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Nic���� Mar���d�� - 6º se���t�� Psi���áli�� �� c�i��ça t���i� � �éc�i�� Cap 7 - A p�i���ra ���� do ����: se� ���nifi���� Arminda aberastury A autora relata que diferente de Freud, suas conclusões ao aplicar a técnica do jogo em crianças apareciam as fantasias inconscientes de enfermidade ou de cura. Concluiu então que a criança sabe que está enferma e que compreende e aceita seu tratamento. Segue dizendo que o surgimento tão imediato das fantasias inconscientes é devido à pressão do temor a que repitamos a conduta negativa dos objetos originários que lhe provocaram a enfermidade ou conflito. Junto a este temor, evidencia o desejo de que não sejamos como elas e assumamos o papel através do qual lhe damos o que necessita para sua melhoria. Este processo é vivido pela criança como um novo nascimento; a separação inicial dos pais e a entrada no consultório costumam acompanhar-se das ansiedades que experimentou ao nascer. O objeto originário em seus aspectos amados - nos aspectos em que satisfaz suas necessidades - confere ao terapeuta os atributos necessários para curá-lo. Esta dupla fonte de transferência deve ser interpretada desde o primeiro momento, mas como os dois aspectos estão sempre presentes durante o tratamento, a interpretação de seu significado deve fazer-se também nas sucessivas sessões. É fundamental que desde o primeiro momento assumamos o papel de terapeuta, porque isto ajuda a criança a situar-se como paciente e a ir fazendo consciente o que mostrou como fantasia inconsciente; para isso devemos interpretar a dupla imagem e seus significados. Já frente aos pais teremos esclarecido nosso papel de terapeutas do filho e não deles, conduta que confirmamos ao não lhes pedir modificações na sua vida familiar e antecipar-lhes as reservas que manteremos com as sessões do filho. A autora passa a narrar os casos que referem-se às primeiras horas de jogo para diagnóstico e às primeiras horas de tratamento, com crianças de diferentes idades. Destaca, de forma especial, aqueles aspectos que configuram as jogadas de abertura, cuja importância se faz evidente no curso ulterior do tratamento. CASO I ● Roberto é um menino de dois anos que padece desde os dezoito meses de pavores noturnos e tendência à insônia. ● Depois da primeira entrevista com a mãe, resolvemos que o observava durante Morder e chupar o prato com desespero e a crise de ansiedade imediata a esta ação mostravam quais podiam ser seus sentimentos na noite, se lhe surgiam tais desejos. ● Já sabíamos algo do que provocava o pavor noturno e a insônia, as duas formas de transtorno do sono pelas quais nos consultavam. A imagem de algo que morde e chupa, projetada, simbolizada e personificada pelo pratinho, trouxe como consequência a crise de ansiedade. Víamos assim como atuavam nele as defesas frente às tendências destrutivas. ● Os primeiros mecanismos de defesa frente a ela foram a expulsão, a projeção e a simbolização e logo veio a destruição violenta do objeto carregado de destrutividade, que pela projeção, se teme como perseguidor. ● Ao começar o jogo com água, enquanto enchia a pia e produzia inundações, exigiu que o tivesse pela mão, ficando excluída da ação sua mãe, que continuava sentada na sala de jogos, contígua ao banheiro. Sabíamos já que de noite, sozinho ou com a babá, sentia ansiedade. ● Transmitira-nos o motivo do pavor e agora expressava sua necessidade de ajuda para encontrar o caminho que o levasse até sua mãe quando estava aterrorizado à noite.” Mostrava-me ainda a necessidade de um apoio incondicional, ao exigir de mim que não deixasse nem um minuto sua mão enquanto manipulava a água que lhe permitiria chegar até a mãe. ● Analisemos mais detalhadamente esta segunda parte de seu jogo. Ao transbordar a água na pia, comunicava-nos também que se urinava de noite quando tinha ansiedade. ● Estando sua mãe ausente de noite, tinha ansiedade, urinava-se e necessitava encontrá-la. A forma envolvente do abraço e seu gesto de aproximar-se muito a ela reproduziam a forma inicial de contato corporal com a mãe depois do nascimento, mostrando com isto que necessitava voltar ao apoio incondicional - desta vez do terapeuta - para curar-se. Neste, como em outros casos, ultrapassar o limite entre o banheiro e a sala de jogo simboliza o nascimento, e a forma como o menino o fazia nos mostrou muito sobre as características do seu parto e dos primeiros contatos com o mundo exterior. ● A presença da mãe no consultório facilitou a dramatização das divisões entre boa