapunham as condições intraescolares e extraescolares à culpabilização das vítimas. Ou seja, as crianças passaram a ser concebidas em seu contexto cultural e social e não mais como as responsáveis pelos seus problemas de aprendizagem, como fazia a escola até então, atribuindo êxitos e fracassos educacionais à própria criança e a sua diversidade de desenvolvimento. Nessa nova fase de questionamento da identidade da Psicologia como um todo e da Psicologia da Educação, Gatti (1999), entre outros, preconizam que aos poucos as condições sociais foram sendo mais debatidas e a educação passou a ser entendida como um processo mais amplo e complexo. A partir de então, aparece no cenário a busca por uma concepção mais crítica da Psicologia da Educação, ou seja, houve a exigência de um maior comprometimento com a sociedade e, nessa nova forma, as respostas aos problemas escolares deveriam ser consideradas como provisórias, pois tudo fazia parte de um processo mais amplo. Portanto, Gatti (1997, p. 78) aventa que: caberia a Psicologia da Educação tentar clarear as relações entre os fi ns da Edu- cação e o conhecimento que vem das teorias em Psicologia, no bojo de um ambiente que contextua esses fi ns e esse conhecimento, o sistema escolar, a escola, a família, uma comunidade. Os processos de aprendizagem e desenvolvimento: abordagem histórico- cultural PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO: COMPARTILHANDO SABERES 22 CONSIDERAÇÕES FINAIS Procuramos mostrar, neste capítulo, que as diversas explicações possíveis para a rela- ção que o homem estabelece com o objeto no processo de conhecimento, que passa ora pela primazia do sujeito sobre o objeto, ora pela primazia do objeto sobre o sujeito, ora pela interação entre estes, deve acontecer a partir da própria história, porque o entendi- mento que se tem dessa relação assume, no decorrer da relação, perspectivas diferentes, dependendo do tipo de exigências sociais que se pretende responder. A compreensão do homem desvinculada da história é a de que suas potencialidades, talentos e características mentais foram sempre iguais. As grandezas e misérias humanas, entendidas à margem da história, assumem um caráter de propriedade individual, de fatalidade psicológica. Ao contrário de outros seres vivos, o homem não tem natureza, ou melhor, a natureza humana é a história. Segundo Merani (1977, p. 75), reconhecer no homem uma quali- dade psíquica essencial signifi ca aceitar a permanência de suas estruturas, a impossibi- lidade de modifi cá-las qualitativamente e, consequentemente, a inexorabilidade de um destino que pesa ao longo da história da espécie. Por isso, um tipo de explicação que nos parece mais coerente é a que privilegia o entendimento dos homens a partir de suas relações práticas e concretas com outros homens e de suas preocupações com a sobrevivência. O entendimento dos homens a partir de suas características, peculiares a cada fase do desenvolvimento da humanidade, nos possibilita avaliá-los como sujeitos que fazem a história e produzem conhecimentos ante as possibilidades de cada época, como um sujeito que se diferencia dos outros animais porque age sobre a natureza, transformando-a em função de suas necessidades; projeta suas ações com base nas fi nalidades a que se propõe antecipadamente; pela ação humaniza o mundo e se humaniza, produzindo historicamente sua existência. No seio desse processo o homem cria as ideias, as quais expressam as ações e as relações que ele estabelece com o mundo, consigo mesmo, e com as próprias ideias. Neste sentido, o homem produz conhecimento, produto coletivo dessas relações e inseparável do fl uxo histórico (ANTUNES, 1998b, p. 364). A compreensão do homem enquanto um ser histórico deve nos levar, necessariamen- te, à compreensão da historicidade dos conhecimentos produzidos por ele. Desta forma, tanto a Psicologia Objetivista, pautada nos métodos das ciências naturais, classifi ca, quan- tifi ca e mede o sujeito, quanto a Psicologia Subjetivista, que explica o sujeito a partir de sua “essência natural, universal”, independentemente de suas condições ambientais e históricas, são objetos de inúmeras críticas. Críticas que