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O FUNCIONAMENTO DA ESCOLA E SUA FUNÇÃO SOCIAL EM PIERRE BOURDIEU Musa Antonino da Silva 1 Não se pode negar o papel que a escola exerce frente à efemeridade da desigualdade, tanto quanto as oportunidades e permanência na escola, como a social. Ao promover a “igualdade” de direitos e deveres, estabelecendo mesmos conteúdos, métodos e critérios avaliativos, a escola ignora as diversas culturas existentes entre os alunos admitindo, desta forma, a desigualdade. Quem já tem, ganha mais, que não tem, continua perdendo. Pierre Bourdieu oferece uma opção significativa a respeito da relação sujeito- sociedade, gerando um resultado que ele descreve como habitus, definido como a interiorização das estruturas sociais. Ou seja, todas as regras e padrões sociais transmitidas primeiramente dentro da família e depois por outros grupos da sociedade, interiorizam-se no individuo e transformam-se em seu guia em potencial. De acordo com a própria definição de Pierre Bourdieu, apresentada por Moraes (2006, p.191), “O habitus deve ser pensado como sistema das disposições socialmente constituídas que, enquanto estruturas estruturantes, constituem o princípio gerador e unificador do conjunto das práticas e das ideologias características de um grupo de agentes”. Considerando essa relação, capital cultural - indivíduo, podemos perceber esses “bens” culturais sendo disseminados dentro do âmbito escolar através de seus portadores. Em sua teoria, Pierre Bourdieu apresenta o capital cultural como sendo presente de três formas: no estado incorporado, quando envolve inculcação e assimilação no indivíduo; no estado objetivado, ou seja, sendo encontrado nos bens culturais; e no estado institucionalizado, quando as instituições o materializam através dos diplomas e certificados (NOGUEIRA, 2015). Considerando essa abordagem, dizemos que de forma expansiva, a prática e a reprodução desse capital herdado, incorporado, inculcado e institucionalizado serão visíveis nos grupos sociais, os quais receberam determinada herança cultural e através do habitus será sempre revivido. Em contrapartida, a ideologia da educação da libertação2, apresentada por alguns teóricos, defende que através da educação, o aluno se liberta, tornando-se um individuo 1 Pedagoga pela UFPE. Especialista em Docência do Ensino Superior e Especialista em Educação Especial e Inclusiva pela Faculdade de Educação São Luís. Professora da Rede Municipal. 2 No Brasil Paulo Freire é um dos principais defensores da teoria. Ele propõe uma explicação da importância e necessidade de uma pedagogia dialógica emancipatória do oprimido, em oposição à pedagogia da classe crítico e participante ativo da sociedade. Bourdieu combate essa ideia, pois para ele o sistema escolar, ao contrário de libertar, nutre, conserva e legitima o ethos social de cada classe, e trata o “dom social” como “dom natural”. Ou seja, falando de uma maneira mais clara, o sucesso ou fracasso do aluno se daria devido a sua dedicação, suas habilidades, suas desenvolturas ou não, dependendo do seu grau de envolvimento com a educação. Mas na verdade, de acordo com a teoria de Bourdieu, ela já é determinante devido a sua herança cultural e social. Consequentemente, cada família e cada grupo social transmitem seus sistemas de valores profundamente interiorizados para o indivíduo que faz parte dos círculos citados. Diante do leque de atribuições proporcionadas pela vida está a educação, e diante dela as atitudes que serão tomadas de acordo com o capital cultural adquirido. Por tanto, a finalização dos processos escolares se dará inevitavelmente pelas taxas de êxito advindos dessas heranças. Observemos um pouco questões relacionadas às decisões futuras dos alunos, como cada classe social reage diante de uma tentativa de projetar o futuro. Os membros das diferentes classes sociais reagem de acordo com seus valores culturais e sociais. Certos grupos sociais considerados mais baixos vão rejeitar a entrada num curso superior, ou caso considerem o ingresso, vão escolher um caminho mais acessível, relacionado ao tipo de instituição, ao curso a ser realizado e até mesmo ao tempo de duração dele. As aspirações e vontades das famílias têm a ver com seus valores, e muitos rejeitarão determinadas aspirações, por não fazerem parte do contexto real em que vivem. Talvez alguém ouça frases do tipo ‘esse curso não é pra você (mim)’, projetando nada mais nada menos do que um futuro que já está interiorizado devido sua herança cultural. Também é possível verificar dentro das próprias universidades e faculdades, quais alunos frequentam determinados cursos, sendo fácil separar as classes sociais com seus respectivos cursos e instituições. Por sua vez a escola e a universidade