e má mãe, externa e interna, mas sem ela também o expressaria, utilizando o analista, um jogo, um objeto ou qualquer detalhe do consultório. CASO 2 ● Relatarei agora a primeira hora de jogo de um menino, também de dois anos, que padecia de insônia e de rocking. Este último sintoma era tão agudo, que, pela intensidade, violência e continuidade dos movimentos, foi necessário forrar com almofadões o berço do menino, amortecendo assim os efeitos dos golpes da cabeça ao bater-se contra as grades, como também forrar com almofadões o quarto, de maneira que o movimento do berço diminuísse um pouco, pois sem isto nem os pais, que dormiam no quarto contíguo, nem a babá, que dormia com ele, podiam conciliar o sono, pelo ruído que produzia o berço ao deslocar-se e bater contra as paredes do quarto. ● Ernâni era o menor de quatro irmãos e o único com transtornos. Os pais pareciam profundamente unidos entre si e com seus filhos. Nasceu vinte dias antes da data calculada, porque se induziu o parto, adequando-o a um dia que resultasse cômodo à comunidade familiar. ● Ernâni entrou com sua mãe e começou a jogar, enquanto está permanecia ● sentada perto dele. Seu jogo consistiu em distribuir os brinquedos sobre a mesa, formando grupos de tudo o que lhe parecia semelhante. Quando um grupo ficava formado, me dizia: “dormem” . ● O último grupo que formou foi de cachorrinhos. Separou o menor. Colocou-o em minha mão e fechou-a, deixando dentro o cachorrinho. Observou minuciosamente e com desconfiança minha mão, fechando-a cada vez com mais força, como se temesse que eu a abrisse. Logo disse: “ Faça-o dormir você”. ● Cada grupo representava uma família em que todos dormiam, mas numa delas - a própria - o menor não dormia - seu sintoma - e me pedia - o terapeuta - que o ensinasse a dormir; era aceitar a ajuda terapêutica, mostrar que a necessitava. A forma como colocou o cachorrinho na minha mão e a fechou hermeticamente mostrava a fantasia inconsciente da razão do sintoma, juntamente com a forma como podia curar-se. ● Necessitava voltar ao ventre da mãe, e que eu não repetisse o que ela tinha feito, o guardasse em minha mão, e com um novo nascimento - logo após ter recebido de mim o necessário - poderia dormir. ● A desconfiança e o medo de que eu repetisse a conduta da mãe e o deixasse sair de minha mão expressou-se através da forma minuciosa e desconfiada com que cuidava se minha mão guardava o cachorrinho que ele me confiou. ● Vemos que para o primeiro menino a vida estava dividida em duas partes - antes e depois do transtorno - e sua vida diária atual também estava dividida em antes e depois da noite. Por isso dividiu a sessão em uma parte com jogo tranquilo e outra em que tudo foi invadido pela ansiedade. Acender a luz foi o limite de sua vida prazenteira e depois disso ocorreu o aparecimento brusco do chupar, do morder, da angústia, do urinar-se e da solidão por não conhecer o caminho de retorno ao objeto. ● O primeiro menino mostrou que o medo de perder a mãe provocava o pavor noturno, sendo a insônia uma defesa contra o pavor. ● O segundo menino expressou, por outro lado, sua singular situação de ser diferente de todos os que o rodeavam por não poder dormir, e se colocou “ nas minhas mãos para aprender a fazê-lo” . CASO 3 ● Adolfo - também com transtornos de sono -, cuja observação foi seguida de tratamento com a mesma terapeuta, o que nos permitiu confirmar a exatidão das primeiras conclusões. ● Tratava-se de um menino de 21 meses, que se acordava angustiado à noitee passava para a cama de alguém, preferentemente a da mãe. Sofria também da tendência a chupar compulsivamente o polegar e não tinha aceito ainda o controle de esfíncteres, que se havia iniciado aos cinco meses. Nessas primeiras tentativas, que coincidiram com o desmame, mantinham-no duas ou mais horas no urinol. ● Como a aprendizagem fracassou, abandonaram-na temporariamente, para reiniciá-la aos onze meses, coincidindo desta vez com a perda definitiva do peito. Como nessa época se movia muito e podia escapar-se do urinol, mantinham-no atado, às vezes por mais de duas horas. ● Apesar de sua pouca idade, não manifestou dificuldade em separar-se da mãe,entrando no consultório com a terapeuta, enquanto a mãe ficava na sala de espera. Os primeiros objetos que tomou foram um curral e um bercinho com um bebê dentro. Foi em seguida à sala de espera buscar a mãe e a trouxe ao consultório. Sentou-se no chão e rodeou-se do berço com o bebê, do banheiro e do móvel com louças, sentando-se a terapeuta junto dele. ● Indicou com alegria