se estendem à educação, quan- do essas concepções são nela aplicadas, pois não dão conta de explicar o sujeito e a educação a partir de seus determinantes históricos; logo, aquele deixa de ser concebido 23 como “autor e ator” da história, como se não fi zesse parte de um mundo historicamente determinado, em que a mutabilidadedas necessidades nascidas a cada novo momento compreensão. Cabe à Psicologia e a suas ramifi cações, principalmente à Psicologia da Educação, na redefi nição de seu papel, procurar conhecer o homem e suas características, pro- duzidas em determinado contexto frente às possibilidades de determinada época, ou seja, conhecê-lo como um sujeito que possui uma natureza historicamente modifi cada. Conhecimento que poderia ser basilar para o professor direcionar ações pedagógicas mais coerentes com o compromisso social, qual seja, o de ser o mediador entre o conhe- cimento historicamente elaborado socialmente e o aluno, a fi m de torná-lo um sujeito mais consciente e ativo na trama de relações sociais na qual está inserido. Os processos de aprendizagem e desenvolvimento: abordagem histórico- cultural ANTUNES, M. A. M. A Psicologia no Brasil: leitura histórica sobre sua constituição. São Paulo: Unimarco, 1998a. ANTUNES, M. A. M. Algumas refl exões acerca dos fundamentos da abordagem social em história da psicologia In: BROZEK, J.; MASSIMI, M. (Org.). 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Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006. 25 1) Como os ditados popularmente conhecidos “pau que nasce torto morre torto” e “fi lho de peixinho, peixinho é” podem ser relacionados com as concepções sobre o processo de aprendizagem de alguns professores? 2) A partir do capítulo, explique a afi rmação “Ao contrário de outros seres vivos, o homem não tem natureza, ou melhor, a natureza humana é a história”. 3) Aponte três momentos em que, no Brasil, a Psicologia foi chamada a contribuir com a Educação 4) Qual é a importância da Psicologia da Educação na formação dos professores? 1) A guerra do fogo. Dir. Jean-jacques Annaud. França/Canadá, 1981. 2) Escritores da liberdade. Dir. Richard LaGravenese. EUA/Alemanha, 2007. 3) O enigma de Kaspar Hauser. Dir. Werner Herzog. São Paulo, 1990. 4) O garoto selvagem. Dir. François Truffaut. França, 1969. Proposta de Atividade Sugestões de fi lmes Os processos de aprendizagem e desenvolvimento: abordagem histórico- cultural PATTO, M. H. S. Psicologia e ideologia: uma introdução crítica à psicologia escolar. São Paulo: T. A. Queiroz, 1984. RIBEIRO, M. L. S. História da Educação brasileira: a organização escolar. 11. ed. São Paulo: Cortez; Autores Associados, 1991. ROSIN, S. M. Das idéias psicológicas à Psicologia da Educação no Brasil: o caso do Paraná. 2003. Tese.(Doutorado)-Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2003. RUBINSTEIN, S. L. História da Psicologia. In: ______. Princípios de Psicologia geral. Lisboa: Estampa, 1972. p. 93-110. SAVIANI, D. Educação: do senso comum à consciência fi losófi ca. São Paulo: Cortez, 1980. WERTHEIMER, M. Pequena história da Psicologia. São Paulo: Nacional, 1970. PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO: COMPARTILHANDO SABERES 26 Anotações 27 Djalma Ferreira Paes INTRODUÇÃO A Neuropsicologia é a disciplina que utiliza conhecimentos da Neurologia e da Psicologia e dedica-se ao estudo da relação entre os circuitos neurais e os processos cognitivos. Correlaciona os processos cognitivos processados em determinadas áreas cerebrais com os comportamentos apresentados pelo indivíduo (PINHEIRO, 2007). Os circuitos neurais, constituídos pelas conexões entre as células nervosas, permi- tem que os estímulos ambientais captados pelos órgãos dos sentidos como a visão, o olfato e a audição etc., sejam levados até as áreas do cérebro onde serão transformados em informações capazes de transmitir ao indivíduo que aquilo que ele percebe é um som, mais especifi camente a voz de alguém que o chama para determinada tarefa. Tudo isto só possível se as estruturas cerebrais, seus ouvidos, sua compreensão da linguagem e seu desenvolvimento biopsicossocial estiverem prontos para estabelecer esse nível de compreensão (PINHEIRO, 2007). Ao estudar os mecanismos por trás desses comportamentos, a Neuropsicologia possibilita sua melhor compreensão bem como o estabelecimento de correlações en- tre os processos neurológicos e os comportamentos observados, possibilitando uma adequada intervenção profi ssional nos casos de difi culdades de aprendizagem (COSTA et al., 2004). O estabelecimento de padrões de normalidade, no que se refere ao processo de aprendizagem, leva em consideração o grau de desenvolvimento biológico, psicológi- co e social do indivíduo. Esses parâmetros foram estabelecidos por diversos estudio- sos, em diferentes épocas e culturas, e defi niram escolas de pensamentos variados. Tais aspectos devem ser considerados devido à contínua evolução do conhecimento, Contribuições da neuropsicologia para a compreensão do processo de aprendizagem 2 PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO: COMPARTILHANDO SABERES 28 evitando-se a maior valorização de um em detrimento de outro. O que se observa é um processo de convergência de informações e complementação de conhecimentos à medida que os estudos são aprofundados e recebem a contribuição das ciências. O desenvolvimento dos processos cognitivos como a atenção, a linguagem, o ra- ciocínioetc., pressupõe o perfeito e adequado funcionamento das estruturas neurais envolvidas na recepção e processamento dos estímulos ambientais, captados por meio dos órgãos sensoriais. Quando quaisquer dessas estruturas, funções ou órgãos apre- sentam alguma anormalidade, o processo de aprendizagem pode sofrer algum tipo de prejuízo proporcional à defi ciência verifi cada. No entanto, a aprendizagem também pode apresentar defi ciências, ainda que as es- truturas biológicas do indivíduo não apresentem dano algum. A defi ciência de apren- dizagem verifi cada então poderá estar relacionada com alguma difi culdade psicológica do indivíduo ou defi ciência do sistema de ensino praticado. Considerando-se a integridade física e funcional da estrutura biológica, podemos encontrar, por exemplo, uma defi ciência visual como o daltonismo, que pode levar o indivíduo a equivocar-se com a cor do objeto observado, bem como um indivíduo portador de miopia, que tem difi culdade em identifi car certo tipo de letra ou sinal. A miopia, assim como outras defi ciências biológicas, pode necessitar de uma correção tecnológica ou uma prótese, para que o indivíduo possa tirar o máximo de sua percep- ção sensorial. Em outras situações, há necessidade de um aprendizado complementar para corrigir as distorções encontradas. A complexidade do processo de aprendizagem e as diferentes variáveis envolvidas exigem uma abordagem ampla e multidisciplinar antes que se estabeleça um diagnós- tico relativo à determinada difi culdade de aprendizagem observada em um sujeito. Fica claro que uma difi culdade de aprendizagem observada poderá estar vinculada a alguma estrutura biológica, a um aspecto psicológico ou a processo de transmissão da informação ao sujeito ou pelo sujeito ou na combinação de alguns desses fatores. Desta forma, nosso objetivo neste capítulo é contribuirmos para a formação de profi ssionais que atuam com crianças em idade escolar, na compreensão do processo de aprendizagem por meio de conhecimentos básicos da área da Neuropsicologia. PROCESSO DE APRENDIZAGEM Aprendizagem é o processo pelo qual os seres adquirem conhecimento sobre algo, desenvolvem competências e modifi cam seu comportamento de forma temporária ou permanente. É infl uenciada por fatores como o desenvolvimento biológico, psicoló- gico e social do indivíduo. Ocorre, na maioria das vezes, sob forte infl uência social e temporal, ainda que nem sempre seja percebido pelo indivíduo. 