estão niveladas pelos valores escolares das classes mais favorecidas, ou da pequena burguesia, como menciona Bourdieu em seus escritos, provocando o insucesso das classes populares. “Assim compreende-se porque a pequena burguesia, classe de transição, adere mais fortemente aos valores escolares, pois a escola lhe oferece chances razoáveis de satisfazer a todas suas expectativas, confundindo os valores do êxito social com os do prestigio cultural. Diferentemente das crianças oriundas das classes populares, que são duplamente prejudicadas no que respeita à facilidade dominante, que contribua para a sua libertação e sua transformação em sujeito cognoscente e autor da sua própria história. de assimilar a cultura e a propensão para adquiri-la, as crianças da classe média devem à sua família não só os encorajamentos e exortações ao esforço escolar, mas também um ethos de ascensão social e de aspiração ao êxito na escola e pela escola” (Bourdieu, 1966 p.53). Concluímos, portanto, diante da abordagem exposta que, as desigualdades apresentadas de desempenho escolar, atribuídas ao sucesso ou fracasso do aluno, na verdade, como uma hipótese, estão intrinsecamente ligadas ao capital cultural que lhe foi imposto na classe social da qual advém, bem como rompe com a ideia das aptidões naturais a elas atribuídas. Existe uma igualdade mascarada que regula a prática pedagógica, que na prática, ao se exigir determinada cultura (a dominante) no ambiente escolar, favorece aqueles que já a herdaram através de capital cultural. Esse favorecimento acontece tanto no ensino primário e secundário, como no ensino superior. Alunos advindos das classes populares são submetidos a avaliações de professores cuja escala de valores pertence às classes privilegiadas. Alunos das classes privilegiadas, que exprimem uma cultura herdada da família, ganham respostas positivas dos mestres por atenderem às suas expectativas (ou da cultura que domina). “A cultura da elite é tão próxima da cultura escolar que as crianças originárias de um meio pequeno burguês, não pode adquirir, senão penosamente, o que é herdado pelos filhos das classes cultivadas” (p.55). A escola transmite e exige uma cultura aristocrática. O exemplo disso é a linguagem estabelecida entre professor e aluno, caminho “consagrado” para disseminação de uma cultura consagrada. Aqueles que a domina são cúmplices e inteligentes e por isso detentores da compreensão que ela promove. “A linguagem é a parte mais inatingível e a mais atuante da herança cultural, porque fornece um sistema de posturas mentais transferíveis, solidárias com valores que dominam toda a experiência” (p. 56). A linguagem popular se distancia em muito da linguagem escolar e universitária, deixando mais uma vez os alunos das classes operárias em situação descompensada. O ensino tradicional se dirige àqueles que devem ao seu meio o capital lingüístico e cultural queele exige. Portanto, não teria lógica esperar de uma instituição, a qual ela mesma define seu processo de seleção, a transformação contraditória impedindo a conservação e transmissão da cultura legítima e como conseqüência a conservação das desigualdades. Enquanto promove uma falsa esperança a vida escolar dos menos favorecidos, enganando-os com falácias de dons e méritos, estabelece o destino, “batendo-lhes o martelo” que a sociedade assinou. O sucesso de algumas exceções que surgem e que escaparam do destino coletivo, dá crédito ao mito da escola libertadora, a qual, na verdade está “servindo a perpetuação dos privilegiados culturais” (p.59). Apesar das “tentativas” da homogeneização cultural (advindas das também “tentativas” de redução das distancias de classes e dos meios de comunicação), pesquisas mostram que o acesso e a freqüência às obras culturais, permanecem como vantagem das classes privilegiadas. A ligação entre a instrução e a freqüência a museu mostra que a escola é a responsável em criar a aspiração à cultura, entretanto as desigualdades frente a obras eruditas permanecem, pois aquela que é responsável define os meios de satisfazer essas aspirações. Portanto, os indivíduos que não tiveram acesso à cultura erudita continuam sem ter e os das classes privilegiadas têm mais oportunidades por serem “dotados” desta necessidade e busca por supri-la. “A ação direta da escola sob a forma do ensino artístico ou dos diversos tipos de incitação à pratica permanece fraca: deixando de dar a todos aquilo que alguns devem ao seu meio família, e sanciona as desigualdades que só ela poderia reduzir”. (pg.61). REFERÊNCIA NOGUEIRA, Maria Alice; CATANI, Afrânio (Orgs.). Uma sociologia da produção do mundo cultural e escolar. In.: BOURDIEU, Pierre. Escritos de Educação. Petropólis, RJ: Vozes, 2015.
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