que um bebê estava sentado no vaso, tirando-o e sentando- o repetidas vezes. Em seguida, tentou desvestir um bonequinho, cortando uma cinta que lhe atava a roupa, aludindo possivelmente ao ter sido atado ao urinol quando pequeno, e ao consegui-lo suspirou com alívio. Para fazê-lo, pediu ajuda à terapeuta, o mesmo fazendo para retirar o mosquiteiro do berço. Banhou o bebê, envolveu-o, embalou-o junto ao seu peito, deitou-o e cobriu-o. Derramou a água, angustiou-se e secou logo com um pano. ● Como era a hora e lhe indicaram que devia se retirar, atirou-se ao chão, negando-se a fazê-lo. Aceitou ir quando o terapeuta lhe disse que voltaria no dia seguinte. ● Adolfo negou a princípio a realidade de que essa era uma situação nova, portanto temida, assim como o sofrimento que lhe impunha separarse de sua mãe. O curralzinho com o qual brincou inicialmente e do qual tirou o bebê simbolizava a prisão, o cercado, a limitação que sentia no seu desenvolvimento - pelos sintomas que em seguida nos mostraria - e também a necessidade de sair desse encerramento. Por isso, no jogo que seguiu, detalhou suas dificuldades de acordo com sua urgência. ● Se essa sessão tivesse sido verbalizada por um adulto, ele nos teria dito: “Tenho sintomas incômodos que me dão mal-estar e me dificultam na vida; venho ao senhor para que me livre deles.” ● Quando voltou ao consultório brincou com o berço do bebê - seu transtorno do sono, o banheiro - seu conflito com o controle de esfíncteres, e o móvel com a louça - seus conflitos orais, que o levavam a chupar o polegar. Manifestou alegria quando viu o bebê no vaso e jogou de levantá-lo e sentá-lo nele. Esta repetição mostrava as sucessivas tentativas que realizaram com ele para que adquirisse o controle, assim como sua necessidade de fazer ativamente o que tinha padecido. Por isso se mostra tão feliz quando vence o temor e o bebê aceita o urinol. ● No jogo parecia que de todos os seus sintomas o mais dominável era o do controle, já que podia manejar sozinho essa atividade, mas não como desvestir o boneco ou tirar o mosquiteiro, atividades para as quais pediu ajuda ao terapeuta. Pedi-lá tinha o significado de ajuda para livrar-se de algo que ele sozinho não conseguia afastar - livrar-se de sua mãe em seu interior que o incomoda e coage. O mosquiteiro era símbolo das angústias que o envolviam de noite. ● Outro fator que se apresenta relacionado com a angústia noturna era o temor à grande surra, que ele dá na boneca depois de deitado. O resto do jogo refere-se ao controle de esfíncteres, o gotejar como perda da urina e o limpar como aquisição do controle. ● No mesmo sentido, podemos interpretar a observação da analista sobre uma preocupação do paciente, pouco frequente nesta idade: colocar no lugar cada objeto depois de tê-lo usado. ● Quando chegou o fim da sessão, sua vontade de ficar com o terapeuta mostrou-nos até que ponto esta criança necessitava de tratamento e tinha sentido alívio ao expressar seus conflitos através de sua linguagem pré-verbal. CASOS 4 E 5 ● As duas pacientes se tratavam de meninas que viviam um processo de luto. A primeira tinha perdido seu irmão e a outra a mãe. ● As duas sessões foram realizadas em diferentes horas, no mesmo consultório, com a mesma terapeuta e dispondo do mesmo material de jogo, usado por elas de modo diferente para expressar o mesmo conflito básico. ● Ana foi trazida à consulta por apresentar insônia há várias semanas. A situação desencadeante desse sintoma foi a morte de um irmãozinho de três meses, ocorrida durante a noite. A mãe tinha dado à luz, há três meses e meio, gêmeos prematuros, ambos meninos, que nasceram antes do sétimo mês de gravidez. Um deles faleceu ao nascer, enquanto o segundo sobreviveu, à custa de grandes esforços, até o terceiro mês. ● Nesta idade já compartilhava o quarto com Ana e a menina tinha testemunhado o momento em que o pai, ao entrar no quarto, descobrira que seu filho estava morto no berço, onde o havia deixado com vida poucas horas antes. ● Estes acontecimentos provocaram em Ana um sentimento de desamparo e abandono, reforçado depois pelas circunstâncias do parto e pelas características dos meses que se seguiram, nos quais os pais tiveram muita preocupação com o menino prematuro, tendo que ocupar-se intensamente com ele. ● O jogo da menina consistia em atirar fora todos os conteúdos da caixa, retendo apenas a boneca pequena, a qual tentou colocar na palma da terapeuta repetidas vezes, abrindo e fechando- lhe a mão para colocá-la e retirá-la em seguida. Em determinado momento, deixou