29 Contribuições da neuropsicologia para a compreensão do processo de aprendizagem As crianças aprendem de formas diferentes quando consideramos suas idades, seus níveis de desenvolvimento, suas diferentes classes sociais, suas diferentes regiões cli- máticas, seus diferentes ambientes psicossociais, seus diferentes modelos de ensino e uma série de outros fatores capazes de promover infl uências positivas ou negativas em seu processo de aprendizagem. Isto nos permite identifi car e selecionar fatores que podem promover e facilitar uma maior e melhor aprendizagem por parte dos nossos aprendizes, como também nos ensinar a interferir na correção e adequação das limitações das habilidades de aprendizagem por eles expressas. DESENVOLVIMENTO NEUROLÓGICO O desenvolvimento neurológico ocorre de modo mais intenso e fl exível ao longo dos três primeiros anos de vida do indivíduo. Depois disto, o processo se torna cada vez mais discreto e menos afetado pelos fatores ambientais, quer sejam físicos ou so- ciais. Sabemos que o sistema nervoso apresenta fases de formação, desenvolvimento e amadurecimento de modo diferenciado quando consideradas as diferentes estruturas e sistemas envolvidos no processo de aprendizagem. Isto é fácil de compreender ao observarmos as reações de um bebê com o ambien- te, em seu primeiro ano de vida. A forma como ele lida com os estímulos e situações evidenciam o processo de aprendizagem em evolução, à medida que os dias se pas- sam. O domínio dos seus sentidos e a interação com os objetos e pessoas ao seu redor são os sinais externos de seu desenvolvimento neurológico, que continuará evoluindo por vários anos (FUNAYAMA, 1996). Alguns sinais neurológicos são evidentes desde os primeiros momentos de vida, outros necessitarão de mais tempo para serem observados. Os refl exos de preensão e de sucção são percebidos desde os primeiros dias, passando a mostrar ações voluntá- rias por volta do sexto mês (FUNAYAMA, 1996). Já os aspectos psicomotores, presentes na linguagem que surgirá mais tarde, envolvem aspectos mais complexos tanto estru- turais quanto comportamentais e necessitam de amadurecimento e de um processo de aprendizagem mais elaborado por parte do indivíduo. Ao fi nal do primeiro mês de vida, o bebê já se volta em direção ao som (FUNAYA- MA, 1996), mas a ação sensório-motora que é desenvolvida ao virar a cabeça tentando localizar de onde vem a voz, já conhecida, de sua mãe revela-se uma atividade nervosa mais complexa, pois agrega processos de memória e de tomada de decisão na tentativa de encontrar a imagem associada àquela voz. Esses são exemplos de situações em que várias áreas associativas sensoriais são postas em atividade e que possibilitam à criança ter a sua atenção dirigida a determinado objeto e sua necessidade de localização da PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO: COMPARTILHANDO SABERES 30 mãe, por exemplo, atendida. Os processos de ativação das áreas associativas sensoriais são realizados por meio da rede neural, que se constitui das ligações entre os neurônios, chamadas de sinap- ses, que possibilitam a passagem de estímulos de caráter eletroquímico (PINHEIRO, 2007). Esses estímulos são percebidos no ambiente pelos órgãos sensoriais, chegam até o córtex para que, pelas funções superiores, sejam interpretados e transformados em algo conhecido ou não (FUNAYAMA, 1996). Estímulos captados por intermédio dos diversos sentidos estimulam diferentes áre- as e sistemas presentes no cérebro. Tais sistemas atravessam áreas de associação em que os estímulos são fi ltrados e transformados em informações reconhecidas pelo cérebro como algo que signifi que um som, uma cor, uma letra ou qualquer outro sinal que gere a memória de algo que faça sentido para o indivíduo. Se a mensagem fi nal o satisfaz, ocorre então uma acomodação do sistema, permitindo que ele seja disponibilizado para outras tarefas. Se isto não acontece, a ansiedade que acompanha o estado de curiosidade sobre o diferente, o novo, o estranho elemento causador dessa inquietação provoca a ativação de diferentes sistemas neurais convocados para a solução do problema. Isto faz com que novas conexões neurais se estabeleçam, até que ocorra novo processo de aquietação resultante do processo de compreensão e/ou solução do problema. Todos esses procedimentos são realizados por intermédio do que chamamos de processos cognitivos: percepção, memória, raciocínio, inteligência, linguagem etc. A percepção é o processo cognitivo que nos permite associar estímulos que nos chegam, através dos sentidos, à memória que já construímos e por meio dela identi- fi carmos os conceitos e