cair a boneca; evidenciou um grande pânico, urinando-se no consultório e, espantada pelo acontecido, rompeu em intenso choro. Neste estado, saiu correndo do consultório em busca de sua mãe, que a aguardava na sala de espera. ● A menina repetia nesta hora de jogo a situação dramática pela qual tinham passado seus irmãos, com os quais se identificava, sendo o sintoma consequência dessa identificação; tinha medo de que em seus sonhos lhe acontecesse o mesmo que a eles. Pedia que a terapeuta guardasse o boneco na mão, assim como teria querido que fossem colocados seus irmãos no ventre da mãe por mais tempo e protegidos ambos da morte. ● A queda do boneco (em geral deixar cair simboliza não proteger) expressava a perda, tal como tinha sido o parto prematuro da mãe. O fato de urinar-se no consultório tinha o mesmo significado e, segundo foi possível compreender mais tarde, traduzia também a ansiedade que nela tinha despertado ao ver seu irmão reiteradamente sobre a tampa da banheirinha ou sobre a mesa, quando lhe trocava as fraldas, em situação de perigo; ao estar só, poderia ter caído. ● A menina temia que os mesmos perigos pelos quais passaram seus irmãos se repetissem com ela, com iguais consequências definitivas. Ao não dormir, vigiava e controlava os perigos que sentia ao redor e que a tinham apavorado. ● Sua fantasia de cura era sentir-se suficientemente protegida para afugentar o perigo. Por isso fazia com que a terapeuta protegesse o boneco, guardando-o na mão fechada. ● Seu tratamento devia mostrar-lhe a realidade da morte deles e ajudá-la na elaboração, assim como no alívio das ansiedades subjacentes que a faziam reagir com insônia. ● A outra menina, Luísa, tinha também dois anos de idade. Para sua primeira hora de jogo, marcada para o mesmo dia que a de Ana, lhe foi oferecida a mesma caixa de brinquedos, com os mesmos conteúdos, mas seus jogos foram absolutamente diferentes. Esvaziou a caixa sem interessar-se nem um pouco pelos brinquedos e seu esforço orientou-se sempre para a penetração na caixa, conseguindo-o ao final. Uma vez acomodada, pediu que lhe pusessem a tampa. Permaneceu assim durante um longo tempo e em silêncio,pedindo depois ajuda para sair da caixa. ● Quando o conseguiu, saiu correndo do consultório, em busca do pai, tomou-o pela mão na sala de espera e parou com ele diante da porta. Ali percebeu um baú de madeira escura, muito entalhado, cuja tampa pediu quelevantasse a fim de poder explorar seu conteúdo, enquanto perguntava o que tinha dentro. ● Conhecendo a história da menina, compreenderemos o significado desse jogo. Sua mãe tinha falecido há um ano, depois de seis meses de enfermidade, em função da qual Luísa foi transferida à casa de sua avó, onde passou os últimos meses da vida de sua mãe. Não lhe falaram de tudo isso por considerá-la demasiado pequena para compreender a morte e seus problemas. Tampouco lhe disseram a verdade nos dias em que sua mãe estava em estado grave. ● O pai da menina, quando faleceu sua esposa, foi viver também na casa onde estava sua filha, e tanto ele como a avó guardaram silêncio sobre o ocorrido. ● As características da consulta mostravam que o interesse mais vivo da criança era que lhe dissessem a verdade, com respeito a algo que já conhecia a fundo e era a morte de sua mãe. Seus esforços para debelar este mistério se expressaram no jogo de entrar na caixa, onde, através da identificação com a mãe - colocar-se na caixa e pedir que lhe ponham a tampa -, tentava experimentar o que se sentia dentro. ● Também o fato de pedir que lhe levantam a tampa da caixa e que a ajudassem a sair dela era sua forma de expressar o desejo de sair desse conflito, visto não poder fazê-lo sozinha. Suas dificuldades estavam intimamente ligadas com essa verdade, que lhe foi proibida conhecer, ainda que tenha padecido as consequências, já que não voltou a ver sua mãe. Para curar-se, necessitava ser esclarecida sobre o destino dessa - conhecer o conteúdo do baú. Era o que esperava do tratamento: o conhecimento da verdade para ela e para seu pai, a quem fez voltar ao consultório e diante do qual interrogou sobre o baú-caixa. CASO 6 ● Virgínia é uma menina de dois anos e meio, que apresentou desde os três ou quatro meses bronquites espasmódicas febris, quadro que se repetiu com muita frequência, acompanhado de anorexia, perda de peso, marcado decaimento geral e intensa palidez. ● O quadro apresentou-se pela primeira vez quando tinha três meses, coincidindo com o desmame, com um desastre econômico familiar e com a ameaça de separação dos