signifi cados que já foram estabelecidos (NISHIDA, 2007). Isto nos permite consolidar e/ou ampliar o conhecimento estabelecido sobre alguma coisa. Ao fazermos esse exercício mental, pomos em andamento algumas habilidades natas e/ou adquiridas, as quais refl etem as diferentes as habilidades ou inteligências de que somos portadores e nos permitem exercitar o raciocínio para que possamos escolher a resposta ou o caminho que nos pareça mais acertado. Ao processo de identifi cação das informações sensoriais que chegam às áreas as- sociativas sensoriais chamamos de gnosia ou conhecimento (FUNAYAMA, 1996) e a sua ausência ou defi ciência chamamos de agnosia. De igual modo, as limitações ou incapacidades encontradas nas áreas associativas motoras causam o que conhecemos como apraxia. Assim,as agnosias e as apraxias correspondem às lesões ou limitações de algumas áreas ou funções cerebrais, observadas nos transtornos de aprendizagem (NISHIDA, 2007). Quando decidimos sobre o que responder ou fazer, colocamos em ação processos 31 psicossociais e/ou psicomotores de diferentes graus de complexidade, coerentes com nosso grau de amadurecimento, de conhecimento e com nossa personalidade. Entretanto, algumas respostas ou reações fazem o caminho mais curto e simplifi - cado. Elas têm a ver com situações de risco ou ameaça ao nosso bem estar ou sobre- vivência. São os chamados atos refl exos, como o que fazemos ao pisarmos descalços sobre uma ponta de cigarro aceso, ou ao esbarrarmos em algo cortante ou pontudo. Tais respostas aparecem em outras situações, como no caso dos hábitos adquiridos de forma voluntária ou não, como ao aprendermos a dirigir, a tocar um instrumento ou ao desenvolvermos habilidades de artes marciais, por exemplo. Todos esses processos dependem da integridade e funcionamento das estruturas e dos sistemas neurais bem como do período de amadurecimento de cada um deles, para que o processo de aprendizagem possa ter sucesso e gere um novo e adequado comportamento. Quando isto não ocorre, podemos perceber aquilo que chamamos de difi culdades de aprendizagem. DESENVOLVIMENTO SENSORIAL O desenvolvimento sensorial e as ligações intracorticais amadurecem ao longo do desenvolvimento do indivíduo (PINHEIRO, 2007), estabilizando-se entre a segunda e terceira década de vida (FUNAYAMA, 1996), na maioria das pessoas, passando então a regredir. Na relação com o entorno são os olhos (NISHIDA, 2007) e os ouvidos que mais interferem no processo de aprendizagem, contribuindo com a maior captação dos estímulos ambientais. São também os que amadurecem e se desgastam mais rapida- mente. Alguns sentidos, como o olfato, demoram até a adolescência para fi carem com- pletamente maduros e desfrutarem de todo o seu potencial. Ou seja, para se desfrutar completamente do buquê de um bom vinho é necessário haver chegado à fase adulta e ter o olfato e paladar plenamente desenvolvidos. De igual modo, é fácil compreender a difi culdade enfrentada pelos cegos e surdos devido à importância relativa que a visão e a audição possuem no processo de aprendizagem. Além do fator biológico, os fatores socioambientais também interferem nas habili- dades desempenhadas pelos nossos sentidos. Por exemplo, caçadores da região ártica conseguem distinguir uma variação maior da cor branca do que pessoas residentes em regiões de clima tropical, pois convivem diariamente com a neve. De igual modo, pessoas de regiões tropicais são mais infl uenciadas por cores vivas e brilhantes. Fatores psicológicos também afetam a percepção do ambiente. Pessoas em estados emocionais adversos ou extremados deixam de registrar adequadamente o que se passa ao seu redor. Isto é, o estado emocional, o grau de interesse ou de motivação faz com Contribuições da neuropsicologia para a compreensão do processo de aprendizagem PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO: COMPARTILHANDO SABERES 32 que a pessoa perceba melhor o estímulo que tem mais a ver com o seu momento em detrimento de outros que não lhe digam respeito ou não façam parte do seu objetivo. DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR1 O desenvolvimento psicomotor tem efeito signifi cativo sobre o