pais. ● Colocou à disposição brinquedos que correspondiam a sua idade e acrescentou alguns outros que lhe pareciam úteis depois da entrevista inicial com os pais. ● Necessitava negar as ansiedades depressivas que lhe provocavam a separação de sua mãe e as ansiedades paranóides que normalmente despertam toda situação nova; a debilidade de seu ego fez com que, para enfrentar essas ansiedades recorresse a uma intensa negação. ● Agarrou um garfo, um autinho e um avião; balbuciou algo e, tomando uma colher, disse: “colherzinha” ; em seguida agarrou uma faca e sussurrou: “ faca” ; colocando depois todos os talheres perto dela. Agarrou um aviãozinho e disse: "minha mãe vem me buscar” , e ao terminar esta frase apoderou-se de um avião rosado, olhou as rodas, mostrou-as ao terapeuta, as fez girar, movendo o avião para trás sem soltá-lo de sua mão. ● O balbuciar algo incompreensível e em seguida pronunciar claramente “colherzinha” e de uma maneira menos clara “ faca” foi sua forma de expressar que havia coisas que conhecia bem, outras não muito bem e que algumas lhe eram incompreensíveis. ● Sendo a situação terapêutica desconhecida para ela, parecia que o que não entendia era o que ocorria ali entre ela e o terapeuta. A angústia frente à nova situação a leva a testar a realidade, se podia dispor de tudo que existia. ● A primeira associação “minha mãe vem me buscar” é expressão também do temor de que não aconteça assim, aparecendo aqui a ansiedade que negou de separar-se dela sem afetos. Isto se confirma quando mostra o meio que tem o avião para deslocar- se: às rodas. ● Colocou lado a lado dois aviões, um rosa e outro azul, e frente a eles um outro branco. A escolha da cor, a forma como os colocou e as relações espaciais entre eles permite supor que o branco a personifica, simbolizada por um de seus sintomas - a palidez -, e os outros representam seus pais. ● No seu jogo, o auto branco está enfrentando os pais, unidos. Sabemos que a situação traumática mais intensa do conflito edípico é a de ser o terceiro excluído. Se aceitamos que o jogo tem o valor de uma associação verbal, podemos dizer que Virgínia associou o abandono que experimentou quando sua mãe desapareceu ao que sente quando seus pais estão juntos. ● Estudaremos outro fragmento da sessão em detalhes. Pôr a xícara de boca para baixo sobre o prato e modificar isso, colocando-a de boca para cima, é um gesto que correntemente pode expressar que está vazia. Colocá-la depois numa posição receptiva, onde se pode colocar algo, é um modo de dizer que está disposta a que a encham outra vez, sendo sua associação seguinte tomar a faca e um garfo e fazer como se comesse. ● A xícara é o símbolo do seio que ficou vazio, e pede ao terapeuta que o encha de novo; por isso junta os talheres e finge comer, repetindo assim neste fragmento seu pedido de que o terapeuta a acompanhe e a alimente e a encha nos seus genitais, modificando a imagem de vazio que parecia ligada a seus objetos originários. ● As facas que se afiam, tornando-se cortantes, simbolizam os dentes, aos quais parece atribuir a perda do seio. Além do incremento da agressão oral provocada pela perda do seio, seus desejos de morder fazem pensar que a aparição dos dentes esteve muito ligada com o desmame, ainda que a mãe não tenha fornecido dados a respeito. ● Se consideramos o desenvolvimento de uma criança, podemos deduzir que a perda precoce do peito conduziu Virgínia a um interesse prematuro pelos genitais, o que no material é representado pelo auto rosa que se move ritmicamente, aproximando- se do aviãozinho celeste - que representa o pai - e de seus genitais. ● A xícara e o prato colocados ao lado dos talheres mostram que no seu inconsciente liga o peito com os alimentos e os dentes. A busca de união genital para compensar a perda da relação oral expressa-se ao colocar o aviãozinho entre as pernas. Assim como acontece desde o momento do aparecimento do pai no complexo de Édipo, mostra a ambivalência entre o pai e a mãe, quando coloca o aviãozinho que simboliza a mãe numa perna e o que simboliza o pai em outra, até aproximá-los dos genitais. ● Por semelhança, identifica-se com a mãe e necessita do pai como objeto de gratificação, buscando incorporá-lo pela vagina. Esta tentativa fracassa, porque a dita união está carregada do grande perigo que acompanhou a ruptura abrupta da relação boca-seio. ● Sabemos agora que Virgínia sente dentro da cabeça todo o conflito: um seio esgotado, dentes que mordem, um pênis duro e cortante que machuca. Bater no ouvido é também uma referência ao que ela ouvia durante o coito de seus pais, experiências reais que, enlaçando-se com suas fantasias, configuram um mundo interno que, como vemos nesta hora de jogo, faz com que sinta a união genital tão perigosa como dentes que trituram alimentos. ● Sua forma de descarga, a masturbação e os jogos sexuais, realizam-se então com ditas fantasias, existindo culpa por isso. Em Virgínia, as situações mostradas impediram a elaboração normal dessas ansiedades, levando-a à negação da realidade e à somatização do conflito, como veremos no material seguinte. ● Virgínia permaneceu sentada, sem movimentar-se, sem investigar nada do consultório, nem fazer pergunta alguma. Isso denotava os transtornos nas funções de seu ego, o grau de inibição de seu instinto epistemofílico, o aumento da ansiedade paranóide e seu medo do mundo externo, negado no começo da sessão. ● Chegamos a compreender que para Virgínia a bronquite, a perda de peso e a anorexia se produzem pela atuação de fantasias inconscientes de um coito perigoso dos pais, coito que é contínuo e que ela não pode controlar nem com a masturbação, nem com o jogo, e tenta como último recurso controlá-lo dentro de seu corpo. ● A ansiedade e o desespero por sentir-se incapaz de solucionar seus conflitos sozinha - o terapeuta era um observador - expressou-os ficando estática,pestanejando, fechando os olhos, esfregando-os, oscilando, coçando a nuca e os genitais, gemendo, colocando sua mão dentro da calcinha e, finalmente, adormecendo. O diagnóstico, entretanto, não era grave, porque demonstrou - sobretudo na primeira parte da sessão - suficiente capacidade de jogo e de conexão, que faziam esperar êxito terapêutico. Além disso, a ansiedade, tão negada no princípio da sessão, foi se manifestando até chegar à crise de angústia, fato que melhora o prognóstico numa menina dessa idade. Os casos até agora mencionados poderiam situar-se, do ponto de vista técnico, no que Melanie Klein chama de “ análises precoces” . A técnica que exponho nestas páginas apaga esses limites, assim como apaga os que separam a análise de crianças da de adultos, fazendo com que o método psicanalítico seja aplicável, sem modificação, a todas as idades. CASO 7 ● Ema é uma menina de cinco anos e meio, que trouxeram à análise porque desde os seis meses padecia de uma constipação intestinal crônica. ● Sua situação ambiental era muito particular; foi levada a tratamento pela pessoa que a cuidava, que acreditava ser sua mãe. Na realidade, a mãe tinha falecido durante o parto, numa crise de eclampsia, o que causou seu nascimento prematuro por cesariana. ● Ao nascer, pesava l,300kg e permaneceu em incubadora durante um mês, atendida pelo pessoal do estabelecimento. A particular condição traumática de seu nascimento, somada à frustração oral por falta de amamentação materna, substituída por uma pobre atenção hospitalar - durante o mês em que permaneceu em incubadora - aumentaram suas ansiedades paranoides e depressivas. ● Dos brinquedos que a terapeuta tinha preparado, agarrou uma metralhadora, fê-la soar e revisou minuciosamente o cano; colocou-a numa bolsa, junto com dois índios unidos e os deixou afundar, dizendo: “Perigo, afogam-se os dois”. Simbolicamente, repetia seu nascimento, que, pelas características assinaladas, estava sempre unido à fantasia de luta contra a morte, e o sofrimento por abandono. ● Sua mãe, antes de morrer, confiou o cuidado de Ema a uma amiga. O pai se encontrava em viagem quando Ema nasceu, deixando passar um tempo prolongado antes de conhecê-la, nunca se fazendo verdadeiramente responsável por ela. Desde que o pai começou o relacionamento com a filha, apresentou-se uma situação de luta contínua entre a mãe adotiva e os avós paternos, que lutavam solapadamente pela posse da criança. ● Ema expressou o conflito que essa situação lhe criava quando tirou da caixa um pião. Girou-o acompanhando os movimentos de balanço com movimentos de seu próprio corpo; quando o pião estava por parar e cambaleou, antes de cair perguntou: “ Para que lado cairá?” ● Simbolizava assim a falta de segurança e estabilidade que ela sentia, aumentada pelo tratamento que recebia no ambiente familiar. Em certas ocasiões, lhe diziam que continuaria vivendo com a mãe adotiva e em outras, que iria morar com seus avós; ficava sempre no ar. ● Numa folha de papel traçou o percurso do bonde.. Disse; “E o bonde que vai de tua casa à minha", e marcou as paradas com grandes pontos. Enquanto desenhava, disse: “O fim da linha é na Praça San Martin, onde eu moro, mas não sei por que