desenvolvimento da aprendizagem. Ele está presente do desenvolvimento da linguagem oral e escrita à manifestação do pensamento e exposição das ideias. Nossos movimentos, instintivos ou não, são guiados por aquilo que atrai a nossa atenção. Desta forma, atividade sensorial e resposta motora são necessárias e se com- pletam para que um movimento se processe. Desde o natural piscar dos olhos para lubrifi car adequadamente a córnea até o esbugalhar dos olhos por espanto necessitam da conexão sensório-motora. Contudo, esse processo acompanha o natural desen- volvimento do indivíduo desde as primeiras experiências com o móbile acima do seu berço, até o olhar fi rme do atirador de arco e fl echa. Esse processo que se inicia de forma espontânea na infância do indivíduo necessi- tará de controle e treinamento cada vez maior à medida que suas atividades e respon- sabilidades diárias o exigirem. Assim, quando a criança, em seus primeiros meses, é alimentada por alguém, é necessário grande cuidado com as porções e consistência do alimento que lhe é fornecido. Ao longo do tempo, a própria criança será capaz de adequar o volume do alimento e a velocidade com que ele será ingerido. Na escola, várias tarefas incluirão o desenvolvimento de atividades motoras fi nas, como na prática da escrita, do desenho, do cortar e colar, dos jogos de monta, dentre outras. Quando observamos um bebê de poucos meses brincando com as suas mãos, nota- mos que ele as observa, leva os dedos à boca, suga-os, bate palmas, esfrega seu rosto e repete tais movimentos uma porção de vezes enquanto resmunga e dá gritos. Pouco a pouco, tais movimentos se tornarão cada vez mais elaborados e conscientes, evoluindo para situações relacionadas com o seu dia a dia (FUNAYAMA, 1996). A atividade de caminhar que parece tão natural ao adulto é motivo de grande esfor- ço na primeira infância, pois equilíbrio e tônus muscular precisam ser desenvolvidos com uma boa dose de esforço e treinamento pela criança. Ao brincar com o chocalho, a criança desenvolve uma série de habilidades ao mes- mo tempo em que exercita vários sentidos simultaneamente. A presença de um choca- lho barulhento e colorido estimula a visão, a audição, o tato e o equilíbrio da criança ao mesmo tempo em que favorece o desenvolvimento do ritmo, a descoberta dos 1 Para maior aprofundamento, leia o capítulo 3 deste livro, que trata exclusivamente do desenvolvimento psicomotor. 33 sons, do movimento e de diversas associações entre movimento e som. Tudo isto afeta uma grande quantidade de áreas de associações sensório-motoras em seu cérebro e passa a contribuir para a formação de sua memória auditiva, visual, tátil etc., gerando elementos que irão se aprimorando ao longo de sua vida e de seu desenvolvimento sensório-motor (FUNAYAMA, 1996). PROCESSAMENTO DE INFORMAÇÕES O processamento de informações envolve a presença de estímulos que afetam o sistema sensorial do indivíduo, transmitindo essas sensações para áreas do cérebro onde serão processadas, codifi cadas e interpretadas conforme a área estimulada e o tipo de memória que elas evocam. As informações são geradas depois que os estímulos captados pelos nossos sen- tidos chegam ao nosso cérebro e percorrem áreas associativas sensoriais, onde são processados, decodifi cados, interpretados e defi nidos como algo que deve ser realiza- do ou não. O tempo de resposta ou a velocidade com que damos a melhor resposta e tomamos a decisão mais efi ciente refl ete o nível das nossas habilidades e capacidades natas e/ou adquiridas, aquilo que também chamamos de inteligência. O nosso cérebro é formado por dois hemisférios, o esquerdo e o direito. Na maio- ria das pessoas, a linguagem é processada pelo hemisfério esquerdo e as imagens são processadas pelo hemisfério direito (NISHIDA, 2007). Além do fato de as informações serem processadas através de diferentes áreas do cérebro, determinada informação pode ser processada de modo diferenciado pelos hemisférios cerebrais. Assim, quando pensamos em uma cor é o hemisfério direito que faz o maior esforço para identifi cá-la em nossa memória. Mas se pronunciamos o nome da cor, é o hemisfério esquerdo que desempenha o maior