fazem as pessoas descerem um pouco antes... empurravam-se para sair todas ao mesmo tempo..., depois o bonde fica completamente vazio...” O percurso do bonde com os grandes pontos - as paradas - representava para Ema o percurso da matéria fecal através do intestino. ● Para Ema, a matéria fecal representava o feto dentro do ventre da mãe e particularmente ela, como filha má, isto é, como matéria fecal destrutiva. Ao dizer, enquanto desenhava, que a gente desce um pouco antes da parada final do bonde, mostrava seu conhecimento dos acontecimentos do seu parto, abandonando o corpo de sua mãe de forma abrupta, antes que esta morresse - parar antes do fim. ● Com o bonde completamente vazio representava a morte da mãe. Ficar até o final teria significado morrer com ela, mas abandoná-la antes e viver deixou-a carregada de intensa culpa, que pagava em parte com seu sintoma. A fantasia ficou ainda mais clara quando terminou seu desenho, adicionando na parada final (Praça San Martin) uma caveira - a morte. Esta culpa inconsciente se expressava em seu corpo através da constipação. ● Com este sintoma, Ema se identificava com a mãe e, retendo a matéria fecal - símbolo do feto, ela mesma -, não a abandonava nem a matava. ● Também apareceu nessa primeira hora sua necessidade de curar-se, representada pelo fato de romper e desfazer-se do desenho que representava sua enfermidade. Por esse jogo ser executado no consultório adquire o significado de que colocava sua enfermidade nas mãos da terapeuta. ● Suas repreensões não eram mais que um contínuo pedido de amor; exigia, com justiça, que o terapeuta lhe desse todo o amor que a mãe não pôde lhe dar. Esta hora nos faz muito evidente que, não obstante o esforço dos adultos que a rodeavam por ocultar-lhe a verdade, ela sabia qual havia sido o destino de sua mãe. CASO 8 ● Mostraremos agora como Fernando, de oito anos, apresentou falta de controle urinário e fecal. ● A primeira hora de jogo foi diagnostica, não verbalizando, portanto, interpretações do material. ● Fernando agarrou cubos e com eles construiu um barco, dizendo que depois faria o cais. Quando o construiu fez um tanque grande com saída de água (A), segundo ele um escapamento, e que em cima havia uma lixeira (B). Destacou que ali se acumulava tudo e para solucioná-lo precisava de uma válvula. Repetiu que em A havia um problema e que era necessário reforçar algo, porque se acumulava muito e podia sair todo o líquido. ● Se considerarmos o tanque com sua saída de água (A) e a lixeira (B) como a simbolização projetiva do ventre e de seus conteúdos, e a base (C) que não sustenta o tanque, por ser muito menor do que devia, podemos interpretar a totalidade como uma representação de seu esquema corporal e a insegurança que lhe produzia seu sintoma tão incômodo. O barco que veio ao cais o representava vindo ao tratamento, para que lhe arrumasse tanto a enurese como a encoprese. CASO 9 ● Beatriz, menina de seis anos, foi analisada em duas oportunidades: quando tinha quatro anos, por sofrer de uma fobia aos rengos, e aos seis, por fobia à escola. ● Relataremos a primeira hora de sua análise, a dos quatro anos. Beatriz tinha dois anos quando um dia, sentada com sua mãe na porta da casa, ao ver passar um homem rengo, pôs-se a chorar aterrorizada e quis entrar. Desde então não pôde mais sair à rua, a não ser que lhe assegurasse que não veria nem entraria em contato com algum rengo. ● A fobia foi-se deslocando a situações que de algum modo se relacionavam com a originária. Por exemplo, não podia ver meninos com uma perna vendada, nem alguém que tivesse dificuldades de caminhar. O terapeuta soube, pela mãe, que Beatriz nasceu depois de um parto prolongado, sofreu asfixia, não respirou em seguida e a mantiveram vinte minutos em incubadora, ajudando-a com oxigênio. Quando a mãe a colocou ao peito teve dificuldades para agarrá-lo, chorava e não podia succionar. ● Beatriz foi sempre um bebê inquieto, e chorão. Quando tinha um ano e meio nasceu uma irmã, isto é, a gravidez iniciou-se quando a paciente tinha nove meses, período que, em todo o desenvolvimento, é de especial complexidade e muito mais neste caso, porque coincidiu com o desmame e sobre a base de um mau Início de relação com a mãe. Quando esta voltou para casa com o novo bebê, Beatriz chorou durante horas, agarrada de um modo dramático às grades do berço de sua irmãzinha. ● Pouco antes do início do sintoma, morreu a avó materna, em circunstâncias particularmente traumáticas para Beatriz, pois dormiam na mesma cama. Quando, mais tarde, lhe explicaram