esforço para dizer o nome certo para aquela cor. Todavia, se você tiver conhecido aquela cor com outro nome, será este o nome que virá a você em primeiro lugar e você se verá fazendo um esforço para dizer o nome com o qual aquela cor deverá ser identifi cada. Isto poderá ocorrer para o caso de outras informações que tenham sido processadas de um jeitoe depois corrigidas por outro. Aprender errado sempre dá mais trabalho para corrigir. O cérebro terá que “escrever” por cima da informação registrada anteriormente e serão dois esforços: um para “apagar” a informação indevida, outro para registrar a informa- ção correta. Não devemos nos esquecer que o processamento de informações depende do grau de integridade do sistema nervoso e dos órgãos dos sentidos, além do grau de desen- volvimento do sujeito e de seu estado psicológico. No sentido pedagógico, a capacidade de processamento de informações pelo Contribuições da neuropsicologia para a compreensão do processo de aprendizagem PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO: COMPARTILHANDO SABERES 34 indivíduo pode ser representada pela fi gura de uma parábola, na qual a curva ascen- dente representa ou aumento das habilidades do sujeito, o ápice da curva representa o momento de plenitude de seu conhecimento e a curva descendente representa a perda ou redução da sua performance à medida que ele envelhece. No que se refere à qualidade do processamento de informações feito pelo indiví- duo, sabemos que ela é afetada pelo grau de atenção dispensado, pelo número, tipo, relevância e características das informações processadas, bem como pela qualidade e características dos estímulos que as geraram. Além disto, o estado emocional da pessoa pode infl uenciar seu nível de atenção. Isto é fácil de ser notado em situações em que ela é atingida por motivos causadores de tristeza ou de alegria, os quais fazem com que sejam necessários estímulos mais intensos, contrastantes e constantes para que a atenção da pessoa seja direcionada para determinado objetivo. Também pode ser observado quando as crianças retornam do recreio e levam algum tempo até que elas saiam do estado de agitação e voltem sua atenção para o ambiente da sala de aula. Isto nos ajuda a entender porque as pessoas prestam mais atenção naquilo que lhes interessa, que pode afetá-las ou interferir na sua vida, que põe em risco sua segu- rança ou integridade. A partir disto é que passam a processar as informações de forma consistente, voluntária e de modo a elaborar e emitir uma resposta proporcional e adequada. HABILIDADES ESCOLARES As habilidades escolares são aquelas que se espera de alguém que frequenta uma escola, quando comparadas com a maioria do grupo qualifi cado por idade e compe- tências estabelecidas pelas políticas educacionais vigentes. As habilidades escolares mais exploradas são aquelas relacionadas à linguagem oral e escrita, com o cálculo matemático e com a coordenação motora. Todas essas habilidades guardam estreita relação com a maturidade do sujeito, com o funcionamento dos órgãos sensoriais e sistemas envolvidos, bem como com o pro- cesso por meio dos quais foram desenvolvidas. A ausência de algumas habilidades escolares é mais facilmente detectada que ou- tras. A difi culdade com a leitura e a escrita e a difi culdade para cálculos matemáticos são percebidas com mais facilidade pelos professores e pais dos alunos portadores desses transtornos, independentemente da sua causa. No caso das difi culdades com leitura e escrita, estudos recentes apontam a hipótese do défi cit fonológico (CAPO- VILLA et al., 2004) como sendo um instrumento de melhor predição dessas difi culda- des futuras do que a hipótese do défi cit visual. 35 No entanto, não podemos esquecer que todos esses processos cognitivos são cons- truídos sobre estruturas e sistemas complexos, submetidos a infl uências internas e externas que afetam o sujeito desde o seu nascimento. DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM2 As difi culdades de aprendizagem são aquelas que impedem ou difi cultam o desen- volvimento ou aquisição de determinado tipo de conhecimento. Elas têm a ver com a maturidade biopsicossocial do indivíduo, as defi ciências e falhas do sistema de ensino e as limitações do ministrante. Podem ser temporárias ou permanentes, variam em graus e podem ter diferentes origens. Ao estudarmos essas difi culdades, veremos que elas são apontadas como transtornos e distúrbios. Muitos trabalhos chamam de transtornos o que em outros são chamados de distúrbios. Ao tentar compreender essa aparente confusão, veremos que tem mais a ver com a área em que o termo está sendo aplicado do que com seu sentido estrito. No Moderno Dicionário da Língua Portuguesa (MICHAELIS, 2009), encontramos que transtorno signifi ca ação ou efeito de transtornar, contratempo, prejuízo, e trans- tornar signifi ca alterar, perturbar a ordem ou a colocação de e desorganizar. Já a pa- lavra distúrbio tem as seguintes defi nições: perturbação, agitação e desordem. Então, apenas para efeito pedagógico chamaremos essas difi culdades de aprendizagem de transtornos. TRANSTORNOS DE APRENDIZAGEM Os transtornos refl etem difi culdades causadas por fatores de diferentes origens e que aparecem relacionados a problemas de aprendizagem observados no cotidiano da vivência escolar. Podem ter origem: a) escolar – quando os problemas de aprendizagem são decorrentes da ação ad- ministrativa e/ou pedagógica, envolvendo fatores como baixa qualifi cação pro- fi ssional e a aplicação de métodos inadequados; b) biológica – são aqueles relacionados com a estrutura física do sujeito, como defi ciência visual e auditiva, lesão cerebral, problemas de metabolismo etc.; c) psicológica – são aqueles em que os sujeitos apresentam comportamentos como défi cit de atenção, hiperatividade, oposição, dentre outros; d) psiquiátrica – quando possuem depressão infantil, ansiedade, doenças mentais e/ou epilepsia; 2 No livro 12 desta coleção há um capítulo sobre difi culdades de aprendizagem, para maior aprofundamento. Contribuições da neuropsicologia para a compreensão do processo de aprendizagem PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO: COMPARTILHANDO SABERES 36 e) social – são aqueles que envolvem analfabetismo, violência escolar, pobreza, falta de perspectiva de crescimento pessoal etc. No que se refere aos aspectos biológicos, é importante que a intervenção dos pro- fi ssionais da saúde leve em consideração a relevância das interações entre os aspectos biológicos (NASCIMENTO et al., 2009) e os aspectos psicossociais (VASCONCELOS et al., 2005) do indivíduo, capazes de interferir em seu processo de aprendizagem. Uma aparente defi ciência visual do indivíduo pode estar mascarando fatores de ordem psicológica ou social. Assim, exames neurológicos e psicológicos são neces- sários para a realização de diagnósticos diferenciais em muitos casos de transtornos de aprendizagem antes que se estabeleça um programa de tratamento ou reeducação do indivíduo. Isto reduz as possibilidades de uma descoberta tardia de um equívoco cometido quanto à conduta de tratamento dos transtornos de aprendizagem apresen- tados por uma criança, o que pode ter-lhe causado mais prejuízo que benefícios em processo de adequação social. CONSIDERAÇÕES FINAIS Seria interessante que todo profi ssional, pedagogo ou não, envolvido em situa- ção de ensino-aprendizagem adquirisse conhecimento básico de Neuropsicologia de modo a facilitar a compreensão das possibilidades de seu aprendiz, antes de se pôr a aplicar técnicas e procedimentos voltados à superação dos possíveis problemas de aprendizagem que ele aparente possuir. Esses conhecimentos permitiriam ao profi ssional da educação uma visão mais aten- ta ao processo, maior observação dos detalhes dos comportamentos e atitudes dos seus alunos, melhor compreensão de seus limites e potencialidades e mais facilidades na superação das difi culdades de aprendizagem. CAPOVILLA, A. G. S. et al. Habilidades cognitivas que predizem competência de leitura e escrita. Psicologia: Teoria e Prática, São Paulo, v. 6, n. 2, p. 13-26, 2004. COSTA, D. I. et al. Avaliação neuropsicológica da criança. Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, v. 80, n. 2 (supl.), p. 80-82, 2004. Referências 37 FUNAYAMA, C. A. R. Exame
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