que sua avó tinha ido para o Céu, Beatriz pediu para morrer e assim poder ir brincar com ela. ● Na sua primeira hora de jogo, uma vez dentro do consultório, olhou assustada a tudo que a rodeava. ● Na inspeção ansiosa da sala, mostrou suadesconfiança frente ao analista e o temor de que fosse como os pais. O desejo de comunicar-se intensamente com ele foi expresso através da observação alternada dos bonecos, seguida da aproximação do telefone ao seu corpo. Quando colocou de pé a boneca, evidenciou sua preocupação pela bipedestação e anunciou que seu sintoma se relacionava, de algum modo, com o colocar-se de pé. ● Recordemos que o aparecimento do sintoma coincidiu com os primeiros passos de sua irmã e a gravidez de sua mãe coincidia com os seus próprios primeiros passos. ● Continuou o jogo tentando introduzir essa mesma boneca na banheira, sem consegui-lo. Colocou em pé alguns bonecos. Agarrou depois uma barra de massa de modelar, partiu-a ao meio e perguntou: “Que vou fazer com isto quebrado?” ● Através deste novo fragmento de seu jogo estamos mais próximos de compreender o significado de sua fobia. Expressa o desejo de que a irmã não tivesse nascido - a boneca que tenta introduzir na banheira, símbolo do ventre materno -, fazendo isto imediatamente depois de havê-la colocado de pé. Mas a irmã existe e fica de pé - as bonecas que coloca em pé - e então surgem seus impulsos destrutivos e parte em dois a barra de massa de modelar, com o significado de quebrar-lhe as pernas. ● Mediante esse deslocamento dos conflitos com sua irmã - produto do coito dos pais - à figura dos rengos, estes se transformaram em objetos perseguidores, que devia evitar. Colocando neles o ódio e o medo, pôde continuar vivendo em paz com sua irmã. A mãe disse que Beatriz adora a sua irmã e em certo sentido tem razão. Através do exposto, podemos inferir por que Beatriz escolheu os rengos como objeto de sua fobia. ● Esta coincidiu com a aprendizagem do caminhar de sua irmã, que ao andar aumentou os ciúmes, a inveja e a rivalidade, assim como se transformou em alguém mais temido, por poder deslocar-se livremente. A morte da avó, ocorrida nesses dias, significou para Beatriz o juízo da realidade de que a morte existe, aumentando o medo de que suas fantasias destrutivas pudessem materializar- se. ● De algum modo, o relato dos pais de seu pranto incessante, agarrando-se às grades do berço no dia em que sua irmã chegou a casa, nos evoca a imagem de alguém que se agarra a algo para não cair. Todos esses conteúdos foram-se esclarecendo no transcurso do tratamento. A interpretação sistemática do material, formulada no plano transferencial e no plano da sua relação com os objetos originários - pais, irmã, avó -, determinou uma melhora considerável de sua fobia. Isso induziu a mãe a interromper a análise dois meses depois de iniciada. ● A fobia à escola, que apareceu dois anos depois deste tratamento, também estava em íntima relação com sua irmã, de quem se tornou inseparável. Permanecia constantemente ao seu lado, impedindo-lhe toda ação, isto é, paralisando-a. CASO 10 ● Geraldo, de oito anos, sofria de epilepsia, com frequentes convulsões (quatro ou cinco por dia), e sua aprendizagem estava perturbada por contínuas ausências. ● Entrou sozinho no consultório e pareceu não se interessar pelos brinquedos; começou a desenhar uma casa, esmerando-se em fazer bem todos os detalhes e conseguindo-o de modo que pudesse ser considerado como adequado a sua idade. ● Coloriu-a cuidadosamente e, quando terminou, fez sobre ela múltiplas nuvens, grandes e escuras. As primeiras estavam muito próximas da borda superior da folha e as que se seguiram foram se aproximando cada vez mais do teto da casa. Quando desenhou a última, tinha perdido o limite entre esse céu carregado de nuvens e o teto da casa. Então disse: “Chegou a tormenta, o teto vai cair". As nuvens cada vez mais próximas à casa simbolizavam e dramatizaram a aura e a tormenta que derrubava a casa era representação do ataque convulsivo com a consequente queda. Depois de dizer-me: “Chegou a tormenta, o teto vai cair”, pediu-me que o ensinasse a fazer uma casa “que não desaba”. ● A fantasia inconsciente de sua enfermidade era que uma força alheia a ele, incontrolável - a tormenta -, da qual sentia o anúncio - aura -, mas contra a qual não podia lutar, o vencia, produzindo-lhe convulsões. Sua fantasia de cura consistia em que lhe ensinasse a controlar essa força, para poder assim evitar a convulsão e o desabamento.
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